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HERMENÊUTICA – APOSTILA

IBFOM (Instituto Bíblico de Formação de Ministros) – Sede da Comunidade Cristã Verdade e Vida
(Av. Expedicionario Bittencourt Rodrigues, 20 - lote 08 Quadra - Maria Paula, São Gonçalo - RJ)

Prof: Gustavo Borner

Aula 1 – 10/4/2019 (2ª TURMA: 22/3/2021)

1) Conceito: É a ciência que estuda os princípios e métodos de interpretação. Aplicada à teologia, é


a ciência que interpreta os textos bíblicos e os aplica na vida prática. Em palavras mais simples,
interpretar é explicar, esclarecer, traduzir para aplicar. Há Hermenêutica Jurídica (interpreta leis
latu sensu), Filosófica (interpreta textos filosóficos), Científica (a da compreensão linguística),
Aplicada (interpretação das expressões da vida humana é um ato de compreensão histórica),
Fenomenológica (compreensão da existência humana) Cultural (interpretação e recuperação do
sentido dos mitos e símbolos de determinada época) e outras, qualquer uma que busque
interpretar um texto ou discurso1.

• Etimologia: Do G. HERMENEUTES, “intérprete”, de HERMENEUEIN, “interpretar”,


considerado um derivado do nome do deus HERMES, divindade da fala e da eloquência 2, ou
o que trazia mensagens. Por isso “Hermenêutica”.
• Importância: se até em um diálogo entre 2 ou + pessoas que vivem na mesma época, falam
a mesma língua e moram na mesma cidade há problemas de interpretação, quanto mais
entre nós e os escritos bíblicos.

2) As duas ciências que formam a hermenêutica


- Crítica textual ou Baixa Crítica: estuda os manuscritos, os livros e cartas bíblicos, procurando
encontrar possíveis erros e restaurá-los até o máximo possível. É um trabalho de arqueologia,
buscando os textos mais antigos possíveis; comparação de versões de documentos bíblicos;
comparações com textos extrabíblicos, para compreensão do contexto etc.

• Curiosidade: a Crítica Histórica ou Alta Crítica é a que se ocupa de criticar, problematizar o


texto e tudo o que ele diz, ou seja, autoria (foi mesmo este autor, que dá nome ao livro,
que o escreveu?; ex: o livro de Isaías , provavelmente, não foi todo escrito pelo profeta,
segundo alguns críticos3), idade (ex: livro de Daniel, que supostamente foi escrito depois
dos acontecimentos que ele profetiza, ou seja, não se tratava de profecia, mas de história),
dentre outros aspectos.

- Exegese: extrair do texto, interpretar, arrancar para fora do texto o que ele significa 4. A exegese
bíblica é a tentativa de extrair o significado de um texto bíblico. O exegeta, neste caso, precisa
conhecer bem os idiomas bíblicos, o contexto histórico, cultural etc. Por isso é tão difícil separar
hermenêutica de exegese, porque esta é o que o texto diz e aquela é o que nós pensamos sobre
ele e como o aplicamos na prática5.

1 Da Silva, André Luis da Silva. Conceitos de Hermenêutica. Em https://www.infoescola.com/filosofia/conceitos-de-


hermeneutica. Acesso em 8/4/2019.
2 Em https://origemdapalavra.com.br/?s=hermeneutica acesso em 10/4/2019.
3 Para um resumo desta discussão, ver “Quem Escreveu o Livro de Isaías?”, em
https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2015/08/quem-escreveu-o-livro-de-isaias.html. Acesso em 22/3/2021.
4 Damasceno, Valder. Hermenêutica X Exegese – Qual a diferença? https://dicas.gospelmais.com.br/hermeneutica-
x-exegese-%E2%80%93-qual-a-diferenca.html acesso em 8/4/2019.
5 Matos, Samuel. Qual é a diferença entre exegese e hermenêutica? Em
Ex: Salmo 130 v.6: Espero pelo Senhor mais do que as sentinelas pela manhã; sim, mais do que as
sentinelas esperam pela manhã! Exegese: buscando o texto original hebraico e o contexto
percebe-se que os guardas temiam o período noturno porque os inimigos se valiam da escuridão
para atacar. Hermenêutica (uma das possíveis aplicações): nosso desejo por Deus é maior que o
dos guardas pela segurança trazida da manhã, ou seja, nossa segurança deve estar no Senhor e
não no que nossos sentidos podem perceber.

• [Curiosidade] Eisege: não faz parte da hermenêutica. Enquanto exegese é ex-trair, ex-ternar,
ex-teriorizar, ex-por, ou seja, retirar do texto o que ele diz, eisege é injetar no texto algo que
o intérprete quer que esteja ali mas que na não faz parte do que foi escrito 6. É forçar o
texto a dizer o que ele não diz.

Ex: “’Maldito o homem que confia no homem’ (Jeremias 17:5 parte “a” ), por isso não
podemos confiar em ninguém, vivermos isolados, não confessar nada a pastores muito
menos a outros irmãos etc”. O texto do próprio versículo dá parte da resposta “Maldito o
homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do
Senhor”, ou seja, a ênfase não é na confiança em outra pessoa, mas em deixar sua vida
como um todo confiada na força humana e não em Deus.

(2ª TURMA - Aula 2 : 29/3/2021)


3) A Bíblia é Cristocêntrica
“Cristo é o Mestre, as Escrituras são apenas o servo. A verdadeira prova a submeter todos os Livros
é ver se eles operam a vontade de Cristo ou não. Nenhum Livro que não prega Cristo pode ser
apostólico, muito embora sejam Pedro ou Paulo seu autor. E nenhum Livro que prega a Cristo pode
deixar de ser apostólico, sejam seus autores Judas, Ananias, Pilatos ou Herodes”. Martinho Lutero

Apesar de utilizarmos a bíblia, sabemos que não é ela quem salva. Jesus é o Evangelho; suas
palavras, ações, sua morte e ressurreição são a nossa fé, não o escrito em si. Há cristãos no mundo
que nunca tiveram o Evangelho de Mateus nas mãos mas já ouviram e vivem o Evangelho.
“Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa
capacidade vem de Deus, O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento,
não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica”. 2 Coríntios 3: 5,6.

Assim, toda a bíblia aponta para Jesus; tudo o que foi dito antes (especialmente) e depois dele, é
cumprido n'Ele, e o que não se adequa a Ele e seu Espírito deve ser rejeitado ou compreendido à
luz do que Ele ensinou. Não é possível obedecermos ao pé da letra toda a bíblia e permanecermos
cristãos. Como podemos, por exemplo, desejar a morte de nossos inimigos ou que seus filhos
sejam esmagados contra a rocha (Salmo 137:9), já que o Senhor, pendurado na cruz, pediu ao Pai
que perdoasse o povo que o estava assassinando (Lucas 23:34)? Entender o contexto da época do
Salmo, a revelação que até então tinha o povo judeu e a que nós temos hoje, com o Espírito de
Cristo, é essencial para interpretar e aplicar qualquer parte da bíblia, inclusive no novo testamento.

De todo modo, aprendemos sobre Jesus pelo que está escrito nos evangelhos, nos livros de
Mateus, Marcos, Lucas e João. Jesus mesmo, nada escreveu. Só sabemos sobre Ele em segunda
mão, no mínimo – estou-me referindo apenas aos textos bíblicos. Porém, é inegável que a
revelação de Cristo se dá por uma ação do Espírito, não da leitura. Se dá com novo nascimento

https://bibliacomentada.com.br/index.php/qual-e-diferenca-entre-exegese-e-hermeneutica. Acesso em 8/4/2019.


