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EDUCAÇÃO

PATRIMONIAL
diálogos entre escola,
museu e cidade

Caderno Temático 4
Presidente do Iphan Equipe Técnica da Casa do Patrimônio da Paraíba
Jurema Machado Átila Bezerra Tolentino
Chefe de Gabinete Carla Gisele Moraes
Rony Oliveira Emanuel Oliveira Braga

Diretor de Articulação e Fomento Igor Alexander Souza

Luiz Philippe Peres Torelly Maria Olga Enrique Silva


Moysés Siqueira Neto
Diretora de Patrimônio Imaterial
Suelen de Andrade Silva
Célia Maria Corsino
Diretor de Patrimônio Material e Fiscalização Organização desta edição
Andrey Rosenthal Schlee
Diretor de Planejamento e Administração
Átila Bezerra Tolentino
Emanuel Oliveira Braga
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Marcos José Silva Rêgo
Superintende do Iphan na Paraíba
Carla Gisele Moraes
Moysés Siqueira Neto diálogos entre escola, museu e cidade
Claudio Nogueira

4
Revisão
Chefe da Divisão Técnica do Iphan na Paraíba
Christiane Finizola Sarmento
Átila Bezerra Tolentino Caderno Temático
Emanuel Oliveira Braga
Chefe da Divisão Administrativa do Iphan na Paraíba Carla Gisele Moraes
Lindaci Bandeira de Souza Moysés Siqueira Neto

Projeto gráfico e diagramação


Daniella Lira

Desenhos
Natállia Azevêdo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca Parahyba, Iphan-PB
I59m
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Superintendência do Iphan na Paraíba. Casa do Patrimônio da Paraíba.
Educação patrimonial: diálogos entre escola, museu e cidade / Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); Organização, Átila Bezerra
Tolentino ... [et al.]. – João Pessoa: Iphan, 2014.
116 p.: il.; 30 cm. – (Caderno Temático; 4)

ISBN 978-85-7334-266-6

1. Educação Patrimonial. 2. Patrimônio Cultural Brasileiro. I. Instituto


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Superintendência do Iphan na
Paraíba. Casa do Patrimônio da Paraíba. II. Tolentino, Átila Bezerra. III.Título.
IV. Série.
CDD 363.69

Os textos e reflexões são de exclusiva responsabilidade dos seus autores. 2015


SUMÁRIO

05 Apresentação

06 Escola, museus e cidades: um diálogo possível


Equipe da Casa do Patrimônio da Paraíba

08 O Patrimônio Cultural em sala de aula:


abordagens interdisciplinares nos municípios paraenses
Sabrina Campos Costa

18 A prática da Educação Patrimonial:


uma experiência no município de Restinga Sêca/RS
Heliana de Moraes Alves e Lauro César Figueiredo

25 Educação patrimonial na sala de aula:


a escola como patrimônio cultural
Cristiane Valdevino de Aquino

32 Patrimônio cultural e educação:


perspectivas cidadãs para outra esfera pública
Fernando Pascuotte Siviero

42 O ABC dos Museus: relatos e experiências de sala de aula


Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira e Newton Fabiano Soares

50 Considerações sobre a educação para o patrimônio no município


de Pelotas-RS: uma possibilidade de aproximar museu e sociedade
Patrícia Cristina da Cruz, Renata Brião de Castro e
Carla Rodrigues Gastaud

57 Um museu sem paredes para um patrimônio sem limites:


o Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa
Laetitia Valadares Jourdan

71 Museu e Brinquedoteca: patrimônio cultural e educação infantil


Lucia Yunes e Ana Cretton

81 Uma casa para lembrar:


memória e silêncio na preservação da Casa-museu Mestre Vitalino
Moysés M. de Siqueira Neto

89 Em defesa da educação patrimonial e da pesquisa participativa na


análise de impacto dos processos de licenciamento ambiental no Brasil:
a construção do patrimônio cultural local em situações de encontro e conflito
Emanuel Oliveira Braga e Luciano de Souza e Silva

114 Os autores
APRESENTAÇÃO

Desde o ano de 2009 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), através
de sua Superintendência na Paraíba (IPHAN-PB), mantém um processo contínuo de construção e
disseminação de conhecimento sobre o patrimônio cultural, pautado na interação com os diversos
atores sociais presentes no Estado da Paraíba e na participação das comunidades detentoras das
referências formadoras da diversidade cultural, da identidade e da memória paraibanas, e que se
traduz, entre outras, numa ação educativa que prima pela constante reflexão sobre si mesma e sobre
o campo no qual se insere, e que tem os Cadernos Temáticos de Educação Patrimonial como um
importante instrumento de socialização das experiências acumuladas.
Este processo é desenvolvido através da Casa do Patrimônio da Paraíba, programa por meio
do qual o IPHAN busca se articular com a sociedade civil e o poder público local para difundir
informações sobre a ação institucional; estimular a participação das comunidades nas discussões sobre
o patrimônio cultural, valorizando-as e identificando temas significativos para a apropriação de seu
patrimônio, além de promover práticas educativas interdisciplinares e transversais que façam interface
com o patrimônio cultural, ou seja, as diversas ações do programa têm a educação patrimonial como
pano de fundo e aglutinante entre a ação institucional e os diversos atores sociais que interagem no
âmbito do patrimônio.
No cumprimento deste papel, o programa Casa do Patrimônio busca um conhecimento sobre
o patrimônio cultural que extrapola a ação institucional e a produção acadêmica, utilizando-as
como insumo para uma construção que se dá de forma coletiva e a partir dos próprios atores deste
patrimônio, sendo neles referenciadas as ações da Casa do Patrimônio da Paraíba, a exemplo do
projeto “João Pessoa, Minha Cidade”, desenvolvido junto a escolas localizadas no Centro Histórico
de João Pessoa e que buscou, além do reconhecimento dos bens culturais da cidade, uma reflexão do
significado deste patrimônio para os alunos envolvidos no projeto e para as pessoas que visitaram a
exposição resultante do trabalho. Exemplifico também, mais recentemente, com a exposição “Penha:
entre Redes e Promessas”, ponto culminante de um trabalho de autoconhecimento e apropriação do
patrimônio e da cultura por parte da comunidade da Praia da Penha em João Pessoa.
A partir destas e de outras práticas, não só da Casa do Patrimônio, mas de outros atores sociais,
o IPHAN-PB busca incentivar a reflexão sobre estas ações educativas como forma de fortalecer e
aprimorar a construção de conhecimentos sobre o campo do patrimônio cultural e neste papel,
desde 2011, põe em prática a série de Cadernos Temáticos de Educação Patrimonial. Inicialmente
apenas como um instrumento de orientação para professores da rede de ensino, essa série evoluiu
nos anos seguintes para uma reflexão ampliada sobre a ação educativa associada ao patrimônio
cultural, chegando ao momento atual com a edição do quarto caderno da série, intitulado “Educação
Patrimonial: Diálogos entre Escola, Museu e Cidade”. Neste número, o Caderno Temático traz
experiências educativas não só de João Pessoa, mas também dos estados do Pará, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo, que formam um panorama rico e de abrangência
nacional, onde as ações da educação patrimonial vão além das práticas comuns e tornam-se elemento
de interação entre a escola e o museu, espaços comuns da educação e do patrimônio, com a cidade e
com as pessoas que detêm e produzem este patrimônio cultural.
Claudio Nogueira
Superintendente do Iphan na Paraíba

Diálogos entre escola, museu e cidade | 5


ESCOLA, MUSEUS E CIDADES: fundamentais nas ações educativas. Patrícia
Cristina da Cruz, Renata Brião de Castro e
Carla Rodrigues Gastaud também exploram
UM DIÁLOGO POSSÍVEL esta conexão entre escola, museu e cidade,
contando como têm sido desenvolvidas
ações de Educação Patrimonial na cidade
de Pelotas/RS, resultado de uma pesquisa
efetuada pelo Laboratório de Educação para
o Patrimônio, da Universidade Federal de
Pelotas, e enfatizando, também, o processo
A Casa do Patrimônio da Paraíba tem, desde município de Restinga Sêca/RS demonstra uma de criação de uma mediateca especializada
sua criação em 2009, uma atuação que extrapola prática pautada na produção, juntamente com os no tema.
os limites da Superintendência do Iphan na educandos, de recursos didáticos interativos, com
Laetitia Valadarzes Jourdan narra o
Paraíba e a capital do estado, se espalhando vistas a abordar temas relacionados aos aspectos
processo de salvaguarda do patrimônio
pelas ruas e casas, navegando pelos rios, viajando históricos e culturais da cidade, buscando a
imaterial com ênfase na promoção
por estradas e adentrando o interior do estado. sensibilização sobre o patrimônio cultural e a
do desenvolvimento sustentável de
A Educação Patrimonial, da mesma forma, tem sua valorização. propositura quanto aos procedimentos necessários
comunidades, presente na experiência do Museu
cada vez mais ultrapassado os contornos das para o licenciamento ambiental.
Ainda no âmbito da educação formal, o artigo do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa.
instituições de ensino e dos museus para caminhar
de Cristiane Aquino analisa a importância da Lucia Yunes e Ana Cretton trazem a experiência Nas ações executadas na escola ou no
livre entre ruas e edifícios históricos, interpelando
escola como um lugar responsável pela formação de construção de um projeto educativo para o museu, nas visitas de campo de professores
transeuntes, misturando-se à oralidade e às
identitária e cidadã dos indivíduos e que, por público infantil do Museu do Folclore de São e alunos pelos espaços das nossas cidades e
histórias de assombração e se disseminando
isso, merece ser valorizada e preservada por José dos Campos, demonstrando o processo de nas iniciativas mais inovadoras, que buscam
muitas vezes de maneira simples e informal.
seus membros, reafirmando-se ela própria como seleção de acervos, indicação de textos reflexivos, abordar o patrimônio cultural em sua dimensão
O Caderno de Educação Patrimonial nº 4: patrimônio cultural. concepção de uma brinquedoteca e a realização caleidoscópica, a Educação Patrimonial tem se
Diálogos entre Escola, Museu e Cidade retrata de oficinas com o público-alvo do projeto. mostrado cada vez mais dinâmica, versátil e
experiências de Educação Patrimonial por todo O artigo de Fernando Pascuotte Siviero busca inovadora. As experiências que trazemos neste
trazer, através de uma experiência no centro Também no campo dos museus, Moysés
o Brasil que tomam os espaços educativos da Caderno procuram mostrar como o patrimônio
histórico de Natal/RN, a perspectiva da educação Siqueira Neto faz uma análise da Casa-museu do
escola e do museu como polos a partir dos cultural pode (e deve) ser um instrumento
como instrumento de apropriação, participação Mestre Vitalino, inaugurada em 1971 no lugar
quais se desenvolvem experiências sensoriais de empoderamento, de cidadania e de
social e empoderamento, enfatizando a dimensão onde o artista morou. Concebe esse museu como
e interpretativas que extrapolam seus limites desenvolvimento socioeconômico.
de cidadania presente na responsabilidade de um espaço partilhado entre a memória social
físicos e sua atuação institucional. A ampliação
cada um de nós na preservação e fruição social do e patrimônio cultural, em busca do ausente, o As abordagens apresentadas nos convidam
do limite entre o dentro e o fora, relatada em
patrimônio cultural. não-dito, o escasso, o pouco representado nas a inovar nos projetos de Educação Patrimonial,
diversas experiências, incorpora novos elementos
políticas – o silêncio – para o entendimento perceber o patrimônio de outra forma, aguçar
às práticas educativas comumente realizadas e Esta ponte entre a Educação Patrimonial e a da complexidade hoje exigida pela ideia o olhar, e, não satisfeitos, olhar novamente,
revela como as referências culturais são palpáveis cidade, bastante presente no artigo de Fernando de preservação. reinterpretar. No espaço convencional da sala
e acessíveis a qualquer um de nós, pois permeiam Siviero, e entre o patrimônio protegido e os usos e de aula, na visita ao museu ou no passeio pela
nosso cotidiano, nossa vizinhança, nossa cidade. funções sociais que são conferidos a ele, é o que Por fim, o artigo produzido por Emanuel
cidade, devemos buscar a consecução dos
nos leva às demais abordagens, que buscam o Braga e Luciano Souza traz uma profunda
Pensando na escola como o espaço a partir do objetivos de uma política pública de patrimônio
diálogo entre espaços educativos, museológicos e análise das práticas de elaboração dos Estudos
qual se podem desenvolver ações de Educação compromissada com a Educação Patrimonial.
o patrimônio cultural. de Impacto Ambiental necessários nos processos
Patrimonial, apresentamos o artigo de Sabrina O desafio que está posto pra nós é conseguir
de licenciamento ambiental, enfocando o
Campos Costa, que explora abordagens A abordagem de Carlos Daetwyler Xavier uma aproximação necessária entre patrimônio
diagnóstico socioeconômico e o papel da
interdisciplinares no estado do Pará, cujas ações de Oliveira e Newton Fabiano Soares relata e população, compreendendo que o interesse
pesquisa participativa e da educação patrimonial
culminaram em reflexões e interação com os a experiência do projeto “Patrimônio Vida”, comum da preservação está muitas vezes contido
na sua elaboração. A sua análise, reflexiva e
patrimônios culturais locais, abrindo perspectivas promovido pelo Museu da República no Rio de justamente nas referências mais preciosas e mais
crítica, perpassa por questões conceituais que
de abordagens sobre a temática em diferentes Janeiro/RJ, em parceria com instituições e ONGs familiares, que povoam meu bairro, minha escola
envolvem o entendimento sobre meio ambiente,
espaços educativos. voltadas para o trabalho com o público jovem, e minha cidade.
desenvolvimento e patrimônio cultural, bem como
Por sua vez, a experiência relatada por Heliana reconhecendo a escola, os espaços museológicos os embates, avanços e retrocessos na legislação
de Moraes Alves e Lauro César Figueiredo no e o ambiente urbano como elementos Equipe da Casa do Patrimônio da Paraíba
que rege a matéria, para, ao final, apresentar uma

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O Patrimônio Cultural
modo de vida do lugar onde estamos aplicando
a técnica. A realidade do local vai surgir na fala
dos participantes entremeada pelas suas histórias
pessoais e familiares. Este é o objetivo desta
técnica: uma leitura rápida da realidade da cidade

em sala de aula: e das identidades socioculturais nela contidas.


Partindo deste ponto, o professor está
capacitado a aprofundar o tema, refletindo
junto com os participantes sobre quais objetos,

abordagens interdisciplinares conhecimentos, habilidades, grupos culturais,


espaços são relevantes nas histórias individuais,
familiares e da coletividade de um grupo de

nos municípios paraenses moradores, da comunidade ou da cidade,


utilizando estes elementos para debater temas
como memória, identidade, cultura material
e imaterial, diversidade cultural, respeito e
tolerância, a interface entre cultura e natureza,
tradição, cultura global.

SABRINA CAMPOS COSTA A atividade, por exemplo, foi desenvolvida com


adultos em comunidades interioranas. Houve
relatos de ofícios, saberes e fazeres, que apesar de
estarem em avançado nível de desaparecimento,
ainda são encontrados mesmo em contextos
urbanos, como a pessoa da parteira, da rezadora
de ladainha em latim, do mestre da construção
de rabecas, bem como outras atividades como
Falar de patrimônio cultural é muito mais fácil do que parece. Leonardo Boff, o abre-alas da escola de samba, e a maruja
teólogo, professor, escritor e importante pensador brasileiro, conta, em suas (importante pessoa que conduz a celebração
palestras, que as pessoas guardam aquilo que lhes toca o coração. religiosa da Marujada). Cada qual exerce uma
A memória é um mecanismo cerebral complexo. Pessoas a usam para função específica, que provavelmente aprendeu
guardar ou esquecer informações. E lembranças carregadas de emoções com a família (é um conhecimento herdado)
são mais guardadas na memória, mesmo que remetam às situações duras ou desenvolveu sozinho e possivelmente tenta
ou difíceis pelas quais passamos. Comecemos conversando sobre memórias ensinar a alguém. Sua atividade requer uma
contidas nas histórias de vida. habilidade e ainda uma gama especial de objetos.

O Museu da Pessoa, criado primeiramente em ambiente virtual, promove Se estas pessoas fossem falar do seu patrimônio
espaços virtuais ou de encontro para construção de seu acervo, composto de cultural, certamente citariam os grupos nos
histórias de vida. As pessoas são estimuladas a compartilhar fotografias de seu - Quem sou eu? quais exercem suas atividades (como a escola
acervo pessoal e familiar, e contarem suas histórias, que são disponibilizadas de samba e a comunidade religiosa); os objetos
- Como é o lugar em que eu vivo? utilizados na sua prática (instrumentos musicais,
na internet.
As “identidades culturais” são confeccionadas remédios, ferramentas de trabalho, cadernos de
Inspirado no Museu da Pessoa, sugerimos uma atividade em que você, notas, registros de cantos, roupas de dança), os
livremente a partir de recorte e colagem,
professor, fornece aos alunos uma oportunidade de falarem de suas histórias lugares onde praticam estas atividades (barracão,
desenhos, poesias, redação, com as quais as
de vida. Nós, através das ações de educação patrimonial do Departamento de igreja, beira do rio, sede), as pessoas que lhes
pessoas se apresentam ao grupo. Nós anotamos
Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Secretaria de Estado de Cultura ensinaram estes ofícios, pessoas para quem já
no quadro branco algumas das referências do
(DPHAC/SECULT), distribuímos papéis A4, revistas, canetas hidrográficas, lápis se apresentaram ou trabalharam, entre outros.
grupo de espaços, edificações, ecossistemas,
de cor, giz de cera, tesoura e cola. Ilustramos a atividade com uma carteira de Do conjunto destes patrimônios dos indivíduos
profissões, atividades de lazer, participação em
identidade. De forma comparada, pedimos para as pessoas construírem a sua podemos refletir sobre o patrimônio grupal ou
grupos culturais ou religiosos, características do
“identidade cultural”, respondendo duas perguntas básicas: das cidades.

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Identificar, junto aos alunos, Identificar, junto aos alunos, seus patrimônios, também estão relacionadas com a preparação
pode ser uma atividade ainda mais interessante. O de alimentos, bebidas, ornamentação de certos
seus patrimônios, pode ser professor, ou a escola, pode promover gincanas, locais, a execução da música, etc. As formas
uma atividade ainda mais envolver as famílias dos alunos e culminar em de expressão são formas não linguísticas de
interessante. O professor, uma mostra cultural. O aluno pesquisa a história comunicação, normalmente associadas a certos
da sua família, receitas, ensinamentos, costumes, grupos sociais ou região. Nessa categoria
ou a escola, pode promover fotografias antigas, os objetos passados pelas enquadram-se as pinturas, expressões como o
gincanas, envolver as famílias gerações, os seus próprios objetos que foram boi-bumbá, os cordões de pássaro, as danças -
guardados como referenciais de alguém ou de como o carimbó, o xote, etc. -, as artes plásticas,
dos alunos e culminar em uma época, e prepara uma exposição na escola, dentre outros
uma mostra cultural. O aluno seja com alimentos, danças, exibição de objetos e
- CEMITÉRIOS: Locais onde os mortos são
pesquisa a história da sua fotos, ou mesmo elaborando um “livro” de papel
sepultados. Existem vários tipos de cemitérios:
ou tecido ou outro tipo de registro, como o vídeo.
família, receitas, ensinamentos, Não seria interessante?
indígenas, religiosos, seculares, cemitério-parque,
dentre outros.
costumes, fotografias antigas, Agora falemos de um levantamento de espaços
- COMUNIDADES TRADICIONAIS: Grupos
os objetos passados pelas e bens coletivos. O DPHAC/SECULT desenvolveu
culturalmente diferenciados e que se reconhecem
gerações, os seus próprios o Inventário do Patrimônio Cultural do Estado
como tais, que possuem formas próprias de
do Pará1, com 16 categorias de análise, que
objetos que foram guardados apresentamos ao grupo na forma de cartazes
organização social, que ocupam e usam territórios
e recursos naturais como condição para sua
como referenciais de alguém ou exibidos na parede. Lendo juntos os conceitos e
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e em conjunto, importantes para preservação
esclarecendo dúvidas, pedimos aos presentes que
de uma época, e prepara uma citem aquilo que conseguem se lembrar da sua
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e conservação, portadores de referências à
e práticas gerados e transmitidos pela tradição. memória e a identidade local; representativos da
exposição na escola, seja com cidade. As categorias de análise são: paisagem, da cultura, da história e da economia
Como tipos de comunidades tradicionais, podem-
alimentos, danças, exibição - ARQUIVOS: Instituições de recepção e guarda de se elencar: indígenas, quilombolas, marisqueiros, de determinado lugar.
de objetos e fotos, ou mesmo fontes documentais, para consulta e pesquisa. seringueiros, castanheiros, catadores de - SABERES E FAZERES: A cultura se expressa nos
caranguejo, pescadores, dentre outros. conhecimentos e também nos produtos que são
elaborando um “livro” de papel - ARTES CÊNICAS: Formas de arte que são
desenvolvidas em um palco ou outros locais - ESPAÇOS CULTURAIS: São considerados Espaços fabricados pelos diversos indivíduos e grupos
ou tecido ou outro tipo de de representação, como praças, ruas, galpões. Culturais os espaços, cobertos ou não, em que humanos. Isso significa que para a realização
registro, como o vídeo. Enquadra-se nesta categoria o teatro, as danças, ocorrem práticas ou eventos de natureza cultural de um serviço – parto, benzeção – ou ação que
os espetáculos circenses, dentre outros. como rituais religiosos ou cívicos, festas, visitação resulte em um produto – cerâmica, alimentos
pública a acervos, pesquisa, encenações artísticas, e bebidas, por exemplo – são necessários
- AZULEJOS: Placa de cerâmica, arenito vidrado ou porcelana, esmaltadas em determinados saberes, ou seja, há uma série de
dentre outros.
uma de suas faces, usada como revestimento de alvenarias. Sua principal concepções e conhecimentos que estão atrelados
propriedade é a impermeabilidade à água. Tem também uma função - LITERATURA: Arte de compor ou escrever aos processos ou fazeres.
decorativa, particularmente quando utilizado como painel. trabalhos artísticos em prosa ou verso. Nessa
definição pode ser acrescentada a literatura - TESOUROS HUMANOS: Pessoas que encarnam, ao
- BENS IMÓVEIS: Edificações de valor histórico, científico, arquitetônico, artístico máximo, as destrezas e técnicas necessárias para
em sua forma oral, atributo dos contadores de
e memorial, como casas, igrejas, museus, fortificações, conjuntos tradicionais, a manifestação de certos aspectos da vida cultural
histórias e “causos”.
dentre outros. de um povo e a manutenção do patrimônio
- MONUMENTOS: A obra ou construção cultural imaterial.
- BENS MÓVEIS: São constituídos por objetos – móveis, peças de artesanato,
que se destina a transmitir à posteridade a
obras de arte, objetos arqueológicos, escultura, imaginária religiosa, utensílios, Com adultos podemos citar estas categorias
1
Publicado em Decreto nº memória de fato ou pessoa notável; memória,
2558, de 06 de outubro indumentária, dentre outros - que constituem acervo de valor histórico e e suas definições porque são fáceis de assimilar.
recordação, lembrança.
de 2010, o Inventário do memorial. Serão incluídos também os que existem ou tenham sido encontrados Em se tratando de crianças, contudo, sugerimos
Patrimônio Cultural do Estado
dentro dos bens imóveis. - MÚSICA: Sequência de sons, organizada de concentrar esforços em algumas delas, de
do Pará – IPCPA foi uma
construção em diálogo entre forma a ter um ritmo próprio, harmonioso e acordo com a vocação da localidade. A proposta
- BIBLIOTECAS: Edifício ou recinto onde se instala coleção pública de livros e
as diferentes instituições da agradável a quem a escuta.
cultura e do turismo no estado, congêneres, organizados para estudo, leitura e consulta. aqui não é que o assunto seja esgotado, com a
resultando nas categorias - BENS NATURAIS: São os elementos do meio informação de tudo o que existe no lugar, mas
apresentadas neste artigo com - CELEBRAÇÕES E FORMAS DE EXPRESSÃO: Celebrações são ritos e festas
natural considerados individualmente ou apenas exercitar a compreensão das categorias
suas respectivas conceituações. relacionados com a religião, cerimônias civis, dentre outras ocasiões que

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e promover uma “tempestade de ideias”, b) Pesquisa de campo e produção de os pontos de visitação, folhetos com o caminho Se você for professor de história ou tiver
em um exercício coletivo de reflexão sobre as um inventário: e dados sobre os bens culturais, uma placa interesse por questões arqueológicas, pode
peculiaridades culturais da cidade, considerando mapa afixada na frente dos espaços. Socializa- organizar uma atividade interessante com
Etapa de campo similar ao item anterior, com
importante verificar a aplicabilidade destes se o trabalho com os moradores e estudantes, a turma, inclusive articulando com outras
visitações programadas aos bens culturais. O
conceitos e sua percepção para diferentes possibilitando conhecer melhor sua cidade. disciplinas: a simulação de um sítio arqueológico
que diferencia esta possibilidade de trabalho
grupos sociais. Em um encontro na zona urbana Pode ser usado também para fazer referência a dentro da escola.
é a construção de um inventário. Basta que a
da cidade de Bragança, um professor relatou bens de natureza imaterial, como por exemplo:
pesquisa de campo seja realizada com criteriosa Pode ser feito pedindo aos alunos para
haver uma pedra na comunidade da região dos “Casa da mestra artesã Nina Abreu”, “Barracão
postura de observação, anotação e registro, para trazerem coisas de diferentes materiais, como
campos (zona rural) em que trabalhava que da Marujada”, “Casa da Família Pacheco,
que estes dados sejam tratados e transformados papel, vidro, plástico, madeira, cerâmica, etc.,
era o espaço cultural local, pois era em torno produtora de cachaça artesanal”, “Túmulo da
em um inventário de cunho didático. abrindo um quadrado de 1x1 metro a uma
da pedra que as pessoas se reuniam todas as moça da lenda do taxi”, “Sítio arqueológico da
profundidade de 20 a 30cm, e enterrando os
tardes, namoravam, tratavam de negócios, De posse deste inventário, o uso sugerido Cabanagem”, “Local de avistamento do Chupa-
materiais. O quadrado (quadrícula, no termo
enfim, configurando como o espaço público de é de distribuição nas escolas e bibliotecas da chupa”, “Local de extração de cuias”, “Casa de
arqueológico) pode ser delimitado nas pontas
sociabilidade. Foi a compreensão que o professor cidade. Professores de disciplinas diversas podem farinha”, e assim por diante, citando as formas
com bandeirinhas. Deixe por um mês ou mais, e
teve do conceito dentro da realidade da região do se utilizar do material, e mesmo a população de apropriação de determinados espaços ou
promova uma “escavação” com os alunos para
município em que atuava que lhe permitiu ampliar da cidade pode acessar informações sobre seus locais de moradia de detentores de determinados
observar os efeitos do tempo, da chuva, do sol,
seu horizonte. bens culturais. saberes e fazeres. Costumo sugerir que assim
entre outros fatores (possíveis pisoteios, caminhos
c) Construção de um “mapa” cultural da cidade: como um roteiro de um filme em geral segue
Chamamos esta atividade de Levantamento de bichos e crescimento de vegetação) sobre os
uma sequência de acontecimentos que levam a
Preliminar do Patrimônio Cultural. Mediante A construção de um mapa cultural pode surgir materiais enterrados. Use pinceis, pás, baldes,
um ápice na história, o roteiro cultural deve seguir
este esforço coletivo, são várias as possibilidades tanto do levantamento preliminar dos bens peneiras, pá de pedreiro para esta “escavação”,
o mesmo princípio: fazemos uma hierarquia dos
de trabalho: culturais (aquele resultante da tempestade de como o arqueólogo usa suas ferramentas
bens, do menos atrativo ao mais atrativo (mais
idéias, lembra?), quanto da pesquisa de campo. A de trabalho.
a) Roteirização e visitação: interessante, com a história mais pesquisada,
ideia aqui é montar um mapa com a localização mais bem preservado, mais característico da Nós promovemos uma atividade de
Uma vez levantados os bens patrimoniais do
dos bens na espacialidade da cidade. Se auxiliado região). Ordenamos estes bens em um trajeto “escavação” imaginária. Apresentamos de forma
local, passamos então para uma avaliação logística
por um professor da geografia, ótimo, mas não compatível com o deslocamento da pessoa (se aleatória objetos que sugerem profissões, lazer,
de quais são interessantes de se visitar, quem são
se preocupe muito com escala. Use desenhos, a pé ou por meio de transporte, de acordo com cuidados com higiene e saúde, religiosidade e
as pessoas responsáveis por eles, se estão abertos
fotografias ou recortes. O objetivo é o acesso a mão da rua ou o curso do barco), de forma a hábitos de vida de uma família. São formados
ao público, se o deslocamento será à pé ou se há
rápido aos bens através da visualização. proporcionar experiências crescentes, explorando grupos de até 6 pessoas, que devem analisar os
transporte disponibilizado, e por fim observamos a
d) Criação de um roteiro cultural percepções sensoriais, associando dados históricos “vestígios” apresentados, encarnando o papel
distribuição espacial destes bens a fim de elaborar
a sentimentos, até um ápice de vivência dos bens. de uma equipe de arqueólogos com diferentes
o roteiro de visitação. Qual a diferença deste trabalho para o
Vivências carregadas de emoções são as mais olhares e formações, formulando suas hipóteses
Em geral, reservamos de 4 a 8 horas para primeiro? No primeiro, a proposta é roteirizar de perfil da família possuidora daqueles objetos.
guardadas na memória, como dissemos no início
esta programação. Contudo, antes da ida a apenas para os participantes poderem aplicar É bastante interessante observar como ao final
do artigo.
campo, esclarecemos aos participantes que se a pesquisa de campo. Aqui a proposta é criar desta atividade os grupos apresentam as mais
trata de uma pesquisa, na qual todos devem roteiros culturais na cidade que sirvam para
adotar uma postura investigativa, mantendo a educação patrimonial de estudantes e a
comportamento ético e não etnocêntrico, população em geral.
percebendo o tempo disponível, os informantes Seguindo os mesmos passos do item “a”:
do local, identificando lideranças, a disposição avaliação logística de quais bens são interessantes
das pessoas em receber o grupo, observando os de se visitar, quem são os responsáveis por eles,
elementos do espaço, seja a natureza, sejam as se estão abertos ao público, se a visitação é a pé
construções, suas características, histórias, estado ou se exige deslocamento via terrestre ou fluvial,
de conservação, seu entorno, suas formas de observar se existe transporte regular, e por fim
uso e apropriação, pontos fortes e fracos (fatores observar a distribuição espacial destes bens a fim
internos, controláveis), danos ou ameaças (fatores de elaborar um roteiro de visitação, determinando
externos, não controláveis), interpretando os o caminho a percorrer. A etapa seguinte é
dados coletados, fazendo anotações, registros em elaborar suportes para a disponibilização de
desenho ou fotografias ou mesmo em vídeos. informações sobre os bens, como placas para

