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GRUPOS DE GERAÇÃO DE RENDA COM MULHERES: análise sob a perspectiva


da questão de gênero e a divisão sexual do Trabalho

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Anne Grace Gomes

Resumo: O presente artigo trata a respeito dos grupos de geração de


renda, enquanto política pública de enfrentamento a pobreza, para
mulheres, sob a perspectiva da análise da questão de Gênero. A
discussão desenvolve-se acerca da manutenção do papel
socialmente construído e conferido à mulher na esfera reprodutiva -
função que a subalternizou no plano das relações sociais e
materializou-se na divisão sexual do trabalho – reforçado, à medida
que se desenvolve cursos vinculados a vivência doméstica.
Palavras-chave: Geração de renda, questão de gênero, divisão
sexual do trabalho.

Abstract: This article is about the groups to generate income, while


social policy to fight poverty, for women, from the perspective of the
analysis of the issue of Gender. The discussion takes place about the
role of maintaining socially constructed and given to women in the
reproductive sphere - the subordinated role in the social relations and
materialized in the sexual division of work - increased, as it is bound
to experience courses home.
Key words: generation of income; a matter of gender; sexual division
of labor.

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Mestranda. Universidade Estadual de Londrina. E-mail: anne.ss@hotmail.com.
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1. INTRODUÇÃO

A relação entre homem/mulher foi historicamente construída pela sociedade, e


internalizada nas gerações seguintes através do processo cultural, inerente à organização
humana. Esta estruturação permite avaliar os papéis que são determinados e que
estabelecem limites “invisíveis” para se entender os territórios onde pode transitar o feminino
e o masculino. Portanto, estes códigos são pré-julgados a estarem presentes nos indivíduos,
enquanto “fôrmas” capazes de moldarem sua personalidade e identidade, sendo o único
modo de pertencer à regra binária (homem ou mulher) que prevalece na formação
societária. Esta divisão de papéis entre os sexos conformaram o conceito de relação de
gêneros que existe, onde se percebe a construção da desigualdade e da subalternidade da
mulher, em nome de uma proposta patriarcal de dominação e exploração, lhe conferindo
uma “pseudo- superioridade” sobre tudo que representa o feminino.
Esta relação se estendeu para todos os âmbitos da existência humana,
principalmente com relação a organização do mundo do trabalho, configurando o que se
conhece por Divisão Sexual do Trabalho. Entendeu-se que a representatividade feminina
devia estar vinculada ao desenvolvimento dos afazeres próprios do espaço doméstico,
enquanto ao homem, sendo ele um “ser superior”, cabia a presença no espaço público,
onde ele podia exercer atividades que demonstrassem o seu poder, a sua habilidade e sua
capacidade de representar seus dependentes (família). Este panorama pôde ser
vislumbrado até mesmo quando a mulher foi introduzida no mercado de trabalho, onde seu
desempenho foi absorvido, inicialmente, nas atividades que lembravam as tarefas do lar, ou
quando sua jornada de trabalho foi reduzida, para que a mesma não descumprisse com seu
“dever” para com a casa e a família.
O desenvolvimento do mundo do trabalho, os arranjos vistos nas novas
estruturas familiares, onde se vê o aumento considerável da “chefia feminina”, entre outros
fatores históricos que passaram pela existência da mulher na sociedade, são fundamentais
para a leitura da realidade social que (re) configurou o papel feminino na sociedade, e
também sua situação sócio-econômica neste novo contexto. Assistiu-se a um processo de
aumento da pobreza entre mulheres, e conjuntamente a este fenômeno, a precarização das
relações de trabalho, que atingiu a todos, mas especialmente as mulheres, na conjuntura do
capitalismo neoliberal.
Este desenho da realidade permitiu a intervenção estatal. Neste contexto, o
desenvolvimento de projetos de geração de renda – enquanto estratégia de enfrentamento a
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pobreza - ganham cada vez mais visibilidade no cenário brasileiro, e tem focalizado suas
ações crescentemente no público feminino, com o objetivo de superação da condição de
pobreza e dependência financeira de mulheres, muitas vezes chefes de família. Os
pressupostos para se alcançar o que se chama de conquista de autonomia financeira e
empoderamento, são materializados através da promoção de cursos de costureiras,
rendeiras, doceiras, entre outras atividades, que, claramente remetem-se às funções
historicamente concebidas como tarefa feminina, e que por sua vez, também foram as
principais causas para invisibilidade da mulher na sociedade.
O presente artigo, portanto, tem como objetivo principal a análise da fragilidade
da proposta da geração de renda para mulheres ao abordar a questão de gênero, partindo-
se da hipótese que estas ações não são agentes de promoção, visto que reforça uma
“condição feminina” que por anos tem sido o veículo de exclusão, em todas as esferas,
principalmente o mundo do trabalho.