6 Em http://aquieuaprendi.blogspot.com/2015/02/o-que-e-exegese-e-eisegese.html acesso em 8/4/2019.
(vide João 3 e a conversa de Jesus com Nicodemus), não com nova interpretação sobre textos
bíblicos. Apesar da verdade contida nesta conclusão, só podemos assim concluir porque é
exatamente isto que está escrito na bíblia, nos evangelhos e no restante do Novo Testamento. Em
outras palavras, a experiência é pessoal, real, mas é confirmada ou rejeitada pelos textos que
lemos. Se assim não fosse, qualquer pessoa, com qualquer tipo de doutrina, poderia dizer ter sido
por Deus visitada e não teríamos qualquer base para examinar seu ensino. Como crer em uma
“revelação” de alguém que afirma que sabe o dia e a hora que Jesus retornará ou que alega saber
das “coisas inefáveis que Paulo ouviu no terceiro céu”? Apenas interpretando os textos bíblicos
que tratam de tais assuntos.

4) A importância do contexto
Esdras Costa Bentho, ao explicar a etimologia da palavra 7: “No latim, cun é preposição do ablativo
que denota união, associação ou companhia, e textum significa 'tecido'; por extensão, 'contextura,
trama'. Aplicados a documentos escritos, expressa a conexão de pensamento que existe entre
diferentes partes para fazer dela um todo coerente”.

Ninguém é um ser isolado da época que vive, nem os personagens dos textos bíblicos eram,
incluindo Jesus. Por isso, antes de retirar qualquer conclusão apressada sobre uma doutrina ou até
aplicação pessoal, necessitamos entender o contexto que cada texto está inserido, a inter-relação
de circunstâncias que acompanham os fatos, histórias, recomendações, cartas bíblicos.

Ex: Mateus 2: 23 “E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que
fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno”. Se formos apressados concluímos que existe
esta profecia no AT, mas em NENHUM lugar há tal referência nem a Nazaré nem a algum nazareno.
O que fazer? Olhar para o contexto. Mateus, o escritor, é judeu e profundo conhecedor do AT,
sendo difícil que ele cometesse um erro crasso como este. Nota-se que quando ele se refere a
algum profeta, faz a introdução no singular: “para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo
profeta” (Mateus 1.22) ou “Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias” (Mateus 2.17),
o que leva a crer que não está, em 2:23, referindo-se à fala específica de algum profeta, mas ao
ensino geral sobre o Messias no AT.

São apontadas 3 soluções8:


1) o autor está baseado em Isaías 11.1 “Do tronco de Jessé sairá um rebento e das suas raízes, um
renovo.” Rebento em hebraico é netser, cujo som e escrita são semelhantes a palavra hebraica
para Nazaré (natsarat);
2) Mateus está dizendo que o Messias veio de Nazaré, lugar de gente simples, desprezada, como
em Isaías 53:2 “Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não
tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse” o que
se denota pela fala de Natanael em João 1:46 “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?”; ou
3) relação da palavra Nazaré com o voto de Nazireu (Núm 6), que significa consagrado, devoto. Em
Juízes 13 lemos a história de Sansão, sobre o qual é dito: “o menino será nazireu consagrado a
Deus, desde o ventre materno até ao dia de sua morte” (Jz 13.7), mas não que Jesus fosse nazireu
no sentido estrito (não poder tomar bebida forte ou aparar cabelo e barba), mas que seria
consagrado, que é o principal no nazireato.
É possível, até, considerar todas as posições plausíveis.

7 In Hermenêutica Fácil e Descomplicada, p. 133. CPAD.


8 [Sem autor] “Ele Será Chamado Nazareno (Mateus 2.23)” em https://issoegrego.com.br/2016/06/02/ele-sera-
chamado-nazareno-mateus-2-23/. Acesso em 10/4/2019
Aulas 2 e 3 (19h às 22h) – 17/4/2019

• Contexto IMEDIATO ou PRÓXIMO (anterior e posterior): é o que está próximo do texto


estudado, os versículos e parágrafos imediatamente anteriores e posteriores. Não há regra
sobre quantos versos devemos nos ater, mas quanto mais abrangente for a leitura, melhor
a compreensão. Ex: Ap 3:20 “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e
abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo” normalmente utilizado
como apelo evangelístico - ainda que não seja um erro evangelizar citando qualquer
palavra da bíblia – não se dirige a incrédulos mas à igreja, aos crentes orgulhosos de
Laodicéia. Como sabemos isto? Simples, basta olhar 6 versos antes, no 14, que diz “E ao
anjo da igreja de Laodicéia escreve...”.

◦ TRABALHO: Leia o texto 1 Co 2:9 “mas, como está escrito: nem olhos viram, nem
ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado
para aqueles que o amam.” e responda: 1) o que você pensa/sempre pensou que este
texto está dizendo, olhando apenas para este verso? 2) A partir do contexto imediato
anterior e posterior, você mantém sua conclusão da pergunta 1 ou ela é modificada?.
ENTREGA: 1/5/2019 (se tiver aula)

• Contexto REMOTO ou AMPLO: tudo aquilo que está “distante”, mas abrange o texto
estudado (seção— divisões maiores da obra, o livro como um todo e os demais aspectos
que envolvem o texto). É claro que cada pessoa, cada estudante da bíblia, divide as seções
segundo suas preferências, mas há um norte a seguir. Se não considerarmos o propósito do
escritor, os capítulos anteriores e os posteriores, outros textos da bíblia que tratem do
mesmo assunto, a realidade social, política e cultural da época do escritor, será fácil
distorcer o objeto do estudo ou deixar de compreender os principais ensinamentos da
passagem.
Ex: João, no evangelho, em 20: 30 e 31, demonstra o propósito maior em dar seu relato
do ministério do Senhor: “Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros
sinais miraculosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que
vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome”. Ou
seja, a intenção do evangelista é que pelo testemunho creiamos que Jesus é o Filho de
Deus, ou seja, que Jesus é Deus. Não é, por exemplo, confirmar que Ele era o Messias
prometido no AT, algo que o livro de Mateus se ocupa mais.

(2ª TURMA: AULA 3 - 5/4/2021)

No contexto amplo, o importante é verificar o tema exposto pelo versículo, parágrafo e


capítulo e como ele se relaciona com o tema geral do livro e com temas semelhantes em
outros livros da própria bíblia.

Ex: Isaías 29: 13 “O Senhor diz: Esse povo se aproxima de mim com a boca e me honra com
os lábios, mas o seu coração está longe de mim. A adoração que me prestam só é feita de
regras ensinadas por homens”. O livro de Isaías pode ser dividido – repare que eu disse
“pode”, não deve, porque podemos enxergar o contexto de muitas maneiras - em duas
principais partes9, a primeira pelos 39 capítulos iniciais, cuja temática é a “Denúncia dos
pecados de Judá”, e a segunda, os capítulos 40-60, cujo tema é a “Consolação de Judá”.
Recorrendo a outros textos, fora do livro de Isaías, encontramos o mesmo tema

9 Bentho, Esdras Costa. Hermenêutica Fácil e Descomplicada, p. 169. CPAD.


(formalismo, ativismo religioso e práticas de culto destituídas de justiça e sensibilidade
espiritual): a) os filhos de Eli (I Sm 2.12-36); b) o estado de Israel e dos seus sacerdotes em
Malaquias (1:6-14). No NT vemos a confirmação e ampliação do mesmo tema, por exemplo
em Marcos 7:6, que Jesus cita exatamente o texto de Isaías 29: 13, respeitando o contexto
da profecia, para se referir ao cerimonialismo externo e hipócrita dos fariseus, que
perguntaram a Jesus o porquê de seus discípulos comerem sem lavarem as mãos. Jesus
arremata: Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos
homens... Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de lado os
mandamentos de Deus, a fim de obedecer às suas tradições! Marcos 7:8,9.

Como a premissa do contexto remoto é entender o ASSUNTO estudado relacionando-o


com outras partes da bíblia, podemos nos valer de uma ferramenta interessante, o
paralelismo. Na geometria, duas retas são paralelas quando possuem a mesma inclinação -
mesmo coeficiente angular - a distância entre elas é a mesma e não possuem pontos em
comum. Da mesma forma, agora tratando das palavras, aparentemente, assuntos paralelos
não se encontram: os escritores são diferentes, ou as épocas, ou o assunto principal do
livro, ou todos estes pontos são distintos. Porém, a depender do tipo de geometria que
você considera10, duas retas paralelas podem se encontrar no infinito. Da mesma maneira,
ainda que textos paralelos não sejam iguais, o ponto comum sobre eles está no Infinito, em
Jesus. A chave hermenêutica é Jesus e para Ele todos os assuntos bíblicos convergem.
Vejamos dois tipos básicos de paralelismo.