12 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 13


diversas versões sobre a composição da família que foi ocupado desde o período pré-colonial, Observa-se que a cultura e o patrimônio Uma vez cumpridas etapas de reflexão e
cujos objetos foram analisados, bem como vão culminou no desaparecimento de muitos povos cultural são contemplados nas legislações interação com o patrimônio cultural do seu local,
a extremos opostos quando se trata de estilos a partir do encontro com europeus invasores e ambientais, da cultura e da educação: escola ou comunidade, vamos à etapa mais
e hábitos de vida, através da interpretação que os colonizadores, e ainda hoje este espaço vem importante: o que nos comprometemos a fazer
- Lei da Arqueologia nº 3.924/61: determina que
deram aos “vestígios” analisados. sendo modificado e apropriado pelas sociedades, pela preservação do nosso patrimônio?
os bens arqueológicos são de guarda e proteção
gerando vestígios do ponto da materialidade física
A abordagem da arqueologia, como ciência da União, sendo a sociedade co-responsável pela Para responder a esta pergunta, precisamos
e arranjos na paisagem.
interdisciplinar que pesquisa o passado distante sua preservação, podendo ser passível de multa pensar em projetos, sejam culturais ou
e o passado recente – através de documentos, Aproveite para aproximar a reflexão de uma ou prisão por mutilação, destruição, e venda de educacionais, uma ação com começo, meio e fim,
publicações, informações, comparações ao lado educação ambiental: o que arqueólogos do material arqueológico. onde se identifica um problema, através de uma
de escavação e trabalho de laboratório – vestígios futuro encontrarão de nós? Que materiais temos relação de causa e efeito,
- Art. 215 e 216 da
de atividades humanas, sejam eles cultura descartado ou deixado para trás? Qual o tempo
Constituição Federal de O projeto cultural ou e se faz uma proposta
material, construções e arranjos na paisagem, de decomposição destes materiais? Como temos de intervenção. Reúna as
encontrados na superfície, no subsolo ou sob as nos relacionado com o meio natural em que
1988: fala sobre direitos educacional é o momento do pessoas em grupos para
culturais e acesso às fontes
águas, visando entender o funcionamento e as vivemos, destruindo, modificando e construindo?
da cultura nacional, bem
compromisso e intervenção escreverem projetos, por
transformações das sociedades humanas, é uma
Muitos são os projetos de desenvolvimento como define o patrimônio do professor e da escola mais simples que sejam,
oportunidade excelente para se tratar de temas como um projeto de
bastante atuais.
na Amazônia desde o período militar: cultural brasileiro. com a comunidade de seu exposição de fotografias,
mineradoras, extração madeireira, plantação
Para falar de arqueologia deve-se enfatizar a de soja, pecuária, construção de hidrelétricas.
- Lei nº 9.394/96 de entorno imediato ou o seu projeto de campanha
Diretrizes e Bases da de educação ambiental,
conexão que temos com o passado através das Que impactos positivos e negativos trazem?
Educação Nacional e
bairro, a sua cidade. Várias
projeto de palestras para
diversas ocupações que o nosso território sofreu Há várias possiblidades de abordagens aliando
sua alteração na Lei nº foram nossas experiências professores, projeto de
ao longo do tempo. arqueologia – no sentido da noção de um
legado que fica como testemunho de uma
11.645/08: inclui no nos municípios paraenses com bate-papo sobre um ofício
Costuma-se pensar que os habitantes do currículo oficial da rede de tradicional com um mestre
passado eram primitivos, atrasados e sem
sociedade – e meio ambiente, no sentido de
ensino a obrigatoriedade projetos os mais diversos, onde e os jovens da escola.
paisagem, ecologia, padrões de consumo.
cultura. Os povos marajoaras e tapajônicos são
Além, claro, da oportunidade para pesquisas
da temática História e percebemos a oportunidade Como toda ação requer
a prova de que esta noção é equivocada, pois Cultura Afro-Brasileira e
são representantes dignos de pesquisas intensas
e debates em torno dos povos indígenas e
Indígena, que devem ser
de abordar também cultura e recursos de natureza
na região amazônica, por conta das culturas que
africanos, suas contribuições na formação da
ministrados no âmbito de educação em projetos voltados humana, física e financeira,
identidade nacional e a participação dos povos o projeto precisa de
desenvolveram e as formas de adaptação ao meio
contemporâneos na nossa sociedade através de
todo o currículo escolar. para a geração de recursos, financiamento e funciona
em que viveram.
políticas ou mecanismos de inclusão/exclusão. - Lei Federal 6.938/81, que por meio do empoderamento da como instrumento de
Considerando que não nos deixaram Muitos deixaram suas comunidades para estudar institui a Política Nacional acesso aos recursos
representantes vivos – marajoaras, tapajônicos, de Meio Ambiente e as
comunidade e preparação para
ou tentar a vida nos centros urbanos ou capitais, públicos. Assim, é preciso
bem como outros povos – torna-se dificultosa mantendo, no entanto, sua ligação com suas Resoluções do CONAMA o trabalho com artesanato, a elaborar um breve
uma conexão afetiva, portanto, das sociedades matrizes culturais ancestrais. O Instituto Brasileiro 237/ 97 e CONAMA culinária regional, e o turismo. diagnóstico do patrimônio
contemporâneas com os povos do passado. de Geografia e Estatística (IBGE) trabalha com 001/ 1986, que versa cultural do município,
Além destes povos mais distantes, existem outras indígenas declarados, reconhecendo, portanto, sobre a implantação e definir qual problema se
ocupações mais recentes no território como aqueles que vivem nas cidades. A Fundação a operação de atividades, sejam econômicas, deseja resolver a partir do projeto, e a partir daí
ruínas, construção e modificações de igrejas, Nacional do Índio (FUNAI), por outro lado, é a obras de infraestrutura, produção energética, delimitar sua temática, redigir uma apresentação,
portos, olarias, fazendas, cemitérios, grupos entidade responsável, em nível nacional, pela turismo, transporte e depósitos, que utilizam seus objetivos, justificativa, o público que se
contemporâneos se reapropriando de espaços política indigenista. Comunidades remanescentes recursos naturais ou que sejam consideradas deseja alcançar, que parcerias são necessárias,
com objetos desativados ou ainda em uso – de quilombos são reconhecidos/certificados em efetiva ou potencialmente poluidoras. Estas leis quais suas etapas de realização, que recursos
uma vez que o ser humano sempre procura os nível nacional pela Fundação Cultural Palmares determinam situações em que o empreendedor serão alocados e qual o cronograma das etapas de
melhores lugares para habitar, obter seu sustento, e possuem a titulação das suas terras por meio é obrigado a obter licenciamento ambiental, sua realização.
promover suas atividades grupais, sepultar de processo de demarcação junto ao Instituto de o que pode incluir pesquisas de comunidades
O projeto cultural ou educacional é o
seus mortos, descartar seu lixo, muitas vezes Colonização e Reforma Agrária (INCRA). atingidas, perda cultural e de sítios arqueológicos
momento do compromisso e intervenção do
reocupando locais já utilizados e abandonados. e a obrigatoriedade de medidas compensatórias,
O debate sobre arqueologia pode suscitar outro professor e da escola com a comunidade de
como educação patrimonial e criação de
Desta forma, pode-se trabalhar com a noção aspecto interessante: a cultura é responsabilidade seu entorno imediato ou o seu bairro, a sua
espaços museais.
de pertencimento a um espaço ou território, de quem? cidade. Várias foram nossas experiências nos

14 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 15


municípios paraenses com projetos os mais • Visita à família que promove a manifestação desenhos, recortes, poesias, textos, e descrição preservação do patrimônio cultural, exercitando
diversos, onde percebemos a oportunidade de religiosa do Gambá, com entrevistas, entonação verbal da história de vida dos participantes, a capacidade de interpretação ou leitura da
abordar também cultura e educação em projetos de cânticos, batuque e dança – Aveiro (zona construção coletiva de conceitos relativos ao realidade, análise, diagnóstico, envolvimento
voltados para a geração de recursos, por meio do rural); patrimônio cultural, avaliação sobre o impacto afetivo, comprometimento.
empoderamento da comunidade e preparação da cultura na economia, explanação acerca
• Visita à casa de moradora guardiã de Essas etapas não são rígidas, ordenadas,
para o trabalho com artesanato, a culinária da política de preservação do patrimônio e a
material arqueológico aflorado em superfície da ao contrário, são flexíveis e transversais, se
regional e o turismo, por exemplo. legislação pertinente.
comunidade - Aveiro (zona rural). sobrepondo. O mais importante é que mais do
Alguns dos projetos que surgiram entre os O objetivo nesta etapa é perceber o ser que uma metodologia, a educação patrimonial
Destacam-se ainda dois projetos entre estes: humano enquanto um ser integral (visão holística), seja oportunidade onde as pessoas façam o
professores, lideranças comunitárias e estudantes
em nossas ações educativas: • Visitas aos museus da capital com estudantes produtor de cultura, que se expressa em saberes, exercício do diálogo, da troca, da interação, do
– Tomé-Açu (zona rural): os professores ofícios, manifestações, uso de espaços e materiais, enriquecimento, do levantamento de demandas
• Exposição de vestígios arqueológicos em linguajar, etc., repletos de significados simbólicos, e a busca coletiva de caminhos, ferramentas e
participantes da ação educativa realizaram esta
comunidades quilombolas da zona rural – Moju; que contam a história da vida de cada um e de parcerias a seguir.
visita efetivamente com seus alunos.
• Incentivo à leitura – Afuá (zona rural); todos nós.
• Reforma de igreja do século XVII – Bujaru Não pretendíamos, com estas palavras, esgotar
(zona rural): a comunidade precisava de A etapa 2, chamada “Interação” (O Patrimônio o assunto. Ao contrário, pretendíamos apresentá-
• Danças folclóricas nas atividades de educação
orientação técnica sobre pintura, forro, telhado Vivo), usa de levantamento preliminar das lo menos de forma teórica e muito mais pelas
física – Salinópolis (zona urbana);
etc. Fez parte da equipe neste encontro uma referências culturais do lugar, roteirização, visita práticas, instrumentos e metodologias de trabalho
• Realização de um Festival da Manga na orla arquiteta especializada em patrimônio, que esteve monitorada ou pesquisa de campo, entrevistas, experimentadas no decorrer dos contatos e
para aproveitamento da fruta na época da safra – bastante próxima da comunidade e acabou produção de caderno de campo, desenhos, viagens da equipe. Não se pode recomendar uma
Aveiro (zona urbana); desenvolvendo mestrado sobre o assunto. A mapas, textos, transcrição ou resumo de receita, pois cada realidade tem características e
comunidade realizou bingo, ações diversas e entrevistas, produção de fotografias e vídeos. funcionamentos diferentes. Importante ressaltar é
• Roteiro cultural para visitação de estudantes,
angariou recursos para a reforma da igreja, em que, ao final, o que as comunidades e populações
orientados pelos professores, de espaços Seu objetivo é de perceber o ser humano
sistema de mutirão, que envolveu inclusive a locais desejam é serem conhecidas, respeitas
referenciais à memória e história da cidade – Moju enquanto fruto da interação social e com o
lavagem das telhas dentro do igarapé situado e empoderadas.
(zona urbana); meio ambiente, desenvolvendo o olhar acurado
na localidade. Um exemplo de organização e crítico, experimentando sensorialmente Esperamos ter instrumentalizado você,
• Museu composto por histórias de vida comunitária em prol de seu patrimônio. o município/bairro/escola, e observando as professor, com inspirações para seu trabalho junto
dos migrantes que compõem o sul do Pará – memórias e identidades contidas em seus espaços à comunidade escolar.
Vimos, ao longo deste artigo, que há uma série
Parauapebas (zona urbana); e pessoas.
de possibilidades de trabalhos com educação
• Estruturação de ruínas de engenho para patrimonial, de acordo com a realidade de cada Já na etapa 3, da “Ação” (Patrimônio e
visitação turística – Bujaru (zona rural). município, seus referenciais culturais, ambientais, a Minha Comunidade), há discussão, troca
hábitos de vida, costumes, regras sociais. Vimos, de experiências, avaliação de evidências,
Outros projetos surgiram e foram concretizados
sobretudo, que educação patrimonial liga-se à levantamento de problemas, hipóteses,
com o grupo:
educação ambiental e à cidadania. oportunidades, pontos fortes e fracos,
• Confecção de material didático com Vimos também algumas atividades, ideias, comparação, proposição criativa de ações,
temáticas regionais feito com sucata – Salinópolis, métodos, técnicas e projetos surgidos ao compromissos ou projetos de valorização
Abaetetuba, Parauapebas (zona urbana); longo da realização do Programa de Educação cultural construídos coletivamente, formação em
Patrimonial do DPHAC/SECULT nos últimos anos, mediação cultural.
• Exposição de objetos que compõem o
patrimônio individual de alunos, para culminância em visitas aos municípios do Pará e mesmo na Nesta etapa o objetivo é perceber o
na reflexão sobre a escola centenária como capital, especialmente aqueles tangentes aos ser humano cidadão, corresponsável pela
patrimônio de todos – Instituto de Educação encontros com professores e lideranças locais.
Estadual do Pará, Belém (zona urbana); A metodologia que desenvolvemos durante
estas experiências é resumida em um programa
• Visita com entrevistas a uma rezadora de denominado “O Patrimônio Vivo da Minha BIBLIOGRAFIA
ladainhas em latim – Bujaru (zona urbana); Comunidade” da seguinte forma: COSTA, Sabrina Campos. Casa de Rui Barbosa. 2012. Disponível em: <http://culturadigital.br/
politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Sabrina-Campos-Costa.pdf> Último acesso em: 10 fev.
• Roteiros turísticos com os temas gastronomia, Etapa 1, denominada de “Reflexão” (O 2014.
lendas e mitos, pesca tradicional, história e Patrimônio), cujos recursos/ atividades se utilizam PARÁ. Decreto nº 2558, de 06 de outubro de 2010, Institui o Inventário do Patrimônio Cultural do Estado
religiosidade – Vigia (zona urbana); de exercícios de sensibilização, com uso de do Pará - IPCPA. Diário Oficial [do] Pará, Poder Executivo, Belém, PA, 08 out. 2010. Executivo 1, p. 5-6.

16 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 17


A prática da
entendimento sobre a paisagem cultural local.
Os jogos didáticos propiciaram a participação A confecção de jogos didáticos
efetiva dos educandos, visto que de despertaram incentivou a compreensão
a imaginação e o raciocínio lógico, já que
retrataram o seu espaço de vivência. Além disso, sobre os aspectos culturais

Educação Patrimonial: no âmbito escolar, aconteceram inúmeras trocas


de saberes, entre a comunidade escolar que
possuía um conhecimento prévio sobre espaço de
vivência, e o conhecimento acadêmico da equipe
do município de Restinga
Sêca/RS e proporcionou um
melhor entendimento sobre
uma experiência no município do projeto.
Desta forma, trabalhar como o patrimônio
a paisagem cultural local. Os
jogos didáticos propiciaram
cultural de Restinga Sêca/RS tornou-se uma
a participação efetiva dos
de Restinga Sêca / RS ferramenta a mais no processo de educação, onde
os educandos estiveram envolvidos efetivamente,
o que colaborou para a promoção de uma
educandos, visto que de
despertaram a imaginação
consciência crítica e de responsabilidade, com
vistas à preservação patrimonial. Neste particular,
e o raciocínio lógico, já que
o estudo valorizou os bens culturais locais que retrataram o seu espaço
HELIANA DE MORAES ALVES E representam e caracterizam o aspecto patrimonial
do município em questão, atingindo os objetivos
de vivência.
LAURO CÉSAR FIGUEIREDO propostos, uma vez que a comunidade escolar
esteve presente e participou do processo de Fotografia de alguns jogos de quebra-cabeças
elaborados pelos educandos do oitavo ano do
construção e de concretização do trabalho. E. M. E. F. Leonor Pires de Macedo (Figura 1).
Foto: Heliana de Moraes Alves.

Introdução

O presente trabalho é um breve relato sobre uma prática de Educação


Patrimonial executada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Pires
de Macedo, localizada no município de Restinga Sêca/RS, que versa sobre a
valorização e a preservação do patrimônio e da paisagem cultural. O objetivo
geral da prática foi compreender a importância dos bens patrimoniais presentes
na paisagem local, a partir de jogos didáticos. Especificamente, o foco foi
elaborar, juntamente com os educandos do oitavo ano do ensino fundamental,
jogos interativos para auxiliar no processo de educação patrimonial; aplicar os
jogos produzidos e disponibilizá-los aos outros professores da escola para que
possam utilizá-los em suas aulas.
A concretização da prática obteve-se através da realização de um
embasamento teórico-conceitual; da efetivação de um levantamento
de informações históricas e culturais sobre Restinga Sêca/RS, a partir de
documentos oficiais, icnográficos e de trabalhos de campo; da sistematização
das informações obtidas e, por último, da elaboração dos jogos didáticos.
A confecção de jogos didáticos incentivou a compreensão sobre os aspectos
culturais do município de Restinga Sêca/RS e proporcionou um melhor

18 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 19


A prática de Educação Patrimonial na escola o cerca. O educando não deve receber conceitos [...] a realização de atividades lúdicas com os saberes que os educandos já possuíam, o
municipal de ensino fundamental Leonor Pires de prontos, mas construir o seu conhecimento acessíveis como a criação de joguinhos que possibilitou uma melhor compreensão sobre
Macedo: um breve relato através de significados determinados por meio de educativos pelos próprios educadores e o patrimônio cultural do espaço de vivência.
educandos pode vir a driblar as carências
experiências relacionadas ao seu lugar de vivência, Neste eixo, foi realizada, também, a elaboração
materiais de algumas unidades escolares
A geografia é uma ciência que possibilita em especial, a escola, que é um importante dos jogos didáticos junto com educandos do
(PELEGRINI, 2009, p. 83-84).
a compreensão de diversos aspectos do lugar espaço de socialização e cidadania (ALVES, oitavo ano do ensino fundamental da Escola
de vivência, de tal maneira que entender o 2010). Por isso, é fundamental a configuração Municipal Leonor Pires de Macedo, a partir de
Diante desta perspectiva teórica, efetivou-se a
processo formação, transformação e preservação de atividades pedagógicas que tragam como encontros/aulas.
prática metodológica de Educação Patrimonial na
do patrimônio é de suma importância para tema o patrimônio cultural, assim como a Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonor Salienta-se que o diálogo entre a escola e os
compreender a configuração histórica e promoção de diálogos entre a Universidade e a Pires de Macedo, a partir de quatro eixos de pesquisadores se construiu durante todos os
geográfica de um município. Ao estudar o comunidade escolar. investigação (Tabela 1). eixos de investigação, sendo que a elaboração
município onde mora,
Os jogos didáticos dos jogos didáticos se realizou em conjunto com
o educando trabalha
propiciam o Eixos Objetos os educandos, valorizando as suas prioridades
com o seu espaço de Valorizar o patrimônio desenvolvimento de I Construção do referencial teórico-conceitual. e a sua realidade. Assim, foram realizados nove
vivência, assim expõe
o seu sentimento de
cultural que cerca o educando várias habilidades e de II Pesquisa de campo para o levantamento de encontro/aulas (Tabela 2), onde cada encontro
pertencimento e os seus contribui para que este atividades pedagógicas, dados históricos e culturais do município de teve seu planejamento diferenciado a partir
pois através deles, a pessoa Restinga Sêca/RS. de planos de aulas previamente analisados
saberes culturais, o que reconheça sua identidade desenvolve a afetividade e III Realização de um levantamento de imagens e aprovados pela comunidade escolar. Os
estimula a compreensão
da realidade nas suas e exerça sua cidadania, por a inteligência, aprende a antigas e atuais sobre a paisagem cultural de encontros interrelacionaram aulas expositivas
compreender regras, viver Restinga Sêca/RS. e lúdicas, o que aumentou a curiosidade e o
múltiplas variáveis. isso é importante realizar situações de iniciativa, interesse dos educandos pelo patrimônio cultural,
IV Sistematização das informações relativas
Valorizar o patrimônio práticas pedagógicas de criatividade e cooperação. à paisagem e o patrimônio local; e a e aconteceram na sala de projetos da escola,
cultural que cerca o Educação Patrimonial. Essas (DOHME, 2003). Afirma- elaboração dos jogos didáticos, juntamente no horário inverso à aula regular, como uma
educando contribui se que os jogos servem com os educandos do oitavo ano da Escola atividade extra.
para que este reconheça práticas devem discutir sobre para catalisar e auxiliar no Municipal de Ensino Fundamental Leonor
sua identidade e exerça novos temas, novas fontes processo de construção Pires de Macedo, a partir de encontros/aulas.
Data Assunto / atividade
sua cidadania, por isso
é importante realizar
documentais referentes ao do conhecimento sobre Tabela 1 - Eixos de Investigação.
Org.: Heliana de Moraes Alves, 2013.
11/07/2013 Apresentação dos objetivos da
o patrimônio cultural,
práticas pedagógicas de patrimônio cultural e sobre o melhorando o processo de
prática de Educação Patrimonial aos
educandos.
Educação Patrimonial. planejamento de atividades ensino e de diálogo entre a O Eixo de investigação I constitui-se na
18/07/2013 O que é patrimônio e paisagem
Essas práticas devem academia e a comunidade construção do referencial conceitual e teórico,
discutir sobre novos temas,
diversificadas que possam escolar (MARTINS, et al, através da discussão de conceitos norteadores,
cultural?

novas fontes documentais instigar os educandos a s/d). entre eles destacam-se: a educação patrimonial,
08/08/2013 Contextualização histórica de Restinga
Sêca/RS.
referentes ao patrimônio
“redescobrirem” suas histórias A confecção de
os jogos didáticos, a paisagem cultural e o
15/08/2013 Trabalho de campo aos Patrimônios da
cultural e sobre o patrimônio.
planejamento de atividades e memórias. jogos didáticos é um cidade.
recurso metodológico Os eixos de investigação II e III configuraram- 22/08/2013 Produção dos jogos didáticos com os
diversificadas que possam
prático e motivador, que se no levantamento histórico e cultural realizado educandos.
instigar os educandos
proporciona a participação efetiva, despertando a partir de documentos oficiais, iconográficos 29/08/2013 Produção dos jogos didáticos com os
a “redescobrirem” suas histórias e memórias
a imaginação e o raciocínio lógico. Através da e de trabalhos de campo, na perspectiva de educandos.
(PELEGRINI, 2009).
construção de jogos relacionados ao espaço caracterizar o município de Restinga Sêca/RS, 05/09/2013 Produção dos jogos didáticos com os
Assim, as ações pedagógicas têm grande vivido cotidianamente, a pessoa identifica-se com visto que é o espaço de vivência dos educandos. educandos.
relevância no contexto de transformação social, situações vividas na família e demais locais. Desta As informações, provenientes da observação 12/09/2013 Aplicação dos jogos didáticos entre
em que o educando deve ser visto como um forma, quando constrói um jogo e quando joga, direta da realidade estudada, foram registradas educandos.
ser ativo no processo de construção do espaço. a pessoa transforma e interpreta sua realidade, e armazenadas, e auxiliaram na interpretação 09/10/2013 Divulgação dos jogos e dos resultados
Para isso, são necessárias metodologias que cria oportunidades, enfrenta desafios reais, assim, do patrimônio cultural, além de subsidiarem a do projeto à comunidade escolar na
valorizem a memória, a percepção e a criticidade realiza as atividades com prazer, participando elaboração dos jogos. Feira do Livro da Escola.
do aluno, para que esse se transforme num espontaneamente e estabelecendo as regras para No eixo de investigação IV as informações Tabela 2 - Atividades realizadas na escola nos encontros/aulas.
cidadão comprometido com a comunidade que dar continuidade ao jogo. Além disso, Org.: Heliana de Moraes Alves, 2013.
relativas à paisagem local foram interrelacionadas

20 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 21


O primeiro encontro/aula foi direcionado a de conservá-los. Ressalta-se que a visita foi
apresentar as metas do trabalho e a motivar os planejada e organizada a partir de um roteiro
educandos a participar da prática de educação prévio construído com o apoio da equipe diretiva
patrimonial. A partir do questionamento: “O da escola.
que é patrimônio cultural?”, concretizou-se, de
Do quinto até o oitavo encontro/aula foram
maneira dialogada, o segundo encontro/aula.
elaborados os jogos didáticos que auxiliaram
“Restinga Sêca/RS: Ontem e Hoje” foi o na compreensão sobre a paisagem cultural de
título do terceiro encontro/aula, que centrou- Restinga Sêca/RS e estimularam a preservação
se na discussão sobre a contextualização patrimonial. Os educandos escolheram e
histórica e espacial do município de Restinga definiram os jogos que foram confeccionados, a
Sêca/RS. Elucidou-se a discussão com o uso citar: oito quebra-cabeças (Figura 01); um caça-
de fotografias antigas e atuais, reportagens palavras; um jogo da memória; um labirinto
de jornais locais e poemas sobre o patrimônio do patrimônio; um anagrama; quatro jogos
ferroviário do município. Este encontro dos sete erros; e um jogo de tabuleiro sobre o
estimulou o sentimento de pertencimento e turismo patrimonial que foi intitulado de Turismo
a identidade cultural dos educandos, visto Restinga Sêca/RS.
que são agentes importantes no processo de
Os jogos foram montados artesanalmente,
formação e transformação da paisagem cultural
porém alguns necessitaram do computador
e, como tal, necessitam preservar e valorizar o
para serem confeccionados. As imagens
patrimônio local.
utilizadas foram registradas no dia do trabalho
O quarto encontro/aula foi a realização do de campo, além disso, cada jogo possui um
trabalho de campo, quando os educandos manual de instrução, um cartão com o nome dos
visitaram os bens históricos culturais da cidade educandos criadores e uma ficha de informação
de Restinga Sêca/RS, observaram como eles sobre o patrimônio (Figura 02) ou a paisagem
estão sendo preservados e sugeriram formas representada. Salienta-se que as fichas de
Fotografia das embalagens dos jogos confeccionadas pelos educandos do oitavo ano do E. M. E. F. Leonor Pires de Macedo (Figura 3).
Foto: Heliana de Moraes Alves.
Fotografia da ficha de informação sobre a Gare da Estação que faz parte do quebra-cabeça da Gare da Estação Ferroviária de Restinga Sêca/RS (Figura 2).
Foto: Heliana de Moraes Alves.

informações sobre os bens patrimoniais basearam- para que a comunidade pudesse utilizá-los, o que
se nas informações e dados contidos no Inventário ampliou a abrangência do projeto e estimulou
do Patrimônio Histórico de Restinga Sêca/RS a valorização do patrimônio local. A Feira do
produzido pelo Consórcio de Desenvolvimento Livro contou com visita de outras escolas, o que
Sustentável da Quarta Colônia (CONDESUS). proporcionou visibilidade à prática, surgindo com
Ressalta-se que este trabalho não esteve isso propostas de outras equipes diretivas para
vinculado ao CONDESUS, apenas utilizou-se das aplicação da ação em outras instituições de ensino
informações contidas nos documentos produzidos do município.
por este consórcio que estão disponíveis à
Destaca-se que os resultados, desta prática
população. A motivação e criatividade dos
de Educação Patrimonial, não finalizaram no dia
educandos foram observadas até mesmo no
da Feira do Livro da escola, visto que os jogos
momento da produção das embalagens dos jogos,
produzidos serviram de apoio para as demais
visto que enfeitaram as caixas artesanalmente
turmas e educadores da escola, que podem
com pinturas e recortes (Figuras 03).
utilizá-los em suas aulas, já que foram produzidos
O nono encontro foi a exposição dos para diversas faixas etárias, com vários níveis
resultados da prática de Educação patrimonial de dificuldades. A importância do resultado
para a comunidade escolar na Feira do Livro da contínuo dos projetos que visam a elaboração
Escola Municipal Ensino Fundamental Leonor de jogos é ressaltada por Pelegrini, quando
Pires de Macedo, onde os jogos foram expostos expõe que

