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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

HEITOR SOUSA DE SALES

RESUMO DO DOCUMENTÁRIO “ESTAMIRA”

São Luís
2022
HEITOR SOUSA DE SALES

Resumo Do Documentário “Estamira”

Resumo elaborado para a disciplina de Psicopatologia I da


Universidade Federal do Maranhão, sob orientação da Prof.ª Dr.ª
Júlia Soares Maciel, para obtenção de nota parcial

São Luís
2022
O documentário Estamira, dirigido por Marcos Prado e produzido por José
Padilha, tem como protagonista a homônima personagem de uma mulher de 63 anos que,
ao presente momento de sua vida, trabalhava no Aterro Sanitário do Jardim Gramacho,
em Duque de Caxias – RJ. Seu discurso eloquente ganha destaque e suscita grandes
questionamentos por parte dos espectadores ao expor de modo próprio as contradições
que circunscrevem a totalidade de sua rotina, de sua história. Com base nos
comportamentos apresentados, o objetivo do texto é utilizar-se do longa-metragem para
ilustrar algumas categorias e subdivisões do delírio a partir de Cheniaux (2020).

Karl Jaspers conceitua delírio como uma alteração do pensamento constituída


de “[...] juízos patologicamente falsos, que possuem as seguintes características externas:
acompanham-se de uma convicção extraordinária, não são suscetíveis à influência e
possuem um conteúdo impossível.” (JASPERS apud CHENIAUX, 2020, p. 139). Além
da definição clássica, outras características podem são a idiossincracidade da vivência
delirante e o saber em maior ocorrência ao acreditar. (CHENIAUX, 2020)

O documentário retrata com clareza, em vários momentos, como Estamira


possui plena convicção do que argumenta, inclusive buscando convencer – a exemplo da
primeira cena em que seus filhos aparecem – outras pessoas de suas colocações, partindo
de uma ação de propósito indubitável e combativa. Em um momento posterior, quando
se discutiu o início do surgimento das vivências delirantes na protagonista, é passível de
exemplificação a impossibilidade de seu discurso ao apontar em si o nascimento antes da
vida. Sua filha alude a uma trajetória de sofrimento que refletiu em seu adoecimento
enquanto o plano é contraposto ao de Estamira falando, tratando de sua “transição” a
partir de seu local de sabedoria, que viria de antes de sua própria existência em “sangue
e carne”.

Acerca das nosografias que o texto aborda, a primeira expressa é a divisão


quanto à origem, em primário, secundário e ideias prevalentes. Diagnosticada com
Esquizofrenia, os delírios primários – ideias delirantes autênticas, que não possuem bases
em outros distúrbios – compõem grande parte de suas vivências alteradas de juízo,
especialmente quanto às percepções e representações. Estamira revela o significado da
primeira tempestade que ocorre durante o desenrolar da história e afirma se tratar de uma
briga entre si e seu pai astral. É descrito por sua filha que, no momento de começo das
vivências patológicas, sua mãe olhou para uma palmeira e disse: “esse é o poder real”.
Apesar de se tratar de fragmentos de uma profunda cisão de personalidade, as ideias
possuem entre si uma coesão lógica, que são organizadas e consistentes com uma linha
de argumentação, caracterizando o conjunto expresso por Estamira como um delírio de
natureza sistematizada.

Partindo das definições que Cheniaux (2020) informa acerca dos mecanismos
formadores dos delírios, o mais adequado com o diagnóstico e com os comportamentos
apresentados é um certo substrato intuitivo, que diz respeito à uma cognição delirante. A
respeito dos temas presentes, a protagonista apresenta alguns diferentes tipos, como o de
perseguição – apresentado a partir do relato de sua filha, quando do surgimento de
sintomas, ao falar que a mãe dizia estar sendo vigiada por agentes do FBI – de influência
– ao narrar os modos de agir do “controlo remoto” nas pessoas, inclusive afirmando dores
que sentira e que decorreriam deste processo – de grandeza, místico e de fantasia – ao
afirmar que seria possuidora de habilidade especiais de revelar a verdade diante daquilo
que Jesus não foi capaz de fazê-lo, tendo-o feito com grande parte das pessoas da
humanidade.

Especificamente na esquizofrenia, como afirma Cheniaux (2020), os delírios


são costumeiramente bizarros – isto é, juízos impossíveis de acontecer – podendo ser
primário ou secundário, a depender do acompanhamento ou não de fenômenos
alucinatórios. Em alguns casos, Estamira encontra seu delírio situado em algo de terrível
que possa acontecer e que fundamenta uma nova realidade, como exemplifica o episódio
da morte de seu pai, ao afirmar, primeiramente, que ele havia sido capturado no século
43 e que depois este teria morrido.

Usar de uma peça cinematográfica tão complexa como Estamira para


exemplificar alterações funcionais no pensamento empobrece alguns dos
questionamentos que o próprio filme ressalta na voz de sua protagonista. Muitas das
reflexões suscitadas pela protagonista acabam sendo encobertas com o manto do
diagnóstico e deixadas de lado. Muito do repertório do qual viveu Estamira acaba sendo
descontextualizado para dar corpo a certos tipos de psiconosografias, deixando-se de lado
a discussão psicopatológica fundamental acerca do sofrimento em um segundo plano.

Portanto, para uma leitura mais densa da riqueza cultural do trabalho é preciso
chegar com um olhar mais sensível e voltado para a realidade a fim de que se desenvolva
a iniciativa descrita. Entretanto, a partir da referência selecionada, foi possível constatar
algumas alterações presentes, especialmente aquelas típicas da esquizofrenia e de delírios
autênticos. Também se mostrou precisa as descrições dos tipos de origem, de organização
e de tema – e achei alguém de quem gostei para futuros contatos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHENIAUX, Ellie. Manual de psicopatologia. 6a e.d. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan, 2021. 216p.

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