◦ Paralelismo verbal11: a mesma palavra em diferentes textos. Na maioria das bíblias há


um recurso chamado “Concordância Bíblica”, que aponta diferentes textos que tratam
da mesma palavra ou do mesmo assunto (paralelismo real, que veremos adiante).
Podemos comparar uma mesma palavra ou locução em diversos textos e perceber
como eles se relacionam. Por vezes a relação será imediata, em outras não haverá
pontos em comum. Vejamos um exemplo:

A palavra luz: podemos comparar 2 Sm 23: 4 (ler versos 1 a 4) com João 8:12 e com
Mateus 5:14. Percebemos que há pontos em comum, mesmo que não imediatos. O de
2 Sm demonstra que, assim como a luz dissipa a escuridão depois da noite ou após um
dia nublado, o sucessor de Davi será o comandante das nações após um período de
dificuldades; os textos do NT demonstram que Jesus é a luz que ilumina os homens (em
João), que estão em trevas por causa do pecado e, ampliando a ideia, seus discípulos
iluminarão o mundo (em Mateus), não apenas cumprindo algum mandamento seu, mas
sendo a sua própria presença no meio de uma geração corrompida.
Não é possível ver o mesmo sentido no texto de João 16:21, que usa “luz” como
nascimento (“dar à luz”). Na comparação de Jesus, assim como a criança está no escuro
até que venha à luz (ou seja, nasça), os discípulos também estavam em trevas, vivendo
as “dores do parto” com a iminente morte de Jesus; porém, logo depois ficariam felizes,
na ressurreição do Senhor, assim como fica a mulher que vê seu filho nascer, não mais
se lembrando das dores que sentira enquanto estava em trabalho de parto.

10 Vivan, Luiz Carlos. “Duas Retas Paralelas se Encontram no Infinito?”. Em


http://recordandomatematica.blogspot.com/2015/08/duas-retas-paralelas-se-encontram-no.html, acesso em
17/4/2019.
11 Não estamos utilizando o termo “Paralelismo Verbal” segundo o sentido técnico de língua portuguesa, que confere
regras de estilo para utilização de verbos (tempo e modo), mas no sentido mais básico, ou seja, paralelismo de
palavras.
◦ Paralelismo real: o mesmo assunto em vários textos. Nem sempre são utilizadas as
mesmas palavras, literais, mas o assunto de um texto pode ter relação estreita ou
remota com outro. Já vimos um exemplo (Isaías 29:13 com Marcos 7:6), e neste caso o
assunto é exatamente o mesmo, ou seja, a nação de Israel cultuava a Deus apenas
externamente, nas formalidades, mas não no coração, na vida. Há, porém, textos que
tratam de assuntos semelhantes ainda que não haja citação direta de um por outro.

Ex: Pv 29:20 “Você já viu alguém que se precipita no falar? Há mais esperança para o
insensato do que para ele” e Tiago 1: 19 e 20 “Portanto, meus amados irmãos, todo o
homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do
homem não opera a justiça de Deus”. É possível perceber em ambos os textos a
necessidade de prudência ao falar; o assunto de um (precipitação na fala) confirma o de
outro (a fala que gera a conclusão precipitada); o assunto do segundo (ira humana não
pode produzir justiça divina) amplia o do primeiro etc.

5) A importância do entendimento do propósito do escritor de um determinado livro


Os livros bíblicos têm um assunto principal, um propósito que o escritor quer passar. Há muitos
tipos de texto (poético, profético, cartas etc) mas há dois tipos básicos: o narrativo e o discursivo.

Textos narrativos são os que descrevem eventos históricos, como a trajetória de uma pessoa ou de
parte de sua vida (ex: Ester), de um evento específico (ex: Neemias, que descreve a saída do povo
de Babilônia para a reconstrução da cidade e dos muros de Jerusalém), de um período da história
de um povo (ex: Êxodo, que conta a história de Moisés, a libertação do povo de Israel e seu
caminho no deserto; Atos, que conta a história dos apóstolos e da igreja primitiva, da ascensão de
Jesus até a chegada de Paulo a Roma; os 4 evangelhos) etc. Tais livros ensinam princípios,
mandamentos ou outros assuntos, mas no decorrer da narrativa. O assunto principal do livro se
desenvolve enquanto a história é contada, e saber o propósito de cada autor ajuda muito na
compreensão do livro, dos trechos, dos assuntos etc.
São perguntas importantes a se fazer em textos deste tipo: a) quem é (são) o principal(is)
personagem(ns)? b) qual o assunto principal (história de amor, conflito, viagem, crise local)?
c)onde ocorre esta história? d)quando ocorre esta história?

Tomemos o livro de Juízes: a) principais personagens: os juízes, que eram líderes militares ou civis
que libertavam o povo de Israel de seus opressores; b) assuntos principais: a falta de liderança
(depois da morte de Josué), idolatria, apostasia, opressão de povos estrangeiros e libertação de
Deus através dos juízes c) Onde: terra de Canaã ainda não totalmente conquistada d) quando:
entre a morte de Josué e a instituição da monarquia, com Saul, no período de 1380 a 1050 a.C.,
aproximadamente.

Textos discursivos são os que tratam de assuntos, temas, mais que de ação. Podem trazer doutrina
(ex: as cartas de Paulo, Pedro, João), poesia/sabedoria (ex: Cânticos, Provérbios, Eclesiastes),
instruções (ex: Filemom), profecia (ex: Apocalipse, Isaías) etc. Eventualmente uma história pode
ser narrada, mas dentro do tema desejado pelo autor. Algumas perguntas importantes: a)quem
escreveu? b)por que escreveu? c)como as ideias são relatadas? d) quais ordens, conselhos,
ensinamentos estão sendo passados pelo autor?

Tomemos como exemplo a carta de 1ª Coríntios: a) quem: Paulo b) por que: para tratar problemas
doutrinários e práticos da comunidade de fé deixada em Corinto c) como as ideias são relatadas:
Paulo trata dos assuntos que lhe chegaram, noticiados por alguns de seus discípulos, e passa a
ensinar e corrigir a igreja a partir destes problemas d) ordens e conselhos: exortação a unidade,
prática do amor, ordem no culto, utilização dos dons na comunidade, tratamento de pecados
sexuais etc.

Por todo o visto, saber o propósito do autor é mais relevante em textos discursivos, mas mesmo
nos narrativos, há um motivo maior para o livro específico a ser estudado.

6) A importância dos auxílios externos


Como já dissemos exaustivas vezes, o texto se desenvolve em um contexto. Há uma série de traços
que não estão no texto, literalmente – ou que não estão acessíveis a nós imediata e
cotidianamente – que ajudam muito na interpretação bíblica. São os chamados auxílios externos:
tudo o que não está no texto em que lemos mas que constrói seu significado. Vejamos alguns.

Aula 4 – 8/5/2019

6.1 – As línguas originais


A bíblia foi escrita em 3 idiomas: hebraico e aramaico no AT e grego no NT, por aproximadamente
quarenta escritores, em um período de 1600 anos. Não raras vezes precisamos ir ao idioma
original para entender melhor o que o autor quis dizer, sem deixar de lado todas as outras
ferramentas exegéticas e hermenêuticas disponíveis.

