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Comportamento de Estacas Prensadas em Solo Colapsível

Francisco Eduardo Boni


Fundep Engenharia, Bauru, Brasil

Ademar da Silva Lobo e Cláudio Vidrih Ferreira


Faculdade de Engenharia, Unesp, Bauru, Brasil

David de Carvalho
Feagri, Unicamp, Campinas, Brasil

RESUMO: O solo superficial de Bauru-SP é uma areia fina argilosa com característica colapsível.
Têm-se verificadas inúmeras patologias em edificações devido a recalques de fundações
provocados pela infiltração de água no solo, cujo reforço tem sido feito com estacas prensadas de
concreto. Para se quantificar a perda de carga nessas estacas devido à infiltração de água no solo e
determinar a capacidade de carga com o terreno natural e pré-inundado realizou-se monitoramento,
durante 6 dias, de 2 estacas cravadas por prensagem, sob carga, com 8m de comprimento e 0,20m
de diâmetro. Foram realizadas provas de carga rápida; numa estaca com o terreno inundado e na
outra com o terreno natural. O efeito do encharcamento do solo provocou redução da carga de
ruptura em 60%, valor próximo do obtido em outros programas de pesquisa. Para a previsão da
capacidade de carga, o método de Décourt-Quaresma (1978) mostrou-se aplicável a esse tipo de
estaca.

PALAVRAS-CHAVE: Estacas Mega, Estacas Prensadas, Prova de Carga, Carga de Ruptura, Solo
Colapsível.