22 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 23


Educação Patrimonial
[...] a criação de jogos que versem sobre a e ao mesmo tempo, identificar o patrimônio
temática do patrimônio atraem os alunos e, cultural local. Incentivou a integração dos
posteriormente, devem ser disponibilizados educandos com ambiente de vivência, construindo
entre as outras turmas da escola e, de acordo
assim um sentimento de pertença ao lugar, e
com o grau de dificuldade, torna-se alvo de
estimulou a criticidade dos educandos diante das

na sala de aula:
disputas saudáveis (PELEGRINI, 2009, p. 81).
condições de depredação do patrimônio. Assim,
Disputas estas que estimulam o conhecimento a elaboração e o uso de jogos didáticos tornaram
e a curiosidade sobre o patrimônio local, os encontros/aulas mais atrativos e envolventes, o
instigando o sentimento de pertencimento. que auxiliou na construção de novas habilidades
Sendo assim, as ações pedagógicas devem
ser trabalhadas na perspectiva de estimular a
comunidade a identificar e conservar a paisagem
por parte dos educandos e incentivou a
valorização da identidade cultural local. a escola como
O trabalho prático de educação patrimonial

patrimônio cultural
cultural local. Por isso, este trabalho se constituiu teve como produto final: oito quebra-cabeças, um
em uma ação participativa, sendo que um dos caça-palavras, um jogo da memória, um labirinto
principais resultados obtidos foi o reconhecimento do patrimônio, um anagrama, quatro jogos dos
do patrimônio cultural pela comunidade escolar, sete erros e um jogo Turismo Restinga Sêca/RS.
através dos jogos interativos que proporcionam Todos os jogos ficam na Escola e servem como
um olhar mais crítico da realidade. recurso didático para o corpo docente trabalhar a
Diante disso, afirma-se que esta prática de preservação do patrimônio local em suas aulas de
maneira diferenciada e motivadora, o que amplia
CRISTIANE VALDEVINO DE AQUINO
Educação Patrimonial contribuiu com os estudos
sobre a paisagem cultural do município de a abrangência do trabalho.
Restinga Sêca/RS; incentivou os educadores Estuda-se a possibilidade de desenvolver,
da escola a utilizarem os jogos em suas aulas neste presente ano letivo, novamente outra
para uma melhor compreensão sobre o prática educativa que versa sobre a valorização
assunto; demonstrou os aspectos históricos da patrimonial na Escola Municipal de Ensino
transformação da paisagem cultural no município Fundamental Leonor Pires de Macedo e em outras
e fortaleceu a criação de redes com outras escolas do município de Restinga Sêca/RS, a fim Apesar do crescimento da educação patrimonial, ainda persiste a ideia
escolas na divulgação e possível aplicação do de formar uma rede de recursos didáticos sobre o de que o patrimônio está centrado em um reduzido número de locais e
projeto em outras edições, que envolvam toda a patrimônio no município. Para isso, pretende-se manifestações. Nessa perspectiva, a escola apresenta-se como mediadora no
comunidade escolar. ampliar a sua abrangência inserindo novas metas, encontro do aluno com o patrimônio. Consolida-se desta forma uma visão da
dentre elas, a elaboração um jornal trimestral História reduzida a lugares privilegiados e históricos por excelência. O resultado
sobre o patrimônio na Escola Leonor Pires de disso, entre outras coisas, é que o aluno não concebe que a escola também faz
Considerações
Macedo, que explane, principalmente, sobre os parte do patrimônio da sociedade, que participa da sua constituição identitária,
A construção e aplicação dos jogos didáticos aspectos da preservação, mas também sobre o sendo um lugar de construção de memórias, por esse motivo merece o mesmo
possibilitaram interpretar a transformação da andamento do ano letivo da escola e descreva os cuidado que os demais patrimônios histórico-culturais.
paisagem cultural e as relações sociais existentes, outros projetos da escola, entre outras pautas. De acordo com Funari e Pelegrini (2006), essa concepção reduzida e elitista
do conceito de patrimônio está arraigada na própria origem do termo. É
uma palavra de origem latina que se relacionava aos bens (escravos, imóveis,
animais, esposa…) do pai (pater) da família e, levando em consideração que
poucos eram os que possuíam tais bens, o patrimônio era restrito a uma
parcela aristocrática da sociedade. O Renascimento corroborou com essa visão
BIBLIOGRAFIA
elitista. Houve nesse momento a busca por preservar livros e objetos da cultura
PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio Cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009.
clássica, surgindo, assim, os antiquários. O patrimônio continuava nas mãos de
ALVES, H. de M. A fotografia enquanto subsídio da Educação Patrimonial: uma experiência no município
de Restinga Sêca/RS. Monografia de Graduação em Geografia Licenciatura. Santa Maria/RS: Universidade poucos e o sentido do termo ainda era essencialmente material.
Federal de Santa Maria, 2010.
Com a modernidade e os Estados Nacionais, era preciso fortalecer os
DOHME, Vânia. Atividades Lúdicas na Educação: o caminho de tijolos amarelos do aprendizado.
Petrópolis: Vozes, 2003. laços identitários, o que foi feito através da difusão de uma língua, hábitos
MARTINS, J.G et al. Realidade virtual através de jogos na educação.Florianópolis: Programa de Pós- e elementos culturais em comum. Segundo Funari e Pelegrini (2006), era
Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), s/d.

24 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 25


preciso inventar uma base material, o patrimônio o arcabouço de onde o sujeito edificará sua diferentes dos seus e da sua família ocorrem na
nacional, que justificasse a nação como identidade. Ecleá Bosi, retomando os estudos de sala de aula. O grupo de convívio, as trocas de
uma coletividade. Bergson sobre memória, afirma que "o passado experiências são vivências que podem marcar por
conserva-se e, além de conservar-se, atua no toda vida a forma como ela verá os outros e a
As transformações do mundo globalizado, o
presente". Interpretado à luz das discussões sobre si mesma.
crescimento dos movimentos sociais e ambientais
identidade, pode-se afirmar que as memórias
no século XX, junto à reivindicação de direitos O processo de formação da identidade vai
interferem na maneira como o indivíduo se
por esses grupos, propiciaram a ascensão das além das relações entre os colegas. O professor
localiza no mundo. Nossa identidade assim
diferenças e a pluralização do conceito de também é um elemento ativo. Ao caracterizar um
se fundamenta nas
identidade e patrimônio, aluno, atribuir notas ou reforçar um determinado
memórias e estas não
que passaram a abarcar As transformações do mundo se definem apenas
comportamento, o professor ressalta certos
cada vez mais grupos que elementos e subtrai outros, “a força de um
globalizado, o crescimento pela subjetividade
até o momento estavam ato linguístico no processo de produção de
excluídos dos debates, dos movimentos sociais e do indivíduo.
identidade vem de sua repetição, especialmente
incluindo, assim, marcos ambientais no século XX, junto à As experiências do da possibilidade de sua repetição” (SILVA, 2000,
arquitetônicos locais, tempo situadas nas p. 94). Como por exemplo, é possível perceber
manifestações culturais
reivindicação de direitos por esses experiências sociais a força que certas características estudantis
de diversos grupos e grupos, propiciaram a ascensão foram estudadas por adquirem na vida de um indivíduo: o “nerd”, o
reservas ecológicas. Nesse das diferenças e a pluralização Maurice Halbwachs, “bagunceiro”, o “comportado” são aspectos
contexto não se pode especialmente no livro ressaltados em detrimento de outros.
ignorar a complexidade do conceito de identidade e A memória coletiva Quando dizemos que “Renata é uma menina
do termo “patrimônio”, patrimônio, que passaram a (1990). O filósofo retoma esquecimento não são exclusivamente fenômenos esperta”, podemos estar favorecendo – em
que, como mencionado a importância que biológicos, mas categorias sociais. Há mútua
abarcar cada vez mais grupos influência entre identidade e memória, pois a
um sentido amplo – a produção de um
“fato” que pensávamos estar simplesmente
anteriormente, já Bergson dá ao presente
foi usado de forma que até o momento estavam na ressignificação do “comunidade afetiva” interfere nas memórias descrevendo. Podemos, por conseguinte,
concorrer para a definição e para a
excludente e hoje abriga excluídos dos debates, incluindo passado, porém explora individuais e estas últimas nas relações que o
preservação de aspectos identitários do/a
grupos e manifestações também as relações indivíduo estabelece com o outro, justificando o
locais com a
assim, marcos arquitetônicos entre as memórias e sentimento de pertencer ou não àquele grupo.
estudante. Os elos entre identidade e o
processo pedagógico configuram-se, por
mesma relevância. locais, manifestações culturais seu fulcro social. Não O indivíduo não se sedimenta em uma única conseguinte, evidentes. (MOREIRA, 2008,

A pluralidade cultural de diversos grupos e reservas obstante, Halbwachs, identidade. Ou, conforme as palavras de Silva: p.43)
não nega a subjetividade
não pode ser pensada ecológicas. Nesse contexto não do indivíduo. Como
Nossa identidade, assim, não é uma essência, Mais uma vez vem à tona a necessidade de
fora do conceito de não é um dado, não é fixa, não é estável, nem expandir o olhar sobre as imbricações entre
identidade. Bem como
se pode ignorar a complexidade mostra adiante, é ele centrada, nem unificada, nem homogênea, pluralidade cultural e o termo patrimônio que
que no fim das contas
a ideia de ressaltar as do termo “patrimônio”, que, como nem definitiva. É instável, contraditória, se ampliam cada vez mais diante das várias
trará significado às fragmentada, inconsistente, inacabada. É
diferenças e fortalecer os
mencionado anteriormente, já foi lembranças, àquilo uma construção, um efeito, um processo de
identidades assumidas pelo indivíduo. Por essa
elementos em comum razão, é interessante não apenas conhecer
não se restringe apenas usado de forma excludente e hoje que considerará produção, uma relação, um ato performativo.
(SILVA, 2000, p. 96). os “espaços da memória” já consagrados e
mais importante de
ao patrimônio. O abriga grupos e manifestações relembrar. Contudo, Maurice Halbwachs já havia demonstrado
geralmente associados a determinados grupos
processo de construção sociais privilegiados.
identitária também
locais com a mesma relevância. fica claro em seu a fluidez das memórias, pois elas não vêm à
pensamento a dimensão tona de forma intacta e tal qual ocorreram, mas Ao limitar o estudo a espaços considerados
se assenta nesses “monumentos históricos”, tombados pelo
coletiva das memórias, revelam-se em contínua relação com o presente.
pressupostos. É necessário sentir-se parte de um patrimônio histórico, pode-se conduzir
reiterando ao longo do livro que não estamos É o presente que dará relevo e novo sentido ao
grupo e com ele intercambiar ideias e padrões os alunos a equívocos sobre a própria
sós, “temos sempre conosco e em nós uma passado. Sendo assim, a identidade nunca pôde concepção de história e sedimentar a ideia
comportamentais, mas também “a identidade
quantidade de pessoas que não se confundem” se sustentar em bases sólidas. de que a memória histórica deve ater-se
se associa intimamente com a diferença: o que
(HALBWACHS, 1990). apenas a determinadas esferas do poder.
somos se define em relação ao que não somos” A escola também contribui para forjar
(BITTENCOURT, 2011, p. 279)
(MOREIRA; CÂMARA, 2008, p.43). Ao mostrar a participação dos grupos e identidades; além de ser, é claro, um espaço de
instituições sociais na formação das memórias, discussão sobre o tema. Muitas vezes os primeiros Muitas vezes a educação patrimonial nas
O processo de construção identitária assentado
Halbwachs evidencia que memória e contatos da criança com modos de ser e viver escolas se pauta apenas nas visitas dos tais
nas memórias individuais e coletiva, cria então

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“espaços de memória”, como se a História se letivo. Quem mais sofre com isso é a própria comunidade e ver-se como membro desta. esta etapa pode ser desenvolvida através de
limitasse a pontos determinados. Mas o professor comunidade escolar, pois a reposição desses itens Objetivo que aliás está em consonância com os experimentações, perguntas, entre outros
precisa fazer com que o aluno compreenda que além de se tornar onerosa, pode demorar meses Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino recursos que estimulem a percepção do aluno.
a História é criada e recriada por todos os seus e acaba levando a escola a atrasar a aquisição de Fundamental que apontam como um dos Depois vem o registro, a partir das informações
agentes e nos mais diversos espaços, inclusive outros equipamentos. Essa prática de vandalismo compromissos da escola a formação de cidadãos. colhidas no item anterior, o aluno pode criar algo
na escola. Além disso, é importante entender parte, muitas vezes, do próprio corpo discente, O mesmo documento fundamenta a visão de palpável a respeito do que foi analisado. Pode
o processo de seleção que delimita quais são justamente aqueles que mais usufruem do cidadania como: ser uma maquete, um gráfico, desenhos, no caso
os marcos históricos de uma sociedade. Deve- patrimônio escolar. Contudo, não basta apenas Participação social e política, assim como do projeto optou-se pelo desenho. A seguir o
se problematizar os mecanismos e critérios que tentar achar os culpados por essas ações, é exercício de direitos e deveres políticos, civis procedimento indicado é a exploração do objeto,
tornam um elemento patrimônio e outro não. importante que busquemos alternativas no campo e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes essa parte consiste em analisar criticamente,
didático-pedagógico para compreender e intervir de solidariedade, cooperação e repúdio às pensar alternativas, hipóteses sobre o estudo
Essas e outras razões suscitaram o projeto injustiças, respeitando o outro e exigindo para
em tais práticas. Afinal, em questão. Por último, acontece a apropriação,
pedagógico “Educação si o mesmo respeito (BRASIL, 1998, p. 07)
como compreender esta fase envolve a internalização do objeto
Patrimonial e Muitas vezes a educação esse comportamento No entanto, é preciso ter em mente que apreendido e deve ser expresso através de uma
cidadania: Conhecendo
e preservando o patrimonial nas escolas se pauta destrutivo? os direitos e deveres de um cidadão foram manifestação criativa e artística.
patrimônio escolar” apenas nas visitas dos tais A escola, para o conquistados ao longo da História que nem A metodologia aplicada recorreu também
como uma forma de aluno, aparece muitas sempre todos tiveram acesso a isso. a Inteligências múltiplas: A teoria na prática
“espaços de memória”, como se
educação patrimonial vezes como um lugar O conceito de cidadania que temos hoje é (1994), desenvolvida por Howard Gardner.
pensada a partir a História se limitasse a pontos distante, coercitivo fruto das chamadas revoluções burguesas, Sabendo que cada aluno tem suas habilidades
da escola e de suas determinados. Mas o professor e pouco atrativo particularmente da Revolução Francesa e da
Independência dos EUA no século XVIII, mas
e especificidades, deve-se propor atividades
problemáticas, (ABRAMOVAY, 2002). que os estimulem de diversas formas, como:
aproximando os
precisa fazer com que o aluno Para ele, o ambiente
também da Revolução Industrial […]. Hoje a
pesquisas, debates, jogos lúdicos, entrevistas,
cidadania é apresentada como um processo
conceitos e práticas compreenda que a História é escolar não é um de inclusão total, em que todos são cidadãos leituras de excertos de textos. Objetivamos
relacionadas ao criada e recriada por todos os espaço de memória com direitos políticos, sociais e civis. (SILVA. com isso oportunizar o desenvolvimento
patrimônio cultural da e construção de K., 2009 p. 48-49). das habilidades de cada um. Tais atividades
realidade dos educandos seus agentes e nos mais diversos identidade. Portanto, o poderão ser realizadas de forma coletiva e/
Para a realização desse projeto utilizou-se a
e conscientizando-os espaços, inclusive na escola. Além educando não se sente
metodologia do Guia de Educação Patrimonial
ou individual e de acordo com o que for
sobre a importância de pertencente a esse pertinente à execução do projeto, interligando às
disso, é importante entender o (1990) de Evelina Grunberg, Maria de L. P Horta
conhecer e preservar espaço e por isso não se
e Adriane Monteiro. A
o ambiente escolar. A processo de seleção que delimita motiva a preservar seu
metodologia contida no Capa e avatar da página “Nós na História” no Facebook.
escola, nesse sentido, é quais são os marcos históricos ambiente educacional.
livro pode ser resumida Fonte: Print Screen da página “Nós na História”.
vista como um espaço Muito pelo contrário, o Disponível em: https://www.facebook.com/NosNaHistoria?fref=ts.
de memórias e vivências
de uma sociedade. Deve-se aluno acaba depredando
da seguinte forma:
Acesso: março de 2014.
após definir o objeto de
que contribuem para problematizar os mecanismos e um patrimônio que
estudo, o educador,
a fortalecimento da critérios que tornam um elemento ele deveria entender
deve seguir quatro
cidadania e formação como seu.
da identidade. patrimônio e outro não. etapas metodológicas
Desta forma, tornou- no processo de (re)
Esse projeto foi se imprescindível conhecimento de
implementado em uma das turmas do Ensino realizar este trabalho de conscientização sobre a um objeto/local/ bem
Fundamental do turno da tarde da Escola Estadual importância do espaço escolar não apenas como cultural, são elas:
de Ensino Fundamental e Médio José Miguel local de construção de conhecimento mas como observação, registro,
Leão, localizada no distrito de São José da Mata lugar de memórias, construção de identidades e exploração e apropriação.
na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba. fomentar a experiência direta com o patrimônio A observação requer
A Escola E.E Fundamental e Médio José Miguel escolar, pois assim será possível tecer relações e atenção do aluno e que
Leão sofre diariamente com a depredação do se apropriar dos elementos e bens construídos ele observe as formas, as
seu patrimônio. Quadros, cadeiras, lâmpadas, pela escola. cores, os materiais que
por exemplo, são frequentemente substituídos envolvem a fabricação
O conhecimento sobre o patrimônio escolar
por terem sido danificados ao longo do ano do objeto de estudo,
levará o aluno a reforçar seus laços com a

28 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 29


discussões a respeito de identidade, cidadania e recorrentes no imaginário dos alunos. Por outro pequena cena em que os alunos mostrariam as
preservação patrimonial. lado, a escola desejada era organizada, arborizada coisas boas com as quais eles se identificavam
e limpa. Mas, o que os impedia de torná-la da dentro da escola, o que eles queriam que a escola
O projeto foi realizado sob a orientação
maneira que imaginavam? Novamente vem à tivesse e como eles poderiam agir para preservá-
da professora de História Cristiane Valdevino
tona a concepção da escola como algo alheio, la, tornando-a o lugar que eles desejavam. Foi
de Aquino e a partir do segundo semestre de
sendo assim, acreditavam sempre que não era retomada a ideia da “escola que queremos”
2013. A primeira etapa consistiu na criação de
responsabilidade deles. dos desenhos para deixar claro que é possível
uma página no Facebook chamada “Nós na
torná-la real, que ser cidadão é ter o direito e o
História” cujo objetivo era aproximar os alunos As questões relativas à cidadania foram
dever de preservar a escola. Nesse momento eles
da temática do projeto e levar o conhecimento debatidas principalmente nas aulas entre 16/09 e
expressaram o desejo de ter uma escola limpa,
para além dos muros da escola, utilizando 27/09. Após realizarem uma pesquisa direcionada,
segura, com a preservação dos espaços de lazer e
uma ferramenta de lazer (a rede social) como foi discutido em sala de aula o conceito de
as brincadeiras. Mostraram com isso, com quais
plataforma de construção do conhecimento. cidadania. Era comum associarem cidadania
elementos eles se identificavam e viam como
apenas ao voto e, genericamente, aos direitos e
Ao todo foram três meses de projeto, entre os pertencentes à escola, diferente da visão anterior,
deveres. Mas, quem estabelecia esses direitos e
meses de agosto a outubro de 2013, discutindo onde vários elementos perturbadores apareciam
deveres? Essa pergunta foi lançada como forma
temas como: preservação patrimonial, cultura como algo externo e que deveria não fazer parte
de estimular o debate e o entendimento de que
material / imaterial e cidadania. Entre as deste ambiente.
ser cidadão é uma construção histórica, deixando
semanas de 19/08 a 30/08 foram discutidos os
claro no decorrer da aula que a cidadania A partir das discussões e experiências do
primeiros conceitos sobre o tema. A ideia era
é baseada em lutas e conquistas ao longo projeto, percebe-se que a Educação Patrimonial
sempre começar pelo conhecimento prévio deles,
do tempo. deve fazer parte do repertório em sala de
perguntando o que achavam que significava a
aula, pois é da apreensão de conceitos tão
palavra patrimônio e os demais termos elencados Nas semanas compreendidas entre 30/09 e
fundamentais como identidade, memória,
no quadro. Foi evidenciado que os alunos não 10/10, sob orientação da professora a turma
patrimônio cultural que surge o entendimento
concebiam a escola como algo deles. A escola concentrou-se em elaborar o produto final do
sobre os elementos constituintes da identidade
era do “governo” e este último também não projeto: uma cartilha ilustrada contendo ações
dos sujeitos, o respeito à pluralidade cultural,
os pertencia. que poderiam ser realizadas por todos para a
ao patrimônio escolar e, consequentemente,
preservação da escola. A sala foi dividida em
Entre 02/09 e 13/09 foram discutidos alguns por outros patrimônios histórico-culturais
grupos compostos por cinco pessoas. Cada grupo
conceitos relativos ao que seria patrimônio da humanidade.
ficou responsável por produzir uma história ou
material e imaterial, para tanto, houve a exibição
do curta-metragem “Patrimônio artístico”, para
que depois, em outra aula, pudéssemos fazer
uma gincana. Nesta gincana a turma foi dividida
em duas equipes e ambas tinham que descobrir BIBLIOGRAFIA
se determinado termo era um patrimônio ABRAMOVAY, Miriam. Violências na escola. Brasília: UNESCO, 2002. p. 281-291.
material ou imaterial. BRASIL. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais/ História. Brasília, 1998, p.
7.
Em uma das atividades propostas “a escola BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4. ed. São Paulo:
que temos e a escola que queremos” os alunos Cortez, 2011. p. 277-280.
foram incentivados a desenvolver desenhos FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2006. 72 p.
de como eles enxergavam a escola e como ela
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Artes médicas, 1995. P. 12-
deveria ser. Estes desenhos mostraram o quanto 18.
a imagem de sujeira, desordem, indisciplina eram HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 1990.
189 p.
HORTA, Maria de L. P.; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q. Guia básico de Educação Patrimonial.
Primeira aula sobre noções de patrimônio.
Brasília: Iphan; Museu Imperial, 1999.p.7.
Foto: Fabiolla Furtado. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CÂMARA, Michelle Januário. Reflexões sobre currículo e
Elaboração dos desenhos “A escola que temos
identidade: implicações para a prática pedagógica. In: MOREIRA, Flávio Antônio; CANDAU, Maria vera.
– A escola que queremos”; desenhos “A escola Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 38-65.
que temos – A escola que queremos” finalizados; SILVA, K. V. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 47 50.
criação das cenas para a cartilha ilustrada. SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.).
Fotos: Cristiane Aquino. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73-102.

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Patrimônio Cultural
A partir da década de 1980, ainda no contexto
ditatorial de restrição de direitos, essa ideia de
patrimônio nacional começou a ser questionada
e alterada. Uma alteração de nomenclatura
(a troca de "patrimônio histórico e artístico"

e Educação: por "patrimônio cultural") carregou em suas


entrelinhas uma mudança conceitual que afetou
profundamente as práticas preservacionistas. Ao
invés de monumentos nacionais, os bens culturais

perspectivas cidadãs para são pensados a partir do conceito de referências


culturais e abrangem tanto bens materiais quanto
imateriais. De acordo com o próprio Iphan,:

outra esfera pública


"Referências são edificações e são paisagens
naturais. São também as artes, os ofícios, as
formas de expressão e os modos de fazer;
São as festas e os lugares a que a memória e
uma narrativa única, coesa e fechada sobre a
a vida social atribuem sentido diferenciado:
nação, mas um artifício político de afirmação e
são as consideradas mais belas, são as mais
lembradas, as mais queridas. São fatos, confirmação da pluralidade e heterogeneidade
sociocultural que constitui o país. Como
FERNANDO PASCUOTTE SIVIERO atividades e objetos que mobilizam a gente
mais próxima e que reaproximam os que estão direito social, é preciso que a política pública
distantes, para que se reviva o sentimento preservacionista propicie e garanta não somente
de participar e de pertencer a um grupo, a continuidade do bem cultural, mas também
de possuir um lugar. Em suma, referências
toda sua dinâmica social e pública, respeitando o
são objetos, práticas e lugares apropriados
culturalmente diverso, o heterogêneo e o outro.
pela cultura na construção de sentidos de
identidades, são o que popularmente se Nessa perspectiva, patrimônio cultural torna-
chama de ‘raiz’ de uma cultura.” (IPHAN, se, portanto, um instrumento de cidadania. Ao
2000, p.29 apud IPHAN, 2006, p.19)
Diferente de outros tempos, vivemos hoje um momento em que muitas denominar e considerar os sujeitos sociais como
coisas podem receber o título de patrimônio cultural. O que acontece para Segundo o historiador Ulpiano Bezerra detentores, atores e autores dos bens culturais,
que o acarajé, uma casa antiga, a procissão de uma cidade, um terreiro de Meneses (2012), o principal legado desse confirma-se, sobretudo, sua condição de cidadão,
de candomblé, um batuque, uma sede de fazenda, uma cachoeira, uma processo de alteração conceitual foi um esforço de membro ativo de uma sociedade/grupo social.
feira urbana, um prédio, o centro de uma cidade ou um bairro, virar em inserir a política preservacionista no fato Segundo o geógrafo Jorge Barbosa, o estatuto
patrimônio cultural? social e operar a partir dele. As pessoas passaram do cidadão “implica relações de igualdade que
a ser consideradas detentoras de referências e incorporam as diferenças” e constitui-se como
Dentro do governo brasileiro, a preservação de bens culturais começou no
bens culturais, ou seja, os sentidos e significados “incompatível com as distinções e hierarquias que
final da década de 1930, com o surgimento do que hoje conhecemos como
do patrimônio cultural decorrem não somente reduzem as convivências às relações assimétricas
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). De lá para cá,
de sua materialidade, mas das pessoas que o de poder”. A vida pública é o tempo-espaço no
o tema extravazou a esfera governamental e consolidou-se no tecido social
detém. O patrimônio cultural não é, desde então, qual se manifestam as relações, as práticas e
da nação. Vão ai mais de 75 anos de uma política que atravessou diferentes
os signos que nos constituem como membros
contextos políticos, econômicos e sociais do país.
de uma mesma sociedade. Feita por todos os
Há cerca de 20 ou 30 anos o patrimônio cultural no Brasil restringia-se a um Ao denominar e considerar os cidadãos, ela deveria ser também (re)feita por
conjunto de bens materiais (móveis e imóveis) reconhecidos principalmente por sujeitos sociais como detentores, todos e não só por alguns. É preciso, pois,
valores históricos e/ou artísticos e por critérios de autenticidade, originalidade desvincular na prática a esfera pública do Estado,
e/ou excepcionalidade do bem. Trechos urbanos, cidades, edificações, objetos atores e autores dos bens alargando suas dimensões e garantindo maior
e acervos documentais e artísticos, monumentos, sítios arqueológicos etc. culturais, confirma-se, sobretudo, poder e autonomia aos atores sociais sobre a
foram tombados pelo Estado com o intuito de compor, segundo o antropólogo coisa pública.
José Reginaldo Gonçalves (2002), uma imagem/narrativa do Brasil como uma
sua condição de cidadão, de
nação civilizada e moderna, de acordo com os padrões e parâmetros ocidental- membro ativo de uma sociedade/ Afirmar de fato o protagonismo dos sujeitos
como detentores de seus bens culturais acarreta
branco-europeu. grupo social. muitas implicações sociais, como por exemplo,