(2ª TURMA: AULA 4 - 12/4/2021)

• Hebraico12: o hebraico conta com 22 letras, na verdade, 22 consoantes. Não há vogais e os


atuais sinais vocálicos presentes no hebraico bíblico de hoje foram acrescentados entre 600
e 800 d.C. por estudiosos judeus, os massoretas. A partir do cativeiro da Babilônia a língua
hebraica foi muito influenciada pelo aramaico, que crescia e se tornava a língua
internacional. Depois o hebraico passou a ser apenas língua litúrgica e culta. No tempo de
Cristo o aramaico era a língua corrente falada na Palestina. A partir do fim do século XIX,
com o movimento sionista, se fez do hebraico uma língua moderna, escrita e falada, que
hoje é a língua oficial do estado de Israel, ao lado do árabe.
Ex: Deus era conhecido como “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”, ou seja, Deus não tinha
nome. O designativo “Elohim” (Gn 1:1) quer dizer “deuses”, ou seja, não é um nome
próprio. Só em Êxodo 3:15 aparece o nome YHWH ou YHVW, que é impronunciável por não
ter consoantes13; os massoretas (escribas judeus que se dedicaram a preservar e cuidar das
escrituras que atualmente constituem o Antigo Testamento) acrescentaram as vogais,
ficando YaHVeH, YeHVaH (Ex 3,15), YeHoViH (Is 50,4), YeHViH (Gn 15,2).

• Aramaico: parecido com o hebraico, mas não é um dialeto. A partir de 732 a.C., com a
queda da Samaria, o aramaico dominava as províncias do norte do Império Assírio. Quando
passou a ser a língua oficial do Império Persa, tomou conta de todo o ambiente bíblico.
Depois da conquista de Alexandre Magno (336 - 323 a.C), a língua oficial passou a ser o
grego, mas o aramaico estava de tal modo implantado que continuou sendo falado nas
regiões anteriormente ocupadas pelos persas.
A Bíblia contém poucos textos em aramaico, por isso seu estudo não é priorizado entre os

12 Da Rosa, Luiz. As Línguas Bíblicas. Em https://www.abiblia.org/ver.php?id=1177, acesso em 17/4/2019.


13 ‫ = י‬que pronuncia-se Yodh ou Yud = letra Y; ‫ = י‬que pronuncia-se He ou Hêi = letra H; ‫ = י‬que pronuncia-se Waw
ou Vav = letra V; ‫ = י‬que pronuncia-se He ou Hêi = letra H. Retirado de “Quem é o grande ‘Eu Sou’?” em
https://www.raciociniocristao.com.br/2014/05/voce-sabe-quem-yhwh-eu-sou/, acesso em 17/4/2019.
exegetas. Temos um versículo em Gênesis (31:47), um em Jeremias (10:11), parte de Daniel
(2:4 a 7:28), e dois trechos em Esdras (4:8 a 6:18 e 7:12-26). Existem também estudos que
sustentam o aramaico como língua original de Tobias e do Evangelho de Mateus.
A língua que Jesus falava no dia-a-dia era o aramaico, mas é provável que tenha estudado
hebraico, pois sabia ler os profetas, como mostra o episódio na sinagoga de nazaré (Lc 4,16-
20). Podia também ter alguma noção do grego, pois era a língua internacional de então.

• Grego14: em razão do projeto de expansão militar e cultural de Alexandre, "o Grande", o


mundo da época foi inundado com o grego "koine" (comum), idioma falado pelo povo do
império greco-macedônico, e tinha clareza, qualidade, facilidade de expressão e de
comunicação. É a língua dos primeiros cristãos, por isso todos os livros do NT foram escritos
em grego (exceto Mateus, provavelmente escrito em hebraico e mais tarde traduzido para
o grego), mas não o grego clássico dos filósofos. Ao contrário, era a língua popular do
homem comum, que todos podiam entender. O alfabeto grego, derivado do alfabeto
fenício, é composto por 24 letras. Nós utilizamos parte delas e até mesmo a nossa
expressão “alfabeto” é composta pelas duas primeiras letras do abecedário grego.

6.2 A História Antiga e a Arqueologia


História e Arqueologia fazem parte do estudo de qualquer texto, bíblico ou não. Servem para situar
o tempo, a cultura, a política que estavam por trás do texto escrito à época. Fazem parte, para nós,
da Isagogue Geral (ou Introdução Bíblica), junto com a Geografia Bíblica. Não há como tecer
maiores comentários, mas daremos alguns exemplos que apenas dão uma parca ideia da
importância destas matérias para a hermenêutica.

Ex de Arqueologia15:
“Em 1993, arqueólogos descobriram na região de Tel Dan (norte de Israel) uma estela (pedra) que
celebra a vitória do rei de Damasco (capital da Síria) sobre a 'Casa de Davi'”. O artefato – datado
para o século VIII a.C. – seria a primeira evidência extrabíblica da existência do rei Davi. Ocorre que
o hebraico não possuía vogais, por isso a tradução geralmente não é fácil. Na inscrição aparecem
as seguintes consoantes: BYT DVD. Inserindo as vogais podemos lê-la como BeYT DaViD (“Casa de
Davi”) ou como BeYT DoD (“Casa do amado”). A expressão “Casa de Davi” seria uma referência à
dinastia davídica (como “casa de Jeroboão”, cf. 1Rs 13,34). A expressão “Casa do Amado” seria
uma referência à Jerusalém (como “casa do Sol”, cf. Js 15,10)”.
Esta referência externa reforça a historicidade do rei Davi.

Ex de História Bíblica16:
“A Bíblia hebraica apresenta os querubins com a função de guardiões (Gn 3:24; Ez 28:16) e
montaria de Javé (Sl 18:10). Dotados de asas e corpo de animais, têm aparência semelhante aos
lamassus assírios/persas e esfinges egípcias (Ez 1;10).
Na iconografia do Antigo Oriente Próximo aparecem ilustrando tronos de reis/divindades. Isso
explica a fórmula: “Jávé se assenta sobre os querubins” (2Sm 6:2). Não eram vistos como “anjos”
(mensageiros celestes), mas como guardiões. Não eram percebidos como meninos peladinhos e
gordinhos alados (como na iconografia renascentista), mas seres com aparência imponente,

14 As línguas originais da Bíblia. Em https://www.palavrasdoevangelho.com/as-linguas-originais-da-biblia/ acesso em


17/4/2019.
15 Mendonça, Jones F. A "CASA DE DAVI" NA ESTELA DE TEL DAN. Em
http://numinosumteologia.blogspot.com/2019/04/a-casa-de-davi-na-estela-de-tel-dan.html acesso em
17/4/2019.
16 Mendonça, Jones F. QUERUBINS EM RUAS DE FOGO. Em http://numinosumteologia.blogspot.com/2017/05/a-
bibliahebraica-apresenta-os-querubins.html acesso em 17/4/2019.
intimidadora”.
Esta referência corrige a ideia que temos ao ler “anjo” na bíblia.

6.3 A geografia da Palestina na época da escritura da Bíblia


Geografia Bíblica é a parte da Geografia Geral que estuda as terras e os povos bíblicos e conduz à
História Bíblica. Conhecer o “chão” sobre o qual os povos se assentaram nos dá visão mais ampla,
expandindo nossa compreensão do texto. O texto bíblico faz menção a vários aspectos geográficos,
tais como montes, rios, planícies, montanhas, vegetação, que trazem informações a respeito da
narrativa que está se desenvolvendo 17. Se a narrativa destaca um ponto físico, cidade, rio, monte,
vale e etc, em particular, é porque esses elementos são de muita importância para compreender
aquele texto. Isso nos mostra que o completo entendimento daquela história bíblica só é atingido
quando estudamos as relações de todos esses aspectos em conjunto.

Na maioria das bíblias de estudo encontramos alguns mapas e descrições sobre como era a
geografia de alguma época específica sobre o livro que estamos lendo. Nosso curso não é sobre
Geografia Bíblica, mas daremos alguns exemplos de como esta matéria influencia na compreensão
do texto.

Ex: Deuteronômio 11:10-1218. Este texto trata da diferença entre a terra do Egito e a de Israel. O
Egito tem geografia plana (como o Rio Grande do Sul) e toda a sua cultura de alimentos se
desenvolveu às margens do rio Nilo, que com suas inundações deixava o solo pronto para o plantio
e adubado para a agricultura. A terra de Israel tem relevo acidentado, com vales e montanhas,
mais parecido, nesse sentido, com o Rio de Janeiro. E o texto usa uma figura de linguagem, “da
chuva dos céus beberá as águas”, para se referir que lá a agricultura depende da chuva; e que por
isso, depende de dos céus, depende de Deus.