2. CONSTRUÇÃO SOCIAL DA QUESTÃO DE GÊNERO: PERSPECTIVA DO


PÚBLICO E DO PRIVADO

A perspectiva histórico-social da construção das relações sociais traçou


linhas que diferenciaram o ser mulher e ser homem na sociedade, pré-estabelendo
papéis que são responsáveis pela demarcação do espaço inerente ao feminino e o
espaço de direito do masculino. Para Saffioti (1987), estas identidades assumidas tanto
por homens quanto mulheres, são reflexos de uma série de papéis que compreendem
elementos de pertencimento. “A sociedade delimita, com bastante precisão, os campos
em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode
atuar o homem” (SAFFIOTI, 1987, p.8).
Sobre esta distinção, Azerêdo (2007) faz uma importante leitura do filósofo
Baruch de Espinosa que entende o “lugar” da mulher condizente com as características
“naturais” que a compõem.
[...] Tanto é assim, que, quando admite a possibilidade de as mulheres serem iguais
aos homens, argumenta que, para serem governados por elas, estes teriam que
receber “uma educação própria para restringir as suas qualidades de espírito”. É
muito interessante que, em nenhum momento, passe pela cabeça de Espinosa que,
nas nações em que as mulheres são governadas pelos homens, isto é, todas as
nações na sua época e na nossa, as mulheres também sejam submetidas a uma
educação própria para restringir suas qualidades de espírito. Isso, provavelmente, se
dê porque ele acredita que o problema não esteja na instituição e sim na fraqueza
(por natureza) das mulheres (ESPINOSA, 1979, p.365-366 Apud AZERÊDO, 2007,
p. 46).
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Neste contexto, foram sendo eleitas “representatividades”, que permanecem


até nos dias atuais, conformando nossa compreensão de estrutura social. Segundo
Saffioti (2004) a questão de gênero “mascarou” a participação das mulheres na
construção da história, em virtude da desigualdade entre gêneros. A questão é que
ambos (homem e mulher) estão interligados, e suas diferenças são fundamentais para
se compreender a existência humana, sobre isso, Saffioti (2004, p. 116) reitera
Cabe lembrar aqui, que diferente faz par com idêntico. Já igualdade faz par com
desigualdade, e são conceitos políticos. Assim as práticas sociais de mulheres
podem ser diferentes das de homens da mesma maneira que, biologicamente, elas
são diferentes deles. Isso não significa que os dois tipos de diferenças pertençam à
mesma instância. A experiência histórica das mulheres tem sido muito diferente da
dos homens exatamente, não apenas do ponto de vista quantitativo, mas também
em termos de qualidade, a participação de umas é distinta da de outros.

Tais questões são fundamentais para se compreender, a constituição histórica


dos espaços de representação do homem e da mulher, que embora tenham passado por
profundas mudanças, ainda guardam a herança histórica, principalmente quando o alvo de
análise é o mundo do trabalho, onde se pode perceber a inflexão da mulher no contexto da
produção econômico-social.

