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Bolsonaro, o ecocida | Unicamp


23-32 minutos

O mote Écrasons
l’infâme, com o qual Voltaire assinava suas cartas, exprimia sua
indignação contra o obscurantismo e o desprezo pela ciência. No
Brasil de hoje, a infâmia chama-se Bolsonaro, agente de anomia
social e, acima de tudo, um ecocida que está acelerando
exponencialmente a trajetória de nossas sociedades em direção a
um colapso socioambiental. É preciso que todos nos organizemos
numa grande frente de autodefesa socioeconômica e ambiental
para deter a ruína final do país. Bem-vinda seja a essa frente a
crescente legião de bolsonaristas desiludidos! Confrontos e
revanchismos seriam fatais agora. Quando a casa está pegando
fogo, a única opção é salvar o essencial, isto é, a sobrevivência da
sociedade organizada e dos alicerces da vida no planeta.

Essa frente de oposição à catástrofe Bolsonaro está crescendo


muito rapidamente. Os exemplos chegam de toda a parte. Todos
os ex-Ministros ainda vivos do Meio Ambiente, da Educação e da
Justiça de todos os governos anteriores conseguiram superar suas
imensas diferenças e assinar documentos conjuntos, em nome da

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obrigação maior de alertar a sociedade brasileira sobre a catástrofe


em curso.

A primeira reação veio das sete personalidades que chefiaram o


Ministério do Meio Ambiente, desde sua criação em 1992. Rubens
Ricupero, Gustavo Krause, José Sarney Filho, José Carlos
Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson
Duarte denunciaram por meio de uma carta aberta o “desmonte”
desse Ministério pelo moleque de recados de Bolsonaro e do
Ministério da Agricultura.

Em carta aberta, publicada na Folha de São Paulo, os onze ex-


chefes da pasta da Justiça – homens situados em posições
ideológicas tão diversas quanto Aloysio Nunes Ferreira, Eugênio
Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, José Gregori,
Luiz Paulo Barreto, Miguel Reale Jr., Milton Seligman, Raul
Jungmann, Tarso Genro e Torquato Jardim – denunciam os
“retrocessos” de conquistas históricas sobre a convivência
civilizada entre os membros da sociedade: “Como ex-ministros e
cidadãos, estamos convencidos de que ampliar o acesso às
armas e o número de cidadãos armados nas ruas, propostas
centrais dos decretos publicados pelo Executivo federal, não é a
solução para a garantia de nossa segurança, de nosso
desenvolvimento e de nossa democracia".

Não menos contundente é a carta aberta lançada por seis ex-


Ministros da Educação – José Goldenberg, Murilo Hingerl,
Cristovam Buarque, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e
Renato Janine Ribeiro – na qual afirmam: "A Educação se tornou
a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da
democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo,
ela é apresentada como ameaça". Cientes da necessidade de

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derrotar a tentativa de destruir o pouco que foi alcançado na


educação brasileira, os ex-ministros estão criando o Observatório
da Educação Brasileira.

Essas cartas abertas à sociedade brasileira são um fenômeno sem


precedentes na história política do país e mostram boa percepção
da envergadura extrema do perigo Bolsonaro. Não por acaso os
signatários em questão são justamente os ex-representantes, nas
políticas públicas nacionais, da educação, da justiça e do meio
ambiente, pois esses são os três setores nos quais o déficit
histórico da sociedade brasileira é nada menos que abissal. Os
dois primeiros setores – a educação e a justiça – estão se
insurgindo contra Bolsonaro.

Educação

Milhões de pessoas já foram às ruas em todos os estados do país


e estão mobilizadas em defesa da agenda educacional. Essas
manifestações mostraram a importância que a sociedade como um
todo atribui a todos os níveis da educação e à pesquisa
universitária. E quando digo a sociedade como um todo, refiro-me
ao arco que vai de Delfim Neto a Haddad e Boulos, e que vai dos
setores mais excluídos aos mais privilegiados da sociedade
brasileira. Desde 15 de maio, a sociedade brasileira vem
colocando Bolsonaro contra a parede, reduzindo-o às suas
vociferações habituais contra os estudantes e a seus disparos
instintivos contra tudo o que lhe pareça dotado de vida inteligente.
A vitória da sociedade é clara: a Justiça atendeu ação movida pelo
diretório estudantil da UnB e mandou o MEC suspender o bloqueio
de recursos às Universidades federais. Abraham Weintraub foi
completamente desmoralizado pela inquirição da Deputada Tabata

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Amaral no Congresso Nacional. Ele ainda pode recorrer da decisão


judicial, mas isso só o tornará ainda mais desprezível aos olhos da
opinião pública. E isso é só o começo...