Ex: Êxodo 16:35. Entre o Egito e Israel há cerca de 500km – alguns dizem 430km, a distância entre
Rio e São Paulo – a depender da escolha da rota, e obviamente não justificam 40 anos de
caminhada. Com certeza as caravanas daquele período faziam esse trajeto em cerca de 1 mês. Há
algo a considerar na narração bíblica para além de uma simples viagem do Egito para a Terra
Prometida. Há várias respostas: as guerras pelo caminho, os constantes acampamentos no deserto,
a complicada movimentação de 3 milhões de pessoas e, principalmente, o pecado do povo, o que
fez Deus retardar a chegada para esperar que a geração que saiu do Egito morresse e entrasse
apenas os filhos, com exceção de Josué e Calebe. Hoje é possível fazer a travessia Jerusalém-Cairo
em 12 dias a pé (450km em 6 horas por dia, a 6km/h cada dia perfazendo 36km percorridos),
apesar de ser uma aventura complicada (deserto, calor, conflitos na região etc).

6.4 - As muitas versões da Bíblia


As versões são necessárias porque a língua é dinâmica, inclusive a nossa. João Ferreira de Almeida,
tradutor mais conhecido e preferido dos cristãos brasileiros, fez sua primeira tradução com 16 anos
de idade, em 1644, do Espanhol para o Português e, considerando que ele mesmo era português,
não brasileiro, imagine a diferença da língua do século XVII, traduzida do espanhol para o
português de Portugal? Nem de perto as versões de Almeida de hoje se parecem com a original. A
pesquisa avançada que existe hoje das línguas originais, a evolução da linguagem, a arqueologia
17 Silva, Israel. Introdução à Geografia Bíblica – A Terra de Israel. Em https://acruzhebraica.com.br/antigo/introducao-
geografia-biblica-terra-de-israel/. Acesso em 77/5/2019.
18 A terra da qual vocês vão tomar posse não é como a terra do Egito, de onde vocês vieram e onde plantavam as
sementes e tinham que fazer a irrigação a pé, como numa horta. Mas a terra em que vocês, atravessando o
Jordão, vão entrar para dela tomar posse, é terra de montes e vales, que bebe chuva do céu. Deuteronômio
11:10,11
que nos faz entender melhor os textos e a própria cultura, tão mutante, fazem com que as versões
e atualizações sejam necessárias.

A primeira bíblia completa na língua portuguesa foi a Almeida Revista e Corrigida de 1898, fim do
século XIX. Hoje há inúmeras e cada uma serve a um propósito. A NTLH, por exemplo, serve para
pessoas com pouca instrução, mas constantemente faz paráfrases (releituras); a NVI (minha de
preferência) é mais fiel ao texto original mas “atualiza”, por exemplo, medidas, distâncias, para
padrões atuais (coloca côvados em metros, arrobas em kg etc) e assim por diante.
Para estudar, o mais indicado é recorrer a várias traduções, pois é na comparação que teremos
visão melhor e mais ampliada. Um dos muitos sites que encontramos versões é o
bibliaonline.com.br.

◦ Trabalho entre 3 e 5 pessoas (ENTREGA EM 22/5/2019 - 26/4/2021): Confronte os


textos de 1 Tm 2:11-15 (“a mulher aprenda em silêncio...não permito que a mulher
ensine”) com o de Gálatas 3:28 (“...não há judeu nem grego; não há servo nem livre;
não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”) e responda:
1) O ensino de 1 Tm vale ainda para hoje? Caso sim, em que medida é proibido o
execício do ministério à mulher é(ensinar, pastorear, liderar ou não outros homens etc)?
2) Se o texto de 1 Tm não vale para hoje, quais as razões para esta conclusão?
Para qualquer resposta (1 OU 2), baseie-se no contexto próximo e remoto, explicando
sua aplicação hermenêutica para os dias de hoje.

Aula 5 – 15/5/2019 (2ª TURMA - 19/4/2021)


Antes de prosseguirmos com a matéria, faremos a hermenêutica de um texto em sala. As
ferramentas hermenêuticas estarão no seguinte formato: CAIXA ALTA.

Mateus 10:28: E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele
que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.

Do que Jesus está falando?


1 - Vejamos o CONTEXTO IMEDIATO. O capítulo 10 de Mateus descreve Jesus enviando os
discípulos para pregarem sua mensagem aos filhos de Israel. Além da pregação, Jesus equipou-os
com poder para expulsar demônios, curar doentes e qualquer outro mal. Até Judas foi
comissionado, provavelmente executando o plano com êxito.
A ordem era clara: não vão aos gentios. Antes, à casa perdida de Israel (v.6). Não se preocupem
com muitos mantimentos ou roupas, porque quem trabalha recebe pagamento (v. 10).
O resultado da pregação seria dual: ou a casa, cidade, povoado receberia a mensagem, e com ela a
paz que só o Evangelho pode trazer, ou rejeitaria, de modo que o juízo para ela seria maior que
para Sodoma e para Gomorra.
Os discípulos iriam como ovelhas para o meio de lobos, ou seja, dóceis em meio aos seus
predadores. Por isso, Jesus diz que tais ovelhas deveriam ser como serpentes, mas só na
prudência, no esperar, na espreita, que serviria não para soltar veneno ou morder, já que não
teriam nenhuma ofensividade, como uma pomba.
A pregação os levaria à presença dos líderes religiosos, às sinagogas, e delas às autoridades civis,
exatamente como ocorreu com o Mestre: primeiro certificado como herege diante da religião “de
Deus”, depois jogado ao cárcere e à morte por ser um problema para as autoridades políticas. O
que dizer em tais situações? O Espírito falará por suas bocas.
Serão odiados; quando perseguidos, deveriam correr pra próxima cidade, porque antes que
terminassem de percorrer os perdidos, o Filho do Homem já teria vindo. Se perseguiram o mestre,
por que não os discípulos? O que foi dito como ensinamento privado deveria ser gritado aos
quatro cantos. O escândalo seria inevitável.

E aí vem o verso 28: não temam os que podem matar o corpo (soma), mas o que pode tanto a
alma (psyche) quanto o corpo (soma) lançar no inferno (geena).

2 - Analisando o texto grego [AUXÍLIO EXTERNO]: Geena = literalmente Ge-Hinom ou Vale de


Hinom. Que vale era esse? Jr 7:30 a 34 diz que neste vale eram queimados os filhos dos israelitas
que adoravam outros deuses [CONTEXTO REMOTO – PARALELISMO VERBAL]; sacrificavam os filhos
para terem favores materiais. Coisas que Deus nunca ordenou. Também é mencionada em Is
30:3319 e 66:24 de forma indireta. O rei Josias, fazendo um conserto com Deus, profanou o lugar,
para que parasse de ser feita esta adoração a Moloque (2 Rs 23:10). O termo “inferno” é uma
tradução imprecisa, não aparece no original, por isso temos de ir a outras versões [AUXÍLIO
EXTERNO – AS MUITAS VERSÕES DA BÍBLIA] ou ao original para entender melhor.

3 - Minha interpretação: O que observamos? Segundo entendo, Geena é um lugar de juízo, de


destruição. Mas quem destrói? Deus? Penso que sim, acima de qualquer dúvida razoável. Afinal, a
condenação do homem vem da boca do próprio Deus, desde a desobediência de Adão e Eva. Ele
pode lançar corpo (matéria) e vida (alma) na destruição. Essa referência aparece em Isaías
[CONTEXTO REMOTO – PARALELISMO REAL], de forma indireta – Deus condenando a Assíria à
destruição em Tofete, local de queimar filhos no fogo, localizado justamente no vale de Hinom.
Mas não podemos esquecer que TAMBÉM os HOMENS destruíam no vale de Hinom seus próprios
filhos. O vale simboliza a humanidade caída, que sacrifica seu próximo por cobiça, por dinheiro,
por religiosidade, assim como os idólatras filicidas; é a humanidade se autodestruindo.