32 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 33


processos de autoconhecimento (individual e que dialoga com o viés antropológico, processual do país, juntas, podem realizar. Diz respeito
coletivo), fortalecimento da autoestima local, Não é possível encarar a e social da preservação do patrimônio cultural. a todas as instâncias governamentais,
tratem elas especificamente de recortes
alterações nas relações sociais e políticas, educação patrimonial como É preciso que a educação patrimonial, como meio ambiente, turismo, educação,
abertura de outros horizontes de vida (pública
e privada) etc. Contudo, de nada adianta falar
um processo de alfabetização dentro dessa perspectiva, realize possibilidades saúde, desenvolvimento agrário, indústria,
educativas e preservacionistas menos clientelistas, comércio ou mesmo de minas e energia.
em detentores de referências culturais, em cultural, um projeto de paternalistas e bancárias e mais cidadãs. De O protagonismo dos indivíduos e de suas
cidadãos, se a prática preservacionista estatal conscientização, ou uma ação acordo com o jurista Marcos Paulo de Souza
organizações é indispensável para que se
mantém-se deslocada, especializada e socialmente possa enfrentar, com sucesso, o desafio
cega, surda e muda. A manutenção da lógica de promoção ou divulgação. Miranda (2006), as ações de educação patrimonial que o conceito de patrimônio cultural
devem “envolver a comunidade na gestão do
paternalista e clientelista que sustenta distintas Estaríamos assim perpetuando patrimônio, pelo qual ela também é responsável,
contemporâneo coloca a todos que se
preocupam com a eficácia de políticas
relações de poder no Brasil não condiz com a
a estruturapolítico-social levando-a a apropriar-se e a usufruir os bens e públicas educacionais. (BRAGA apud IPHAN/
perspectiva da cidadania. PB, 2011, p.21)
valores que o constituem.” (MIRANDA, 2006,
paternalista e clientelista
Nesses termos, a preservação do patrimônio p.43). Para haver corresponsabilidade entre Com tal intenção pedagógica, a preservação
cultural só é um exercício de cidadania na através de uma práxis Estado e sociedade civil na esfera pública, é do patrimônio cultural deveria ser feita desde
medida em que todo o processo preservacionista pedagógica definida pelo necessário haver participação social e para isso, os detentores dos bens culturais e com o
(identificação, valoração, reconhecimento, é necessário outras atitudes políticas, outras
proteção, preservação e salvaguarda de um bem)
pedagogo Paulo Freire formas de ver, entender e encarar a cidadania e
Estado. O "desde/com" é uma metodologia
pedagógica elaborada pelo pedagogo espanhol
for realizado de forma corresponsável entre como bancária. o papel social de cada cidadão. Já é tempo de César Muñoz em sua prática com projetos de
os detentores dos bens culturais e o Estado. A abandonar a democracia da Granja dos Porcos Orçamento Participativo com crianças, jovens e
participação da vida pública é, portanto, condição de George Orwell, na qual "Todos os animais são adolescentes. Formada por dois termos - "desde"
para o exercício da cidadania. a Educação Patrimonial constitui-se de todos iguais, mas alguns animais são mais iguais que os e "com" - essa metodologia opera a partir de
os processos educativos formais e não formais outros" (ORWELL, 2003, p.112). Como aponta o
Acredito que a educação patrimonial pode e alguns elementos considerados essenciais para a
que têm como foco o Patrimônio Cultural,
antropólogo Emanuel Braga: realização de projetos educativos/participativos:
deve ser um instrumento para sua realização. Para apropriado socialmente como recurso para a
isso, contudo, não é possível encarar a educação compreensão sócio-histórica das referências A educação patrimonial e a formação da "A) desde: refiro-me a levar em conta, na
patrimonial como um processo de alfabetização culturais em todas as suas manifestações, a cidadania são os fundamentos de qualquer hora de concretizar a transformação da
fim de colaborar para seu reconhecimento, ação, programa ou processo de preservação proposta em projeto, que essa concretização
cultural, um projeto de conscientização, ou uma
sua valorização e preservação. Considera do patrimônio cultural. E esta tarefa é muito se fará essencialmente (não unicamente): 1.
ação de promoção ou divulgação. Estaríamos maior do que todas as instituições culturais
ainda que os processos educativos devem desde as ideias, interesses, desejos, iniciativas,
assim perpetuando a estrutura político-social primar pela construção coletiva e democrática críticas da infância, da adolescência e da
paternalista e clientelista denunciada acima do conhecimento, por meio do diálogo juventude. 2. E também (para não cair em
através de uma práxis pedagógica definida pelo permanente entre os agentes culturais um discurso demagógico de participação da
pedagogo Paulo Freire como bancária: e sociais e pela participação efetiva das infância, da adolescência e da juventude)
comunidades detentoras e produtoras das desde: as dúvidas, ignorâncias, medos,
Na visão “bancária” da educação, o “saber”
referências culturais, onde convivem diversas erros, não-responsabilidade das crianças,
é uma doação dos que se julgam sábios aos
noções de Patrimônio Cultural. (FLORÊNCIO adolescentes e jovens. Não levar em conta
que julgam nada saber. Doação que se funda
at. all., 2014, p.19) este segundo ponto seria criar um enfoque
numa das manifestações instrumentais da
errôneo de “endeusamento” da infância, da
ideologia da opressão – a absolutização da Nessa perspectiva, não mais interessa a
adolescência e da juventude como positiva,
ignorância, que constitui o que chamamos de promoção e a conscientização (convencimento) criativa, perfeita, “tudo”, e de culpabilização
alienação da ignorância, segundo a qual esta dos bens culturais reconhecidos pelo Estado, mas ou menosprezo do mundo adulto em
se encontra sempre no outro. (FREIRE, 2005,
o reconhecimento e valorização de referências face da não-participação das crianças,
p.67)
culturais pelas próprias comunidades detentoras adolescentes e jovens. B) com: refiro-me a
O próprio Iphan vem nos últimos dez anos como um processo coletivo e democrático de que essa concretização do projeto desde a
desenhando outras propostas e diretrizes para autoconhecimento, articulação e empoderamento incorporação essencial da visão da infância, da
a educação patrimonial com o objetivo de adolescência e da juventude deve ser realizado
social e local. Suas diretrizes - participação
em todo o processo com o apoio das ideias,
distanciar-se do caráter bancário que prevalece comunitária, transversalidade do tema patrimônio críticas, desejos... do mundo adulto. (MUÑOZ,
em nosso sistema e práticas de educação. De cultural, intersetorialidade de políticas públicas, 2004, p.53-64)"
acordo com a publicação "Educação Patrimonial: território como espaço educativo e educação
histórico, conceitos e processos" divulgada no Muñoz apresenta essa metodologia dentro
como processo de mediação - tecem uma
portal do Iphan: do que ele denomina como pedagogia da vida
intenção pedagógica (e não uma metodologia)
cotidiana. Essa parece ser uma ideia bastante

34 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 35


relevante para o debate proposto: ter a vida um território? Talvez não, pois uma comunidade É nos territórios que as referências culturais se mobilização dos atores sociais da comunidade,
cotidiana como uma prática pedagógica, ou seja, não vive isolada no espaço, não é autossuficiente manifestam, funcionando como signos e práticas já que ele é realizado pelos próprios membros
encarar a aprendizagem como um processo que e tão pouco é homogênea. É preciso que ao simbólicas que identificam e fortalecem os laços da comunidade.. Essa ONG aposta justamente
acontece também para além dos muros e do reconhecer-se enquanto grupo, perceba que comunitários e territoriais. Por isso, tomar o na gestão participativa e nas ações educativas
tempo da escola. Essa ideia é a base de propostas está inserida em um contexto social maior e com conceito de referências culturais, de patrimônio e culturais como instrumentos e mecanismos
de educação integral, integrada e integradora ele dialogue. Os territórios, de acordo com o cultural como uma forma de ler o território e de exercício da cidadania, efetivação da esfera
que busca promover o desenvolvimento integral geógrafo Milton Santos (1987), não são recortes nele atuar deve servir como um instrumento de pública e desenvolvimento social local.
dos sujeitos (corporal, cultural, político, moral, geográficos, mas espaços que se constituem mobilização que estimule o diálogo e interação
A partir de uma adaptação da metodologia de
ético e social) ao longo de seu processo de socialmente pelas trocas de informações, pelas entre a diversidade de sujeitos que o constitui.
mapeamento territorial do Bairro-Escola, realizei
escolarização valendo-se de um jornada escolar disputas e negociações tanto materiais quanto Aliar esses conceitos a ações de educação
uma experiência de leitura do Centro Histórico
expandida, de espaços que ultrapassam os muros simbólicas entre as pessoas. Nos tempos das pode criar, portanto, oportunidades de romper
de Natal, um conjunto arquitetônico, urbanístico
escolares e de conhecimentos, habilidades e grandes metrópoles e da globalização, os processos e fenômenos contemporâneos de
e paisagístico tombado pelo Iphan em 2011
competências que extrapolam os definidos pelos territórios vêm se constituindo cada vez mais desmonte e esvaziamento da vida pública.
na capital do Estado do Rio Grande do Norte
parâmetros curriculares. como espaços de O primeiro passo para isso é conhecer um (SIVIERO, 2013). Percorri todas suas ruas, praças,
Se aprendemos Temos que admitir que todas convívio e convergência território ou uma comunidade para, através de avenidas, becos e travessas para identificar os
de várias formas e suas próprias potencias, fragilidades, desejos e
365dias por ano e 24h as pessoas e todos os espaços códigos de sociabilidade.
equipamentos e as instituições ali estabelecidas,
por dia, temos que desafios, desenvolver espaços socioeducativos com o objetivo de verificar a possibilidade de
admitir que todas as são educadores/educativos na Tal diagnóstico aponta coletivos que propiciem a participação e desenvolver um projeto de educação patrimonial
a impossibilidade de
pessoas e todos os medida em que envolvem trocas refletir e falar sobre as
transformação da vida pública. Conhecer muito que estivesse de acordo com esse debate sobre
espaços são educadores/ bem o território de atuação significa identificar
de conhecimento, valores, gestos, interações dos sujeitos e articular tanto seus recursos estruturais
educação, cidadania e gestão compartilhada com
educativos na medida em participação social local.
que envolvem trocas de habilidades etc. Essa ideia é no espaço sem levar (instituições e equipamentos públicos e privados
em consideração como Tomei o mapa do Centro Histórico de Natal
conhecimento, valores, muita cara e envolve profundas eles se compõem e se
de saúde, lazer, transporte, educação, cultura,
divulgado pelo Iphan/RN com suas poligonais de
gestos, habilidades política, arte etc.) quanto seus recursos humanos
etc. Essa ideia é
mudanças nos paradigmas sociais. organizam no cenário de (os conhecimentos, as habilidades, as atividades, tombamento, entorno e edificações de destaque
muita cara e envolve Contudo, ela permite sonharmos globalização, buscando as sociabilidades etc.). como base gráfica e espacial para produzir outra
com isso potencializar leitura para esse mesmo território (figuras 1 e
profundas mudanças outras apropriações da esfera suas peculiaridades,
A ONG Cidade-Escola Aprendiz, por exemplo,
2). A única diferença entre os dois mapas está
nos paradigmas desenvolve o projeto do Bairro-Escola – "uma
sociais. Contudo, ela pública e outras relações entre singularidades e
ferramenta de gestão comunitária e territorial
na quantidade e qualidade das hachuras. Ao
especificidades.Quanto percorrer esse bem cultural imbuídos dessas
permite sonharmos seus atores sociais. mais diverso, dinâmico
das oportunidades educativas" (KELIAN, 2011,
discussões, percebi que ele era, antes de tudo,
outras apropriações p.69) baseada na ideia de educação integral e
e ativo for a ocupação, um território cheio de pessoas, atividades, trocas
da esfera pública gestão democrática do território que propõe
apropriação e uso de um território, mais próximo simbólicas e materiais etc. que se estendia para
e outras relações entre seus atores sociais. mudanças estruturais e estruturantes tanto na
ele estará de sua condição de espaço público. além do recorte estipulado pelo Iphan como
Se todas as pessoas aprendem umas com as escola quanto nas organizações de bairro. A
patrimônio cultural.
outras, todos temos, portanto, algo a ensinar De acordo com a historiadora e comunicadora participação e autogestão comunitária, por meio
e a aprender, ou melhor, a trocar. Já no final social Regina Pazzanese: de um grupo articulador local, é a base para o Diferente das 64 edificações de destaque
do século XIX o psicólogo russo L.S. Vygotsky Usar e compartilhar os territórios geram desenvolvimento de todos os passos e ações desse selecionadas por um olhar técnico-arquitetônico
(1998) atentou para o fato do desenvolvimento pertencimento e relação de comunidade entre projeto socioeducativo que tem por objetivo maior baseado em certos valores estéticos e históricos,
individual ser permanente ao longo da vida e as pessoas, que dialogam para construir suas a melhoria da educação e do território. o exercício de mapeamento realizado por mim
realizado por processos de mediação (interação) subjetividades. Por meio da aprendizagem apontou a existência de 174 instituições e
comunitária, os sujeitos desenvolvem Para iniciar um Bairro-Escola realizam-se
entre o eu e os outros - todos em permanente equipamentos. Imbuído de um olhar técnico-
autonomia para ocupar os espaços e se pesquisas comunitárias – com os próprios
transformação. Essas ideias são, a grosso modo, pedagógico (com repertório sobre pedagogia,
percebem criadores de cultura e não apenas atores sociais locais – com o intuito de mapear
a base do conceito dos territórios como espaços geografia, esfera pública e gestão participativa)
espectadores. Defendida pelos situacionistas os recursos materiais e humanos locais (suas
educativos – um dos pilares da nova concepção de como antídoto para a espetacularização os mapas da minha pesquisa trazem nuances
potencialidades, singularidades e riquezas, assim
educação patrimonial. da vida, a participação ativa dos indivíduos da imaterialidade (usos, atividades, ocupações e
como seus problemas, fragilidades e desafios).
em todos os campos da vida social pode funções dos espaços) do Centro Histórico de Natal
Bastaria então instituir e garantir tempos e Esse exercício de autorreconhecimento produz
ser uma saída para a fragmentação e o que não negam ou desprezam as informações
espaços nos quais trocas inter ou intra geracional distanciamento comunitários. (PAZZANESE, uma nova leitura sobre o território ao mesmo
sejam garantidas dentro de uma comunidade, de do tombamento.
2011, p.29) tempo em que promove uma articulação e

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Mapeamento das instituições e equipamentos do
Centro Histórico de Natal - bairros Ribeira e Rocas (Figura 2).
Na página anterior, mapeamento das instituições e equipamentos do
Centro Histórico de Natal - bairro Cidade Alta (Figura 1).
Fonte: Fernando Siviero e Maxwell Osvaldo de Oliveira Medeiros.

38 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 39


As informações coletadas na pesquisa de ‘identidade’ da região para seus habitantes e que Descolá-los ou suprimi-los de seu contexto
campo foram organizadas em categorias, de A convivência e sobreposição remetam à paisagem, às edificações e objetos, aos social, histórico e geográfico significa esvaziá-los
acordo com o tipo de atividade, função pública e de diferentes olhares, leituras e ‘fazeres’ e ‘saberes’, às crenças e hábitos”. São, de seu sentido e função social, transformá-los
capilaridade social das instituições e equipamentos portanto, chaves interpretativas que permitem em mercadoria cultural, em bem de consumo.
levantados, a saber: sindicatos e associações
informações sobre o território um olhar para si, uma leitura sobre qualidades, Portanto, as ações e projetos de educação
de classe, empresas e órgãos públicos, arte e constitui um movimento símbolos e práticas singulares e identitárias patrimonial não podem mais objetivar a
cultura, espaços religiosos, acervos documentais de apropriação coletiva e cuja valorização cultural é capaz de melhorar conscientização popular da necessidade de
e memória, ensino e pesquisa, espaços de a autoestima local e fortalecer a mobilização e preservar os bens culturais, mas proporcionar
assistência, esportes, associações da sociedade
democrática da esfera pública. articulação social. os meios necessários para que seus detentores
civil e empresas de comunicação. Essas dez Somente a partir de várias Não podemos perder de vista, contudo, que
tenham voz ativa em todo o processo de
categorias criaram uma leitura sobre a pluralidade camadas de informação é possível os bens e referências culturais são expressos e
preservação patrimonial, sejam atores sociais
sociocultural desse território-patrimônio cultural ativos na gestão de seus territórios.
que, embora inicial e superficial, mostrou-se desenvolver ações e projetos que manifestados em um determinado território.

suficiente para incitar um processo comunitário e acarretem melhorias territoriais


democrático de gestão patrimonial e territorial.
efetivas. É pelo autoconhecimento
Por tratar-se de um olhar individual e
horizontal, reflexivo e acumulado BIBLIOGRAFIA
datado, esse mapeamento deve ser tomado e
transformado pelos atores sociais locais dispostos que as fragilidades e problemas ASSOCIAÇÃO Cidade Escola Aprendiz. Bairro-Escola: passo a passo. São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://aprendiz.locaweb.com.br/cidadeescolaaprendiz/wp-content/uploads/2011/10/bairro_escola-passo-
a participar de tal processo. A convivência e locais podem encontrar soluções a-passo.pdf>. Acesso em: 21/07/2012.
sobreposição de diferentes olhares, leituras BARBOSA, Jorge Luiz. Cidadania, Território e Políticas Públicas. Disponível em: <http://www.
e informações sobre o território constitui um
mais criativas, viáveis e observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/view_text.php?id_text=14>. Acesso em:
movimento de apropriação coletiva e democrática profundas. 04/01/2012.
BRAGA, Emanuel Oliveira. Memória, Patrimônio e Cidadania. In: IPHAN/PB. Educação Patrimonial:
da esfera pública. Somente a partir de várias orientações ao professor. João Pessoa: Superintendência do IPHAN-PB. 2011. p.19-21. (Caderno Temático
camadas de informação é possível desenvolver de Educação Patrimonial nº1).
território deve aproximar-se das práticas e projetos
ações e projetos que acarretem melhorias BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.
de educação patrimonial, pois o conceito de planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em: 18/01/2013.
territoriais efetivas. É pelo autoconhecimento
patrimônio cultural e de referências culturais BRASIL. Ministério da Educação. Educação Integral: texto referência para o debate nacional. Brasília: MEC/
horizontal, reflexivo e acumulado que as SECAD, 2009.
são ricos instrumentos de leitura e intervenção
fragilidades e problemas locais podem encontrar CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do
territorial. De acordo com Maria Cecília Londres
soluções mais criativas, viáveis e profundas. patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.
Fonseca (2000, p.11 apud IPHAN, 2006, p.19):
FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim; CLEROT, Pedro; BEZERRA, Juliana; RAMASSOTE, Rodrigo. Educação
Essa discussão sobre educação comunitária, “Falar em referências culturais significa dirigir o Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília-DF: Iphan/DAF/COGEDIP/CEDUC, 2014. Disponível
educação integral, e gestão participativa do olhar para representações que configuram uma em: < http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=4240>. Acesso em: 16-02-2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN; 2002. pp.37-61; 87-111.
IPHAN. Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois. A trajetória da salvaguarda do patrimônio
cultural imaterial no Brasil, 1936/2006. Brasília: IPHAN, 2006.
KELIAN, Lilian L'Abbate. "Autoformação de Educadores: a coerência entre o discurso e as práticas". In:
SINGER, Helena (org.) Trilhas educativas. São Paulo: Moderna, 2011b. p.65-80. (Coleção Tecnologias do
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MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do Patrimônio Cultural: uma revisão de premissas. In:
IPHAN. I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural: desafios,
estratégias e experiências para uma nova gestão, Ouro Preto/MG,2009. Brasília: IPHAN, 2012. p. 25-39.
(Anais; v.2, t.1).
MUÑOZ, César. Pedagogia da vida cotidiana e participação cidadã. São Paulo: Cortez, 2004.
ORWELL, George. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 2003.
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Culturais. São Paulo: Moderna, 2011. p.17-39. (Coleção Tecnologias do Bairro Escola).
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SIVIERO, Fernando Pascuotte. Um mapa para outros fazeres: territórios educativos e patrimônio cultural.
Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural) - Instituto do Patrimônio
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VYGOTSKY, Lev. Semenocitch. A Formação Social da Mente. 6º Edição.- São Paulo: Martins Fontes, 1998.

40 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 41


O ABC dos Museus:
reconhecimento e valorização das relações entre o museu? Para que serve? Qual a função social dos
Patrimônio, o Museu e a Educação. museus? O que fazer com os nossos museus? E o
patrimônio o que é?
O projeto foi construído e debatido,
inicialmente, com os professores da Associação
• E o patrimônio o que é?

relatos e experiências
Ser Cidadão em conjunto com os educadores da
coordenação de educação do museu, visando Fazemos a primeira pergunta com a intenção
à construção de um trabalho multidisciplinar de introduzir o tema e tentar observar e identificar
com duração anual e encontros semanais com um pouco da bagagem cultural dos alunos sobre
as turmas. o assunto. A pergunta não surge efeito, apenas

de sala de aula Patrimônio Vida conta também com visitas


a museus, centros culturais, pontos turísticos
caras de estranhamento e olhares perdidos nos
encarando. Tentando uma resposta, buscamos
uma saída tradicional, pedimos a um dos
e lugares históricos espalhados pela cidade.
alunos para procurar a palavra no dicionário...
Mostramos que o acesso aos bens culturais é
Minutos depois:
possível e que esse pode ser encontrado, também,
PATRIMÔNIO, s. m. Herança paterna; bens de
CARLOS DAETWYLER XAVIER DE OLIVEIRA E fora dos espaços consagrados.
família, dote de ordinado; (p.ext.) quaisquer
bens, materiais ou morais, pertencentes a um
Sala de aula
NEWTON FABIANO SOARES indivíduo ou a uma instituição; propriedade.
(Do lat. Patriciu.)
Eu também vejo um museu de
grandes novidades. (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa)

Falar sobre Museu é sempre uma tarefa Esperançosos, insistimos na pergunta e os


complicada, ainda mais dentro de uma sala de alunos continuam nos encarando de forma
aula com cerca de 30 adolescentes, dos quais apática. Por sorte dividimos a responsabilidade e
a maioria nunca visitou um museu, mas já a missão de sala de aula. Carlos Xavier, educador
possuem pré-conceitos bem estabelecidos sobre do Museu da República/Ibram/MinC desde 1986
Histórico
o tema. É quase inevitável não fazer uma cara e com vasta experiência em projetos de educação
O exercício da educação em museus deve ser pensado como um processo de estranhamento diante do assunto. Afinal, esse museal que visam a inclusão social, e Newton
de formação democrático e plural. Partindo desse pressuposto, no final da é um tema indigesto para muitas pessoas, mas Fabiano Soares, museólogo recém graduado,
década de 1980, educadores do Museu da República iniciaram, a partir do tínhamos o objetivo/missão ou o desafio de torná- com pouca atuação na área, mas com muitas
projeto Colônia de Férias no Museu, uma metodologia de trabalho voltada lo prazeroso, se não, ao menos simpático para ideias na cabeça. Partimos então para uma
para a educação patrimonial visando não apenas a brincadeira, como também os alunos. Superando esse primeiro momento didática alternativa, começamos sem os alunos
o “patrimônio”, em que as crianças pudessem entender sua conceituação e o de tensão entre educadores e alunos no espaço perceberem uma oficina do objeto. Retiramos
trabalho dos museus relacionado a essa temática. da sala de aula, começamos a debater: O que é da mochila uma camisa do Flamengo, clube de
futebol de maior torcida no Rio de
Em 1996, o trabalho de educação patrimonial, já intitulado como Patrimônio
Janeiro, e pedimos para que os alunos
Vida, começa a ser desenvolvido não somente com as crianças do entorno do
limpem o chão com ela. A reação é
museu, mas com jovens e adolescentes que participavam dos projetos sociais.
imediata:
Daí em diante, temas variados, mas sempre decorrentes de uma referência
maior, ou seja, o patrimônio, foram desenvolvidos com e pelos jovens. Não “- Que isso professor, tá maluco!”;
adiantava falarmos de museu e memória como patrimônios se não tivermos
“- Pô é a camisa do mengão!”;
antes de tudo um patrimônio maior, o patrimônio vida, do qual todos os outros
patrimônios derivarão e farão sentido. “- Não pode, é o manto sagrado!”

A partir de 2007, os educadores do Museu da República começaram Os alunos rapidamente passam


a desenvolver seus projetos de educação em conjunto com os jovens do de expectadores passivos pra
Programa Educação e Trabalho, um projeto social do museu desenvolvido em participantes eufóricos. O mais
parceria com a Associação Ser Cidadão, com turmas em diferentes espaços
culturais da cidade do Rio de Janeiro, voltados para jovens em situação de risco
Associação Ser Cidadão.
social e com o objetivo de contribuir para a construção de cidadãos a partir do
Foto: Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira

42 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 43


importante é que a turma Prevendo que uma definição técnica não seria caráter político do processo de construção do
passa da percepção de a melhor maneira de trabalhar o tema com os discurso, realizada pelos museus, acerca de uma
patrimônio como propriedade alunos, continuamos a explicação. Podemos determinada memória, a escolha de seus heróis,
individual, a minha camisa compreender o museu por meio da definição de suas histórias, crenças e lutas.
do Flamengo, para a ideia acima ou como “locais que nos proporcionam a Museu, memória e patrimônio configuram
de patrimônio coletivo, um mais elevada ideia do homem” (MALRAUX,1963. campos independentes, ainda que articulados
bem importante para um p. 12), ou ainda, como citado por Walter entre si. Eles são arenas políticas, territórios
grupo maior de pessoas “O Benjamin, como “espaços que suscitam sonhos” em litígio, lugares onde se disputa o passado,
Manto Sagrado”. Lembramos (WALTER, 2005. p.133). Os alunos não se o presente e o futuro. Para além de todas
as diferenciações resta a execução de uma
à turma que o patrimônio convencem com os argumentos apresentados
música para dança e,
está presente na relação do e retrucam:
mais ainda, resta o
homem/sujeito com o objeto/
“Museu é lugar de Uma das primeiras imagens reconhecimento de que
bem cultural e que é através o museu, o patrimônio e
dessa relação que ocorre
coisa velha.” que devemos ter dos museus a educação configuram
sua valorização. Ou seja, é o “Museu é um lugar é que eles são campos de campos de tensão e
Homem que atribui significados chato onde não se pode intenção. (CHAGAS, 200?,
ao objeto/bem cultural. Afinal fazer nada.”
tensão; não podemos nos p.3)

“os objetos não falam por Para não cair em


deixar enganar pela aparente Não cabia naquele
si, mas, na verdade, falam um debate sem fim, tranquilidade existente nas salas momento debater qual
por nós, por cada um de nós desses é o conceito
que os usamos e percebemos de diferentes maneiras”
assistimos ao filme de exposições. Os museus são ideal para museu, mas
“Uma Noite no Museu”
(HORTA, 1994, p. 23). para depois insistirmos campos multidisciplinares voltados sim refletir sobre a sua
Os alunos/torcedores nos permitem avançar até a concepção de patrimônio no debate. Ao final do para o trabalho com a memória ideia. O fato é que os
filme pergunto se os alunos começaram a
imaterial, atribuição de valores e memórias a práticas, representações,
alunos gostaram do
social. Temos que ter em mente visualizar os museus
expressões, conhecimentos e técnicas de um determinado grupo social. Os
alunos/torcedores ficaram ainda mais surpresos ao saberem que de fato a museu trabalhado no o caráter político do processo de como espaços, espaços
esses que são bons para
torcida Nação Rubro Negra é considerada Patrimônio Cultural Carioca pelo filme. Percebemos que construção do discurso, realizada pensar, sonhar e expor,
Decreto nº 28.787, de 4 de dezembro de 2007. a imagem que a turma
tem sobre os museus
pelos museus, acerca de uma abertos a interações,
Como passo seguinte, a partir de percepções individuais acerca do
começa a mudar aos determinada memória, a escolha a novas relações que
patrimônio, aquele que recebemos, a nossa herança, o conjunto de bens, lhe atribuem imagens
os direitos e as obrigações referentes a um indivíduo, somando a outros
poucos e voltamos ao de seus heróis, de suas histórias, a partir do intercambio
nosso debate.
patrimônios, identificados pelo grupo, começamos a trabalhar e desenvolver crenças e lutas. do homem com
as noções de construção social e identidade cultural. Qual é a sua história? Os museus são esses espaços.
Quem são os seus fundadores? Que patrimônios podem ser encontrados em espaços, como podemos
seu bairro? Comparamos reportagens de jornais, por exemplo, com artigos perceber no filme, de estranhamentos, de • Pra que serve?
constitucionais. Será esta acessível a todos? É adequada? É atual? De que conflitos, de tesouros, de romances, de história,
Com o objetivo de ordenar e clarear as ideias
forma podemos contribuir para sua melhora? de descobertas e de festas! O museu nada mais
que seriam debatidas com a turma, resolvemos
é do que um dos palcos da relação do Homem/
melhor reformular a pergunta tema a partir de
• O que é museu? Sujeito com o Objeto/Bem Cultural. O museu é
1
Código de Ética Profissional
outras duas questões: Qual a função do museu?
uma das consequências da relação do Homem/
– ICOM. Aprovado na 15ª Superando o primeiro ponto, avançamos e propomos à turma um E qual o papel do museu na sociedade? Vamos
Assembléia Geral do ICOM Sujeito com o Espaço/Cenário.
debate em cima de filmes que trabalham o nosso segundo item. Explicamos por partes.
realizada em Buenos Aires,
Argentina, em 4 de novembro para os alunos, sem negar a formação acadêmica de Newton Fabiano em Lembramos aos alunos que uma das primeiras
Primeiramente, podemos caracterizar o
de 1986. Na 20ª Assembléia museologia, que: imagens que devemos ter dos museus é que eles
Geral realizada em Barcelona, museu através das suas três funções básicas:
Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da são campos de tensão; não podemos nos deixar
Espanha, em 6 de julho de comunicação, pesquisa e preservação. São elas
2001, foi revisado e suas sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, enganar pela aparente tranquilidade existente
que, superficialmente, legitimam e diferenciam o
emendas foram aprovadas pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos nas salas de exposições. Os museus são campos
na 21ª Assembléia Geral museu das demais instituições culturais existentes.
materiais e imateriais dos povos e seu ambiente.1 multidisciplinares voltados para o trabalho com
realizada em Seul, Coréia do Para os alunos visualizarem o que estávamos
Sul, em 8 de outubro de 2004. (Código de Ética Profissional – ICOM. 2004) a memória social. Temos que ter em mente o