Justiça

A questão da Justiça não se restringe apenas ao pacto


civilizacional, segundo o qual o Estado deve ter o monopólio das
armas, de modo a inibir a extrema agressividade pulsional de
nossa espécie. E isso inclui inibir o fetiche de Bolsonaro por armas,
já várias vezes associado à sua obsessão pelo falo. A questão da
Justiça estende-se a outra condição essencial de toda civilização:
a distinção entre política e justiça.

A autodenominada Força-Tarefa Lava-Jato de Curitiba, chefiada


pelo então juiz e hoje Ministro da Justiça de Bolsonaro, traiu o
anseio da sociedade brasileira por isonomia no combate à
corrupção e demais formas de malversação dos recursos públicos.
As revelações trazidas pelo The Intercept Brasil começaram a
desnudar o fato maior da história recente do país: o ex-juiz Sérgio
Moro fez ignóbil dobradinha contra a defesa, traindo a missão
primeira de todo juiz: julgar de modo objetivo e equidistante das
partes. Como bem afirma Glenn Grenwald, "o objetivo de Moro era
prender Lula e torná-lo inelegível". Ele estava "obcecado por isso".
Num artigo da revista Época (15/VI/2019), Luiz Fernando Vianna
põe em evidência um dos fatos mais grotescos do Brasil
contemporâneo: “Nem que fosse para manter as aparências,
[Moro] jamais poderia aceitar um convite de Jair Bolsonaro, cuja
vitória foi impulsionada pela inviabilização da candidatura de Lula”.
Só um homem com dose tão repugnante de improbidade e
indignidade poderia caber na posição de Ministro da Justiça de

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Bolsonaro. E também aqui a sociedade brasileira está se


mostrando intransigente. A começar pelos próprios pares do
Ministro. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
por exemplo, divulgou nota na qual afirma: [I]

“Não se pode desconsiderar (...) a gravidade dos fatos, o que


demanda investigação plena, imparcial e isenta, na medida em que
estes envolvem membros do Ministério Público Federal, ex-
membro do Poder Judiciário e a possível relação de promiscuidade
na condução de ações penais no âmbito da operação lava-jato.
Este quadro recomenda que os envolvidos peçam afastamento dos
cargos públicos que ocupam, especialmente para que as
investigações corram sem qualquer suspeita. A independência e
imparcialidade do Poder Judiciário sempre foram valores
defendidos e perseguidos por esta instituição, que, de igual modo,
zela pela liberdade de imprensa e sua prerrogativa Constitucional
de sigilo da fonte, tudo como forma de garantir a solidez dos
pilares democráticos da República. A Ordem dos Advogados do
Brasil, que tem em seu histórico a defesa da Constituição, da
ordem jurídica do Estado Democrático e do regular funcionamento
das instituições, não se furtará em tomar todas as medidas
cabíveis para o regular esclarecimento dos fatos, especialmente
junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da
República (PGR), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reafirmando, por fim, sua
confiança nas instituições públicas”.

O juiz Alfredo Attié Junior, presidente da Academia Paulista de


Direito, afirmou no mesmo sentido: “A principal nulidade de
qualquer processo, sobretudo do processo penal, decorre da
suspeição do juiz ou da juíza que profere uma decisão. (...) Em