3. A INVISIBILIDADE DA MULHER NO MUNDO DO TRABALHO

A difícil tarefa de conceituação da divisão sexual do trabalho se deve a


conjunção histórica e social em que se deram as relações entre os gêneros. Para tanto,
entende-se como resultado da organização em torno do trabalho entre os sexos, exprimindo
em um contexto maior, a evidente dicotomia entre o público e o privado. Segundo Hirata e
Kergoat (2007, p.599):
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das
relações sociais entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente.
Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e
das mulheres à esfera reprodutiva, e, simultaneamente, a apropriação pelos homens
das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos e militares)
(grifos meus).

Nesta lógica de divisão no mundo do trabalho, ainda aparecem duas categorias


distintas que organizam as relações laborais entre os sexos: “O principio da separação
(existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres), e o princípio hierárquico (o trabalho
de um homem “vale” mais do que de uma mulher)” (HIRATA e KERGOAT, 2007, p.599).
Essas divisões se construíram em cima de perspectivas biológicas, consideradas como
condições imutáveis por natureza, o que serviu de subterfúgio para se explicar as
desigualdades sociais entre homens e mulheres.
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O desenvolvimento histórico do mundo laboral permitiu a inclusão crescente da


participação da mulher na lógica do trabalho assalariado2. Esta tendência pôde ser
observada na conjuntura de reestruturação produtiva a nível mundial, correlacionada com
fatores culturais, sociais e políticos que marcaram a Revolução Industrial. No entanto, esta
abertura não representou o caminho para a desconstrução real das desigualdades na
divisão sexual do trabalho, já que a segregação tem raízes históricas.
As mudanças operadas com o advento do capitalismo industrial, não fizeram senão
tornar evidentes as funções econômicas das mulheres que desempenhavam
atividades ocupacionais fora do lar, obscurecendo, portanto seu papel nas indústrias
domésticas, que antecederam o regime das fábricas gigantescas e,
simultaneamente, marginalizar um grande contingente feminino do sistema
dominante de produção de bens e serviços (SAFFIOTI, 1975, p.235 Apud
NOGUEIRA, 2006, p.52).

Kon (2001) entende que este padrão de absorção da mão de obra feminina pelo
capitalismo industrial teve maior ênfase nos países menos desenvolvidos com situações
econômicas tidas como desfavoráveis. Esta realidade justificou o fato de que, a presença
das mulheres no mercado de trabalho, devia-se a necessidade de elevar a renda para a
sobrevivência da família, ou seja, “de um maior número de pessoas da família trabalhando,
quando a oferta dessa mão de obra muitas vezes cria suas oportunidades de trabalho (KON,
2001, p.286).
Na conjuntura brasileira, para Nogueira (2006) é difícil realizar estudos que
dimensionem a distribuição do trabalho feminino nos ramos de atividades econômicas no
início da abertura produtiva no país. É a partir de 18723, que se levantam os primeiros dados
acerca da mão de obra feminina no mercado de trabalho, ficando exposto que 45,5% da
classe trabalhadora era formada por mulheres, e deste número, 1/3 estava alocada no
emprego assalariado doméstico (SAFFIOTI, 1976, p.238 Apud NOGUEIRA, 2006, p.53).
Esta presença feminina no mercado de trabalho se mantém ainda em 1900, no
entanto, mesmo com a crescente presença da mulher na indústria – em virtude da escassez
de mão de obra masculina – os postos de ocupação que mais absorvem a mão de obra das
mulheres, são os referentes a esfera doméstica, o que indica a profissionalização da
atividade ocupada por elas historicamente.
[...] No entanto ocorreu uma alteração nos espaços onde as mulheres desenvolviam
seu trabalho: da totalidade das mulheres economicamente ativas, 52,6 % se
encontravam em serviços domésticos, 24,6% se dedicavam a agricultura, 14,2% às
artes e ofícios e somente 4,2% às indústrias manufatureiras, sendo que o restante

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O trabalho doméstico, embora fundamental dentro da estrutura do modo de produção capitalista, não era
considerado trabalho.
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Data do primeiro censo brasileiro.
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das mulheres (4,4%) trabalhava no comércio e em outras atividades (NOGUEIRA,


2006, p.54).

