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Luto e Ressignificação frente ao suicídio

Na sociedade em que vive se na busca por prolongar a vida, aqueles que


provocam a própria morte, auto infligida, são por vezes visto com temor o que
impacta a perspectiva social das mortes por suicídio e seus rituais fúnebres
(KÓVACS, 2018). De acordo com a OMS (2008) para cada ato consumado outras
20 pessoas podem tentar suicídio, o impacto emocional pode durar anos para
indivíduos próximos ao falecido, esse impacto envolve a expressão do luto dos
sobreviventes, pois além de ressignificar a relação com a morte e com quem
morreu, os enlutados precisam lidar com as repercussões da morte em seu meio
social, sofrer com estigmas relacionados com a questão do suicídio (CANDIDO,
2011; FUKUMITSU e KÓVACS, 2016).

Nesse processo, além de vivenciar sentimentos de culpa, impotência, raiva,


ansiedade e vulnerabilidade também lida com preconceitos, julgamentos de cunho
moral, responsabilização pela morte do falecido, facilitando surgir sentimentos de
rejeição social, o qual por muitas vezes o enlutado opta por ficar em “silêncio”, com
isso pode apresentar além da tristeza, vergonha, saudade, desenvolver depressão,
isolamento, não aceitação, problemas de ajustamento, dificuldades em estabelecer
novas relações, desenvolvimento de transtornos mentais, aumento de uso de
drogas e álcool, desamparo entre outros (MOURA, ALMEIDA, RODRIGUES e
NOGUEIRA, 2011; TAVARES, 2013).

O ato suicida desperta na família uma série de questionamentos e


pensamentos a respeito do que poderia ter sido feito diferente e evitar o ocorrido,
Silva (2013, p.62) aponta:

[...] os familiares vão se perguntar: “por que meu ente querido, meu
familiar se matou? Não fizemos aquilo que deveríamos? Não
soubemos ver o sofrimento dele, não soubemos acudir”? Os familiares
podem ficar indignados, irados pelo falecido ter feito o que fez. “Como
é que ele fez isso? Por que ele fez isso com a gente? Qual foi o
motivo? Não pensou como a gente ia sofrer”?

A culpa é um sentimento que dificulta a reorganização do enlutado, visto que


há uma dificuldade em se desvencilhar dela, no luto por suicídio as pessoas
precisam de um tempo mais prolongado para a compreensão e para atribuir
ausência do ente que morreu (FUKUMITSU; KOVÁCS, 2016).
É preciso considerar fatores culturais, religiosos e sociais implicados na
questão do luto e da concepção do suicídio, em algumas concepções tendem a
culpar as pessoas em torno do suicida, o estigmatizam de forma que os enlutados
sofrem e sentem se envergonhados, em outras situações a pessoa que cometeu o
ato suicida é condenada socialmente junto com a família. Tais estigmas e
preconceitos em relação ao suicídio faz com que os familiares entendam que o
melhor é não falar sobre o assunto, o que pode acarretar isolamento, fazendo com
que sintam vergonha e evitem comentar sobre o que estão passando ou falar sobre
a morte do ente, em outras situações principalmente em pais, pode haver um
sentimento de não ter sido suficientemente cuidador e ter sido negligente, isso faz
com que a família sinta medo de que as pessoas pensem isso dela (SILVA, 2013).

No que diz respeito ao luto por perdas de filho frente ao suicídio, essa se trata
de uma experiencia mais desorganizadora que o ser humano pode sofrer, além de
apresentar o confronto com a finitude da própria existência e um senso de nexo
temporal invertido, uma vez que supostamente os pais deveriam morrer antes dos
filhos. Para pais que perdem seus filhos, há a quebra de expectativas e fantasias a
respeito do crescimento do filho, essas que são projetadas na gravidez e duram o
resto da vida, isso se torna a principal característica em relação a outras
experiencias do luto (FREITAS & MICHEL, 2015; MEIJ et al., 2008).