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teoria do direito, chama-se princípio do juiz natural. (...) O sistema


jurídico se corrompe quando o princípio do juiz natural é quebrado.
Ou seja, o pior que pode acontecer numa sociedade é o juiz se
tornar parcial. Quer dizer, ele não julga mais. Ele passa a participar
do processo, torna-se parte, aconselhando um dos lados,
tornando-se próximo, íntimo de uma das partes. No caso, segundo
o que se lê da publicação, não negada pelas pessoas envolvidas, o
juiz do caso trocava ideias com o órgão de acusação, sugerindo
caminhos e usando, inclusive, o pronome ‘nós’, primeira pessoa do
plural. O órgão de acusação recebia do juiz impressões e
sugestões fora dos autos, sem o controle da sociedade e sem que
as outras partes, os réus e investigados, soubessem e pudessem
se defender e mesmo apresentar representação pelo afastamento
do juiz, que se tornava suspeito, ou seja, parcial, interessado no
desenrolar do processo e na decisão da condenação. Vejo como
grave a referência a órgãos da mídia, como se aliados fossem, ou,
pior, como se a condução se pautasse pela utilização de meios de
comunicação, ao ponto de se poder pensar em manipulação da
opinião pública. É extremamente grave, porque o ato ilegal de um
juiz ou de uma juíza, seja quem for, influencia na visão que a
sociedade tem do judiciário como um todo. (...) Penso que deve
haver investigação dos órgãos de controle, invalidação de decisões
e mesmo de atos do Ministério Público e punição dos
responsáveis. O TER, o STJ, o STF devem investigar. (...) Mas não
é possível prever o que o presidente Bolsonaro vai fazer. Ele deve,
em tese, preservar seu governo de uma dúvida de ilegitimidade. Se
fizer o oposto, a crise vai aprofundar, pois vivemos momento de
contestação da legitimidade”. [II]

A transgressão de vários artigos do código penal por Moro, sob o

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pretexto de um pretenso combate à corrupção econômica,


corrompeu a lisura do judiciário e tornou a corrupção brasileira
ainda mais sistêmica. No que se refere em particular a Lula, não
cabe a mim e a ninguém que não tenha competência jurídica e não
esteja imerso na análise dos autos do processo emitir vereditos.
Mas cabe a todos nós, cidadãos, reconhecer e afirmar alto e bom
som que Lula não teve um julgamento justo. E porque não teve,
tudo o que Moro e “seus” Procuradores conseguiram foi, em suma,
transformá-lo num prisioneiro político. E essa é uma razão a mais,
importantíssima, mas não a principal, para tornar moralmente
ilegítima a vitória eleitoral de Bolsonaro.

O Irreparável

Por que não a principal? Pela simples razão de que o mal feito por
Bolsonaro e Moro à educação e à justiça, por pior que seja, é
reparável. Ninguém ignora que a educação no Brasil nos níveis
pré-universitários está de há muito numa situação alarmante.
Indicadores de progresso existem, mas são modestos e não
definem claramente a tendência geral. Com Bolsonaro, todos os
indicadores vão despencar a níveis jamais imaginados. E,
entretanto, reverter esse declínio será sempre possível no “após-
Bolsonaro”, pois essa reversão depende apenas da decisão da
sociedade de pôr em marcha um processo positivo. Na esfera da
justiça ocorre o mesmo. Injustiças podem causar estragos
imensos, mas também elas são reparáveis. Aliás, a Justiça existe
justamente para reparar injustiças, já que é impossível evitá-las.

Mas o mal que Bolsonaro está fazendo à natureza e a nós todos,


ao liberar o desmatamento, a caça e os agrotóxicos, é irreparável
ou, na melhor das hipóteses, o será muito em breve, talvez mesmo

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já durante o quadriênio de seu mandato. E, no entanto, esse mal,


incomparavelmente maior que todos os demais, ainda não mobiliza
as ruas, a imprensa e, de forma geral, a opinião pública. Com
exceção das vigorosas manifestações dos ex-Ministros do Meio
Ambiente e de algumas associações da sociedade civil
(Observatório do Clima, ClimaInfo, Instituto Socioambiental,
Greenpeace etc), poucos são ainda os sinais vitais de autodefesa
da sociedade. As greves dos adolescentes em defesa do meio
ambiente (Fridays for Future) não estão ecoando com força entre
nossos adolescentes.