De acordo com Nogueira (2006) pode-se constatar esta paridade entre os


gêneros, com relação a ocupação no mercado de trabalho assalariado, até o ano de 1920,
onde houve um decréscimo de 15,3% da população feminina economicamente ativa. Este
fator “resulta do primeiro surto de desenvolvimento industrial, principalmente em decorrência
da guerra de 1914-1918, que permitiu o aumento de 83,3% da população operária” (Saffioti,
1976, 239 Apud Nogueira, 2006, p. 54). Esta “corrida desenvolvimentista” permitiu o forte
movimento de êxodo rural, alargando o contingente masculino que assumiu estes postos de
trabalho na indústria que estavam sendo assumidos por mulheres.
Como a economia não conseguia absorver a totalidade da força de trabalho
potencial da nação, as mulheres foram grandemente marginalizadas do processo
produtivo de bens e serviços, justificando-se esta marginalização em termos de
concepções tradicionais dos papéis femininos (SAFFIOTI, 1976, p.241 Apud
Nogueira, 2006, p.55).

As mudanças observadas, no fim da década de 70 e início da década de 80, no


mundo do trabalho, desenharam também, a condição da presença da mulher no mercado
produtivo. Como afirma Nogueira (2006), a participação da mulher aumenta, tornando visível
o fenômeno de feminização do mundo do trabalho. No entanto este novo cenário não indica
emancipação ou completa desmistificação da desigualdade de gênero na esfera produtiva,
pois disparidade salarial entre homens e mulheres permaneceu. Como a própria autora
constata, “quando a mulher é comparada ao homem, é predominante os maiores
rendimentos para este último, mesmo desempenhando a mesma função, sendo que, esta
situação é agravada, caso ela seja mulher negra” (BRUSCHINI, 2000, 182 Apud
NOGUEIRA, 2006, p.63). Sobre o assunto Whitaker (1988, p.83) também reflete:
Como competir num mercado de trabalho tão estereotipado, onde
profissões e níveis são tão demarcadamente masculinos e
femininos? Para que trabalhar mais que os homens e ganhar menos
do que eles? Com efeito, dados estatísticos sobre trabalho feminino
no Brasil apontam para o fato de que mulheres ganham, em geral,
menos do que os homens embora sejam mais escolarizadas, já que,
para alguns ramos – tarefas burocráticas por exemplo – a mulher
precisa ficar mais tempo no sistema escolar para alcançar as
mesmas posições profissionais que o homem consegue com menor
escolaridade.

Uma segunda colocação a ser destacada é o fato da jornada de trabalho


feminino ser menor. Segundo Antunes (1999) o fato da mulher trabalhar menos horas que o
homem, está associado a necessidade da mesma em manter seu papel na esfera da
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reprodução (doméstica). Para o autor é fundamental para a continuação do ciclo do capital


que todas as “representatividades” mantenham-se para a manutenção da sociedade, e já
que à mulher foi conferido o papel fundante de “rainha do lar”, mesmo que ela esteja
vendendo sua força ao capital, é preciso que concilie com suas responsabilidades, se
submetendo a jornadas duplas, ou até triplas, para manter seu status de “boa mulher”.
Portanto, esta conciliação de papéis trará o viés não apenas da manutenção do equilíbrio,
mas também da precarização do trabalho feminino e da baixa remuneração, como
justificativa à sua “dificuldade de dedicação total ao capital”.
Acompanhando a conjuntura político-econômica brasileira na década de 90, e de
certo modo a tendência mundial de conseqüências decorrentes do processo de
reestruturação produtiva, como o desemprego estrutural e o aumento considerável da
informalidade; percebe-se no mundo do trabalho, que este contexto afetou mais as
mulheres, do que propriamente os homens.
Em 1991, o índice de desemprego masculino era de 4,81%, e o feminino de 4,89%,
indicando um percentual de defasagem de 0,08% a favor das mulheres. Ao longo
dessa década, o desemprego foi se acentuando, chegando o trabalhador a alcançar
o índice de 7,17%, 1998, e as trabalhadoras 8,75% (NOGUEIRA, 2006, p.67).