O luto materno é destacado pela singularidade em que é vivenciado, ainda


que seja levado em consideração as condições de diversidade proporcionadas pelo
contexto histórico e cultural, ele demonstra peculiaridades que o distinguem, mesmo
em culturas ou períodos históricos distintos. O luto pela perda de um filho é descrito
por Freitas & Michel (2015) como uma experiência que jamais tem fim, prolonga-se
por toda a vida, pois se a pessoa perde a mãe e/ou o pai torna- se órfã, o indivíduo
que perde seu filho continua sendo pai ou mãe, porém de um filho que foi retirado
dos seus cuidados, e pode experimentar quando seu filho põe fim à própria vida um
sentimento de culpa intenso em virtude de cobranças internas ou externas sobre os
possíveis “erros” cometidos em sua educação, no luto por suicídio o sofrimento
aparece associado de uma forma mais potente do que outro tipo de morte .
(FREITAS & MICHEL, 2015; SOUZA & ALVES, 2013).
Desse modo o luto vivido pela perda de um filho que tirou a própria vida, o
sofrimento aparece associado a depressão, vergonha, culpa e isolamento expondo
o enlutado a fatores mais significativos em relação a saúde mental (SILVA, 2013;
TAVARES, 2013).

A perda de um ente querido altera a dinâmica familiar, pois exige um


reposicionamento diante dos novos papéis com os membros restantes para o
retorno efetivo e adequado de funções, sabe se que a estruturação familiar pode ser
contribuir ou prejudicar a vivência do luto o, contudo é importante levar em
consideração o nível de coesão entre os membros, a comunicação, o apoio mútuo
são considerados aspectos importantes nesse processo adaptativo diante dessa
situação de perda (DELALIBERA, 2014).

Em uma pesquisa realizada por Fukumitsu (2013) com indivíduos enlutados


foram observados relatos de como os enlutados manejaram o processo de luto e a
ressignificação da vida através de estratégias como comportamentos altruístas,
receber apoio de familiares e amigos, a escolha de uma profissão, pertencimento a
alguma religião e a participação de grupos identificatórios com o intuito de partilhar a
experiência traumática através de uma rede de suporte social afim de superar além
do luto estigmas sociais relacionadas com a morte do ente querido, sem contar a
psicoterapia que atua como promotora da saúde nesses casos. A partir do que foi
apresentado, percebe se que a resiliência após uma perda dolorosa mostra a
capacidade da construção de uma nova vida, apesar do sofrimento vivido, sendo
assim atribuir significado e sentido e uma direção para continuar seguindo, é
permitir sentir as emoções que a morte apresenta, mas com o intuito de sair
fortalecido e amparado para continuar com a sua própria vida (ALMEIDA, 2017).
REFERENCIAS
ALMEIDA, Tatiene Ciribelli Santos. A espiritualidade como elemento de
resiliência psicológica no enfrentamento do luto: uma análise a partir de
estudos de casos de pais enlutados. Tese (Doutorado). Brasil: Universidade
Federal de Juiz de Fora, 2017
MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2021). Suicídio: saber, agir e prevenir. Disponível em:
http://www.saude.ba.gov.br/2020/09/10/oms-alerta-suicidio-e-a-3a-causa-de-morte-
de-jovens-brasileiros-entre-15-e-29-anos/. Acesso em 07 set de 2021
FUKUMITSU, Karina Okajima; KÓVACS, Maria Júlia. Especificidades sobre
processo de luto frente ao suicídio. Psicologia PUCRS, Porto Alegre, v. 47, n.1,
p. 3-12, 2016.
FUKUMITSU, Karina Okajima. O processo de luto do filho da pessoa que
cometeu suicídio. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2013
CÂNDIDO, Artur Mamed. O enlutamento por suicídio: elementos de
compreensão na clínica da perda. 2011. Dissertação de Mestrado publicada –
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. 2011.
MOURA, Anna Tereza Soares; ALMEIDA, Eliane Carnot; RODRIGUES, Paulo
Henrique Almeida; NOGUEIRA, Ricado Campos. Prevenção ao suicídio no nível
local: orientações para a formação de redes municipais de prevenção e
controle do suicídio e para os profissionais que a integram. Porto Alegre:
CORAG. 2011.
TAVARES, Marcelo da Silva Araújo. Suicídio: o luto dos sobreviventes. In:
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (Org.), O suicídio e os desafios para a
Psicologia. Brasília: CFP, 2013. p. 43-58.
FREITAS, J. L., MICHEL, L. H. F., & Zomkowksi, T. Eu sem Tu: uma leitura
existencial do luto em psicologia. In J. L. Freitas & M. V. F. Cremasco
(Org.). Mães em Luto: a dor e suas repercussões existenciais e psicanalíticas. 2015
Meij, L., Stroebe, M., Stroebe, W., Schut, H., Van Den Bout, J., Heijden, P., &
Dijkstra, I. The impact of circumstances surrounding the death of a child on
parents' grief. Death Studies, 2008

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