Este “o que pode lançar a alma e o corpo...” no grego é um artigo acusativo masculino; pode ser
“aquele que”. Jesus parece não mais se referir a várias pessoas, como “os que” matam o corpo,
mas a um ser específico, que lança corpo e a alma (vida) na geena. A vida – ou alma, ou psyche -
quem pode matar? O HOMEM, você. Eu. No contexto imediato, é o espírito do homem que se
oporia à pregação e mataria os apóstolos (corpo) e tentariam exterminar com sua vida. Não
temam os que matam apenas o corpo, que só podem infligir castigos corporais, mas sim aquele
que lança corpo e vida na destruição.

Também é possível ver uma terceira figura: o DIABO. Com suas mentiras ele também pode lançar
os discípulos na destruição. Se, durante a caminhada, o discípulo para de crer em Jesus, assim
como Pedro afunda em meio às águas, sua fé, sua vida pode ser destruída – ainda que não
definitivamente – pelas ciladas do inimigo.

Portanto, o que podemos aprender com esta hermenêutica de um simples verso?


1. Ler o contexto imediato, o capítulo, é importante.

19 [AUXÍLIO EXTERNO - ARQUEOLOGIA] “Nome do lugar em que eles faziam seus filhos passarem pelo fogo para
Moloque. O nome do lugar era Tofete, e diziam que era chamado assim porque eles dançavam e tocavam
pandeiros [hebr.: tuppím] por ocasião da adoração, para que o pai não escutasse os gritos do filho quando o
estivessem fazendo passar pelo fogo, e para que seu coração não ficasse agitado e ele o tirasse da mão deles. E
esse lugar era um vale que pertencia a um homem chamado Hinom, de modo que era chamado de 'Vale de
Hinom' e de 'Vale do Filho de Hinom'. E Josias conspurcou [profanou] aquele lugar, reduzindo-o a um lugar impuro,
para nele se lançarem carcaças e toda impureza, a fim de que nunca mais subisse ao coração do homem fazer seu
filho ou sua filha passar pelo fogo para Moloque” (Biblia Rabbinica, Jerusalém, 1972). O Vale de Hinom, em
https://www.cafetorah.com/o-vale-de-hinom/ acesso em 15/5/2019.
2. Ir ao original da palavra, no caso, o grego. O nome “geena” é traduzido por inferno, que não
é a melhor ideia do que o termo trata.
3. Procurar referências no restante bíblia, no caso, Jeremias e Isaías.
4. Aprofundar o máximo que conseguir, pedindo a Deus direcionamento para que nos dê a
entender a Sua palavra.
5. Qualquer interpretação é fruto de alguma escolha de ênfase do intérprete, inevitavelmente
– eu fiz a minha na interpretação deste texto. A questão é que quanto mais noção do todo
se tem (de toda a bíblia, do contexto próximo, da língua, da cultura, do tempo presente),
melhor e mais profundamente se interpreta.

Aula 6 e 7 – 22/5/2019 (19h às 20h20 e 20h45 a 22h)

7) A importância do tempo em que a Bíblia foi escrita

7.1) Como a bíblia divide a humanidade


Não se tornem motivo de tropeço, nem para judeus, nem para gregos, nem para a igreja de Deus.
1 Coríntios 10:32.
Há muitos povos na bíblia, de egípcios a sírios, de hebreus (povos dos quais descende Israel, os
filhos de héber, os que estão do outro lado do rio) a romanos, de sírios a medo-persas, porém a
ênfase do autor bíblico é nestas três categorias: judeu, gentio e igreja.

• Judeu: nome que se dá ao natural de Israel no NT. A origem mais primitiva deste povo é o
povo hebreu, já que Abraão é designado por esta origem (Gn 14:13), que se refere aos
descendentes de Héber. O capítulo 10 de Gênesis fala dos descendentes de Noé e das
nações que se formaram a partir deles. Noé – descendente de Sete, um dos filhos de Adão
e Eva - teve três filhos: Sem, Cam e Jafé, além de outros mais que nasceram depois do
dilúvio. Héber foi um dos trinetos de Sem, filho de Noé. Segundo a tradição judaica, Héber
teria se recusado a participar da construção da Torre de Babel e o idioma de seu povo foi
preservado, o qual recebeu o nome de seu “protetor”, por isso a língua é hebraica.
O termo “israelita” é a versão em português do termo “filhos de Israel” (Bnei Yisrael). Ish ra
El é “aquele que luta com Deus”, nome que recebeu Jacó após ter lutado com Deus. Assim,
Jacó (Israel) é descendente de um hebreu (Abraão), assim os termos se relacionam. De
certa forma, todo o povo de Israel é também hebreu.

Por fim, o termo judeu vem da tribo de Judá, um dos 12 filhos de Israel (Jacó). Há três
razões porque este é o termo mais utilizado hoje:
1) é a tribo de maior proeminência no período de maior glória de Israel, o dos Reis, sendo
Davi (e o próprio Jesus) seu descendente;
2) foi a tribo que restou (junto com Benjamin) após a aculturação do reino do Norte pelo
Império Assírio em meados de 700 a.C, que abarcava as outras dez tribos (eram os
samaritanos da época de Jesus, um povo miscigenado);
3) é a região em que ficava o templo de Israel após o retorno da Babilônia;

A ordem genealógica, levando em conta os descendentes mais importantes para a história


judaica, é: Adão> Sete>...Noé> Sem (semitas)>...Héber (hebreus)>...Abraão> Isaque> Jacó
(Israel – israelitas)> Judá (judeus)>…Davi>...Jesus.

O judeu é, portanto, o povo de Israel, escolhido por Deus no passado e que, na época de
Jesus, se opôs fortemente à sua pregação. Paulo, em Romanos 9 a 11, descreve esta
complicada e maravilhosa história do povo judeu e seu relacionamento com Deus.
Vejamos:
Pois eu até desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de
minha raça, o povo de Israel. Deles é a adoção de filhos; deles é a glória divina, as alianças,
a concessão da lei, a adoração no templo e as promessas. Deles são os patriarcas, e a partir
deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de tudo, bendito para
sempre! Amém. Romanos 9:3-5.
E ainda: Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão.
Pelo contrário: "Por meio de Isaque a sua descendência será considerada". Noutras
palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que
são considerados descendência de Abraão. Romanos 9:7,8

(SEGUNDA TURMA: Aula 6 – 26/4/2021)


Gentios: são todos os povos não judeus. Especialmente no NT, os romanos e os muitos povos de
seu império eram denominados gentios. Desde Pôncio Pilatos até a mulher siro-fenícia (ou seja, de
origem síria e fenícia), para um judeu, todos eram “as gentes”, ou seja, os povos que não foram
escolhidos por Deus. Durante toda a narrativa do NT vemos a tensão que ocorre entre o que era
judeu e o que não era. Jesus mesmo, judeu, se relacionava com gentios de diferentes maneiras.

Ex: em Mt 15: 21 a 28 vemos claramente este conflito, em que Jesus compara os judeus a
filhos e os gentios a cães. Pela boca da siro-fenícia falam as mulheres e os representantes
gentios marginalizados naquelas comunidades cristãs, confirmada pela resposta de Jesus
que enxerga fé e humildade em suas palavras, o que é ainda ampliado por Paulo, que
justamente implica que é verdadeiro israelita aquele que o é pela fé, não pelo nascimento.

• Igreja: é a comunidade que nasce dos que creem em Jesus. Na verdade, a igreja é iniciada
pelos judeus. Foi profetizada por um judeu – Jesus (Mt.16:18) -, começou com apóstolos
judeus (Mt.10:1-5), na cidade judaica de Jerusalém, por ocasião da Festa Judaica de
Shavuot – Semanas (conhecida em grego por Pentecostes, Atos 2). No início da Igreja, a
maioria dos “membros” era composta por judeus ou, no máximo, prosélitos convertidos ao
Deus de Abraão, Isaque e Israel (Atos 2:5,9-11,37-42) 20. O livro sagrado era o Tanach
(acrônimo para Torá – Lei, Neviim – Profetas e Ketuviim – Escritos; isto é, o Antigo
Testamento), conforme 2 Timóteo 3:16, uma vez que o Novo Testamento ainda não havia
sido escrito pelos apóstolos e profetas (todos judeus, com exceção de Lucas).
Logo no início, os gentios começaram a fazer parte, através da pregação dos judeus, da
igreja. Em Atos 2 (Pentecostes) ocorre o milagre de Pedro falar em sua língua (aramaico) e
cada um dos presentes ouvir em sua língua materna (At 2:9 a 11). O episódio mais
emblemático é o de Atos 10, com a história da visão de Pedro sobre os animais impuros e a
visita à casa do centurião romano Cornélio. A frase de Deus para o apóstolo é “não
consideres impuro o que Deus purificou”, indicando que o próprio Senhor estava chamando
seu povo em meio a todas as línguas, povos e raças.
Por fim, o apóstolo Paulo, judeu que falava o grego (língua culta mundial da época, junto
com o latim), recebeu a revelação de que em Cristo não há judeu nem grego, escravo ou
livre, homem ou mulher, porque todos somos um em Cristo.