Nem mesmo na Universidade, supostamente mais bem informada


sobre os diagnósticos científicos, percebem-se reações de grande
envergadura. Trata-se de uma omissão grave e injustificável. As
Universidades não estão cumprindo sua missão e dever de
informar e alertar a sociedade para o colapso socioambiental já em
curso, processo que ainda podemos, contudo, atenuar
significativamente, aumentando nossas chances de adaptação.
Num próximo artigo, devo abordar o uso em doses brutais pelo
agronegócio brasileiro de clorpirifós, um inseticida da classe dos
organofosforados que inibe a transmissão dos receptores do
sistema nervoso, consensualmente acusado de ser responsável
pela perda irreversível de QI nas crianças. Atenho-me aqui, por
falta de espaço, apenas à questão da perda de biodiversidade.

As florestas tropicais são (ainda) o habitat de 80% das espécies


terrestres. O desmatamento é, portanto, a forma mais fulminante
de destruir o maior número possível de formas de vida. Um
trabalho publicado por James Watson e colegas (2016) mede a
dimensão da catástrofe em escala global: [III] “Demonstramos
perdas alarmantes, compreendendo um décimo (3,3 milhões de

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km2) de áreas selvagens (wilderness [IV]) globais nas duas últimas


décadas, particularmente na Amazônia (30%) e na África Central
(14%)”.

“Estamos tirando o governo do cangote de quem produz”

Na mente entrevada de Bolsonaro, contudo, as florestas tropicais


são um estorvo. Para ele, os que desmatam são vítimas da
“indústria das multas”. Por isso, proclama com orgulho que “está
tirando o Estado do cangote de quem produz e investe”. [V] Em
outras palavras, “liberou geral”... O presidente do Brasil conclamou
suas hostes a substituir florestas por soja e gado. A destruição da
cobertura florestal do país não começou com Bolsonaro, é claro.
Mas pode se consumar com ele. Justamente porque essa
destruição foi posta em marcha pela ditadura militar no final dos
anos 1960, e justamente porque os governos civis prolongaram a
linha ascendente da devastação (exceção feita aos anos 2005 –
2012), a situação das florestas brasileiras tornou-se hoje
extremamente precária. Estamos muito próximos de cruzar pontos
críticos, os quais, uma vez cruzados, dão lugar a processos
terminais irreversíveis. Um “empurrãozinho” a mais numa floresta
já muito amputada e degradada pode bastar para que ela se
desestabilize de vez e transite para uma formação não florestal,
num processo eventualmente abrupto.

IPBES: 1 milhão de espécies ameaçadas

Também a sobrevivência das espécies depende de não se


ultrapassarem pontos críticos de redução de suas populações e de
empobrecimento de sua diversidade genética, dois fatores

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obviamente interligados. Quando ambas declinam muito, a espécie


torna-se criticamente vulnerável à extinção. Fruto de um trabalho
de três anos de mais de 150 cientistas de mais de 60 países, a
primeira avaliação global do estado da biodiversidade planetária,
lançada em maio de 2019 pela Plataforma Intergovernamental
sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), mostra
exatamente isso: 1 milhão de espécies animais e vegetais – 12,5%
do total estimado de 8 milhões de espécies na Terra (75% das
quais são insetos) – podem se extinguir nas próximas poucas
décadas. [VI] Segundo as estimativas do IPBES, cerca de 550 mil
espécies de insetos estão ameaçadas de extinção. Grande parte
dos polinizadores são insetos e da polinização depende a
conservação das florestas e de muitos produtos agrícolas.

Taxas atuais de defaunação e de extinção

O agente maior do colapso da biodiversidade advertido pelo IPBES


é a engrenagem do sistema alimentar corporativo e globalizado,
dominado pelas megacorporações da agroquímica, por um
punhado de Traders, por bancos que transformaram os alimentos
em commodities negociadas em mercados futuros e por
fazendeiros que veem nas florestas um obstáculo à expansão de
seus negócios. Os fazendeiros são apenas a ponta do iceberg,
mas são os agentes diretos do abate global de algo como 15
bilhões de árvores por ano. [VII]

Consequência direta disso: segundo Rodolfo Dirzo, Mauro Galetti e


coautores de uma revisão publicada na Science de julho de 2014,
“estamos perdendo entre cerca de 11 mil e 58 mil espécies
anualmente”, [VIII] o que significa algo entre 30 e 159 espécies por
dia. Doze anos atrás, Sigmar Gabriel, então Ministro do Meio