1 INTRODUÇÃO radier.
São muitos os casos de fundações que se
Grandes extensões de área do Estado de São comportaram de forma adequada durante certo
Paulo, no Brasil, têm seu solo superficial tempo e, repentinamente, começaram a
constituído por um solo arenoso, de alta apresentar problemas de recalques, sem
porosidade e baixo grau de saturação. Esse qualquer mudança no nível de carregamento.
material, constituído por sedimentos cenozóicos Mudanças no comportamento das fundações,
ou por solo residual de arenito, se encontra principalmente em solos com características
presente até vários metros de profundidade e colapsíveis, geralmente estão associadas à
tem a característica de ser colapsível. infiltrações de água no terreno, sendo
O SPT nos primeiros metros é muito baixo, notadamente maior as ocorrências nos meses de
iniciando com 2 ou 3 golpes no primeiro metro chuvas intensas (novembro a março).
e crescendo de forma praticamente linear com a Esses recalques se refletem, inicialmente nas
profundidade até cerca de 10 a 12 metros. Em alvenarias e pisos, sob a forma de trincas e
Bauru, em edifícios altos predomina o uso de rachaduras. No caso de se estabelecer um
fundação profunda em tubulões; em edificações processo contínuo de deformações, ocorre a
de 4 a 8 pavimentos predomina o uso de estacas evolução e o agravamento das trincas, podendo
escavadas e apiloadas, assim como em colocar em risco a estabilidade geral da
residências térreas ou assobradadas. O uso de edificação.
fundação superficial (sapata corrida) está No sentido de recompor o desempenho das
limitado a edificações de pequeno porte fundações é comum o uso de estacas tipo Mega,
edificadas no sistema de autoconstrução, sem de concreto armado, cravadas em seguimentos
qualquer acompanhamento técnico e em de cerca de 0,50 m de comprimento, com
núcleos habitacionais onde predomina o uso de diâmetro usual de 0,20 m. É conhecida
popularmente como estaca “hidráulica”, pelo
fato de ser cravada com uso de macaco
hidráulico. Os elementos de concreto são 2 CRAVAÇÃO DAS ESTACAS
simplesmente justapostos, não sendo usual
qualquer tipo de solidarização entre eles. Para a realização dos ensaios foram cravadas,
Segundo Albiero (1996), os problemas com no campo experimental de fundações da
fundações são antigos e os romanos já Faculdade de Engenharia de Bauru, da Unesp,
utilizavam reforço de fundação. No entanto, os duas estacas, tipo Mega, entre estacas de reação
exemplos de utilização mais intensa datam do existentes e já utilizadas em outros projetos de
século XIII e se referem, principalmente, a pesquisa. As estacas foram cravadas pelo
recuperação de catedrais. processo de prensagem, com o macaco
O uso de estacas prensadas no Brasil se faz hidráulico reagindo contra viga metálica,
desde a década de 30, no século passado. No devidamente ancorada nas estacas de reação
entanto, é bastante limitado, para o tipo de solo através de barras de aço do tipo Dywidag .
predominante nessa região, o número de A figura 1 fornece valores médios de SPT e
trabalhos científicos abordando sua aplicação, classificação do solo obtidos em sondagem
seu comportamento e principalmente uma realizadas no campo experimental. Resultados
metodologia adequada de dimensionamento. de ensaios de caracterização realizados em
Alguns trabalhos são disponíveis sobre amostras coletadas no local e resultados de
comportamento desse tipo de estaca em outras outros tipos de ensaio de campo podem ser
regiões, cita-se Junqueira (1994), que mostra obtidos em Ferreira et al (1994).
em seu trabalho, um histórico sobre estacas
prensadas. Enumerando 26 casos práticos de
reforço de fundações ou fundações, dos quais,
cincos acompanhados por ele, onde o registro
manométrico de cargas era comparado ao
Método Decourt & Quaresma (1978).
Mais recentemente, Araújo (2005) também
analisa 26 casos de obras na grande São Paulo,
comparando a carga de cravação com a prevista
pela fórmula de Décourt-Quaresma (1978)
Com o objetivo de preencher parcialmente a
lacuna no meio técnico, sobre o comportamento
desse tipo de fundação na região de Bauru,
desenvolveu-se esse trabalho de pesquisa, que
consistiu no ensaio de duas estacas cravadas por
prensagem, com a realização de provas de
carga. Objetivou-se medir a influência do
colapso no comportamento desse tipo de estaca,
analisando-se a variação da capacidade de carga
nas estacas durante a inundação do solo ao
redor de uma delas e a capacidade de carga das
duas estacas na condição de terreno com o teor
Figura 1. Perfil médio e representativo do local.
de umidade natural e pré-inundado. Os
resultados fornecem subsídios para projetos de
Para esse fim foi utilizado um conjunto
fundações e de recuperação de fundações,
hidráulico de capacidade de 400 KN, dotado de
utilizando-se esse tipo de estaca em Bauru e em
motor elétrico, bomba, pistão, mangueira,
vasta região do estado de São Paulo que
comando e manômetro de glicerina aferido.
apresenta similaridade nas características
Cada estaca era composta de 16 unidades de
geotécnicas e geológicas.
0,50m de comprimento, pré-moldados de
concreto, não armados (fck 25 MPa), resultando reação, aplicou carga à estaca, forçando-a para
em estacas de 8m de comprimento. baixo, quando então se realizou o
Os segmentos foram cravados sem qualquer encunhamento dos pilaretes com a viga de
tipo de encaixe ou solidarização, como reação para a retirada do macaco.
rotineiramente é feito em trabalhos de reforço Essa operação é chamada no campo de
de fundações na região. O tempo gasto na “fechamento do ponto” realizada com peças de
cravação de cada estaca foi cerca de 50 concreto, pré-moldadas em forma de cunhas,
minutos. O afastamento entre as estacas foi de que são introduzidas entre a viga de reação e o
1,50 m e estas distavam 0,75m das estacas pilarete com golpes de marreta. Essa operação
existentes, duas de reação nas extremidades e 1 está de acordo com a afirmação de Alonso
central que havia sido ensaiada a compressão. A (1979), que cita: “A solidarização da estaca
figura 2 mostra uma foto do local obtida mega com a estrutura é feita sob tensão:
durante essa operação. executa-se um bloco sobre a extremidade da
estaca;com o macaco hidráulico comprime-se a
estaca calçando a estaca sob a estrutura; retira-
se o macaco e concreta-se o conjunto”.
Nesse experimento, como se pretendia medir
o comportamento das estacas com o solo
inundado, instalou-se entre a estaca e a viga de
reação células de carga devidamente aferidas,
de capacidade de carga de 300 kN.
Procurou-se nesse processo aproximar-se o
mais possível da situação de campo, com o
objetivo de medir a “perda de carga” que ocorre
durante o encunhamento (diferença entre carga
máxima de cravação e carga na estaca após o
encunhamento).
Ao se encunhar a primeira estaca chegou-se
a atingir cerca de 160 kN, porém ao se encunhar
a segunda estaca ocorria perda de carga na
primeira, devido à deformação da viga de
reação indicando uma “perda de carga no
encunhamento” da ordem de 25%. (diferença
entre carga máxima de cravação e carga inicial
após encunhamento). Procurou-se no
Figura 2 Detalhe da cravação de uma estaca.
encunhamento, por interesse da pesquisa, deixar
as duas estacas com carga da mesma ordem, o
A maior pressão observada no manômetro,
que se conseguiu após várias tentativas,
ao final da cravação, em ambas estacas
resultando leituras iniciais das células de carga
correspondia a uma carga de 215 kN. Após a
de 125 e 115 kN, respectivamente nas estacas 1
cravação dos elementos pré-moldados das estacas
e 2 (esquerda e direita para quem olha do local
estes foram encunhados contra a viga de reação,
onde os equipamentos foram colocados).
que fazia para a estaca o papel de uma viga
baldrame de uma residência.
Para isso utilizou-se uma viga horizontal curta,
3 ENSAIOS
armada para esforços de flexão a que estaria
sujeita, que foi colocada sobre a estaca e dois
Após o encunhamento das duas estacas iniciou-se
elementos prismáticos de concreto pré-moldados
o monitoramento delas, com o terreno na umidade
(pilaretes), que tinham a função de transmitir a
natural, por 24 horas. Esse monitoramento
carga para a viga de reação.
consistiu em medir a carga normal nas duas
Para essa operação o macaco foi colocado
estacas, através das células de carga e o recalque
entre os pilaretes, que reagindo contra a viga de
através de deflectômetros instalados no eixo das das estacas, em posições diametralmente
estacas (um em cada estaca). A figura 3 mostra opostas.
detalhe dessa etapa do trabalho.