20 Dutra, Israel. Mistério de Cristo: judeus e gentios na igreja. Em https://www.gospelprime.com.br/misterio-de-


cristo-judeus-e-gentios-na-igreja/ acesso em 7/5/2019.
7.2) A importância da época de cada evento
Ao lermos qualquer texto nos relacionamos com ele de acordo com nossas pré-compreensões.
Ocorre que a personagem bíblica da época, seus limites do conhecimento e sua cultura não apenas
aparecem na bíblia como estão nela “respeitados”. Em Davi vemos um homem de Deus que
arrancava prepúcio de filisteus; em Rute vemos uma mulher que se oferece sexualmente a Boaz
(Rt 3:4); em Moisés encontramos o homem mais manso da terra forçando os israelitas a engolirem
ouro derretido etc.
Não é possível entender o texto sem levar em conta que cada época é cortada pela história e vida
comum das pessoas. Assim, vejamos alguns aspectos.

7.2.1 – O conhecimento do homem da época


Deus se revela na história mas está nela inserido, porque Ele resolveu fazer parte da história
humana, com suas limitações. Uma delas é a limitação do conhecimento, da ciência. Ex: Js 10: 12 e
13 afirma, com todas as letras, que o sol parou. Ora, sabemos que não foi isto que ocorreu, ao
menos não exatamente, já que é a terra que gira em torno do sol, não o contrário. E mais, o sol
também gira em torno do centro da galáxia. Uma resposta, dada pelo Prof. Adauto Lourenço 21, é
que todo o universo parou para que Josué pudesse terminar a batalha.
A bíblia é ótica de um observador finito sobre os acontecimentos extraordinários de Deus na
história, por isso hoje temos acesso a mais conhecimento, além de ter o todo da bíblia para
comparar e estudar.

7.2.2 – A revelação de Deus é progressiva


À medida que a história da humanidade avança, também avança o que Deus decide revelar sobre
si mesmo aos homens. Não é possível permanecer em Deus se permanecemos agarrados aos
literalismos da história, porque o próprio Deus não está amarrado a eles. Deus não se dá a
conhecer de uma vez a todos os homens, de maneira total, completa. A pista que Paulo dá ocorre
em 1 Co 13: 9, 10 e 12:

Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; Mas, quando vier o que é perfeito, então
o que o é em parte será aniquilado… Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então
veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.

Se olharmos para a lei de Deus do AT vemos como se trata, por exemplo, o adúltero. Lv 20:10 diz
que devem ser apedrejados o adúltero e a adúltera. Jesus, ao se deparar com a mulher adúltera –
curiosamente o homem não foi encontrado – não a apedreja e ainda lança sobre os acusadores o
peso de suas próprias acusações. O que é isso se não a revelação de Deus sobre a profundidade de
todo o pecado humano e seu consequente apedrejamento? Jesus não disse que ela não merecia o
apedrejamento; ela merecia. Ele apenas mostrou que todos, absolutamente todos, tropeçavam em
algum ponto da lei, e quem quisesse ser defensor da lei, que o fosse para os outros e para si
mesmo. Por isso, Jesus foi o “apedrejado” em lugar de todo o pecador que n'Ele crê.

7.2.3 - A Bíblia contém ciência mas não é um livro científico; contém história, mas não é um livro
histórico; contém geografia, mas não é um livro geográfico
Há erros na bíblia. Contradições. Heresia? Não. A questão é que nossa visão do que é erro não é a
visão do que para o escritor bíblico o era. Um bom exemplo é como enxergamos a narrativa da
criação do homem e sua queda. Alguns sustentam ser literal, outros apenas linguagem figurada
(afinal, há uma cobra falante na história, correto?).
Outros detalhes ficam perdidos no pós-dilúvio. Alguns teólogos dizem que o dilúvio não foi

21 Em https://www.youtube.com/watch?v=T4phUsvMu4k acesso em 7/5/2019.


universal, ou que não exterminou todos os homens. Ainda sim, a ideia central não é perdida : Deus
trouxe um juízo suficientemente universal para parar a impiedade dos homens na terra durante
aquele tempo.Como descrever a mulher de Caim? Era uma de suas irmãs ou uma mulher da raça
pré-adâmica?

Em qualquer resposta, o hermeneuta deve buscar ser honesto e não ter medo das respostas que
obtém, sempre tendo em conta que tais aspectos não são essenciais, mas podem ajudar na
compreensão do texto. Muitas vezes há imprecisões históricas, científicas ou geográficas, e à
medida que os estudos avançam, podemos compreender um pouco melhor o universo “distante”
do texto bíblico.

7.2.4 - O objetivo de Deus ao inspirar e revelar a palavra escrita (Bíblia) foi se revelar ao homem
A bíblia, apesar do livro maravilhoso que é, não tem a proposta de provar a existência de Deus de
forma científica. A ciência só pode provar aquilo que é observável, que mediante repetições em
ambiente controlado se mostra plausivelmente razoável como existente. A revelação de Deus ao
homem é algo – sempre – sobrenatural, e à medida que o conhecemos sentimos o desejo e até
necessidade de entender como Ele se revelou a outros homens na história. A bíblia é a história de
Deus com o homem, não a prova de sua existência.

(SEGUNDA TURMA: Aula 7 – 3/5/2021)

8) As duas “linguagens” em que a Bíblia foi escrita


Qualquer texto tem duas linguagens básicas, a literal e a figurada. Literal é a que usa o sentido
mais básico, usual e direto de uma palavra22. Quando uma palavra ou enunciado se apresenta em
seu sentido usual, adquire valor denotativo, que é o significado encontrado no dicionário. Ex:
Devorei um hambúrguer. Figurada é a linguagem que usa sentidos particulares, dependentes da
cultura, ampliando suas ideias para além do usual. É a linguagem em seu valor conotativo. Ex:
devorei um livro.

Na bíblia temos os dois tipos, e na maioria das vezes não há referência se a linguagem utilizada é
literal ou figurada, dependendo o texto da interpretação que se dá. Um bom exemplo é o Milênio:
alguns acham que é literal – os pré-milenistas creem em um reino terreno de Cristo por mil anos
literais – e outros, como eu, acreditam se tratar de linguagem figurada, o reino de Cristo por toda a
era da igreja no coração das pessoas – posição amilenista. Uma situação rara de explicação, em Mt
16: 1 a 1223, mostra Jesus falando com os discípulos sobre o tipo de linguagem que utilizara,
dizendo que não falava literalmente de fermento, de comida, mas dos fariseus, usando o fermento