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Ambiente na Alemanha, já afirmava: “A perda de diversidade


biológica em escala global está avançando a um ritmo sem
precedentes. Até 150 espécies estão se extinguindo a cada dia. A
teia da vida que sustenta nossa sociedade global está se tornando
mais e mais frágil”. [IX] Em junho de 2010, o documento The State
of the Planet’s Biodiversity do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA) estimava que “entre 150 e 200 espécies
animais e vegetais extinguem-se a cada 24 horas”. [X] A
velocidade da sexta extinção não tem medida comum com as cinco
maiores extinções em massa anteriores. Em 2005, o Millenium
Ecosystem Assessment afirmava: “As taxas de extinções
conhecidas de espécies no século XX foram de 50 a 500 vezes
maiores que a taxa de extinção calculada a partir dos registros
fósseis, que é de 0,1 a 1 extinção por 1.000 espécies por 1.000
anos. A taxa atual é até 1.000 vezes maior que as taxas de
extinção de base, se incluirmos as espécies possivelmente já
extintas”. E o mesmo documento projetava que em 2050 a taxa de
extinção será uma ordem de grandeza maior que as taxas atuais,
isto é, uma taxa até 10.000 vezes maior que a taxa de base [XI].
Estamos agora, em 2019, em suma, em estado de denegação, isto
é, de recusa irracional de confrontar a realidade.

E, entretanto, ainda está em nossas mãos, como sociedade


organizada, evitar esse não futuro. E a responsabilidade de quem
mora no Brasil é tanto maior, dada a riqueza extraordinária da
biodiversidade no país. O Brasil, justamente por essa riqueza, está
sendo a maior vítima desse processo. Isso se evidencia de modo
inequívoco no terceiro dos três gráficos da Figura 1, que resumem
os dados da última avaliação do Living Planet Index (LPI).

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Fonte: Damian Carrington, “Humanity has wiped out 60% of animal


populations since 1970, report finds”. The Guardian, 30/X/2018. Baseado
em Living Planet Index. 2018: Aiming higher.

Figura 1 - Perdas de abundância, entre 1970 e 2014, em 16.704


populações de 4.005 espécies de vertebrados no mundo todo

Esses três gráficos mostram quedas abruptas de abundância,


entre 1970 e 2014, em 16.704 populações de 4.005 espécies de
vertebrados em todo o planeta, avaliadas por mais de 50 cientistas
do LPI. O gráfico da esquerda mostra que nesse período de menos
de meio século a humanidade eliminou em média 60% das
populações das 4.005 espécies de vertebrados avaliadas. A esse
respeito, Mike Barrett, diretor executivo de ciência e conservação
da WWF, comentou: [XII]

“Estamos sonambulando em direção à beira do abismo. Se


houvesse um declínio de 60% da população humana, isso seria
equivalente a esvaziar a América do Norte, a América do Sul, a
África, a China e a Oceania. Essa é a escala do que fizemos. Isso
é muito mais do que simplesmente estar perdendo as maravilhas
da natureza, tão desesperadamente triste quanto isso seja. Isso

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está na realidade ameaçando o futuro das pessoas. A natureza


não é algo ‘agradável de se ter’ – é o sistema de suporte de nossa
vida”.

Há anos, outros cientistas vêm dizendo o mesmo. Em 2011,


comentando o relatório do Panorama da Biodiversidade Global 3,
Achim Steiner, então subsecretário-geral das Nações Unidas e
diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), lamentava: “A arrogância da humanidade é
que, de alguma forma, imaginamos que podemos sobreviver sem a
biodiversidade, ou que ela é, de algum modo, periférica”.

O gráfico central da Figura 1 mostra que as populações dos


vertebrados vivendo em habitats de água doce colapsaram em
média em 83%. O gráfico da direita mostra, enfim, o que está
acontecendo no Brasil, e em geral na América do Sul e Central:
uma redução média de 89% das populações avaliadas. Isso quer
dizer que onde havia 100 indivíduos de uma dada espécie, hoje há
apenas, em média, 11. Lontras e macacos aranhas, por exemplo,
estão no limiar da extinção. Como mostra a Figura 2, os três
principais vetores dessa aniquilação da natureza são a caça
(Exploitation, 37%), a degradação dos habitats (31,4%) e o
desmatamento (13,4%), os três pontos que Bolsonaro tem
priorizado pessoalmente em seu “plano de governo”. Juntos, eles
somam 81,8% das causas do extermínio em curso dos
vertebrados, como mostra a Figura 2.