Figura 4 Detalhe do encharcamento do solo

Figura 3 Detalhe do monitoramento.


A figura 5 mostra detalhes da viga metálica,
das vigas de referência, dos deflectômetros,
Após 24 h, iniciou-se a inundação artificial do
macaco hidráulico, célula de carga e elementos de
solo, lançando-se água de abastecimento
reação.
domiciliar em uma cava executada ao redor da
Na estaca 2, cerca de 2 meses após a prova de
estaca 1, com cerca de 25 cm de profundidade. O
carga na estaca 1, também foi realizada um prova
nível de água foi mantido constante através do
de carga, idêntica a primeira, admitindo que esse
uso de bóia, durante 5 dias, medindo-se o volume
período foi suficiente para a umidade do solo ao
de água que penetrou no solo com o uso de
redor dessa estaca voltar à condição natural, visto
hidrômetro, verificando-se um consumo de 9,3
que esta estaca distava 1,5 m da estaca 1.
m3.
Desta maneira procurou-se simular o
vazamento de água na rede hidráulica de uma
4 RESULTADOS OBTIDOS
residência, como ocorre freqüentemente na cidade
de Bauru. A figura 4 mostra detalhe dessa etapa.
Neste capítulo, são apresentados os resultados
Depois de completados 6 dias, as estacas
obtidos nos ensaios de monitoramento das
foram descarregadas e imediatamente iniciada
estacas durante os 6 dias após a instalação,
uma prova de carga na estaca 1, com o terreno
sendo os 5 últimos dias com o solo inundado ao
pré-inundado. A aplicação de cargas foi
redor da estaca 1. Apresentam-se também os
efetuada em estágios, conforme previsto pela
resultados das provas de carga nas duas estacas.
NBR 6121. As leituras de deslocamentos, em
cada estágio, foram feitas através de 2
deflectômetros com precisão de 0,01 mm e
curso de 75 mm., fixados em réguas metálicas
de metalon e posicionados diretamente no topo
estaca 2, em condição de terreno natural, cerca
de 2 meses após a primeira prova.

Figura 5 Detalhe da prova de carga.