Neste cenário marcado pelo forte desemprego, principalmente o feminino, é


claro perceber que a oferta de trabalhos temporários e precarizados foram rapidamente
assumidos pelas mulheres (SEGNINI, 1999; 2000, p.37 Apud Nogueira, 2006, p. 70), fato
este que se estende até os dias atuais, onde encontram-se mulheres que aceitam trabalhos
sazonais, de risco, com baixa remuneração, enfim trabalhos suprimidos de qualquer
garantia trabalhista.
Para situar melhor a questão, basta lembrar também que existe uma tendência
que traz a mulher como “chefe de família”, e por isso advém a necessidade da mesma de
manter-se no mercado, ainda que de forma vulnerável e de poucas garantias, já que a
subsistência familiar depende da venda de sua força ao capital.

4. MULHER E POBREZA: REFLEXÃO SOBRE OS GRUPOS DE GERAÇÃO DE


RENDA

4.1 O Fenômeno da pobreza entre mulheres

As mudanças sociais ao longo da história foram tão pungentes que a


constituição da família também acompanhou este processo histórico-político-econômico e
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social. O modelo de família reconhecido como pai, mãe e filhos, passou por profundas
mudanças, e embora ainda seja modelo, não se aplica mais a todas famílias da atualidade.
[...] Este modelo ideal de família que orientou e em alguns casos ainda orienta as
políticas sociais seria o de uma família formada por um casal heterossexual,
legalmente casado, com dois filhos (um de cada sexo) e todos vivendo em casa
própria, onde o marido seria o principal provedor e a mulher a dona de casa, ou que
trabalha em tempo parcial [...] (GOLDANI, 2002, p.33).

É preciso entender estas transformações, para se entender o lugar da mulher,


que no contexto atual assume não só apenas as funções reprodutivas, mas também
produtivas, ou seja, o papel das mulheres “chefes de família”, é o de assumir a tarefa, que
foi concebida ao homem, de prover materialmente e proteger a família.
Sobre este novo contexto, Novellino (2004) reflete sobre o trabalho de Diane
Pearce (1978), onde ela traça os motivos que influenciam esta tendência a feminização da
pobreza:

[...] A pobreza está rapidamente se tornando num problema feminino. Ela associa
este processo de empobrecimento das mulheres ao aumento na proporção de
famílias pobres chefiadas por mulher. Para ela, essas famílias são aquelas onde há
apenas um adulto do sexo feminino e nenhum adulto do sexo masculino [...]
(PEARCE, 1978, p.28 Apud NOVELLINO, 2004, p.03).

Fatores como, a baixa qualificação profissional, correlacionados com o


fenômeno dos novos rearranjos familiares, foram fundamentais para se entender a
feminização da pobreza. A cultura fortemente perpetuada de que a mulher deve se
preocupar com a dinâmica do lar, enquanto o marido deve sair a “caça” para manter a
subsistência da família, não coube quando o número de mulheres, que passaram a sair a
“caça” no lugar do homem, aumentou consideravelmente.
Cabe lembrar que a pobreza está presente entre homens e mulheres, pois nasce
com o sistema, e não faz distinção de gênero, Lavinas (1993, p. 473 Apud Novellino, 2004,
p.5) afirma que “As mulheres pobres, tal como os homens pobres, representam 25% da
população do seu sexo. Numericamente, portanto, a pobreza feminina, não tem maior
expressão que a pobreza masculina”. Lavinas ainda afirma que existem “pobrezas” que são
características de gênero, e outras que são resultado do conflito de classes.
A taxa de atividades é menor para mulheres pobres e não pobres; a jornada de
trabalhos é menor para mulheres. Já o desemprego é maior entre os pobres,
independente do gênero, bem como o acesso a carteira assinada é maior entre os
não pobres (LAVINAS, 1993 Apud NOVELLINO, 2004, p.6)