44 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 45


falando, levamos a turma para uma visita às pedras? Para começar é necessário reagirmos o objetivo de propiciar a ampliação do campo A educação hoje não pode
áreas de trabalho do Museu da República: reserva aos museus, precisamos ser ativos a eles e não das possibilidades de construção identidária e
técnica, arquivo histórico, biblioteca, laboratórios espectadores passivos. Precisamos nos apropriar a percepção crítica acerca da realidade cultural continuar a ser vista apenas
de restauro, sala de pesquisa e coordenação das nossas pedras e de nossos museus para
brasileira. (Política Nacional de Museus, 2003,
p. 8)
como canal de transmissão de
de educação. que eles não nos devorem. Podemos pensar
Necessário se faz tornar os órgãos educativo-
conhecimentos previamente
os museus como grandes Tiranossauros-Rex,
Continuando, temos o museu, atualmente,
presentes nas ruas das cidades, prontos para culturais, dentre os quais se situa o museu, estabelecidos e sem ligação
não apenas como guardião dos testemunhos
da humanidade e de seu meio ambiente, mas
devorar, insaciavelmente, todos e tudo que está acessíveis a todos os níveis de formação escolar e com a realidade do educando,
ao seu redor. social. Estes não podem continuar a ser privilégio
também como agente educador social, um
de poucos, mas sim direito de todos. Por outro sua maneira de ser, de viver, de
prestador de serviço. E como já dizia o velho Feche os olhos. Feche os olhos e imagine um
guerreiro Chacrinha, “quem não se comunica, imenso dinossauro de aproximadamente 15 lado, é fundamental ressaltar que a educação hoje pensar, de se comunicar, isto é,
não pode continuar a ser vista apenas como canal
se trumbica!”. É essencial que os museus saibam
metros de altura, 20 metros de comprimento, sem ligação com a sua cultura.
pesando em torno de 35 toneladas, de transmissão de conhecimentos previamente
se comunicar com os seus diferentes públicos, atravessando calmamente uma avenida de estabelecidos e sem ligação com a realidade do
inclusive o público em potencial. E ao contrário tráfego intenso no coração da metrópole. assume um papel de grande importância, na
educando, sua maneira de ser, de viver, de pensar,
da frase, “eu vim para confundir e não para Abra os olhos. O dinossauro é um museu. medida em que pode fornecer à educação
de se comunicar, isto é, sem ligação com a sua
explicar”, o museu veio para trabalhar em parceria (CHAGAS, 1996, p. 93)
(formal, não formal e/ou por livre escolha) sua
cultura. Dentro desse pensamento, o museu,
com os diferentes grupos sociais, gerando um matéria-prima indispensável: a cultura.
O professor Mário Chagas nos lembra do poder enquanto guardião de expressões culturais,
processo reflexivo e contribuindo, assim, para o
antropofágico do museu, onde “apenas aquele O museu vem procurando assumir seu
seu melhor desenvolvimento.
que está corajosamente pronto para ser devorado Visitas dos alunos ao Museu da República, Rio de Janeiro/RJ. papel de agência educativo-cultural a serviço
A ideia tradicional de museu tem algo de está também em condições de saborear o Fotos: Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira.
da comunidade, tendo como
sepultura de preservação de relíquias de banquete”. “Devorar e ressignificar os museus, eis
um passado poeirento, mas hoje não temos principal objetivo o desenvolvimento
um desafio para as novas gerações”. Bem-vindos do Homem. Esta proposta
mais um passado como ele era no passado,
à mesa, o banquete esta servido. legitima-se na medida em que
vivemos um presente incessante com um
futuro que não para de não chegar. Por isso o É preciso saber que o museu, o patrimônio, a o museu desenvolve uma inter-
museu... é maravilhoso... ele vai além... ele vai memória e a educação tiranizam, aprisionam, relação com a comunidade,
à vida brasileira, ele estimula o nosso eterno acorrentam e escravizam os olhares incautos onde propostas institucionais e
sonho de vitórias, de coragem... Museu não é e ingênuos. É preciso coragem para pensar
propostas comunitárias possam ser
para guardar múmias, é para nos dar alegrias e agir a favor, contra e apesar do museu,
de viver. (JABOR. 2008) do patrimônio, da memória e da educação. compatibilizadas, considerando os
É preciso enfrentá-los com desejo de limites e possibilidades, quer da
Os alunos sem conseguir entender o que ressignificação e antropofagia, com a coragem instituição, quer da comunidade. O
estávamos apresentando pediram para citarmos dos guerreiros que estão prontos para a museu vem buscando intensificar,
exemplos da atuação social do museu. Para devoração. (CHAGAS, 200?, p. 5.) cada vez mais, esta inter-relação
exemplificar o que estávamos defendendo em com os diversos segmentos da
sala de aula, apresentamos o filme “Museu da Considerações Finais sociedade, principalmente aqueles
maré: memórias e (re) existências”. Os alunos que têm pouco ou nenhum
Numa sociedade complexa como a brasileira,
ficaram surpresos com o filme, pois não passava rica em manifestações culturais diversificadas, acesso à informação e aos bens
pelas cabeças deles que pudessem existir museus o papel dos museus, no âmbito de políticas culturais consagrados.
dentro de favelas. Vários dos pré-conceitos dos públicas de caráter mais amplo, é de
alunos foram destruídos naquele momento. A fundamental importância a valorização Nessa linha, entendemos que o
instituição museu não estava mais apenas ligada do patrimônio cultural como dispositivo museu, além de manter e preservar
estratégico de aprimoramento dos processos o patrimônio cultural consagrado
aos grandes centros urbanos e a grupos sociais
democráticos... Para cumprir esse papel, os deve intensificar sua atuação sempre
de alto poder aquisitivo. museus devem ser processos e estar a serviço
a serviço do homem. Atuação
da sociedade e do seu desenvolvimento.
• O que fazer com os nossos museus? esta, numa linha de educação
Comprometidos com a gestão democrática
e participativa, eles devem ser também permanente, envolvendo todos os
Parafraseando Carlos Drummond de Andrade,
unidades de investigação e interpretação, de segmentos da comunidade sem
“no meio do caminho tinha um MUSEU, tinha
mapeamento, documentação e preservação distinção de idade, sexo, etnia
um MUSEU no meio do caminho”, pergunto: O cultural, de comunicação e exposição dos ou diferença econômico-social.
que fazer com os nossos museus? Com as nossas testemunhos do homem e da natureza, com

46 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 47


É evidente que um museu, como Dessa forma o trabalho vai fluindo, cada ano Finalizando, despedimo-nos com as palavras
qualquer outra instituição pública com um grupo diferente, construindo novas de um jovem estudante participante da pesquisa
ou privada, não pode ter recursos experiências e aprendizados, mas sempre com “Imagens do museu: percepções transformadoras
ou respostas para todos os anseios os mesmos ideais: contribuir para a formação dos estudantes da 5ª a 8ª série”.
e necessidades de um determinado de cidadãos, a partir do reconhecimento e O museu para mim
grupo, mas fica-nos claro que, além valorização das relações entre o patrimônio, o
Pra mim o museu é como qualquer outro
de ser uma agência educativa cultural, museu e a educação, conscientes e atuantes
tipo de “diversão”. Museu é como cinema,
o museu e outras instituições têm um dentro da sociedade. O ABC do MUSEU contou internet ou um parque. Eu cresci indo ao
papel essencial no sentido de apoiar, apenas com alguns relatos experienciados pelos museu praticamente todo final de semana.
colaborar, trocar informações, enfim, educadores Newton Fabiano Soares e Carlos Eu acho um absurdo quando eu conheço
repassar, somar a experiência necessária Daetwyler Xavier de Oliveira, com as turmas alguém que nunca foi no museu ou se foi,
para que esses grupos possam do Projeto Patrimônio Vida e Preservação, foi por causa da escola. Museu é básico.
Nunca ter ido em museu pra mim, é como
discutir e buscar soluções para seus desenvolvidos pela Coordenação de Educação do
nunca ter visto o mar... As pessoas em geral
problemas, anseios e necessidades. Museu da República em parceria com a Oscip Ser
nem pensam em museu, é só em cinema
Devemos ter em mente que os níveis de Cidadão, durante os anos de 2007 a 2011. e computador. Museu é básico. (CHAGAS,
participação nos processos educativo- STUDART, FARIA, ALMEIDA e SOARES, 2009,
culturais também são uma forma de p. 263).
mensurar a qualidade de vida de um
povo. Por outro lado, cumpre lembrar
que o trabalho junto a esses grupos
proporciona ao museu cumprir uma
de suas missões, que é o de registrar,
preservar, divulgar a expressão
cultural contemporânea.
Os educadores do Museu da
República há muito vem atuando
com diversos segmentos sociais e,
no momento, está voltando sua
atenção, também, para aqueles que se
encontram marginalizados do processo
educativo-cultural, especialmente os
menores carentes e/ou infratores. BIBLIOGRAFIA
Diversas são as instituições que têm BENJAMIN, Walter. Espaços que sucitam sonhos, museu, pavilhões de fontes hidrominerais. Revista do
como objetivo específico atuar junto a Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Museus. Brasília: IPHAN, 2006.
BRASIL. Política Nacional de Museus: Memória e Cidadania. MinC, 2003.
essa clientela e o Museu da República
Código de Ética Profissional – ICOM. Aprovado na 15ª Assembleia Geral do ICOM realizada em Buenos
pretende trabalhar em conjunto Aires, Argentina, em 4 de novembro de 1986. Na 20ª Assembleia Geral realizada em Barcelona,
com essas instituições e sensibilizar Espanha, em 6 de julho de 2001, foi revisado e suas emendas foram aprovadas na 21ª Assembleia
outras e à comunidade em geral para Geral realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8 de outubro de 2004.
participarem desses programas. Com CHAGAS, Mário. Museus: o que fazer com os nossos dinossauros? Museália. Rio de Janeiro: JC Editora,
1996.
isto, o museu pretende ser mais um CHAGAS, Mário. No museu com a turma do Charlie Brown. Museália. Rio de Janeiro: JC Editora, 1996.
colaborador num sistema alternativo CHAGAS, Mário. Relatório técnico de participação no programa de visitas a museus norte-americanos –
de educação. Intercambio com a National Gallery de Washington, D.C. Texto cedido pelo autor. 200?
CHAGAS, Mario. Museus: Antropofagia da memória e do patrimônio. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional: Museus. Brasília: IPHAN, 2006.
CHAGAS, Mario; STUDART, Denise; FARIA, Ana Carolina; ALMEIDA, Morgana e SOARES, Newton Fabiano.
Visitas dos alunos ao Centro do Imagens do museu: percepções de estudantes do 6° ao 9° ano do ensino fundamental do Estado do Rio
Rio de Janeiro /RJ.
de Janeiro. Anais do Museu Histórico Nacional, volume 41. Rio de Janeiro: O Museu, 2009.
De cima para baixo: Museu Histórico
Nacional, Centro Cultural do Banco do JABOR, Arnaldo. Museu do Futebol. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch_
Brasil e Cinema Odeon. popup?v=OmQ9k17xixQ>. Último acesso em: 29 de setembro de 2008.
Fotos: Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira. MALRAUX, André. O Museu Imaginário. Lisboa: Edições 70, 1965.

48 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 49


Considerações sobre
A proteção do patrimônio arquitetônico de Pelotas está garantida pela Lei nº
4.568 de 1988, que declara áreas da cidade consideradas importantes para a
caracterização da arquitetura urbana como Zonas de Preservação do Patrimônio
Cultural de Pelotas, possibilitando a preservação desses bens.

a educação para o
No que tange ao patrimônio edificado, o Programa Monumenta, vinculado
ao Iphan, financia a preservação e restauração de diversos prédios históricos.
Por meio desse programa, prédios importantes3 já foram restaurados,
preservando-se dessa forma parte das construções históricas da cidade e
oferecendo um uso sociocultural a esses espaços.

patrimônio no município de Para além dos casarões e prédios históricos, Pelotas é formada por uma
grande diversidade de grupos étnicos representados em diversos museus da
região, tanto na zona urbana quanto na zona rural. Os saberes, os costumes e

Pelotas/RS: uma possibilidade de modos de vida dessas comunidades são praticamente desconhecidos do lado
de fora das instituições destinadas à preservação de suas memórias, devido
a uma falha na comunicação entre museu e sociedade. As ações educativas

aproximar museu e sociedade


podem ser um instrumento para minimizar essa lacuna. Tal questão será
abordada neste texto.
A despeito disso, em Pelotas tem-se empreendido esforços no que tange
à preservação do patrimônio imaterial da cidade. Conhecida pela tradição
doceira, Pelotas tem avançado nesse sentido, os modos de fazer dessa tradição
foram inventariados e atualmente se encontra em implantação o Museu do
PATRÍCIA CRISTINA DA CRUZ, Doce para preservação desse saber fazer4.

RENATA BRIÃO DE CASTRO E Educação para o patrimônio em Pelotas


A educação para o patrimônio é uma ação desenvolvida a partir de uma
CARLA RODRIGUES GASTAUD relação direta com o patrimônio, uma experiência em primeira mão com o
objeto patrimonial. Um recente levantamento, realizado pelo LEP, objetivou
mapear as atividades educativas voltadas para o patrimônio em Pelotas: onde,
quando e quais atividades ocorrem ou já ocorreram no âmbito museológico na
cidade. Para essa avaliação, foi desenvolvido um instrumento de pesquisa, o
qual foi enviado aos responsáveis pelas instituições museais. 3
Alguns edifícios
contemplados pelo Programa
O formulário foi planejado de forma a não identificar as instituições
O patrimônio em Pelotas Monumenta até o momento:
respondentes, visto que o objetivo é construir um panorama geral da educação Residência do Barão de São
Apresentar um pouco da história do patrimônio em Pelotas é fundamental para o patrimônio na cidade. Tal questionário é composto por cinco questões, Luís (Casarão 6); Residência do
para que se entenda a importância da realização de ações educativas dirigidas charqueador Viana (Casarão
sendo quatro relacionadas entre si, sobre as ações educativas desenvolvidas 2); Mercado Público; Caixa
ao patrimônio nessa região. A cidade de Pelotas está localizada a 250 km da pelos museus consultados, e uma sobre planejamento de ações futuras. A d’agua na Praça Piratinino de
capital do estado, Porto Alegre, e teve seu núcleo urbano desenvolvido no primeira questão é direta - indaga se as instituições realizam ou não atividades Almeida; Residência da Família
Antunes Maciel (Casarão 8).
século XIX graças à produção do charque1 e às riquezas geradas por ela, o que educativas - as demais são questões abertas para que os respondentes possam
resultou em um rico patrimônio arquitetônico e cultural que ainda se mantém:
4
Para saber mais sobre a
discorrer sobre como essas atividades ocorrem. tradição doceira da cidade ver:
Estudos sobre a história de Pelotas, realizados por pesquisadores como Mário Com o intuito de mapear os museus existentes no município, foi utilizado FERREIRA, Maria Leticia M.,
Osório e Ester Gutierrez2, confirmam os dados de que foi a partir do acúmulo CERQUEIRA, Fabio V., RIETH,
1
De acordo com o Dicionário o cadastro do Sistema Municipal de Museus (SMM)5 da Secretaria Municipal Flavia S., O doce pelotense
de riquezas gerado pela produção do charque que o núcleo urbano se
Aurélio(ed. 2010): Carne de de Cultura. Nesse sistema encontram-se listadas 24 instituições culturais, como patrimônio imaterial:
vaca, salgada e cortada em desenvolveu. Como essa atividade provocava odores desagradáveis no entorno diálogos entre o tradicional e
mantas. O mesmo que carne- das fazendas, os senhores proprietários das charqueadas buscaram um local dentre as quais existem memoriais e institutos, os quais foram excluídos a inovação. Métis (UCS). , v.7,
seca, carne-do-ceará, jabá. afastado para suas moradias e, a partir do forte contato que tinham com a para efeito da pesquisa, uma vez que ela se volta especificamente para os p.14. 2008.
2
Sobre a história de Pelotas Europa, principalmente Paris, transformaram o pequeno núcleo colonial que museus. Sendo assim, contabilizamos 17 museus na cidade. Entre eles, quatro 5
Disponível em http://
ver Magalhaes (1993) e ali existia em um próspero povoado, segundo os moldes do ecletismo europeu são museus em fase de implantação, que ainda não abriram suas portas www.pelotas.com.br/smm/.
Gutierrez (2001). daquela época (ALMEIDA e BASTOS, 2006, p 98-99). Acessado em 20/01/2014.

50 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 51


ao público e consequentemente ainda não realizam ações educativas . Das lado, a educação para o patrimônio pretende
Ações educativas bem pensadas
instituições listadas pelo SMM, duas não tinham endereço para contato. servir como ferramenta para que o visitante
Assim, o questionário foi enviado a quinze instituições museológicas. Dentre questione, reflita e compreenda o patrimônio ao e planejadas são um fator que
estss, seis responderam as perguntas enviadas. O Museu 16 afirmou não seu redor. contribui para a qualificação
desenvolver nenhuma atividade educativa, os demais asseveraram realizar
atividades regularmente.
Conforme já destacado, a visita guiada sozinha das atividades realizadas pelo
não se configura como uma ação educativa. Para
No entanto, ao analisar os questionários respondidos, percebeu-se uma isso, é necessário que se vincule a um projeto
museu, bem como colaboram na
confusão entre o significado de educação para o patrimônio e visita guiada educativo, em que haja espaço para a reflexão, formação de público, contribuindo,
à exposição. Para essas instituições, educação patrimonial e visita guiada são interação, criatividade e percepção do visitante muitas vezes, para atingir
entendidas como sinônimos, o que é reforçado pela resposta do Museu 2, que a respeito do mundo ao seu redor. Sobre ações
afirma realizar ações educativas com todos os públicos, atividade realizada pelo sistemáticas de educação patrimonial, diz Maria
um público potencial que não
monitor que acompanha o visitante no circuito expográfico. Entretanto, de Lourdes Horta que: possui o hábito de visitar
Muito além da visita guiada à exposição, a ação educativa precisa privilegiar [...] a partir da experiência e do contato direto instituições museológicas.
a preparação para as ‘leituras da exposição’, direcionando suas iniciativas com as evidências e manifestações da cultura,
para a formação integral do ser humano. Assim, a ação educativa em em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos
museus, utilizando-se de textos, atividades, visitas, palestras, etc., deve ser e significados, o trabalho da Educação Como já mencionado, a importância das
capaz de potencializar a construção de conhecimentos do público em sua Patrimonial busca levar as crianças e adultos ações educativas desenvolvidas pelos museus
multiplicidade, desenvolvendo um olhar curioso e investigativo no contato com a um processo ativo de conhecimento, é consenso. Essas atividades educacionais, em
a instituição e os objetos ali resguardados, visando ampliar sua capacidade apropriação e valorização de sua herança alguns museus, são de incumbência de um
crítica (CHIOVATTO; AIDAR, 2007 apud FIGURELLI, 2011). cultural, capacitando-os para um melhor setor educativo que se dedica especialmente a
usufruto destes bens, e propiciando a geração
Dessa maneira, ação educativa e visita guiada diferem uma da outra desempenhar essa função, mas em alguns casos
e a produção de novos conhecimentos, num
por completo, considerando-se a visita guiada como uma simples visita processo contínuo de criação cultural (HORTA; elas acontecem de forma mais improvisada.
acompanhada. Para alguns autores como Grinder e Mccoy existem níveis GRUMBERG; MONTEIRO, 1999, p. 06). Conforme revelou o questionário respondido pelo
variados de visitas guiadas, tais como, visita-palestra, visita-descoberta e Museu 2, quando perguntado se a instituição
Realizar ações educativas é uma tarefa planeja ações futuras, a resposta é a seguinte:
discussão (GRINDER, MCCOY, 1985). Em nosso entendimento a visita-palestra,
fundamental em todas as instituições “Não. Esta atividade é de minha iniciativa”
visita-descoberta e discussão podem se configurar como educação para o
museológicas. O próprio Estatuto Brasileiro de (resposta dada por um funcionário da instituição).
patrimônio, visto que há espaço para a reflexão, interrogação e contribuição
Museus, no seu artigo 29, estabelece a promoção
dos visitantes. Nesse contexto, é importante a figura do mediador, que deve Essa resposta aponta para a pouca
de ações educativas:
ter uma formação centrada na educação, na comunicação com o público e preocupação ou para o desconhecimento do
na temática do museu e de suas exposições. Portanto é um equívoco uma Os museus deverão promover ações
papel das atividades educativas. Mostra também
instituição museológica afirmar que visita guiada é uma ação educativa. De educativas, fundamentadas no respeito
à diversidade cultural e na participação uma falta de planejamento institucional, o que
forma genérica, uma visita guiada apresenta a exposição e o museu ao visitante leva que cada funcionário acabe trabalhando de
comunitária, contribuindo para ampliar
e busca explicar o recorte expográfico selecionado pela instituição. Por outro forma isolada, gerando um distanciamento entre
o acesso da sociedade às manifestações
culturais e ao patrimônio material e imaterial funcionário - instituição - visitante.
da Nação (BRASIL, Lei nº 11.904, 2009, art.
29). A oferta de ações educativas de qualidade
não está necessariamente vinculada ao tamanho
Dessa forma, é importante ter consciência de do museu ou aos recursos de que dispõe.
que planejar e executar ações de caráter educativo Está vinculada, sim, a um foco na educação
é relevante para os museus, pois, como diz o e na relação que ela propicia entre o público
estatuto, essas ações auxiliam para a ampliação e o patrimônio – museu – acervo. Algumas
do acesso das comunidades ao patrimônio ações educativas são mais simples, outras mais
nacional. Além disso, ações educativas bem complexas, a depender do caráter da instituição,
pensadas e planejadas são um fator que contribui entretanto o importante é que sejam oferecidas
6
Os museus foram numerados para a qualificação das atividades realizadas pelo possibilidades de interação entre os diferentes
em sequência para melhor museu, bem como colaboram na formação de públicos e o patrimônio salvaguardado pelo
identificação. Seus nomes público, contribuindo, muitas vezes, para atingir
não serão divulgados e museu.
a numeração foi feita na um público potencial que não possui o hábito de
ordem em que recebemos as visitar instituições museológicas. Nesse sentido, os museus precisam preocupar-
respostas. se em desenvolver atividades educacionais, pois

52 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 53


as ações educativas, além de proporcionar uma maior e melhor comunicação Em menos de um ano de atividade, o
com o público, têm por consequência o aumento das visitações e também da acervo da mediateca do LEP conta com
qualidade dos serviços oferecidos. 264 exemplares dos quais 27 são jogos,
25 DVDs, 3 CDs, 7 revistas e 202 são
Na análise das respostas, constatou-se que os Museus 4 e 6 já haviam
livros. O material recebido foi catalogado
realizado ações educativas. Os dois museus explicam que, atualmente,
por acadêmicos do curso de Museologia
problemas estruturais e financeiros impedem que elas ocorram, mas que
que estagiam no laboratório e está
existem projetos futuros de atividades educacionais. Conforme evidenciado na
disponível para a comunidade.
resposta do Museu 6:
Costumávamos realizar ações educativas, porém há dois anos deixamos Passada a etapa inicial, o LEP planeja
de realizar por falta de pessoal e principalmente porque o museu está com realizar atividades em parceria com os
goteiras e infestações biológicas no acervo, o que faz com que toda a verba museus da região, com a finalidade de
seja destinada para a solução desses problemas, mas já existe um projeto desenvolver atividades contínuas na
para ser colocado em prática assim que resolvermos todos esses problemas esfera da educação para o patrimônio,
(Resposta do Museu 6). de modo a contribuir com a necessidade
O levantamento das atividades educativas mostrou uma descontinuidade de os museus desenvolverem um diálogo
na realização dessas ações no âmbito patrimonial na cidade pesquisada, o profícuo com a comunidade.
que acarreta uma desvalorização na relação homem - patrimônio - cultura.
É importante ressaltar que essas atividades, além de aproximar as pessoas Considerações Finais
dos referenciais patrimoniais, também sensibilizam a população acerca da Ao observar o panorama geral da
necessidade de preservar sua história e memória, pois quando as pessoas cidade de Pelotas no que tange às
percebem os bens patrimoniais como sendo algo que faz parte de sua vivência, ações educativas para o patrimônio e
quando se tornam visitantes ativos e não passivos, o interesse e o respeito por considerando que 40% das instituições
esse patrimônio aumentam, bem como a sua valorização e proteção. consultadas responderam ao formulário,
constatamos que desses, 50% não
A implantação da Mediateca do LEP realizam ações educativas atualmente
Com o propósito de contribuir para modificar positivamente o quadro (embora 33% deles já o tenham feito);
acima descrito, o LEP - Laboratório de Educação para o Patrimônio7 - propôs a 33% confundem ação educativa com
constituição de uma mediateca de material de ações educativas. outras atividades culturais e outros 17%
realizam periodicamente atividades
Muitos museus e instituições culturais nacionais e internacionais realizam
educativas com diversos grupos.
trabalhos relevantes na área das ações educativas. O objetivo da mediateca
é, justamente, aproximar essas experiências das instituições locais. Para isso, No panorama da cidade, a diversidade
reúne material educativo e de divulgação produzido por diversos museus e étnica, a movimentação cultural, os
por instituições voltadas para o patrimônio e o disponibiliza para consulta, resquícios do passado grandioso fazem
oportunizando o contato com diferentes experiências educativas. parte do dia a dia dos habitantes, que
não ignoram a necessidade de preservar
A mediateca recebeu este nome pela variedade de materiais que são
o patrimônio social, porém muitas
produzidos pelas instituições – jogos, livros, revistas, Cds, Dvds – e que são
vezes desconhecem como acontece
armazenados e disponibilizados nesse projeto. Ela é inspirada em um programa
essa preservação.
semelhante realizado pelo Museu Lasar Segall, localizado na cidade de São
Paulo, e dispõe de um acervo constituído por material recebido de diversas Os museus surgiram nos gabinetes de
instituições culturais. curiosidades do século XVI, constituindo-
se como um local para poucos, seleto
A mediateca do LEP, com oito meses de funcionamento, fez contato
e fechado ao diálogo. Contudo, hoje o
com mais de 160 instituições museológicas e centros de apoio à cultura,
conceito é de museus com a comunidade
das quais 54 responderam ao contato. Destas, 53 instituições responderam
e não para a comunidade, ou seja,
favoravelmente à nossa demanda por enviar material educativo. Até o
7
Laboratório de ensino, momento 39 instituições enviaram material e 9 disponibilizaram seus
vinculado ao Curso de Alunos do Curso de Bacharelado em Museologia interagindo
Museologia da Universidade
programas em formato digital. Ainda aguardamos o recebimento do material com o acervo do LEP.
Federal de Pelotas. de cinco instituições. Fotos: Acervo LEP.

54 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 55


Um museu sem
instituições que dialoguem com seus públicos, Hoje o conceito é de museus
que deles se aproximem. Nesse contexto, as
com a comunidade e não para a
ações desenvolvidas com o patrimônio devem
estabelecer uma comunicação saudável e comunidade, ou seja, instituições
transparente com o público. Entende-se por que dialoguem com seus públicos,
comunicação saudável e transparente o diálogo
estabelecido entre museu e comunidade, quando
o público abandona a posição de agente passivo
que deles se aproximem. Nesse
contexto, as ações desenvolvidas paredes para um
para se tornar um agente ativo. com o patrimônio devem
As ações educativas constituem
Elementos fundamentais no processo
estabelecer uma comunicação
saudável e transparente com
patrimônio sem limites:
de comunicação que, juntamente com a
o público.
preservação e a investigação, formam o pilar
de sustentação de todo museu, qualquer que
seja sua tipologia. Entendidas como formas de o patrimônio, por meio da disponibilização de
o Museu do Patrimônio Vivo
mediação entre o sujeito e o bem cultural, as material educativo de outras instituições aos

da Grande João Pessoa


ações educativas facilitam sua apreensão pelo
museus e centros de apoio à cultura de Pelotas, a
público, gerando respeito e valorização pelo
patrimônio cultural (MINAS GERAIS. Secretaria
fim de proporcionar e compartilhar experiências
de Estado de Cultura de Minas Gerais, 2010, entre esses lugares que salvaguardam uma
p. 5). importante parcela das referências culturais
e patrimoniais.
A existência da mediateca e do próprio
Por fim, cabe registrar que a pesquisa efetivada
LEP está justificada pela baixa oferta de ações
baseadas no patrimônio pelas instituições de pelo LEP forneceu subsídios para a elaboração de LAETITIA VALADARES JOURDAN
memória da região. O laboratório tem como uma série de oficinas que ocorrerão no segundo
objetivo justamente colaborar para a criação e trimestre de 2014, voltadas para os museus da
o desenvolvimento de ações de educação para região, com a temática “Educação em Museus”.

BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Liciane Machado; BASTOS, Michele de Souza. A experiência da cidade de Pelotas no processo de A cultura como fator de desenvolvimento
preservação patrimonial. Revista CPC, v.1, n.2, p.96-118, 2006. Disponível em: <http://www.usp.br/cpc/v1/
imagem/conteudo_revista_conservacao_arquivo_pdf/liciane_michele.pdf>. Último acesso em: 25 fev. 2014 Desde o final do século XX, cultura e desenvolvimento vêm sendo
BRASIL. Estatuto Brasileiro de Museu. Art. 29. Lei nº 11.904, 2009. apresentados lado a lado em documentos internacionais como elementos
FERREIRA, Maria Leticia M., CERQUEIRA, Fabio V., RIETH, Flavia S., O doce pelotense como patrimônio imaterial: complementares. Isso se deve, entre outros fatores, às mudanças que o
diálogos entre o tradicional e a inovação. Métis (UCS). , v.7, p.14. 2008.
conceito de desenvolvimento vem sofrendo. Se em um primeiro momento
FIGURELLI, Gabriela Ramos. Articulações entre educação e museologia e suas contribuições
para o desenvolvimento do ser humano. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em este conceito era restrito às bases econômicas, com o passar dos anos ele foi
Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST – vol. 4 nº 2 2011 p. 119 Disponível em <http:// expandido e visto em sua globalidade. Desenvolvimento, para instituições
revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/viewFile/208/169>. Último acesso em: 25 fev.
2014. como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e
GRINDER, A.L. MCCOY, E.S. The good guide: a sourcebook for interpreters, docents, and tour guides. a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Scottsdale, Ironwood Press, 1985. (UNESCO), é sinônimo hoje de aumento da capacidade de escolha do indivíduo.
GUTIERREZ, Ester. Negros, charqueadas e olarias. Um estudo sobre o espaço pelotense. 2ª edição. Pelotas: O nível de desenvolvimento de um determinado grupo ou país pode ser então
Editora da UFPel, 2001.
HORTA, Maria de Lourdes Parreira. et alli. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, Museu medido a partir de sua liberdade política, econômica e social, tendo como base
Imperial, 1999. também as possiblidades oferecidas a cada um de estar com saúde, instrução,
LOPES, Aristeu Elisandro Machado. As imagens da cidade: caricatura e urbanização em Pelotas no século XIX. de ser produtivo, criativo e gozar plenamente de seus direitos (UNESCO, 1996).
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005. Disponível em http://anpuh.org/anais/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0145.pdf . Último acesso em: 25 fev. 2014 O subdesenvolvimento, por outro lado, é compreendido dentro desse
MAGALHÃES, Mário Osorio. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Pelotas: contexto como uma restrição à possibilidade de escolha. Ele deixa assim de
Editora da UFPel, 1993.
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. Superintendência de Museus. Ação Educativa ser fundado apenas em dados como a falta de educação, de saúde ou a
em Museus. Belo Horizonte, 2010. 13 p. (coleção falando de). existência de um Estado não democrático. Dentro dessa nova perspectiva, tais

56 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 57


itens ganham nova amplitude e sentido quando ao luxo ou à futilidade para se tornar uma em mercadoria. No entanto, em um mundo regido e
analisados como, fatores de desenvolvimento, necessidade para a garantia da dignidade do regulado por princípios capitalistas, com suas avaliações
uma vez que são contextualizados dentro de sujeito. Dentro dessa perspectiva, a relação da e medidas, a economia traz à cultura uma voz ativa na
uma comunidade, de uma sociedade, com cultura com a construção identitária de um povo mesa de negociações e se oferece como complemento
valores e prioridades específicos a ela. Evita- se fortalece, assim como seu papel na democracia ao seu caráter simbólico e social.
se assim a armadilha de se pensar o grau de e na liberdade de escolha e expressão cultural.
A oposição citada acima nos remete a outra discussão
desenvolvimento de um grupo tendo como base É a partir de sua cultura que um povo é capaz
mais antiga no campo das ciências sociais: a separação
um modelo externo que impõe aquilo que deve de definir seus ideais e os defender. A cultura é,
entre qualitativo e quantitativo. A dimensão econômica
ser considerado importante como bem comum. então, meio de inclusão e formação de sujeitos.
teria como consequência a redução da cultura, já que
Nesse sentido, a cultura – e o patrimônio mais Nesse sentido ela pode ser vista como uma
ela trata um bem cultural, de natureza qualitativa, a
precisamente – ganha lugar de destaque, pois resposta à ideia que define o desenvolvimento
partir de dados quantitativos. Ultrapassar essa oposição
constitui pilares sobre os quais a liberdade de como uma maquinaria de dominação pela
significa utilizar os números a favor da cultura. A questão
escolha se sustenta, devido à sua importância na qual os saberes locais são desvalorizados e a
não é ignorar ou renegar a dimensão econômica dos
construção identitária de heterogeneidade cultural
bens culturais com o fim de preservar seu caráter
um grupo. Para que a cultura possa exercer não é levada em conta
simbólico, mas sim de oferecer meios para que essas
(ESCOBAR, 1997).
Para que a cultura com plenitude seu papel, suas duas dimensões sejam complementares e trabalhem
possa exercer com Finalmente, não juntas para o fortalecimento de tais bens, fazendo com
plenitude seu papel, três dimensões devem ser devemos esquecer a que os diversos grupos consigam garantir seu direito à
suas três dimensões consideradas: simbólica, cidadã e dimensão econômica cultura. Se tal coexistência é entendida de forma mais
devem ser consideradas: da cultura. Esta fácil quando falamos de indústria cultural ou mesmo de
econômica. É importante pensar
simbólica, cidadã e é fortemente patrimônio material, ela parece ser muito mais conflituosa quando tratamos de
econômica. É importante que tais aspectos não são relacionada às duas bens culturais imateriais.
pensar que tais aspectos estanques e separados, mas eles outras anteriormente
O conceito de patrimônio imaterial refere-se aos saberes e heranças coletivas
não são estanques e mencionadas, uma
separados, mas eles
se misturam e se completam, vez que a produção
que um determinado grupo compartilha e deseja preservar, salvaguardar,
proteger e difundir. Esses bens, baseados em um determinado sistema de
se misturam e se estando sempre presentes cultural, além de
linguagem e expressão, são transmitidos por via da oralidade, da vivência, ou
completam, estando nessa unidade diversificada que portar identidade e
da escrita, de forma a se manter vivo, transformando-se através das gerações.
sempre presentes nessa significado, é também
unidade diversificada é a Cultura. passível de ser vendida,
Eles têm como principal característica seu caráter dinâmico. São práticas,
expressões, conhecimentos e modos de fazer, assim como os materiais e
que é a Cultura. trocada e consumida.
lugares associados a essas atividades, que ganham o status de patrimônio
Essas dimensões, apesar de complementares – o
A dimensão simbólica da cultura é fundada não por seu produto final, mas pelo significado que portam para a formação
significado e a importância de um bem cultural
na ideia de que a capacidade de simbolizar é identitária de um grupo. Assim, tal status só se mantém se o significado
pra um grupo pode influir diretamente no seu
própria do ser humano sendo expressa pela se mantiver. Esses bens são fortemente ligados ao contexto no qual são
caráter econômico e vice-versa – são muitas vezes
língua, pelas crenças, pelos rituais, pelas relações produzidos. Através do tempo um determinado patrimônio cultural imaterial
apresentadas como opostas.
de parentesco, trabalho, poder, entre outros. sofre mudanças, é adaptado, reapropriado, resignificado. Essa é a condição de
Todas as atividades dos homens são socialmente Muitos são aqueles que entendem que o sua existência. Seu congelamento no passado significaria sua perda de sentido
construídas por intermédio dos símbolos. Estes, aspecto econômico de um bem cultural é sempre no presente e, consequentemente, seu fim.
por sua vez, mudam de significado de acordo com valorizado em detrimento de sua dimensão
Se por um lado tal dinamismo garante que esses bens respondam à
o contexto social e histórico. Nessa perspectiva simbólica. Essa imagem é geralmente relacionada
necessidade de um sentimento de identidade e continuidade dos grupos deles
a diferenciação entre cultura erudita e cultura a uma ideia de pureza da cultura. Todavia,
detentores, ele também traz a esses bens certa fragilidade no contexto atual,
popular perde lugar e essas duas vertentes quando discutimos inserção e democratização
em que as mudanças são numerosas e rápidas. Apesar de estarem muitas vezes
culturais se unem sob um mesmo todo: o de cultural falamos de políticas públicas, de
ligados a patrimônios materiais, a dinâmica dos bens imateriais exige meios de
formas de expressão de um grupo. editais, de financiamento, de patrocínio e,
ação diferenciados e uma forma de promoção específica. Assim, várias políticas
consequentemente, de investimento financeiro. 1
O PNPI foi criado ainda no
A dimensão de cidadania, por sua vez, diz internacionais de apoio e salvaguarda do patrimônio imaterial foram postas governo Fernando Henrique,
Na visão de uma “cultura pura”, a inserção
respeito à compreensão de que os direitos em prática a partir dos anos 1980. No Brasil essas políticas ganharam força no em 2000. No entanto, foi
desses instrumentos de apoio seria vista como durante o governo Lula que
culturais fazem parte dos direitos humanos, ao governo Lula, com o fomento do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial
uma forma de corromper essa mesma cultura, tal política cultural ganhou
lado do direito à saúde,à educação, entre outros (PNPI), que promove o inventário, a salvaguarda e o registro de referências importância e se desenvolveu
que se objetiva preservar, transformando-a
direitos. A cultura deixa assim de ser assimilada culturais do país1. em todo o país.

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O Brasil tem como forte característica sua quando analisamos o contexto no qual a maior divulgar uma cultura de massa homogênea, ela consiste à natureza de tais mudanças – boas,
diversidade cultural o que o leva a possuir uma parte desses bens estão inseridos, podemos também ampliou a demanda por uma maior na visão colonialista, ou ruins, na perspectiva
grande riqueza de patrimônios. No entanto, perceber que as dificuldades encontradas pelas diversidade cultural. Nesse sentido, tal fenômeno anticolonialista. No entanto, percebe-se que, nos
muitos grupos detentores desses bens vêm se comunidades detentoras são comuns. Assim, visto por muitos como um grande inimigo dois casos, os grupos e povos excluídos desse
confrontando com diferentes dificuldades para é possível enumerar alguns dos obstáculos de culturas minoritárias pode começar a ser lugar de poder são percebidos como simples
a manutenção e transmissão de suas culturas. O encontrados por esses grupos, tais como: a compreendido como um instrumento de apoio a espectadores, vítimas ou beneficiários das ações
PNPI, para além de fomentar o registro desses dificuldade na transmissão dos saberes para as essas mesmas culturas. A convenção reconhece de grupos externos.
bens, fornece meios para melhor conhecer novas gerações; a falta de apoio dos governos assim o papel dual que o processo de globalização
Buscando evitar tal erro, acreditamos que as
essas dificuldades, etapa imprescindível para locais; os conflitos internos ou desestruturação pode exercer.
ações de salvaguarda não devem estar baseadas
basear ações de apoio e fomento aos atores e da comunidade; a falta de acesso à informação
Quando falamos em ações para proteção na concepção externa das necessidades dessas
expressões culturais. e às políticas culturais; e a falta de meios
e promoção do comunidades, muitas
materiais para a realização das atividades (falta de
patrimônio cultural vezes influenciada por
Um Museu para o Patrimônio Imaterial instrumentos, de meios de locomoção, dificuldade
de acesso às matérias-primas, etc.).
imaterial estamos Quando falamos em ações uma visão moderna
O projeto do Museu do Patrimônio Vivo da falando de planos de da história, que guia
Grande João Pessoa, que será apresentado neste É possível daí observar que a situação das salvaguarda. Levando em
para proteção e promoção do a maioria das ações
artigo, vai ao encontro das ideias presentes no comunidades portadoras da cultura popular e consideração a natureza patrimônio cultural imaterial de preservação e
PNPI e se apresenta como uma forma de ação tradicional é muitas vezes marcada por uma dinâmica desses bens, estamos falando de planos que considera a
para a valorização e salvaguarda de bens de condição de falta, que denuncia a realidade de assim como sua íntima modernidade como
natureza imaterial da região. Ele se fundamenta, exclusão social e econômica vivida por esses relação com o homem de salvaguarda. Levando em um processo inexorável
assim, nas especificidades dos bens culturais grupos. A partir das dificuldades enumeradas e seu meio, os meios consideração a natureza dinâmica de destruição, onde
imateriais e na necessidade de apoio que certas acima é possível formular algumas demandas de salvaguarda desses as tradições, as
desses bens, assim como sua
comunidades apresentam para a perpetuação identificadas nos discursos de integrantes desses patrimônios não visam memórias e os valores
desse tipo de bem. Dessa forma, é importante grupos, como o desejo de uma maior valorização os bens culturais em íntima relação com o homem e teriam tendência a se
ter em mente que neste artigo trataremos dos da cultura popular, sobretudo entre as novas si, mas sim a garantia seu meio, os meios de salvaguarda perderem. O conceito
bens de natureza imaterial em situação de risco, gerações; a necessidade de garantia dos meios do seu processo de de salvaguarda é,
principalmente por questões socioeconômicas, para a transmissão desses saberes, como o realização. O objeto
desses patrimônios não visam nessa perspectiva,
que necessitam de intervenções para a garantia acesso às matérias-primas; a importância do primeiro para a proteção os bens culturais em si, mas sim fortemente ligado às
de sua continuidade. Esse recorte metodológico reconhecimento dessas expressões culturais pelas e promoção de um bem a garantia do seu processo de ideias de ameaça e
não representa uma separação estática entre autoridades locais, assim como da garantia de imaterial é, então, o perigo. Para evitar que
patrimônio material e imaterial e nem mesmo acesso às políticas públicas; o valor das trocas trabalho com significado realização. O objeto primeiro para as ações de salvaguarda
entre aqueles que necessitam de ações de entre os grupos e comunidades portadoras desses ou sua ressignificação. a proteção e promoção de um bem sejam guiadas por um
intervenção e aqueles que hoje ainda não se bens; e a vontade de uma inserção no mundo Para tanto, a elaboração entendimento em que o
imaterial é, então, o trabalho com
deparam com dificuldades para sua produção globalizado, não só para a divulgação desses de um plano de presente é considerado
e transmissão. Não se trata aqui de uma bens, mas também para a garantia do respeito de salvaguarda deve ter significado ou sua ressignificação. como uma situação de
hierarquização de bens culturais. Mesmo porque, seus direitos. Percebe-se que tais demandas são como atores principais perda progressiva, seja
como já foi anteriormente dito, todos esses intimamente ligadas ao caráter marginal desses as comunidades pelo desaparecimento
elementos estão conectados, se entrelaçando e grupos e de suas expressões culturais. A busca portadoras dos bens a do bem cultural ele
tecendo esse todo que é a cultura. No entanto, pela salvaguarda desses patrimônios teria como serem preservados. mesmo, seja pela deformação de seu significado,
apesar de interligados, as diferentes formas de caminho possível a inserção desses grupos e de é necessário que as demandas dos grupos em
Deve-se então ter atenção à armadilha de
expressão de um grupo possuem especificidades, suas atividades no atual contexto econômico questão sejam identificadas e que sua realidade
uma visão anticolonialista, tal como Marshall
sobretudo quando tratamos de formação e social. seja compreendida, não só por atores externos,
Sahlins descreve, em que uma aparente oposição
identitária. O recorte aqui apresentado busca, mas pelos próprios detentores dos bens culturais.
Em 2005, a UNESCO redigiu a Convenção frente à visão colonialista acabaria por mascarar
nessa primeira parte do texto, dar bases para
sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das a forte semelhança existente entre essas duas Dentro desse contexto, a ideia de um museu
a compreensão da experiência do Museu do
Expressões Culturais, na qual a instituição tenta abordagens. Ambas as análises consideram os como plano de salvaguarda começa a fazer
Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa.
equilibrar a relação ambígua e muitas vezes grupos dominantes como os únicos responsáveis sentido. Isso porque tal conceito se aprimorou e se
Certo é que cada bem imaterial possui contraditória entre a pluralidade de culturas e das transformações e mudanças ocorridas no expandiu nos últimos anos, se adaptando às novas
características próprias, formas de transmissão uma economia globalizada. O texto mostra que, seio das comunidades vistas como dominadas. concepções de patrimônio desenvolvidas ao longo
singulares e necessidades únicas. No entanto, se de um lado a globalização tem tendência a A diferença entre elas seria apenas no que do século XX. Assim, para além de um espaço

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de exposição de objetos, escolhidos por uma exercício da verdadeira cidadania -, e de uma com outras oportunidades profissionais, muitas
elite intelectual e visando a um público restrito e relação educativa baseada no diálogo, o Museu vezes com carteira assinada. Nesse sentido,
não participativo, propostas contemporâneas de do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa permanecer vinculado ao Museu requeria uma
museus podem ser para a criação de um espaço se apresenta como um meio de real utilidade compreensão dos pais e dos jovens sobre o
social de encontro em torno do conhecimento. social, uma vez que promove a autonomia, o sentido de patrimônio imaterial como algo
Esse tipo de instituição passa a ser visto como protagonismo e a visibilidade de manifestações valoroso no contexto comunitário e cultural.
um gerador de sentido para a população local, culturais e comunidades muitas vezes pouco Assim, o apoio familiar também foi muito
fortalecendo o processo de formação identitária e reconhecidas e valorizadas. significativo, mudando o paradigma de muitos
promovendo a melhoria da qualidade de vida dos pais que entendiam o envolvimento com a
O Museu tem como principal atividade a
grupos sociais que habitam a região. cultura local como uma prática pouco promissora
formação de Agentes Culturais Comunitários.
e desvalorizada.
São jovens entre 15 e 29 anos moradores de
O Museu do Patrimônio Vivo da Grande
comunidades da Grande João Pessoa, que, A formação dos agentes comunitários se deu
João Pessoa
embora ricas em patrimônios culturais imateriais, através de oficinas que ocorreram durante duas
É nessa nova concepção de museu que se vivem em uma realidade social precária, tardes da semana. A formação dos agentes previu
baseia o projeto do Museu do Patrimônio Vivo da apresentando baixos índices de qualidade de vida oficinas de informática, língua portuguesa, direito
Grande João Pessoa, desenvolvido pelo Coletivo e um número muito elevado de analfabetismo. cultural, educação patrimonial, elaboração de
Jaraguá desde 2012 na capital paraibana. A O processo de seleção desses jovens foi feito projetos, economia da cultura, sistematização
cidade possui uma forte efervescência cultural, em parceria com instituições locais e lideranças de dados e fotografia. Essas oficinas, para além
sobretudo no que diz respeito à cultura popular culturais comunitárias tidas como referências de ambicionar a valorização da cultura local,
e tradicional. No entanto, as políticas culturais da cultura popular de cada bairro, garantindo buscam dar bases para que esses jovens possam
locais ainda não dão conta de atender a essa assim uma legitimidade desses jovens diante de responder a editais, redigir releases, acompanhar
vasta demanda. São diferentes grupos e atores, suas comunidades. Mestres, antigos moradores e e assessorar a divulgação e a produção de eventos
com diversas expressões culturais que se participantes da vida cultural de cada localidade culturais, assim como representar e defender os
espalham por vários bairros da cidade, muitas indicaram jovens que poderiam representar a direitos de suas comunidades. Hoje, podemos
anteriormente, buscando um equilíbrio entre elas.
vezes considerados como áreas de risco, com comunidade e a cultura local dentro do projeto. citar o exemplo de uma das agentes participantes
De forma mais concreta, o projeto foi elaborado
um grau de pobreza importante e um alto índice Em uma segunda etapa, esses jovens preencheram do Projeto que é presidente da Associação de
tentando atender às demandas identificadas no
de violência. uma ficha de seleção, onde foram analisados Mulheres do Porto do Capim, coletivo que
discurso de lideranças culturais de grupos locais.
aspectos, tais como a relação com a cultura busca melhorias na comunidade e a defesa de
O Projeto foi financiado no seu primeiro Seja a respeito da falta de interesse dos jovens em
da localidade, a motivação para fazer parte do seus direitos.
ano pelo Fundo Municipal de Cultura (FMC) se envolver com a cultura popular e em valorizá-
projeto e a disponibilidade para participar das
e e no segundo pelo Fundo de Incentivo à la; seja a insatisfação com relação à falta de A oficina de informática, por exemplo,
oficinas. Por fim, os pré-selecionados passaram
Cultura do governo do estado (FIC). O museu registro das atividades culturais e de produtos de tem como objetivo não apenas dar noções
por uma entrevista. A partir dessa avaliação e
reconhece a grande riqueza cultural da cidade divulgação; assim como da dificuldade de acesso sobre programas, mas também ensinar a
visando estabelecer uma dinâmica de diálogo,
e procura responder às diferentes questões que às políticas públicas culturais. Essa última queixa utilização da internet como instrumento de
o projeto preconizou a escolha de dois jovens
a salvaguarda do patrimônio imaterial coloca, é relacionada, entre outras coisas, à distância pesquisa. É também essa oficina que fornece as
para representar cada comunidade. Nem
levando em consideração sua singularidade e sua imposta pela linguagem técnica e burocrática ferramentas para a construção e alimentação
sempre foi possível compor duplas de trabalho,
dinamicidade. Além disso, o Museu do Patrimônio exigida por grande parte dos editais, em um do site do Museu, que deve ser gerido pelos
devido sobretudo à falta de disponibilidade de
Vivo da Grande João Pessoa tem ainda a intenção meio onde o analfabetismo é uma realidade próprios agentes.
horário para as oficinas, que exigem duas tardes
de constituir uma alternativa de desenvolvimento muito presente.
por semana. A oficina de língua portuguesa, por sua vez,
para as regiões e grupos portadores desses No entanto, como já foi dito anteriormente, tenta suprir uma falha existente no nosso sistema
bens culturais. É fundamental levar em conta que o projeto
o reconhecimento de um patrimônio imaterial de ensino convencional, buscando aprimorar a
prevê o pagamento de uma bolsa-aprendiz
Um dos objetivos do museu é a construção de de um determinado grupo não tem sentido capacidade de argumentação e de interpretação,
para os agentes culturais comunitários. A
um espaço de formação, de debate, de troca e se não for assim percebido pelos próprios bem como a gramática dos jovens participantes
concessão das bolsas foi uma forma eficiente
de melhoria das condições sociais e econômicas indivíduos detentores desses bens. A partir do projeto. Para tanto, essa oficina trabalha em
de suprir os custos relativos ao transporte,
das comunidades participantes. Baseado na ideia do reconhecimento e respeito dos saberes estreita relação com a oficina de elaboração de
além de recompensar e reconhecer os jovens
de que as expressões culturais são um importante das comunidades tradicionais, do incentivo à projetos. Ambas dão suporte a um dos produtos
como pesquisadores aprendizes. É oportuno
fator de desenvolvimento, o Museu procura participação política e de promoção do acesso finais a serem elaborados pelos agentes, o
observar que na faixa etária atendida a
fortalecer as três dimensões da cultura citadas às políticas públicas - pressupostos básicos do plano de salvaguarda de um bem cultural local.
participação dos jovens neste projeto concorria

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Tal plano de salvaguarda também é baseado saúde, livros, revistas e acervos privados, entre comunidades é totalmente realizada pelos subdividida em quatro tipos, segundo o bem
no conteúdo passado através das oficinas de outros. Para os dados primários os agentes se jovens agentes a partir de dados secundários, escolhido : ofícios, lugares, formas de expressão
direito cultural e economia da cultura. Assim, a utilizam de entrevistas e da metodologia de idas a campo e entrevistas. Com base nos e celebrações. Assim, além dos bens culturais, os
elaboração de um projeto de ação ao final da observação participante, através da qual eles têm dados coletados as escolhas dos bens a serem agentes devem também pesquisar sua localidade,
formação é uma forma de colocar em prática o oportunidade de analisar e vivenciar seus objetos aprofundados é discutida em grupo com a equipe identificando problemas, potencialidades e
conteúdo trabalhado durante as aulas. Podemos de pesquisa. de coordenação e os monitores das oficinas. levantando dados quantitativos e qualitativos
destacar o exemplo de uma agente do bairro do Tendo em vista a íntima relação do patrimônio Os jovens devem nesse momento justificar suas com relação às condições de vida do lugar onde
Roger que, ao final do primeiro ano de formação imaterial com o lugar onde este é vivido, o Museu escolhas, mostrando a pertinência e a importância moram. Essa pesquisa é fundamental para
no Museu, teve seu projeto aprovado no edital do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa tem daqueles bens para sua localidade, assim como localizar o bem cultural dentro de seu contexto.
de oficinas culturais nos bairros, realizado como locação os espaços representativos das a necessidade de um registro. Uma vez definidos
Apesar de ter como base a metodologia do
pela Funjope. atividades culturais, como a casa dos mestres e os bens os agentes preenchem as fichas,
INRC, a pesquisa desenvolvida pelos jovens
dos atores culturais das comunidades, além dos desenvolvidas a partir da metodologia utilizada
A oficina de fotografia, por outro lado, não se propõe como um estudo exaustivo da
lugares de trabalho, das festas, das celebrações pelo Inventário Nacional das Referências Culturais
reconhece a importância do registro em imagem. cultura popular e do patrimônio imaterial dessas
e das brincadeiras populares. Além disso, prédios – INRC/IPHAN. São quatro tipos de fichas : a ficha
Através dessa oficina os agentes aprendem localidades. O objetivo dessas pesquisas é,
históricos e paisagens naturais fazem parte desse de localidade, a de mapeamento dos bens, a ficha
noções da técnica fotográfica, assim como sobretudo, o conhecimento e a valorização dessa
quadro. O Museu é, assim, representado por de levantamento documental (onde são listados
seu valor em uma pesquisa. É a partir desse cultura no seio das comunidades, assim como
um mapa das expressões e lugares culturais de livros, artigos, Cds, filmes e outros materiais já
trabalho que esses jovens irão construir o acervo a identificação das expressões culturais que o
João Pessoa, ilustrando uma rede de pessoas, existentes que têm como tema o bem cultural ou
iconográfico do Museu, que será disponibilizado próprio grupo estabelece como representativo
locais e objetos de grande referência para as a localidade) e a ficha de bens. Essa última é ainda
no site. É também a partir dessa oficina que de sua identidade. Para tanto, alguns pontos
são realizadas as imagens que irão compor a localidades envolvidas. É interessante observar
exposição fotográfica itinerante, que visita cada que ao criar um espaço de troca e de encontro
localidade participante do projeto, apresentando entre jovens de diferentes bairros, o Museu Grupo de agentes culturais comunitários, formadores e coordenação do projeto do
fortalece essa rede. Muitas vezes identificamos Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa durante trabalho de campo.
os resultados das pesquisas realizadas de
Foto: Acervo Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa.
forma imagética. uma mesma expressão ou bem cultural em
diferentes locais, realizados por pessoas que não
Por fim, a oficina de educação patrimonial
se conhecem, nunca se viram. Nesse momento de
serve como uma base sobre a qual todas as
encontro, histórias, conhecimentos e experiências
outras oficinas se constroem. Ela auxilia na
são compartilhados.
construção de novos olhares dos agentes sobre
o patrimônio cultural, criando questionamentos, Para que essa troca seja ainda mais rica, o
indagações, contextualizando as problemáticas Museu prevê visitas de campo em grupo. Desse
dentro da perspectiva do patrimônio e da modo, para além das oficinas, durante o segundo
construção identitária. É essa oficina que busca ciclo do projeto, os sábados são reservados a
dar as ferramentas necessárias para a escolha verdadeiras excursões, organizadas pelos agentes
dos bens culturais, trabalhando conceitos tais culturais representantes da localidade a ser
como referência, representatividade e identidade, visitada. Os agentes devem assim montar um
fornecendo as bases metodológicas para os roteiro, com lugares a serem vistos e pessoas a
trabalhos de campo. serem visitadas. Durante esse trabalho o agente
expõe as riquezas de sua comunidade e a
Ao longo de toda a formação os participantes importância que cada uma daquelas referências
do projeto fazem um trabalho de levantamento culturais possui para a formação da identidade
e pesquisa sobre os bairros onde vivem e sobre daquele grupo. É interessante perceber que esse
os bens culturais identificados por eles nessas exercício permite aos demais agentes conhecer e
localidades, de forma a compor o acervo vivo vivenciar lugares e culturas diferentes, expandindo
do Museu. Tal acervo é composto por pessoas, sua compreensão sobre a diversidade cultural
lugares, narrativas, calendários festivos e da Grande João Pessoa e da Paraíba, como
expressões culturais de um modo geral. A um todo.
pesquisa se baseia em dados secundários, obtidos
Como já foi anteriormente dito, a identificação
através de pesquisas nas prefeituras, postos de
e a pesquisa dos diversos bens presentes nessas