Figura 8 Resultado do monitoramento das estacas.
A figura 6 apresenta o comportamento carga
x tempo nas duas estacas (solo inundado ao
5 CONCLUSÕES
redor da estaca 1 após o segundo dia), sendo a
curva superior relativa à estaca 1. A figura 7
A análise da figura 6 mostra que durante o
mostra o recalque das duas estacas, sendo a
monitoramento das duas estacas houve uma
curva superior relativa à estaca 1.
redução na carga atuante nas duas estacas, entre
8 e 10% aproximadamente. As curvas carga-
tempo são praticamente paralelas, apesar de que
nos últimos 5 dias do ensaio, apenas a estaca 1
teve o solo inundado ao seu redor.
Um fato que chama a atenção é a oscilação
da carga, de forma repetitiva, com período de
24 horas, indicando claramente a influência da
temperatura nos resultados do ensaio.
Tal qual o ocorrido com a carga, observa-se
na figura 7 a influência da temperatura nas
medidas do recalque. Nas primeiras 24 horas,
Figura 6 Resultado do monitoramento das estacas. antes de se iniciar a inundação do solo na estaca
1, observa-se em ambas estacas um recalque
negativo, coerente com a redução de carga
verificada no mesmo período, como indicativo
de relaxação do solo.
A estaca 1, que teve o solo inundado ao seu
redor, do 2o ao 6o dia recalcou cerca de 1,4 mm
nesse período, não dando indicativo de
estabilização. O efeito do colapso provoca
redução do atrito lateral ao longo do fuste,
provocando migração da carga atuante para a
ponta da estaca que necessita maior
Figura 7 Comportamento das estacas no monitoramento
deslocamento para mobilização da resistência.
A figura 8 apresenta os resultados das provas
O efeito da colapsibilidade do solo local no
de carga realizadas nas duas estacas. A curva da
comportamento das estacas é marcante ao se
esquerda, realizada na estaca 1, imediatamente
observar os resultados das provas de carga nas
após ser descarregada depois de 5 dias de
duas estacas. A carga de ruptura da estaca 1
inundação do solo ao seu redor e a da direita na
resultou 82 kN e na estaca 2 212kN, sendo que
a prova de carga na estaca 1 foi realizada Araújo, R. S. Estudo das Estacas “Mega” Objetivando
imediatamente após a inundação do solo ao seu seu Projeto e sua Execução. 2005, 238 p. Dissertação
de mestrado. Escola Politécnica da USP, 2005.
redor por 5 dias, enquanto que na estaca 2 com Boni, F.E. Ensaio de Desempenho de Estacas Mega em
o terreno na condição natural, a prova foi Solo Colapsível. 2006. 160f . Monografia do Curso de
realizada cerca de 2 meses após a primeira Especialização em Perícias e Avaliações, Faculdade
prova. de Engenharia de Bauru - Unesp, 2006.
A redução de carga verificada devido ao Décourt, L & Quaresma, A. R.. Capacidade de carga de
estacas a partir de valores do SPT. In: Congresso
colapso do solo foi de 61%, coerente com a Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia de
redução obtida por Ferreira (1998) e Lobo et al Fundações – COBRAMSEF, 6 Rio de Janeiro, 1978.
(1991) em estacas curtas moldadas in loco, Ferreira, C.V. Efeito da Inundação do solo no
ensaiadas na mesma região. comportamento de estacas moldada in loco,
Um fato curioso e preocupante é que a estaca instrumentadas, em campo experimental de Bauru-SP.
1998. 160f . Tese de Doutorado, Escola de
1 foi monitorada durante 6 dias, sem aplicação Engenharia de São Carlos-USP, 1998.
de qualquer carga, sendo o solo ao seu redor Ferreira, C.V.; Lobo, A.S.; Albiero, J.H. Correlações
inundado artificialmente nos últimos 5 dias. A entre parâmetros geotécnicos de um solo residual. In:
variação da carga na estaca foi mostrada na CONGRESSO BRASILEIRO DE MECÂNICA DOS
figura 6, sendo que a última leitura de carga SOLOS E ENGENHARIA DE FUNDAÇÕES, 10.,
Foz do Iguaçu, 6-10 nov. 1994.
normal nessa estaca foi de 114 kN. A estaca foi Junqueira, S. : Aspectos Práticos Sobre a Instalação e
descarregada e imediatamente iniciou-se a Utilização de Estacas Prensadas, 1994. 209 p.
prova de carga, tendo-se verificado uma carga Dissertação de Mestrado, USP, São Paulo, 1994.
de ruptura de 82 kN, indicando uma redução de Lobo, A.S.; Albiero, J.H. & Ferreira, C.V. Influência da
28%. Acredita-se que esse fato possa ser Inundação na Carga Última de Estacas de Pequeno
Porte. In: SEMINÁRIO DE ENGENHARIA DE
atribuído à ruptura na ligação estaca-solo no FUNDAÇÕES ESPECIAIS, 2, (SEFE II ), São Paulo,
processo de descarregamento da estaca devido a Anais...São Paulo: Associação Brasileira de Mecânica
deformação elástica da estaca. dos Solos, 1991. V.1, p.217-226.
Destaca-se também que a carga de ruptura da
estaca 2 é praticamente a mesma aplicada pelo
macaco e obtida através da calibração do
manômetro durante o processo de cravação da
estaca. Esse fato corrobora a afirmação de
Junqueira (1994): “A instalação de uma Estaca
Prensada pode ser considerada como um
instrumento de pesquisa por ser sua cravação
uma verdadeira prova de carga”.
A aplicação do método de Décourt-
Quaresma (1978) prevê para essas estacas carga
de ruptura de 221 kN, diferindo apenas 4% do
valor 212 kN obtido na prova de carga na estaca
2, com o terreno na condição natural.
Os resultados obtidos mostram a importância
de se considerar em projetos de fundações o
caráter colapsível desse solo.

REFERÊNCIAS

Albiero, J.H.; Cintra, J.C.A. Tubulões e caixões. In:


FUNDAÇÕES: teoria e prática,. Editora Pini, 1996.
Alonso,U.R. Fundações e infraestruturas. Palestra, São
Paulo, Estacas Franki Ltda. 1979.

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