A autora ainda constata que o maior nível de desigualdade é presenciado com


relação aos rendimentos, quando comparada a renda de homens à das mulheres.
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[...] Surpreende constatar que a renda das mulheres pobres corresponde apenas 5%
da renda de todas as mulheres (pobres e não pobres), demonstrando que as
desigualdades de gênero que colocam mulheres pobres e não pobres em
desvantagem frente ao sexo oposto, por deterem tão somente ¼ de todas as
rendas, somam-se no caso das mulheres pobres, profundas desigualdades
decorrentes do quadro extremamente perverso da concentração de renda no país
[..] (LAVINAS, 1993 Apud NOVELLINO, 2004, p.6).

Todo este novo desenho social que se presenciou, resultou em um quadro em


que se pode visualizar, na sua maioria, mulheres, que chefiam suas famílias, que - em
virtude de todo o contexto que já foi explicitado – são pobres e encontram-se em situação de
extrema vulnerabilidade e risco.

4.2 Geração de renda: estratégia de enfrentamento a pobreza


É neste panorama que se estuda a função das políticas públicas. Embora se
destine estas ações para todos (independente de gêneros), as mulheres tem sido as mais
vislumbradas nestes projetos.
Os projetos de geração de renda, que envolve este público, se constroem em
torno da organização das mulheres em grupos, que visam gerar renda enquanto estratégia
de complementação ou geração da renda familiar. Sobre o assunto, Farah (2004, p. 64)
coloca:
Os programas de geração de emprego e renda aqui analisados constituem
exemplos de focalização de políticas de combate à pobreza. Essa focalização
parece decorrer de diversos fatores: Em primeiro lugar, da influência da agenda
atual de reforma das políticas públicas e da tendência de focalização das políticas
de combate à pobreza; em segundo lugar, da influencia do âmbito local da agenda
formulada por movimentos e entidades de mulheres que recomendam que se
privilegie o atendimento a mulheres nesse tipo de programa.

Os cursos, os quais estas mulheres participam, consistem no desenvolvimento


de atividades que representam a intermitência, a precariedade – já que estão vinculados ao
mercado informal e à instabilidade dos serviços, ao “pseudo-empreendedorismo” que não
leva em consideração nem as habilidades subjetivas, nem a realidade do mercado, e por
fim, são elementos que reforçam, se não estereotipam, a discussão do lugar que a mulher
deve ocupar. Sobre isso Lavinas (1997, p.179 Apud Carloto, 2001) reflete:
Duas linhas foram privilegiadas: a de elevação de renda das mulheres, através de
programas de geração de renda com base nas atividades tradicionalmente
desenvolvida por mulheres (rendeiras, bordadeiras, doceiras...) e o que foi chamado
de busca da elevação da produtividade e eficiência do trabalho feminino (aplicaram-
se princípios do ajuste produtividade mais alta e eficiência – ao trabalho não
remunerado das mulheres, mobilizando-as, através de um uso mais direcionado do
seu “tempo disponível”, para mutirões comunitários com fins diversos, de forma a
que contribuíssem diretamente para uma adesão maior de todos).
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De que Promoção, autonomia e empoderamento estão falando? A metodologia


de aplicação dos cursos de geração de renda são focalistas, assistencialistas e nada tem a
ver com a verdadeira desconstrução das desigualdades de gênero, pois se reforça a
maternidade e o lar quando se oferece a ampliação de funcionalidades que historicamente
foram impelidas e que, ao mesmo tempo, foram fatores determinantes de sua exclusão. De
acordo com Yannoulas (2002, p.33)
É muita baixa a capacidade de sustentação econômica dessas atividades, com
conseqüente impacto sobre as pessoas que nela se envolvem. Entre as 19
experiências consideradas inovadoras pelos gestores do plano, constata-se que
nenhuma delas está referida a setores de ponta da economia, nenhuma está
diretamente relacionada a atividades cujos níveis de desemprego tenham
penalizado preferencialmente as mulheres.