22 Sentido Literal e Sentido Figurado. Em https://brasilescola.uol.com.br/gramatica/sentido-literal-sentido-


figurado.htm acesso em 22/5/2019.
23 Os fariseus e os saduceus aproximaram-se de Jesus e o puseram à prova, pedindo-lhe que lhes mostrasse um sinal
do céu. Ele respondeu: "Quando a tarde vem, vocês dizem: ‘Vai fazer bom tempo, porque o céu está vermelho’, e
de manhã: ‘Hoje haverá tempestade, porque o céu está vermelho e nublado’. Vocês sabem interpretar o aspecto
do céu, mas não sabem interpretar os sinais dos tempos! Uma geração perversa e adúltera pede um sinal
miraculoso, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal de Jonas". Então Jesus os deixou e retirou-se.
Indo os discípulos para o outro lado do mar, esqueceram-se de levar pão. Disse-lhes Jesus: "Estejam atentos e tenham
cuidado com o fermento dos fariseus e dos saduceus". E eles discutiam entre si, dizendo: "É porque não
trouxemos pão". Percebendo a discussão, Jesus lhes perguntou: "Homens de pequena fé, por que vocês estão
discutindo entre si sobre não terem pão? Ainda não compreendem? Não se lembram dos cinco pães para os cinco
mil e de quantos cestos vocês recolheram? Nem dos sete pães para os quatro mil e de quantos cestos recolheram?
Como é que vocês não entendem que não era de pão que eu estava lhes falando? Mas tomem cuidado com o
fermento dos fariseus e dos saduceus". Então entenderam que não estava lhes dizendo que tomassem cuidado
com o fermento de pão, mas com o ensino dos fariseus e dos saduceus. Mateus 16:1-12
como metáfora para o ensino deste grupo.Neste sentido, temos que ter atenção ao que é o signo
linguístico, elemento que apresenta dois aspectos, o significante e o significado 24. Significante é a
sequência de sons que se ouve. Se ouvimos o som “casa”, o som em si é o significante. O sentido
que atribuímos ao ouvir o significante é o significado. Em “casa” podemos pensar em imóvel
construído de alvenaria, ou descendência (“casa de Davi”), ou templo (“casa de Deus”). Um
significante idêntico pode ter significados totalmente diferentes a depender da região, época,
idioma. Ex: “embaraçada” pode significar “constrangida” em português, mas em espanhol é
“grávida”. Veremos a seguir como é importante nos darmos conta dos signos linguísticos em cada
situação, através do estudo das figuras de linguagem.

9) Figuras de linguagens
Para que entendamos o significado de uma palavra ou frase, temos de levar em conta o contexto
literário, ou seja, o sentido que as pessoas da época do texto davam àquela expressão. Não é raro
que, com o passar do tempo, o mesmo significante assuma significados distintos. Bom exemplo é
“coração”, que em nossa cultura está ligado a sentimentos, enquanto na bíblia quer dizer todas as
“fontes da vida”, ou seja, além de sentimentos os pensamentos, os desejos, as crenças. Davi era
“segundo o coração de Deus” não apenas porque “sentia” o que Deus sentia, mas porque pensava
de acordo com a mente de Deus para o seu tempo e inclinava sua vida em adoração a Jeová.
Apesar de sentir tristeza pela morte de seu filho, fruto de um adultério com Bate-Seba, seu
coração estava inclinado a adorar a Deus, contrariamente a seus sentimentos.

Vejamos algumas – não todas – figuras de linguagem e recursos literários encontrados na bíblia 25.

9.1) Metáfora: uso de uma palavra ou expressão com o sentido de outra com a qual é possível
estabelecer uma relação de analogia26. Mais uma vez é preciso conhecer a cultura da época para
que se entenda o real significado. Chamar alguém de “burro” ou “jumento” em nossa cultura é
ofensa à intelectualidade, mas em Gênesis 49, quando Jacó vai abençoar seus filhos, Issacar é
chamado de “jumento de fortes ossos” (analogia com a força e determinação - "Issacar é um
jumento forte, deitado entre as suas cargas.Gênesis 49:14), Naftali de “gazela solta” (analogia com
velocidade e liberdade - "Naftali é uma gazela solta, que por isso faz festa. Gênesis 49:21) e Dã de
“serpente junto ao caminho” (analogia com perspicácia e estratégia diante dos inimigos - Dã será
uma serpente à beira da estrada, uma víbora à margem do caminho, que morde o calcanhar do
cavalo e faz cair de costas o seu cavaleiro. Gênesis 49:17) etc.

9.2) Metonímia: substituição de uma palavra por outra, quando há relação de contiguidade, ou
seja, proximidade de sentido entre elas. É a substituição de palavras que guardam uma relação de
sentido entre si. A palavra “gordura” estava intimamente ligada às emoções, porque é nas
entranhas que há gordura, além de ser a parte mais saborosa do sacrifício, que era comido pelo
ofertante e/ou pelo sacerdote, a depender do tipo de oferta. A maioria das ofertas
veterotestamentárias tinha sangue – representando expiação, preço pela culpa – e gordura –
representando celebração, alegria, abundância. O sacrifício pacífico de Lv 3 - que não era oferecido
para pagar pecados, mas como gratidão - no verso 3 demonstra que os sentimentos, a paixão do
ofertante era simbolizada pelas entranhas, as vísceras que continham a gordura. Por isso “gordura”
é uma metonímia – palavra substituta - para “sentimentos”, “alegria”, “abundância” etc.

24 Signo. Em https://www.soportugues.com.br/secoes/seman/seman4_2.php acesso em 22/5/2019.


25 Para mais exemplos de figuras de linguagem da língua portuguesa, ver “Figuras de Linguagem e ensino”, de
Afrânio Garcia (UERJ), em http://www.filologia.org.br/viiisenefil/03.html. Acesso em 3/5/2021.
26 Em https://www.significados.com.br/metafora/ acesso 22/5/2019.
Ex: Quão preciosa é, ó Deus, a tua benignidade, pelo que os filhos dos homens se abrigam à
sombra das tuas asas. Eles se fartarão da gordura da tua casa, e os farás beber da corrente das
tuas delícias Salmos 36:7,8.

9.3) Hebraísmos27: são figuras de linguagem próprias da cultura semítica antiga, muitas vezes sem
correspondência com a nossa cultura. Não é possível olhar para o texto e saber, a priori, o que o
escritor quer dizer, sendo necessário estudo diligente para adentrar a cultura da época. Nesse
ponto, não adianta fazer um estudo da língua, porque as palavras, ainda que traduzidas, assumem
diferentes significados a depender do contexto. Vejamos alguns tipos de hebraísmos.

9.3.1 – Hebraísmo de Posse ou Poder:


Moabe a minha bacia de lavar; sobre Edom lançarei o meu sapato, sobre a Filístia jubilarei Salmos
108:9.
“Lançar o sapato” ou a “sandália” quer dizer tomar posse ou dominar algo.
“Pé” também pode significar poder ou posse.
“Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto, e desde o Líbano, desde o
rio, o rio Eufrates, até ao mar ocidental, será o vosso termo Deuteronômio 11:24.
“Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés” 1 Coríntios
15:25.

9.3.2 – Hebraísmo de Felicidade e Suficiência: relacionado ao termo “gordura”, como vimos. “E


saciarei a alma dos sacerdotes com gordura, e o meu povo se fartará dos meus bens, diz o Senhor”
Jeremias 31:14.

9.3.3 – Hebraísmo de Contraste ou Antítese: o contraste é uma figura muito usada no hebraísmo
para passar ideias, conceitos, ensinamentos. É também conhecido como “paralelismo antitético”.
“O filho sábio alegra seu pai, mas o homem insensato despreza a sua mãe” Provérbios 15:20.
“O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” Salmos 30:5.
“Amei a Jacó e aborreci a Esaú” Rm 9:13.
“Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um
edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus” 2 Coríntios 5:1.

9.3.4 – Hebraísmos de Poder e de Força: o mundo semita se utilizava muito de objetos concretos
para designar coisas abstratas. Muitos exemplos são encontrados e a dificuldade é saber o que se
passava na mente do autor, mas em alguns pontos não é tão complicado. Um dos usos mais
comuns é o de poder ou força.
“O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte [segurança], e o meu libertador; o meu Deus, a
minha fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força [chifre ou qeren] da minha salvação, e o
meu alto refúgio” Salmos 18:2 ou
“E quebrarei todas as forças [chifre] dos ímpios, mas as forças dos justos serão exaltadas” Salmo
75:10.
Isso nos ajuda a entender o significado dos chifres em Daniel e em Apocalipse, que significam
reinos, domínios, impérios ou chefes político-espirituais, individualmente falando.

27 Bentho, Esdras Costa. Hermenêutica Fácil e Descomplicada, p. 210 e seguintes. CPAD.

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