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Figura 2 – Ameaças primárias às populações de vertebrados


avaliadas. Living Planet Index Report 2014 .

Ecocídio

Por sua “guerra suja” contra a biosfera, Bolsonaro será um dia


julgado por ecocídio, um delito que designa a destruição em larga
escala do meio ambiente. O Tribunal Penal Internacional (TPI)
reconhece o ecocídio como um crime contra a humanidade. Valérie
Cabanes, da ONG End Ecocide On Earth, afirma que “a ideia de
ecocídio existe há 50 anos e foi evocada pela primeira vez quando
os americanos usaram dioxina nas florestas durante a Guerra do
Vietnã. Agora queremos reviver essa ideia que considera que
atentar gravemente contra ciclos vitais para a vida na Terra e
ecossistemas deve ser considerado um crime internacional". [XIII]
Objetos dessa criminalização são as grandes corporações e chefes
de Estado, e as penas de prisão podem valer para o Brasil, país

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signatário do Tratado de Roma, que aceita a jurisdição do TPI. Em


todo o caso, Bolsonaro terá assegurado o direito a um julgamento
imparcial, o que é bem mais do que o julgamento a que Lula teve
direito.

[I] - Ver https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI304127,81042-


Conselho+Federal+da+OAB+recomendara+que+Moro+e+Dallagnol+se+afastem

[II] - Cf. Frederico Vasconcelos, “Juiz sugere afastamento de Moro


e criação de CPI”. Folha de São Paulo, 11/VI/2019.

[III] - Cf. James E.M. Watson et al., “Catastrophic Declines in


Wilderness Areas Undermine Global Environment Targets”, Current
Biology, 7/XI/2016.

[IV] - "We mapped decline of wilderness, defining wilderness as


biologically and ecologically largely intact landscapes that are
mostly free of human disturbance. These areas do not exclude
people, as many are in fact critical to certain communities, including
indigenous peoples”.

[V] - Cf. Gustavo Porto, “Na Agrishow, Bolsonaro diz querer não
atrapalhar quem produz”. UOL, baseado em O Estado de São
Paulo, 29/IV/2019.

[VI] - O IPBES segue critérios estabelecidos pela União


Internacional de Conservação da Natureza (IUCN), cuja Lista
Vermelha das Espécies Ameaçadas soma 25% das mais de 70 mil
espécies monitoradas.

[VII] - Cf. T. W. Crowther et al. (2015). “Mapping tree density at a


global scale” Nature, 2/IX/2015.

[VIII] - Cf. R. Dirzo, M. Galetti; Ben Collen et al. “Defaunation in the


Anthropocene”. Science, 345, 6195, 25/VII/2014, pp. 401-406.

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[IX] - Citado por Thomas L. Friedman, “In the Age of Noah”. The
New York Times, 23/XII/1997: “The loss of global biological
diversity is advancing at an unprecedented pace. Up to 150 species
are becoming extinct every day. The web of life that sustains our
global society is getting weaker and weaker.”

[X] - Veja-se http://www.unep.org/wed/2010/english/biodiversity.asp.

[XI] - Cf. Ecosystems and human well-being. Synthesis, 2005, p. 38


(em rede).

[XII] - Citado por Damian Carrington, “Humanity has wiped out 60%
of animal populations since 1970, report finds”. The Guardian,
30/X/2018: “We are sleepwalking towards the edge of a cliff. If there
was a 60% decline in the human population, that would be
equivalent to emptying North America, South America, Africa,
Europe, China and Oceania. That is the scale of what we have
done. This is far more than just being about losing the wonders of
nature, desperately sad though that is. This is actually now
jeopardising the future of people. Nature is not a ‘nice to have’ – it
is our life-support system.”

[XIII] - Cf. “Tribunal Penal Internacional reconhece "ecocídio" como


crime contra a humanidade”. Consultor Jurídico, 12/II/2017.

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