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importantes devem ser levantados durante essa festivas, de ensaios, os contatos de lideranças comunidades, o projeto entra em consonância um espaço social onde decisões são tomadas
pesquisa, tais como a estrutura da localidade culturais e de grupos para apresentações, assim com os princípios da museologia dita social para o planejamento e a realização de projetos
– tanto no que diz respeito à sua geografia, como fotos e roteiros de visita. Para além dessas e comunitária. Em ambos o museu não tem referentes às origens e ao desenvolvimento
quanto aos equipamentos públicos existentes; as atividades o Museu realizou dois seminários, mais como principal objetivo conservar e exibir das comunidades que dele fazem parte. Ele
pessoas tidas como referências culturais locais; que foram organizados pelos agentes junto à objetos a um público, mas passa a ser uma se caracteriza dessa forma como uma ação de
o histórico do bairro; os principais bens culturais equipe técnica do projeto. Os temas abordados instituição dirigida a sujeitos sociais, em que a salvaguarda como definido pelo Instituto do
existentes, sejam eles materiais ou imateriais; foram a salvaguarda do patrimônio imaterial conservação só adquire sentido através de uma Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
a importância desses bens para a comunidade; como forma de desenvolvimento sustentável de inserção no desenvolvimento econômico e social. ou seja, como um conjunto de ações que
e as principais dificuldades existentes para comunidades e a relação entre cultura popular Nesse contexto, o Museu do Patrimônio Vivo da contribui para o melhoramento das condições
sua continuidade. e território. Grande João Pessoa busca ser um instrumento de produção, reprodução e transmissão de bens
dinâmico de educação popular, divulgação culturais imateriais.
A passagem das entrevistas e informações Dessa forma, o museu busca desenvolver a
cultural e preservação de identidades. Seu desejo
adquiridas de diferentes sustentabilidade das Além disso, o projeto segue as três premissas
é a apropriação coletiva do saber, da produção
formas durante o atividades culturais
O Museu do Patrimônio Vivo da cultural e do conhecimento local pelos atores
de um plano de salvaguarda: o respeito à íntima
trabalho de campo para através da preparação relação entre a reprodução e a continuidade
o formato das fichas Grande João Pessoa busca ser um de jovens para o
sociais que os produzem. É essa autogestão que
dos bens culturais vivos e seus produtores
lhe dá legitimidade diante das comunidades e
ainda é um desafio. Isso instrumento dinâmico de educação mercado cultural
frente às diferentes instituições. Dentro desse
e portadores – desse modo, estes devem
se deve a diferentes e o contato com sempre participar ativamente do processo de
razões, como, entre
popular, divulgação cultural e os mecanismos
contexto o Museu do Patrimônio Vivo está sempre
identificação, reconhecimento e apoio aos seus
outras, a dificuldade de preservação de identidades. Seu de salvaguarda do
em construção. Sua definição, seus objetivos e
bens culturais –; em segundo lugar identificamos
seu acervo são uma criação conjunta e contínua,
separar e categorizar desejo é a apropriação coletiva do patrimônio imaterial. A
feita entre agentes, coordenação e comunidade.
o caráter essencial da garantia das condições
dados que são obtidos proposta tem por intuito sociais e do meio ambiente necessárias para
dentro de um todo.
saber, da produção cultural e do promover a igualdade
Assim, um dos exercícios feitos junto aos agentes
a produção, reprodução e transmissão desses
foi justamente o de definir do quê é – e o quê eles
Buscando atenuar esse conhecimento local pelos atores de oportunidade de bens; por último, a importância do conhecimento
querem que seja – esse Museu.
problema, no segundo acesso à fruição de
sociais que os produzem. É essa do universo onde o patrimônio em questão é
ano do projeto foi ações culturais e à A partir desse trabalho conjunto de criado e estruturado. Para tanto, o projeto não
elaborada a oficina de autogestão que lhe dá legitimidade formação para uma diálogo, o grupo de agentes construiu a se limita a pesquisas sobre bens culturais, mas
sistematização de dados, diante das comunidades e frente produção cultural seguinte definição: também sobre as próprias comunidades. Os
que teve como objetivo autônoma por parte agentes são assim levados a conhecer melhor
auxiliar o preenchimento
às diferentes instituições. das comunidades
“O Museu do Patrimônio Vivo é um processo
museológico que, através de um projeto, cria seus bairros, desenvolvendo um olhar crítico
das fichas, tentando envolvidas no projeto. um espaço de troca de histórias, culturas, sobre sua estrutura e seu papel dentro da Grande
reduzir a perda de informações. Essa experiência, Ressalta-se que a criação de um museu através sonhos, sentimentos e memórias. É espaço João Pessoa.
embora rica e bem sucedida, se mostrou o de um processo participativo que envolve de pesquisa, interpretação e exposição
com fins de salvaguarda para reconhecer, Essas três diretivas devem ter como
início de um longo caminho a ser construído em representantes das comunidades contribui
valorizar, preservar e dar visibilidade aos bens fundamento, no entanto, a noção de que a
conjunto com os agentes e demais atores do para uma maior visibilidade da cultura local,
imateriais. Esse processo acontece a partir continuidade e a valorização desses bens culturais
Museu, na busca de transpor para o papel uma estimulando um processo interno de valorização, dos agentes comunitários com a participação
só são possíveis a partir de sua inserção na
história viva, repleta de cores, memórias, cheiros, bem como seu reconhecimento pela população da comunidade, buscando contribuir com
sociedade moderna. Nesse sentido, as ações
sons, gestos e emoções. como um todo. Para além disso, é possível o desenvolvimento educacional, cultural e
socioeconômico.” de salvaguarda não têm como objetivo evitar
observar uma valorização do próprio agente
Podemos aqui enumerar os produtos a interação entre as culturas ditas tradicionais
dentro de sua comunidade, que se transforma Podemos observar, baseados nessa
produzidos pelos agentes culturais formados pelo e a modernidade – mesmo porque isso é
em um importante ator de mediação. O interesse conceituação, a apropriação do Projeto por
projeto. São eles: as fichas sobre as localidades; impossível. Esses planos devem, por outro lado,
pela cultura local por parte de atores externos parte dos agentes, uma vez que a proposta
um mapeamento dos bens culturais identificados; buscar fornecer as condições propícias para que
através da remuneração de jovens moradores inicial é justamente o de construir um centro de
um levantamento de fontes secundárias; as fichas esse encontro se faça de maneira mais justa,
para pesquisas sobre esse tema questiona os gestão cultural onde os distintos atores sociais
sobre os bens culturais imateriais pesquisados de permitindo o estabelecimento de trocas.
mais curiosos sobre a importância desses bens se encontram em torno de valores comuns,
forma aprofundada; um catálogo com o resultado
e os leva a refletir sobre o papel da cultura na configurando-se por um espaço de trocas Já que a valorização da cultura dita tradicional
das pesquisas; um projeto de salvaguarda
economia local. na busca por ações de renovações desejadas é condição indispensável para a promoção e
para um dos bens identificados; a exposição
pelos grupos participantes ali representados. É a salvaguarda de bens culturais de natureza
fotográfica; e também um site, onde todo o Sendo uma construção conjunta com
um local sem delimitações fixas, sem paredes, imaterial, a integração do conceito de diversidade
material será disponibilizado, incluindo as datas organizações e agentes culturais das

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da cultura através do mercado cultural se os direitos de imagem, são ainda um obstáculo
apresenta, no contexto atual de um mundo quando tratamos de expressões culturais
globalizado e capitalista, como um importante imateriais. Tais direitos são fundamentos da
elemento de apoio à manutenção desses bens. indústria cultural, porém eles não correspondem à
É a partir dessa integração que essas culturas lógica comunitária dos grupos.
consideradas como em situação risco poderão
Mesmo que mecanismos de políticas de
fazer frente à homogeneidade e à mercantilização
salvaguarda citem a importância de assegurar
impostas pelos meios de comunicação de
os direitos intelectuais individuais e coletivos
massa. Isso é possível graças às especificidades
dos grupos portadores de um bem imaterial,
que diferenciam a indústria cultural dos outros
ainda resta um longo caminho a percorrer
modelos industriais conhecidos. Nesse contexto
para que as legislações consigam representar a
os produtos são bens e serviços culturais, que
realidade dessas comunidades. Nesse sentido, o
não são considerados a partir do ponto de vista
Museu do Patrimônio Vivo busca fornecer aos
de sua utilidade ou de sua finalidade específica.
jovens agentes culturais os instrumentos para
Eles encarnam e transmitem expressões culturais,
pensarem a questão, buscando a melhor forma
independentemente do
de defenderem seus
valor comercial que eles
O projeto do Museu do Patrimônio direitos, dentro do
possam ter.
contexto atual.
Essa integração com Vivo da Grande João Pessoa se
Grande parte
o mercado cultural seria caracteriza, sobretudo, como uma das comunidades
assim primordial para
as etapas pelas quais os
busca de democratização desses portadoras da cultura
popular tradicional tem
processos de salvaguarda espaços de poder através do suas raízes históricas
e de reconhecimento empoderamento de grupos antes marcadas pela exclusão
devem passar. O
reconhecimento, nesse estigmatizados por uma história social e econômica.
São geralmente grupos Coco de roda de Gurugi.
contexto, se estabelece de exclusão. negros, indígenas, Foto: Helder Oliveira.
em diferentes níveis:
migrantes que sempre
a consciência da
estiveram à margem ultrapassar as portas desses prédios sagrados, dessa tomada de espaço, quando a discussão
pessoa que vive em função de seu saber, de sua
dos espaços de tomada de decisão. Ao mesmo representantes do saber e da dominação de uma vai para além do campo das ideias, trazendo
expressão cultural; a comunidade, que deve
tempo o museu, tal como foi concebido em seus elite minoritária. Seria O Museu do Patrimônio para o centro do debate os próprios atores
poder reconhecer suas práticas e suas tradições
primórdios, é tido como um lugar de poder, onde Vivo da Grande João Pessoa um espaço onde envolvidos com suas vivências e tendo como
para se apropriar e as transmitir; e o nível dos
a civilização escolhe o quê e como representar seu essa problemática não estaria presente? Ou mediadores e organizadores representantes dessas
Estados e das organizações internacionais, no
passado e outros povos. Dessa forma os museus talvez, haveria ali uma inversão de posições? A realidades múltiplas.
qual se articulam as políticas e os instrumentos
expressam determinada percepção do mundo e resposta seria negativa a ambas as perguntas.
para promoção e preservação do patrimônio As experiências de gestão comunitária de
comunicam mensagens. Toda escolha é baseada Primeiramente porque a questão não é esvaziar
imaterial. A documentação, a ampliação dos museus têm como principal valor o fato de que
em um juízo de valor. Por mais que o conceito de o museu do seu caráter de lugar de poder.
espaços institucionais de salvaguarda e a defesa cabe aos próprios grupos representados dizerem
museu tenha expandido nas últimas décadas, a Ao contrário. O poder é algo intrínseco às
dos direitos de imagem e de propriedade quem foram, quem são e quem desejam ser. A
questão da escolha continua sendo um dos seus relações humanas e à sociedade. Ao mesmo
intelectual coletiva se apresentam como ações autodeterminação, tão em voga nos dias atuais
pilares fundamentais. Não se pode representar tempo, a inversão de posições seria apenas uma
fundamentais nessa etapa, para o reconhecimento com as questões indígenas e quilombolas, é aí
tudo, nem todos, nem de todas as maneiras. Se continuidade da lógica de exclusão e de divisão
da importância de um patrimônio cultural local posta em prática, a partir de uma reconstrução
nos novos museus a questão do acesso vem sendo hierárquica dos diferentes grupos sociais. Assim, o
no plano nacional e/ou mundial. As oficinas do passado, uma resignificação do presente e a
trabalhada e superada, isso não significa que esses projeto do Museu do Patrimônio Vivo da Grande
propostas pelo Museu buscam, dessa maneira, consciência de poder sobre o futuro. O processo
espaços deixaram de ser lugares de poder. João Pessoa se caracteriza, sobretudo, como uma
garantir o acesso às ferramentas necessárias para de representação passa assim a seguir um sentido
busca de democratização desses espaços de poder
a participação ativa dessas comunidades dentro É interessante pensar o projeto de se criar um contrário. Se antes os objetos representados
através do empoderamento de grupos antes
desse movimento. Todavia, as questões relativas museu voltado e gerido justamente por esses se adaptavam a uma ideia preconcebida,
estigmatizados por uma história de exclusão. A
aos direitos intelectuais e do autor, bem como grupos que antes não ousavam nem mesmo estabelecida por atores externos, nesse novo
realização dos seminários é uma concretização

68 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 69


Museu e
contexto o espaço do museu ganha maleabilidade diferentes linguagens para que essa interação
e começa a se adaptar aos desejos e necessidades se faça de maneira mais justa e eficaz. Desse
dos grupos comunitários, seus objetos, expressões modo, ao mesmo tempo que o projeto busca
e histórias ali representados. a inserção desses grupos e de suas expressões
culturais no mundo globalizado, ele tem como

brinquedoteca:
Tal caráter de adaptação deve ser ainda maior
objetivo colocar à disposição dos participantes
quando tratamos de bens como os patrimônios
os meios necessários para que eles possam
imateriais, que possuem como característica
enfrentar os efeitos perversos inerentes a essas
fundamental a dinamicidade. Essa é ainda uma
mudanças, oferecendo ferramentas para que
grande dificuldade enfrentada pelas políticas
públicas voltadas para esses bens, uma vez que
tais medidas visam universalizar princípios, se
essas comunidades desempenhem um papel
ativo durante tal processo. O objetivo não é
assim de determinar os caminhos pelos quais
patrimônio cultural e
confrontando diariamente com a singularidade
as expressões culturais de natureza imaterial
presente nas expressões culturais. Assim,
percebemos que as ações colocadas em práticas
por agentes externos, como o Estado, que se
da Grande João Pessoa serão tratadas, mas de
possibilitar a abertura de alternativas, a partir educação infantil
de um desenvolvimento sustentável baseado na
servem de instrumentos legais e burocráticos
democratização, na diversidade e no respeito
que não são necessariamente reconhecidos
sem, no entanto, ignorar a realidade e o contexto
pelos atores, encontram numerosos problemas.
existente, ou seja, de um sistema capitalista,
Da mesma maneira conflitos surgem logo que
uma iniciativa que se quer democrática (como as
fundado sob a ideia de mercado e de dinheiro. A LUCIA YUNES E
longo prazo, podemos imaginar que o objetivo do
políticas de democratização cultural, por exemplo)
é ao mesmo tempo baseada sobre os princípios
projeto do Museu do Patrimônio Vivo da Grande ANA CRETTON
João Pessoa é a autonomia dessas comunidades
da burocracia e aplicada a uma realidade de
e o pleno gozo de seus direitos. Organizados,
desigualdade e exclusão. A interação entre essas
conscientes de seu valor e da importância de seus
distintas realidades tem como resultado uma
bens culturais e armados com as ferramentas
diferença entre as ações previstas, a prática e os
burocráticas, institucionais e jurídicas necessárias,
resultados observados.
os grupos culturais comunitários poderão exercer
Dessa maneira, o projeto do Museu do sua cidadania e fazer frente às adversidades do 1
O Centro Nacional de O início da parceria
Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa busca Folclore e Cultura Popular
mundo atual de forma mais justa.
trabalhar como mediador, buscando traduzir essas
(CNFCP) dedica-se, desde sua No final de 2011, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP)1
criação em 1958, a pesquisar,
foi procurado pelo Museu do Folclore de São José dos Campos/Centro de
documentar, difundir e apoiar
as expressões da cultura Estudos da Cultura Popular (CECP), mantido pela Fundação Cultural Cassiano
popular brasileira. Dentre as Ricardo, para propor o desenvolvimento de uma ação educativa para o seu
ações de difusão, destaca-se o
Programa Educativo, que desde público de educação infantil.
BIBLIOGRAFIA a década de 1980 oferece
assessoria a instituições
Apesar de uma longa estrada trilhada no campo da educação, já tendo
BOTELHO, Isaura, 2001, “As dimensões da cultura e o lugar das políticas públicas”. Revista São Paulo culturais e de ensino. realizado outras consultorias nessa área, estava posto, no entanto, novo desafio
em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.15, n.2, 2001. Disponivel em : http://www.fflch.usp.br/ Especialmente procurado por
centrodametropole/antigo/v1/pdf/Isaura.pdf . Último acesso em 15 fev. 2014. para o CNFCP: o de pensar e construir uma proposta para um segmento de
professores, busca auxiliá-los
ESCOBAR Arturo, 1997, « Anthropology and development », International Social Science Journal, n.154, em seu trabalho por meio público com o qual não tínhamos especialmente trabalhado.
UNESCO, Paris: p.497-515. de projetos que apresentam
No início de 2012, durante dois dias, foi realizada uma primeira visita a
FAGUNDES e LEITE, “Mas isso é museu? Como museus sem parede enfrentam o desafio da educação a cultura e suas inúmeras
museal”. Revista de museologia e patrimônio, vol.5, p. 185-192. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2012. expressões como algo presente São José dos Campos, de muito trabalho, de muita conversa e troca. A ideia
no cotidiano de qualquer
KERSTEN e BONIN, “Para pensar os Museus, ou ‘Quem deve controlar a representação do significado dos era estabelecer uma aproximação com os espaços do museu, sua biblioteca,
grupo social e em permanente
outros?’”. Revista Musas, n.3, p.117-128. Brasília: MinC/IBRAM, 2007. com as ações no campo da educação que já realizava, o ambiente urbano no
transformação. Situado no Rio
SAHLINS, Marshall, La découverte du vrai sauvage et autres essais, Paris : Gallimard, 2007 . de Janeiro, o CNFCP reúne qual se insere e a relação com a Fundação Cultural a que está integrado. Era
SEN, Amartya, Desenvolvimento como liberdade, São Paulo : Companhia das Letras, 2010. expressivo acervo museológico
(cerca de 16.000 objetos),
fundamental conhecer os conceitos de educação e de cultura popular com que
UNESCO, Notre diversité créatrice. Paris : UNESCO, 1996. Disponível em : http://unesdoc.unesco.org/
images/0010/001055/105586fo.pdf . Último acesso em 15 fev. 2014. bibliográfico, sonoro e visual trabalhava aquele Museu.
(200.000 documentos), sob a
UNESCO, Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais. Paris: guarda do Museu de Folclore O primeiro passo, então, foi conhecer mais de perto o museu, como
UNESCO, 2005. Disponível em : http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf . Último Edison Carneiro e da Biblioteca
acesso em 15 fev. 2014. foram concebidos seus espaços expositivos, sua equipe e as expectativas de
Amadeu Amaral.

70 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 71


espaço de diversão. De fato, sabemos que na Vale destacar que, na ocasião em que nos cultura popular é tema privilegiado para trabalhar
brincadeira está também o conhecimento. Com propuseram a consultoria, o Museu do Folclore os conceitos do brinquedo e das brincadeiras.
esse pensamento fizemos um levantamento de de São José dos Campos dispunha de poucos
Percebemos que num museu como o de São
outras experiências educativas existentes para esse recursos para levar adiante a proposta; mesmo
José dos Campos, em sua pequena e delicada
público, buscando conhecê-las, para só então assim, nos dispusemos a ir em frente dentro
exposição de longa duração, era possível o
construir uma proposta própria para o Museu do daqueles limites. No entanto, foi tão boa a
exercício do imaginário, que seu acervo enseja
Folclore de São José dos Campos. recepção ao projeto que aquela instituição
jogos e trocas de experiências entre os meninos e
resolveu concorrer ao edital do Programa de
Para situar o leitor, é bom explicitar que o meninas que o visitam.
Ação Cultural (Proac), da Secretaria de Estado
CNFCP sempre se orientou por uma concepção
da Cultura de São Paulo, voltado para acervo E afinal, uma brinquedoteca permitiria brincar
de educação abrangente, segundo a qual todas
museológico, e foi contemplada com recursos com objetos que até poderiam estar no museu.
as ações de difusão e de formação de público
financeiros. Com isso, foi possível realizar uma Isso poderia ajudar a desconstruir o conceito de
desenvolvidas pela instituição são, de certa
maior aquisição de acervo, a preparação de objeto museológico como algo sagrado e gerar
forma, educativas, desde uma exposição até
um espaço e, ainda, a compra de mobiliário maior aproximação entre as crianças e o universo
a produção de um filme ou sua exibição. Mais
necessário para ambientação da brinquedoteca. A do museu. Nesse sentido, permitia perceber
especificamente, o Programa Educativo do Centro
premiação permitiu também a realização de ações mais sentido no acervo exposto, uma vez que
procura socializar os conhecimentos produzidos
mais amplas de compartilhamento do projeto com os visitantes passariam a identificar práticas
pela instituição, produzindo, a partir de diferentes
atendimento desse público. Numa primeira as escolas e professores da cidade. cotidianas próprias da Região do Vale do Paraíba
meios, um diálogo dos diferentes segmentos de
visita foi possível obter, nas conversas com os representadas pelos objetos expostos.
público com a cultura popular. Além desse prêmio, o Senac de São José
educadores e gestores de São José, algumas
dos Campos, por meio de rede social, motivou Por vários meses trabalhamos levantando
impressões sobre o porquê de privilegiar aquele Nesse sentido, tempos atrás, o Centro e o
seus alunos do curso de design de interiores informações sobre artistas populares que já
segmento de público, as dificuldades da equipe, Museu da República tiveram na sua vizinhança a
a desenvolverem um projeto específico para o tinham atuado no Programa Sala do Artista
seus interesses e perspectivas. Brinquedoteca Hapi, que foi parceira de algumas
espaço, que foi posteriormente discutido conosco Popular, do CNFCP, e que trabalhavam com
de nossas ações. A lembrança dessa experiência
Afastado um pouco do centro da cidade, e com a equipe do Museu para ser ajustado ao brinquedos. Buscamos também algumas
deflagrou então a ideia de trabalhar com algo
o museu fica no Parque da Cidade Roberto projeto e então executado. poucas lojas especializadas em que pudéssemos
similar, um espaço de brincar, concebido a partir
Burle Marx e está abrigado em duas pequenas selecionar objetos para compor a brinquedoteca.
do enredo da exposição permanente do Museu de
construções (uma para a exposição permanente Pensando a brinquedoteca
São José dos Campos. De posse da listagem completa do acervo da
e outra onde funcionam biblioteca, mostra
Uma brinquedoteca, segundo o Dicionário exposição de longa duração, iniciamos a seleção
temporária, lojinha e serviços administrativos). Escrevemos então nossos argumentos,
Aulete, é uma "coleção de jogos e brinquedos e a definição do que adquirir – brinquedos
É uma extensa área verde, onde também está procurando explicitar para os técnicos daquele
organizada num espaço preparado para estimular populares, livros infantis, cds, dvds – com o fim de
a Fundação Cassiano Ricardo. Desfruta da museu nossa proposta. Produzimos um primeiro
a criança a brincar". Para Cristina Porto, propiciar um diálogo entre os dois acervos, museu
companhia de outros espaços culturais, com salas documento em defesa desse argumento,
as brinquedotecas e brinquedoteca. Era preciso compor uma coleção
de oficinas artísticas, auditório e tantos outros buscando as bases conceituais que nos
de sentidos e significados.
projetos da Fundação. amparassem no processo de construção de uma refletem ideias sobre a infância, o brinquedo
brinquedoteca. Levantamos textos que pudessem e o ato de brincar e se revelam específicas do A exposição do museu é dedicada ao folclore
Nas conversas com a equipe vimos que as momento atual, marcado pelo surgimento
introduzir o grupo na ideia central e iniciamos, da região de São José dos Campos, do Vale do
escolas da educação infantil são uma parcela irreversível da sociedade de consumo. São
mesmo de longe, uma saudável conversa sobre os Paraíba e do Litoral Norte do Estado de São Paulo,
bastante considerável de público do museu, para lugares sociais onde o brinquedo atua como o
desafios que tínhamos que enfrentar juntos. com as seguintes salas: São José dos Campos,
a qual não se sentiam preparados para receber, principal mediador entre a criança e o mundo,
e onde se instaura uma prática educativa Tecnologias, Festas, Religiosidade, Identidades,
ou, ainda, entendiam que tal segmento precisava Proposta aceita, enquanto corria a burocracia
institucionalmente organizada que favorece Santos de Fé, Brasil e Panelas do Vale. Esses eixos
de outro tipo de aproximação com aquele espaço. de um Termo de Parceria entre as duas
a socialização, processo pelo qual o indivíduo temáticos direcionaram as nossas aquisições.
instituições, começamos um diálogo vigoroso se torna membro de uma sociedade (PORTO,
Desafio posto, de volta ao Rio de Janeiro,
para nos familiarizarmos com o acervo do museu, Cada objeto selecionado para compra era
começamos a trabalhar intensamente para buscar 2005, p.184).
suas salas de exposição, o acervo da biblioteca inicialmente proposto ao museu e, uma vez
uma proposta que atendesse às expectativas Espaço privilegiado de convívio e de troca
e filmes disponíveis ali para consulta. Essa etapa aprovado e adquirido ia sendo remetido a São
do museu. de experiências, uma brinquedoteca, quando
foi fundamental para definirmos os critérios José dos Campos. As surpresas e as indagações do
Ainda que sob o risco de parecer um sacrilégio, de escolha do acervo a ser adquirido, pois associada a um museu de cultura popular, pode grupo nos chegavam por e-mail ou telefone. Em
as saídas vislumbradas sempre se aproximavam sabíamos que não poderia ser só um conjunto de potencializar suas coleções e trazer novas e dado momento, entendemos que havia chegado a
da ideia de um museu como espaço de brincar, brinquedos agrupados sem maior significado. interessantes experiências de fruição. E a própria hora de oferecer apoio técnico aos educadores do

72 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 73


E brincamos muito naquele lugar mostrando aos poucos as inúmeras possibilidades
tão convidativo, mostrando aos que a brinquedoteca traria para ampliar a atuação
do museu com as escolas e também com o
poucos as inúmeras possibilidades público do parque. Naquele momento, parte
que a brinquedoteca traria para dos brinquedos e livros selecionados já estava no
ampliar a atuação do museu museu, o que permitiu uma primeira aproximação
da equipe com a coleção adquirida. Outra
com as escolas e também com o parte ainda era aguardada, já que estava sendo
público do parque. adquirida aos poucos, a partir de encomendas
com artistas locais, por meio de contatos
estabelecidos pelo próprio Museu de São José dos
museu para o início da ação. Convidamos, então,
Campos, e de outras cidades do Brasil, por meio
a especialista Cristina Laclette Porto, criadora da
de contatos estabelecidos pelo CNFCP.
Brinquedoteca Hapi, para realizar uma primeira
oficina com o grupo. Falamos sobre a possibilidade de criar um
clube de sócios, nos moldes das brinquedotecas
Por um dia inteiro conversamos e brincamos.
tradicionais, o que permitiria compartilhar e,
Cristina apresentou breve introdução com
ao mesmo tempo, comprometer a comunidade
questões sobre o brincar, os brinquedos, sua
com a causa. Em geral, os sócios se sentem
importância na socialização dos meninos e
mais integrados ao processo, até porque para o
meninas, seguindo com muitas outras mais
ingresso é preciso doar um brinquedo. Essa ideia,
práticas e objetivas como, por exemplo, o modo
entretanto, está ainda em análise por parte da
de guardar o acervo e a relação com o público. E
equipe de São José dos Campos.
brincamos muito naquele lugar tão convidativo,
Apresentação de mamulengos no espaço externo do museu.
"Elefante", de Henrique Justen (Tremembé) - varanda lateral do museu. Foto: Lucia Yunes..
Foto: Lucia Yunes..
A coleção de brinquedos, livros, cds e dvds podem ser tecidos entre o acervo do museu e o
adquirida na implantação do projeto tende a acervo da brinquedoteca, voltado exclusivamente
se expandir. A partir dela, propusemos que o para essa equipe.
museu fizesse uma campanha, junto ao público
Em 15 de maio de 2013 a brinquedoteca
e prioritariamente às escolas frequentadoras,
foi inaugurada, e desde então vem recebendo
para a doação de outros brinquedos, livros,
crianças e professores, previamente agendados,
etc. Com isso, vislumbra-se a possibilidade de
para visitas ao museu mediadas pelos educadores
crescimento da coleção, sempre respeitada a
da instituição, além do público espontâneo.
temática proposta. Um dos desdobramentos que
merece ser destacado é a inserção de brinquedos O Museu do Folclore de São José dos Campos
confeccionados por artistas locais. Estes, além é um espaço acolhedor que, por sua proposta,
de alimentar o acervo com sua produção, é um convite permanente ao visitante para
eventualmente serão convidados a ministrar entrar e conhecer. Com temas bem trabalhados,
oficinas nas quais compartilham seus saberes. a aproximação se dá de maneira imediata.
Uma vez que trabalhamos numa instituição de
Paralelamente à seleção de textos conceituais
mesma natureza, identificamos perfeitamente
para suporte teórico do projeto e para a
esses sinais de prazer do público ao descobrir o
familiarização com o campo específico das
acervo da cultura popular e se sentir próximo.
brinquedotecas, indicamos também endereços
Considerando a incrível área de lazer ao redor do
eletrônicos de projetos educativos e de outras
museu, para passeio e descanso, propusemos a
experiências nessa área, a fim de que a equipe
extensão das brincadeiras para o parque para que
do museu pudesse conhecer mais o tema.
as crianças pudessem desfrutar do entorno com
Preparamos, ainda, um texto de apoio em que
jogos coletivos, brincadeiras de roda, balanços,
procuramos explicitar os fios condutores que

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etc. O espaço externo também é propício museu a partir da contação de histórias, atividade de relações horizontais entre educadores e
para apresentações de espetáculos, shows ou Seja pelos brinquedos populares, lúdica e tão própria para essa faixa de público. educandos, no falar e ouvir, portanto, na troca
manifestações festivas programadas pelo museu. de saberes. A partir dessas reflexões, pode-se
seja pelas histórias, contos e Entendemos que a visita ao museu e a
pensar na forma de mediação mais adequada
mediação de educadores sempre passa de algum
A mediação pelo brincar lendas, é possível trabalhar uma modo pela questão da leitura. Nesse sentido,
entre visitantes/leitores e obras/objetos de leitura
a ser adotada pelo educador no contexto de uma
Em seu livro A paixão de conhecer o mundo, visita ao museu numa perspectiva partimos da afirmação de Maria Helena Martins
brinquedoteca e no espaço museológico.
a educadora Madalena Freire (1983) propõe mais afetiva, em que o brincar, o quando diz que precisamos “considerar a leitura
Aliás, o papel do educador na intermediação
que o conhecimento seja produzido por alunos como um processo de compreensão de expressões
e professores. Ao transpor essa ideia para um aprender e o ensinar se misturam. formais e simbólicas, não importando por meio de do objeto lido com o leitor é cada vez mais
repensado; se, da postura professoral lendo
museu na relação de seus mediadores com que linguagem. Assim, o ato de ler se refere tanto
para e/ou pelo educando, ele passar a ler
os visitantes, cremos que se podem inferir as “A infância não é apenas uma questão a algo escrito quanto a outros tipos de expressão com, certamente ocorrerá o intercâmbio
mesmas questões: o museu proposto como um cronológica: a infância é uma condição da do fazer humano” (1984, p. 30). de leituras, favorecendo a ambos, trazendo
lugar de aprendizagem e de prazer não só para o experiência” (KOHAN, 2004, p. 54). Por novos elementos para um e outro (MARTINS,
Questões pertinentes estão sendo pensadas
público, mas para sua equipe técnica, numa ação essa razão, há que se ter em conta que a 1984, p. 33).
a respeito da relação do leitor com o objeto de
conjunta. Um lugar de troca de saberes. aprendizagem é processo, não um acumular Não são poucos os estudos que apontam
leitura, seja ele qual for. Paulo Freire, filósofo
Seja pelos brinquedos populares, seja pelas de fragmentos de conhecimentos. Ao longo da da educação, falava em “leitura de mundo” para a necessidade de uma “alfabetização
histórias, contos e lendas, é possível trabalhar uma vida, vamos reunindo tudo o que aprendemos, (1993, p.11), ao teorizar sobre seu método visual” como forma de instigar o aluno/cidadão
visita ao museu numa perspectiva mais afetiva, em conectando o que vimos e conhecemos, de alfabetização de adultos, e considerava o a se relacionar de modo menos passivo diante
que o brincar, o aprender e o ensinar se misturam. guardando as coisas que têm importância para acervo dos alunos como ponto de partida para a da avalanche de imagens a que estamos
nós, usando-as e mesclando com outras, e aí descoberta do sentido da leitura. Freire percebe todos expostos nos dias de hoje, tais como as
“O brinquedo é dotado de um forte valor vamos formando aquilo que somos. a importância do diálogo no processo de ensino propagandas, os diversos estilos arquitetônicos,
cultural, se definirmos cultura como conjunto
Nesse sentido, processos de descoberta e de e aprendizagem e propõe o estabelecimento as pichações, os modelos de carros, as fotos, os
de significações produzidas pelo homem"
(BROUGÈRE, 1995, p.8). Uma brinquedoteca pode pesquisa na infância, associados a uma relação
ser então um espaço privilegiado de socialização, prazerosa de busca, são determinantes para a Brinquedoteca: brinquedos e livros no espaço interno..
em que a apropriação do conhecimento, por parte formação e o desejo pelo conhecimento. A visita Foto: Lucia Yunes.