Ainda que o movimento de discussão de gênero tenha representatividade e


venha ganhando espaços dentro da sociedade, o que se percebe, é a reprodução de
valores e normas.
As políticas assistencialistas concentram-se na função reprodutiva das mulheres e
não levam em consideração suas atividades produtivas e geradoras de renda.
Treinamento para cabeleireira ou costureira, são os cursos mais comuns para as
mulheres de baixa renda. Por que não se implementa treinamentos em atividades
tradicionalmente conhecidas como masculinas? Isto pode não apenas ampliar as
oportunidades de emprego para as mulheres, mas podem também quebrar a
segregação ocupacional existente (NOVELLINO, 2004, p.11).

Portanto, há que se considerar dimensão sócio-histórica em que foi construída a


identidade da mulher, para que se possa repensar em políticas públicas que carreguem a
categoria da questão de gênero, e possibilitem o processo de desconstrução da visibilidade
feminina.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reflexo da divisão social e sexual do trabalho na condição da mulher na


sociedade capitalista tem seus piores efeitos quanto a concretização da equidade de
gênero. Isto se deve ao fato do trabalho, enquanto categoria fundante do ser social, estar
situado dentro da lógica capitalista, tornando-se mero contingente de produção de mais
valia. Portanto, o trabalho da mulher, estando relegado a esfera doméstica, onde não se
produz mercadoria, onde não é possível extrair a mais valia, enfim, que não tenha um valor
econômico imediato ao capital, é invisibilizado na sociedade do capital e caracteriza, à
dimensão do feminino, a subalternidade, com relação a dimensão do masculino, sendo este
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sim, considerado como de real importância à economia, a medida que vende sua força de
trabalho, produz e gera mais valia.
A desvalorização do trabalho feminino implicou no cerceamento das
possibilidades de que a mesma, através do seu trabalho, conquistasse seu sustento. Este
panorama acrescido das mudanças pelas quais a família atravessou (onde o homem não
está necessariamente presente) trouxe a mulher um complexo de desafios, tendo sido o
principal deles, a necessidade de inclusão no mercado produtivo. Para então desempenhar
o papel “provedor” frente a solicitude da família, mulheres se marginalizaram no mundo do
trabalho, na proporção que foram assumindo trabalhos precarizados, instáveis, com salários
menores que os dos homens e ainda com jornada dupla (afinal, que cuidaria dos serviço
domésticos, se é papel da mulher?). Estes fatos foram fundamentais para o aprofundamento
da pobreza entre as mulheres, e por conseqüência, a sua incapacidade de manter um
determinado nível de subsistência para seus dependentes.
Logo, tornando-se pauta da agenda pública, este segmento de mulheres pobres
constitui-se alvo de um conjunto de políticas que visam o enfrentamento a pobreza, e na
forma de grupos de geração de renda, encontram a instrumentalidade necessária para a
superação da pobreza e autonomia financeira. Todavia, a política pública de que se trata
aqui, nada mais é do que política para mulher pobre, esvaziada do conteúdo de gênero, que
é a discussão de prima relevância para se compreender as causas do fenômeno.
Ao passo que são desenvolvidos cursos de doceiras, costureiras, cabeleireiras,
entre outras funções que lembram a vida doméstica, a pergunta a ser feita é: como objetivar
autonomia financeira com atividades, que historicamente, marginalizaram a mulher na
sociedade? De modo geral, os grupos de geração de renda atuais, que se destinam às
mulheres pobres, acabam por caminhar na contramão da história, uma vez que reforçam
uma identidade doméstica à mulher, que sabidamente, a subalternizou e subalterniza na
sociedade de classes, contribuindo para a manutenção das relações desiguais de gênero.
Pensar em uma política pública na perspectiva de gênero requer a mobilização de esforços
para a ruptura de paradigmas e (re) construção de alternativas que, de fato, promovam a
autonomia financeira dessas mulheres e dêem visibilidade a mulher no mundo do trabalho.
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