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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas

MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO: UM INTELECTUAL REGIONAL¹


Charles Maciel Falcão²
Marco Aurélio Coelho de Paiva³

INTRODUÇÃO
O levantamento e a valorização de elementos ligados as características físicas e naturais da região amazônica ou de elementos que
Fonte: Acervo da família

possam figurar como representantes tradicionais de uma identidade regional presentes na obra de Mário Ypiranga Monteiro no início de sua
trajetória intelectual, deve ser analisada na relação que este autor estabelece enquanto um intelectual regional, nos termos de Rodolfo Vilhena
(1997), entre a sua obra acerca do folclore amazônico e o conjunto de representações elencadas pelo esforço de diferentes intelectuais
radicados nas demais regiões brasileiras.
O que está em questão é a participação do autor no projeto empreendido pela Comissão Nacional de Folclore (CNFL) que, na década de
1950, irá congregar intelectuais das diversas regiões do país em prol do resgate e valorização do folclore tomado como representante máximo
da brasilidade uma vez que responde pelo que de mais tradicional existe na cultura brasileira frente ao intenso processo de urbanização e
modernização vivido pelo país a partir de 1930.

Fonte: Acervo da família


Os estudos do autor sobre o folclore amazônico entre as décadas de 1940 e 1950 se inserem
num projeto mais abrangente de valorização de aspectos antes estigmatizados e que compõem, a
partir de 1930, o cenário das preocupações de uma certa visão da brasilidade fundada na
configuração de um Brasil regional que tem na figura de Gilberto Freyre seu maior representante.
Fundamentando o projeto da CNFL, a visão gilbertiana de Brasil proporciona um espaço de
atuação para os intelectuais das diversas regiões do país que de outra forma não encontrariam
maneiras para a divulgação de um conjunto de representações que atuam na perspectiva do
Mário Ypiranga Monteiro confronto-associação para a configuração da identidade nacional.

O autor discursa no lançamento de O Regatão.


METODOLOGIA No canto direito, Arthur Cézar Ferreira Reis.

O trabalho se configurou como uma pesquisa bibliográfica na medida em que buscou percorrer os itinerários do pensamento social brasileiro acerca da temática da
identidade nacional e regional entendidas enquanto um conjunto de representações com o intuito de legitimar uma visão específica acerca de uma dada realidade.
A releitura de Gilberto Freyre naquilo que representa uma proposta de identidade contextualizada no tempo e no espaço e representada pela gama multifacetada de regiões
culturais que compõem o Brasil, presente em textos como Nordeste (1937) e Continente e Ilha (1943) nos levou a situar os estudos de um intelectual nativo, a saber, Mário
Ypiranga Monteiro no conjunto abrangente das leituras sobre o Brasil uma vez que a valorização regional do país permite com que uma gama de intelectuais deslocados dos
grandes centros de produção do pensamento social dêem vazão para um conjunto de representações produzidos no âmbito das regiões.
Estudando o folclore regional e participando do movimento da CNFL, a produção do autor é representativa de uma retomada da regionalidade e permite a compreensão
ampliada da relação de confronto-associação entre o conjunto de representações sobre a região amazônica que emerge de trabalhos como O Regatão (1958), O Aguadeiro
(1947) e Roteiro do Folclore Amazônico (1964) e a perspectiva gilbertiana de Brasil regional no bojo do movimento folclórico cuja maior vitalidade ocorreu entre os anos de 1947
e 1964 (VILHENA, 1997).

RESULTADOS
A compreensão do Brasil a partir do conjunto de regiões culturais guardiãs da tradição genuinamente brasileira, proposta por Gilberto Freyre
a partir da década de 1930, acaba por fundamentar a posição da CNFL acerca da necessidade do resgate e valorização dos aspectos relativos
ao folclore nas diversas regiões brasileiras. Participante ativo desse projeto marcado pela congregação de intelectuais regionais no sentido de
valorizar e resgatar o folclore, Mário Ypiranga Monteiro se insere no campo de produção do pensamento social brasileiro com um discurso
“criador” da região amazônica reconhecido e legitimado por instâncias de consagração como o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
(IGHA) e a Academia Amazonense de Letras (AAL). No cenário de possibilidades aberto pelo movimento folclórico a partir da década de 1940,
nosso autor forja um conjunto de representações que “inventam” a região enquanto um cenário não apenas natural, mas social e cultural,
participante do conjunto abrangente da identidade e da cultura nacional.

Fonte: Acervo da família


Capa de O Aguadeiro, primeiro
livro lançado pelo autor em 1947.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A possibilidade de uma produção intelectual “reconhecida” em termos de pensamento social é praticamente impossível fora do eixo Rio-São
Paulo no contexto da década de 1930. Num ambiente em que o espaço de atuação intelectual encontra-se ainda em estruturação, são os
Institutos Históricos e as Academias de Letras espalhadas por todo o país que atuam como instâncias de reconhecimento e legitimação dos
discursos e produções desconectados geograficamente dos grandes centros do sudeste. Integrando o movimento folclórico que tem seu
fundamento na proposta gilbertiana de Brasil regional, Mário Ypiranga lança mão de uma estratégia que lhe proporciona ganhos intelectuais ao
participar, por confronto-associação, da constituição de uma certa idéia de nacionalidade cujo solo cultural está nas regiões. A congregação de
intelectuais de província empreendida pela CNFL representa uma oportunidade de inserção no campo de produção de bens simbólicos para um
autor nativo da Amazônia como Mário Ypiranga Monteiro.
O autor quando aluno do
Ginásio Amazonense Pedro II.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 107-132.
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Miguel Serras Pereira. Oeiras: Celta Editora, 1997, p. 35-65.
FREYRE, Gilberto. Continente e ilha. Rio de Janeiro: Edições Casa do Estudante Brasileiro, 1943.
______. Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como processo de amalgamento de raças e culturas. Rio de Janeiro: José Olympio , 1947, p. 137-175.
______. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil. 7ª ed. rev. São Paulo: Global, 2004.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. O aguadeiro: subsídios para a história social do Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1977.
______. O Regatão: notícia histórica. Manaus: Sérgio Cardoso & Cia. Ltda. Editores, 1958.
______. Roteiro do folclore amazônico. Manaus: Sérgio Cardoso, I Tomo, 1964.
PAIVA, Marco A. C. de. Identidade regional e folclore amazônico na obra de Mário Ypiranga Monteiro. Manaus: Valer, 2002.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 99-140.
VILHENA, Luis Rodolfo. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio de Janeiro: FUNARTE, 1997.
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¹ Capítulo da dissertação: Mário Ypiranga Monteiro e os Estudos de Folclore (1940-1950).
² Cientista Social, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFAM e professor de Sociologia do Instituto de Saúde e Biotecnologia – Campus UFAM / Coari.
³ Professor do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas / UFAM e orientador da pesquisa.

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