das crianças, se dá de modo especial, seguindo o a um museu pode ser um desses momentos
ritmo próprio de cada uma. de investigação prazerosa, em que pese o fato
de que se trata de uma ação que dura apenas
Nessa linha, a cultura popular é terreno uma ou duas horas. Ainda assim é possível
privilegiado para o campo da educação. Assim preparar uma visita que, no mínimo, se torne
como as bibliotecas, podemos dizer que os uma memória afetiva sobre cultura popular, que
museus também são memória do mundo e, ainda amplie os repertórios visual, sonoro e estético e
que recortados por temas e delimitados pelos que contribua, enfim, para a apropriação daqueles
acervos, garantem parte da memória da cultura bens culturais por parte das crianças.
que permanece viva e em transformação.
Pensar, então, uma visita ao museu para
A nossa cultura popular (...) produz
escolares da educação infantil requer como
brinquedos lindos, coloridos, simples no seu
material e riquíssimos em suas possibilidades quesito inicial práticas associadas aos acervos
de brincar gostoso. Ah, as bonecas de sisal, e que instiguem os visitantes a trabalhar em
os cavalinhos de corda, as bonecas todas grupo, compartilhando suas descobertas. Assim,
feitas de palha de milho, os carrosséis feitos leituras em grupo, contações de histórias, jogos e
com canudos e aproveitando latas e madeira, brincadeiras populares são experiências educativas
os guarda-chuvas trançados de lãs coloridas,
que devem estar associadas à visita.
os caminhões e os carros de lata e toda
sucata sobrante, os carrinhos de rolimã, as
pipas de seda imensas e pequeninas cheias E por falar em leitura...
de graça e de imaginação, as bruxinhas de
Junto à coleção de brinquedos foram
pano... Um repertório imenso, um painel
selecionados também um conjunto de livros, de
diversificadíssimo de materiais e de respeito
ao brincar... (ABRAMOVICH, 1983, p. 145). modo a ampliar esse diálogo com o acervo do

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cotidiano, como os utensílios e os brinquedos, e
O grande desafio do educador também os livros infantis, tão próximos da criança
em museus é, portanto, realizar quanto seus brinquedos.
uma mediação sensível e Nesse sentido, indicamos aos educadores
dialógica, numa atitude de troca e que trabalhassem com o acervo de livros
infantis associado à coleção de brinquedos
investigação permanentes. populares selecionada para essa brinquedoteca
como forma de mediação que pode apoiar
jornais e as revistas, a televisão, os videogames, a sensibilização das crianças da educação
a internet, “informações fragmentadas pelo infantil para desfrutarem da visita ao Museu do
controle remoto e pela velocidade com que são Folclore de São José dos Campos. Assim, elas
transmitidas, superpostas e tendo as mais variadas podem relacionar melhor as peças expostas e
mídias como suporte” (LINS, 2002, p. 37). os temas do folclore e da cultura popular com
suas práticas cotidianas. A experiência pode dar
Por tudo isso, na atualidade, estabelecemos
sentido à visita a partir de leituras próprias que
relações superficiais, rápidas e pouco significativas
dialoguem com seus repertórios de vida. Essa
com a “cultura visual”. Resta-nos saber como
perspectiva abre possibilidades para a criação de
sensibilizar o olhar sem adestrá-lo e sem induzir
narrativas singulares, produzidas pelas crianças
interpretações. Como mediar leituras de imagens
que frequentam os espaços da brinquedoteca e
estando abertos para as múltiplas atribuições de
do museu.
sentido? Que relações podem ser feitas entre
leituras de imagens e leituras de mundo? Como Dúvidas e desafios no caminhar da experiência
desenvolver metodologias que possibilitem a Pelas conversas e observações, durante os
sensibilização do olhar? Mirian Celeste Martins, primeiros meses de experiência com o público Brinquedoteca: visita de escola.
educadora e curadora de exposições, formula após a abertura da brinquedoteca, foi notada Foto: Lucia Yunes..
algumas questões relativas à mediação e a necessidade de investimento da equipe na
considera a leitura de imagens uma “nutrição continuidade do grupo de estudos que já havia brinquedos é observar como são usados pelas na aquisição de livros, jogos, brinquedos, cds e
estética” necessária, tanto para alunos quanto sido implantado no início do trabalho. Os gestores crianças. A orientação é buscar estratégias dvds, está sendo direcionada para a realização de
para educadores: e educadores do museu já tinham mostrado de maior aproveitamento do espaço externo, oficinas com especialistas sugeridos por nós, a fim
interesse em conhecer melhor as fases do favorecendo o investimento em brincadeiras de preparar os técnicos do museu para consolidar
Educador ensina a pensar, pensando.
Educador ensina a olhar, olhando. Mas, não desenvolvimento infantil para se aproximarem coletivas no parque que abriga o museu. a estrutura e o funcionamento da brinquedoteca
é um “ver qualquer”, superficial, rápido, não de linguagens mais adequadas às diferentes e, ao mesmo tempo, oferecer suporte conceitual
As primeiras visitas de grupos escolares têm
implicado com o conhecimento. Educador
faixas etárias. (bibliografias) para as ações educativas. O que
mostrado à própria equipe a necessidade de maior
ensina o sensível olhar-pensante. Olhar ressaltamos, no entanto, é que a tônica de todo
sensível, e que é, portanto, afetivo. Olhar Percebeu-se também a necessidade de preparação para o exercício da mediação.
o processo de consultoria, no desenvolvimento da
que pensa, reflete, interpreta, avalia. Olhar sistematizar os resultados diários, registrar Diante do exposto, o momento atual é ainda proposta, foi e ainda é a realização de encontros
pensante é percepção cognoscitiva. [...] Olhar comentários por escrito sobre cada atendimento de investigação... Como arrumar os brinquedos? periódicos com a equipe do museu com a
pensante curioso diante do mundo, que
e, principalmente, de ouvir o público, mesmo Como planejar as visitas? Como sistematizar as finalidade de estabelecer um diálogo permanente
transcende a aparência e procura o que está
por trás (MARTINS, 1995, p. 21). que por meio de avaliações informais, conversar experiências? Como manter o grupo de estudos? e construção conjunta.
com as crianças e professores que visitam o Como absorver as demandas do público? Como
O grande desafio do educador em museus museu, para entender como recebem e percebem Muitas dúvidas vão surgindo ao longo da
mediar as visitas dialogando com os acervos ali
é, portanto, realizar uma mediação sensível e o projeto. prática da mediação dessas visitas ao espaço da
presentes? Como atender os grupos escolares
dialógica, numa atitude de troca e investigação brinquedoteca. Na continuidade da consultoria,
Um grande desafio para a equipe será o sem deixar de atender os visitantes espontâneos?
permanentes. Ao falarmos em leitura de imagens, mantemos o diálogo com a equipe por meio de
de tornar pública a definição dos objetivos, Como fazer os registros diários dos atendimentos?
e mais especificamente em obras expostas em encontros programados.
cuidados e regras de uso do espaço. A falta Muitas são as questões em ebulição e as respostas
museus, referimo-nos geralmente à pintura, à estão sendo construídas na prática da mediação. Em agosto de 2013, Cristina Porto voltou a
escultura, à arquitetura, como se tivéssemos desses esclarecimentos dificulta a identificação de
modos mais adequados de expor e organizar o São José dos Campos, ministrou duas oficinas
esgotado o campo das artes visuais. Entretanto, é Passada a fase de implantação, nossa
acervo, estabelecendo critérios de uso. Segundo para grupos de professores convidados, com
possível incluir nessa lista objetos mais ligados ao consultoria, que consistiu, após a concepção do
Cristina Porto, a melhor maneira de arrumar os a presença da equipe do museu. Foi realizado
projeto, em indicar e selecionar acervos, orientar

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Uma casa
também um encontro apenas com a equipe. Em conexões entre os repertórios dos visitantes e
setembro, Ana Cretton ministrou outra oficina, educadores, a visita ao museu, os brinquedos,
essa de contação de histórias, para educadores os livros de histórias e os acervos sonoros e
e técnicos. visuais da biblioteca e da brinquedoteca. Está em
curso, portanto, um rico processo de trabalho da

para lembrar:
Essas oficinas são estratégias para favorecer
equipe de mediadores do museu, que procura
e estimular a busca por caminhos para construir
amadurecer sua atuação e ganhar autonomia.

memória e silêncio na preservação


da Casa-museu Mestre Vitalino

MOYSÉS M. DE SIQUEIRA NETO

“Na verdade eles não preservaram os meus bonecos nem a minha casa. Eles
tombaram foi a nossa própria miséria, retratada aqui no Alto do Moura em
forma de museu”.

Vital dos Santos, na obra teatral O auto das sete luas de barro
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, Fanny. O estranho mundo que se mostra às crianças. São Paulo: Summus Editorial, 1983.
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, Ed 34,
2002. Pesquisador do mestre Vitalino – o criador dos pequenos bonecos de barro
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez & Moraes, 1995. conhecidos por representar a imagem cotidiana do interior de Pernambuco –,
Dicionário Aulete. Disponível em: http://aulete.uol.com.br/brinquedoteca. Acesso em: 03 jul. 2014. Paulino Cabral de Mello descreveu, na apresentação do livro Vitalino sem barro:
FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relatos de uma professora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, o homem (1995), um interessante relato sobre um “pequeno conflito” vivido
1983. por ele. Em sua narrativa, o pesquisador declara que foi questionado pelo diretor
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1993. de um museu no Recife sobre por que vocês do Sul resolveram se meter na vida
KOHAN, Walter. A infância da educação: o conceito devir-criança. In: KOHAN, Walter (Org.). Lugares da
Infância: filosofia. Rio de Janeiro, DP&A, 2004. do mestre Vitalino? Prontamente, ele respondeu: porque vocês do Nordeste até
LINS, Guto. Livro infantil? Projeto gráfico, metodologia e subjetividade. São Paulo: Rosari, 2002. agora não fizeram nada!
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1984. Após mais de uma década, é possível afirmar que não há mais tantas
MARTINS, Mirian Celeste. O sensível olhar-pensante. In: FREIRE, Madalena et al. Observação-registro- lacunas para preencher, como outrora acusou o pesquisador. O centenário
reflexão: instrumentos metodológicos. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1995.
do nascimento de Vitalino, comemorado em 2009, fez emergir inúmeros
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10,
dez. 1993. eventos, além de evidenciar pesquisas e publicações que divulgaram, no
PORTO, Cristina Laclette. Brinquedo e brincadeira na Brinquedoteca. IN: KRAMER, Sonia; LEITE, Maria estado de Pernambuco e no país, o estilo peculiar materializado em seus
Isabel (Orgs.). Infância e Produção Cultural. Campinas, Papirus, 2005. pequenos bonecos de barro, bem como a história pessoal do artista. Hoje,
YUNES, Lucia; TELLES, Lucila Silva; CRETTON, Anamaria (Orgs.). Professor. Rio de Janeiro: Iphan, CNFCP, também, é correto afirmar que não existiria mais tanto espanto por parte
2013.

80 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 81


dos pernambucanos sobre interesse de o excesso de esquecimento acolá, como nos
pesquisadores das mais diversas regiões do atentou Paul Ricceur (2007, p. 17). Distancia-
país neste mestre da arte figurativa popular, se, então, de alguns bens, principalmente onde
e de suas figuras expressivas do cotidiano da prevalece a memória dos poderes religiosos,
região. A arte e a história de Vitalino Pereira políticos e militares (igrejas, palácios, fortes, entre
dos Santos têm transposto as fronteiras mais outros), já se assentam sobre uma identificação
distantes, na velocidade cada vez maior dos social como “patrimônio” – atentamente
meios de comunicação, procurada por um assistidos pelo Estado, organizações civis e
público cada vez diverso. indivíduos. O olhar, assim, se aproxima de uma
referência arquitetônica simples, reveladora do
Como na história de Paulino de Mello,
cotidiano em sua composição mais heterogênea.
este artigo apresenta um novo encontro
Observa-se a Casa-museu Mestre Vitalino que,
de saberes regionais, ocasionado pela
como muitos outros bens no Brasil notoriamente
problemática proposta nas disciplinas do
ligados às culturas das minorias, representa a
Programa de Pós-Graduação Mestrado
diversidade cultural do país, verifica-se que ainda
Multidisciplinar em Memória Social e
esta está por se fazer “patrimônio” no senso
Patrimônio Cultural da UFPel-RS. Os conteúdos das disciplinas, acompanhados
comum, necessitando de políticas emergenciais e
dos procedimentos de coleta de dados, pesquisa bibliográfica e de campo,
específicas para sua preservação.
com produção de entrevistas e observação sistemática, possibilitaram
um olhar diferente do objeto Casa-museu do Mestre Vitalino: da casa
O homem, a casa e o museu
arquitetonicamente simples do artesão à complexidade de uma casa-museu Vitalino registrado pela fotografia de Pierre Verger (figura 1).
para a memória. Para contextualizar quem foi o mestre Vitalino, Foto: www.pierreverger.org
a construção de sua casa e a transformação em
Emergiu, então, este artigo com o desafio de responder a um dos novos
casa-museu seguiu-se – em busca deste passado
temas da preservação do patrimônio cultural que trata: como abrir espaços primeiro nome a sair do anonimato na história
– na esteira da narrativa de Paulino de Mello,
às diversas narrativas possíveis na presença material do passado? Como da cerâmica figurativa profana popular no
na obra Vitalino sem barro: o homem (1995).
observar seus silêncios, para além de seus valores arquitetônicos, no lugar da Brasil (MELLO, 1995). Nas décadas seguintes, o
Em busca da biografia do mestre, ressalta-se,
representatividade para grupos, cidade ou regiões? Analisou-se a Casa-museu cotidiano na forma de barro ganhou os salões
brevemente, parte do que o autor trouxe de
do Mestre Vitalino, inaugurada em 1971 no lugar onde o artista morou, um de arte e museus de grande parte do Brasil, até
informações sobre seu universo – iluminando
espaço partilhado entre a memória social e patrimônio cultural, em busca mesmo no exterior, no nascente conceito de arte
o objeto de pesquisa –, certos de que mais
do ausente, o não-dito, o escasso, o pouco representado nas políticas – o popular brasileira. O homem Vitalino Pereira dos
narrativas se construirão sobre o assunto, ao
silêncio – para o entendimento da complexidade hoje exigida pela ideia Santos passou a ser conhecido por mestre Vitalino
trazer importantes novas vozes sobre o tema.
de preservação. e seus bonecos de barro se tornaram ícones de
No ano de 1947, na cidade de Caruaru, identificação da região Nordeste. O caminho por
É nesta perspectiva de quem estuda o patrimônio e o silêncio na memória
interior de Pernambuco, o olhar antropológico ele percorrido findou no ano de 1963, quando
social que se encontra, materialmente, uma construção modesta: tijolos
do fotógrafo e pesquisador francês Pierre Verger morreu vítima, possivelmente, de varíola, sem
maciços de barro – feitos no próprio local – com um chão de terra batida,
registrou Vitalino Pereira dos Santos – ceramista pedir auxílio médico.
situada na rua com o nome do próprio Mestre Vitalino, localizada no Alto do
que se destacava dos demais (Figura 1). Desde
Moura1, cidade de Caruaru, região Agreste de Pernambuco. Nela, logo toma a A casa de moradia de Mestre Vitalino foi
criança, Vitalino fez do trato com o barro retirado
visão a sua fachada, com uma porta de tábuas, sem pintura, que se alinha ao construída em 1959, com sua própria orientação.
das margens do Rio Ipojuca seu oficio, pois,
centro. Uma placa é o que sinaliza que esta é a Casa-museu Mestre Vitalino: Esta possui tijolos maciços – fabricados no próprio
com cerca de seis anos já aproveitava as sobras
mesmo sem luz elétrica, água encanada, banheiro, muito menos esgoto. No local –, com o barro do mesmo terreno, no
de trabalho da mãe ceramista e dava forma ao
interior, seus poucos objetos ocupam os cantos da casa. Várias fotografias, Alto do Moura, município de Caruaru, agreste
barro com os bichos da região. Foi além dos
imagens de santo e bonecos (fabricados pelo filho Severino e netos) ficam no pernambucano. A casa é uma imagem de
ceramistas comuns, preocupados apenas com
primeiro ambiente. Baú, mala, pilão, botija, cama, flautas de pífano, chapéu tantas outras da região, repleta da presença de
os utensílios domésticos típicos da região, ao
de couro, entre outros pertences relatam a história deste artista nos poucos costumes, desde sua fabricação ao uso. Em 18 de
1
O Alto do Moura é um bairro retratar as cenas do cotidiano: as pessoas com
cômodos da casa. maio de 1971, oito anos após a morte de Mestre
no município de Caruaru que seus costumes e crenças. Em 1930, apareceram
– a partir da fama do Mestre Neste artigo propõe-se um caminhar a contrapelo da compulsão memorial Vitalino, a sua moradia contendo seus poucos
Vitalino – transformou-se em
os primeiros grupos de figuras humanas em
– anunciada por CANDAU (2006) –, e dos espetáculos e celebrações do móveis e objetos pessoais foi transformada em
um grande polo de produção seu trabalho. De 1935 a 1950, amadureceu
de artesanato. centenário de nascimento que apresentam um excesso de memória aqui, museu (Figura 2), pela Prefeitura de Caruaru, e
sua produção artística, que vai marcá-lo como

82 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 83


a família foi deslocada para uma casa construída de indivíduos ou grupos para atribuir valor –
ao lado. através do poder público municipal – à cultura
material, com intenção de representar e significar
Na Casa-Museu, seu filho Severino trabalha na
identidades culturais. A casa se torna um museu,
reprodução das peças de Mestre Vitalino. Muito
e, nesta ótica, não é uma simples fotografia da
semelhante fisicamente com o pai, Severino
história, memória, identidade e cultura ligados ao
produz artesanato no mesmo local, do mesmo
Mestre Vitalino.
modo, resultando em semelhantes peças. Outros
parentes também trabalham no local. Tudo Ao nos afastarmos do conceito moderno
aumenta o grau de familiaridade com a casa de patrimônio, onde há, hegemonicamente, a
para a memória do mestre, onde, atualmente, ratificação das representações patrimoniais de
se articulam patrimônio e memória – também o um pequeno grupo pelo Estado, encontram-se os
silêncio – objeto de interesse desta pesquisa. mais diversos grupos não privilegiados por esta
política. Em nome do crescente turismo cultural,
Patrimônio, memória social e silêncio há um processo que resultou na subordinação
dos moradores
Certamente, há uma
grande variação na Sob os signos destes diversos dependentes da
reconstituição mítica de
interpretação conceitual suportes de memória, como tradições desenraizadas
do que chamamos de
patrimônio cultural,
o museu, são construídos pela globalização
(TILLEY, 2006;
principalmente em quais e reconstruídos traços da
GONÇALVES, 1988).
conteúdos possa conter representação de uma memória
o termo. Um movimento, Sob os signos destes
mais hegemônico, coletiva. Estado, sociedade diversos suportes de
atualmente encara o civil organizada ou instituições memória, como o
desafio do alargamento museu, são construídos
pelo qual este conceito
públicas e privadas disputam e reconstruídos traços
passa. Introduz, para os diversos espaços onde se da representação de
tanto, complexas fazem presentes os suportes da uma memória coletiva.
questões sobre sua Estado, sociedade
natureza e participação
memória. Esta luta passa desde civil organizada ou
na construção das as escolhas do que preservar, até instituições públicas e
privadas disputam os
identidades culturais mesmo a análise e interpretação
– antes tidas como diversos espaços onde
evidentes nos primeiros desses elementos. se fazem presentes os
estudos na área (BLAKE, suportes da memória.
2000). As novas Esta luta passa desde
problemáticas, como o caso da Casa-museu as escolhas do que preservar, até mesmo a análise
Mestre Vitalino, aproximam o patrimônio do e interpretação desses elementos.
campo da memória social: desafia o pesquisador
Na Casa-museu Mestre Vitalino, observa-se
da preservação a percorrer, assim, seu vasto
uma escolha dos suportes para a preservação
labirinto conceitual.
da memória, dentro de um contexto da fama
Através dos primeiros momentos do processo nacional alcançada por mestre Vitalino. O terreno
de ressignificação (casa/museu), em 1971, da memória que referencia o artista é, então,
verifica-se uma atividade consciente e deliberada modelado por uma política que o institucionaliza
enquanto patrimônio, sobretudo pela sua
Frente da Casa-museu Mestre Vitalino (Figura 2). referência artística ao estilo musical do forró,
Severino Vitalino na produção (Figura 3). onde Caruaru tem uma acirrada disputa com
Fotos: Moysés Siqueira Neto. Campina Grande, Paraíba, pelo título de maior

84 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 85


São João do mundo – atrativo de maior porte ao
desenvolvimento do turismo da cidade. A falsa A complexidade impulsiona
naturalidade de não se ter alterado qualquer mudanças nos modos de conceber
aspecto físico da casa é o que atrai os muitos
interessados nessas memórias, que revelam signos
os museus, guardiões por
no próprio ato de expor, onde são construídos excelência desses suportes da
e reconstruídos diversos outros valores sobre as memória. Em busca por expurgar
memórias de referência ao mestre. Esses valores,
através da musealização da casa, assumem o antigo museu fechado, como
conflitantes sentidos para a representação da banco de objeto, um museu
memória e do silêncio, do dito e do não dito.
pode abarcar grande parte dos
Uma casa-museu, várias narrativas desejos da comunidade que
Encontramos hoje museus de todos os tipos pretende servir. O museu pode se
e podemos compreendê-los a partir dos papeis integrar à comunidade conjugando
que eles desempenham na sociedade ou pelo
tipo de acervo que possuem (CHAGAS, 2009).
precisamente seus objetivos
A complexidade impulsiona mudanças nos como instituição preservadora do
modos de conceber os museus, guardiões por patrimônio cultural.
excelência desses suportes da memória. Em busca
por expurgar o antigo museu fechado, como
banco de objeto, um museu pode abarcar grande conjugando precisamente seus objetivos como
parte dos desejos da comunidade que pretende instituição preservadora do patrimônio cultural
servir. O museu pode se integrar à comunidade (VARINE-BOHAN. 1979; KERRIOU,1992) Livro de registro de visitação da casa-museu (Figura 4).
Peças de uso do Mestre Vitalino em expositores (Figura 5).
Fotos: Moysés Siqueira Neto.

A narrativa histórica é associada à Os desejos dos familiares estão sujeitos,


representação da realidade, que é considerada no momento, às relações com as instituições
sempre em movimento, fruto de eleição, soma e governamentais, com a Prefeitura de Caruaru
subtração. Assim, o que ocorreu e as narrativas ou o Governo do Estado. Os valores identitários
são partes distintas, interdependentes, que se e turísticos se entrecruzam com os do falecido
embaraçam e, por vezes, se negam dentro de um artista e de seus herdeiros. A figura do mestre da
museu, em relação dialética entre o ocorrido e o arte popular se confunde com o do pai, marido,
narrado (CHAGAS, 2009). avô... As fotografias e os objetos, a própria casa
em sua relação de propriedade e posse, também
Nas casas-museus, particularmente, essa
se relacionam nesse emaranhado de interesses,
relação é ainda mais complexa, visto que o
desejos e representações.
“passado habita a casa do presente que, por sua
vez, habita a casa do futuro e reinventa a casa do
Para pensar a Casa-museu Mestre Vitalino
passado com o companheirismo da memória, do
espaço, das coisas, das imagens e das palavras” O estudo de como o passado ao qual tenciona
(CHAGAS, 2011). A presença dos objetos a casa interage com o presente – distante de
pessoais – ligeiramente reorganizados –, de seus identificar-se com o “primeiro” ou mais antigo,
familiares ainda presentes e até de seu filho, é próximo do comum, do cotidiano – é teia que
constantemente fabricando bonecos à maneira envolve a memória social e seus diversos suportes
de seu pai, misturam essa relação entre passado, – ferramentas essenciais da preservação cultural,
presente e futuro para o visitante. aqui debatidas.

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Em defesa da
Alguns lugares, a exemplo da casa do mestre Entender as mais diferentes narrativas das
Vitalino e seus objetos, é possível claramente memórias associadas a seu espaço continua sendo
encontrar a mediação entre o passado e o um desafio quase que intransponível, ainda que
presente, o imaterial e o material, coletivo cada vez mais necessário. A compreensão das
e privado, a alma e o corpo, lembrança e dimensões simbólicas da casa-museu – além
esquecimento. Esses bens, mesmo não fazendo
parte do universo entendido no senso comum e
pelas representações elitistas de cultura, são muito
mais fortes como documentos reveladores de
de seu aspecto material – como construção e
reconstrução humana, encontra nos suportes
da memória uma esfera simbólica essencial,
sobretudo nas suas relações com o patrimônio e a
educação patrimonial e da
diferentes narrativas que outros que encontram o
passado do Mestre Vitalino.
identidade cultural.
Deve-se atentar, sobretudo, para os restos,
pesquisa participativa na análise
Este “museu da miséria” (como denunciou a os esquecimentos ainda não trabalhados na
peça o Auto das Sete Luas de Barro, de autoria de
Vital dos Santos), até agora, de certo modo, tem
sido tratado como um frágil produto para turistas.
diversidade plural da realidade, que aproximam
as pessoas da experiência com a memória.
Também, desenvolver suas capacidades narrativas
de impacto dos processos de
A casa-museu tem potencial para evocar varias e as preparando para suas novas e mutantes
memórias e histórias ricas em enredos dramáticos
e simbólicos: do indivíduo de impressionante
criatividade; das penúrias de sua família, dos
estruturas de identidades culturais que atendam
às dinâmicas da contemporaneidade. Mesmo sem
propósito, essa é uma ideia ensinada pela Casa-
licenciamento ambiental no Brasil:
a construção do patrimônio
grupos subalternos que ainda hoje se identificam; museu do Mestre Vitalino – para o pesquisador
dos que compartilham os valores sobre o que sabe observar.
cotidiano de sua região, entre outras possíveis.

BIBLIOGRAFIA
cultural local em situações de
BLAKE, Janet. On defining the cultural heritage. In The International and Comparative Law Quarterly, Vol.
49, No. 1, jan, 2000.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Companhia das letras: São Paulo, 1990.
CANDAU, Joel. Antropología de la memória. Buenos Aires: Nueva Vision, 2006.
encontro e conflito1
CHAGAS, Mário. A poética das casas museus de heróis populares. Mosaico, v. 4, p. 1-1, 2011.
______________ A imaginação museal: museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e
Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Minc/IBRAM, 2009.
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Uma discussão necessária. in: CUNHA, Maria Clementina Pereira
(Org.). O direito à memória: patrimônio cultural e cidadania. São Paulo: DPH – Departamento do
Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal da Cultura, 1992.
EMANUEL OLIVEIRA BRAGA E
FUNARI, Pedro Paulo. Fontes arqueológicas: os historiadores e a cultura material. In PINSKI, C. B., Ed. -
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, p. 82-110. LUCIANO SOUZA E SILVA
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Autenticidade, memória e ideologias nacionais: o problema dos
patrimônios culturais. In Estudos históricos. Rio de Janeiro, v. q, n. 2, 1988.
______________ Ressonância, Materialidade e Subjetividade: as culturas como patrimônios. In Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 15-36, jan/jun 2005.
KERRIOU, Miriam Arroyo. Museu, patrimônio e cultura: reflexões sobre a experiência mexicana. In:
CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). O direito à memória: patrimônio cultural e cidadania. São Paulo:
DPH – Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal da Cultura, 1992.
MELLO, Paulino Cabral de. Vitalino, sem barro: o homem. 80 anos de arte popular. Brasília: Fundação
Assis Chateaubriand, Ministério da Cultura, 1995. Uma miríade de legislações nacionais e internacionais anseia disciplinar a
PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo, Contexto. 2005. atuação do Estado brasileiro diante dos crescentes encontros e conflitos entre
RICCEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François (et.al).São Paulo: Editora da governos, empreendedores, instituições técnicas, pesquisadores e populações
Unicamp, 2007. locais ocorridos a partir de processos de licenciamento ambiental.
TILLEY, Christopher. Introduction: identity, place, landscape and heritage. In Journal of Material Culture,
1
A produção deste artigo
2006; 11:7. contou com as valiosas O chamado licenciamento ambiental é o procedimento técnico-
contribuições de Átila Tolentino
VARINE-BOHAN, Hugues de. Os museus no mundo. Rio de Janeiro: Salvat Editora do Brasil, 1979. e Carla Gisele Moraes.
administrativo de monitoramento e fiscalização incidente sobre iniciativas

88 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 89


de intervenção planejadas por empreendimentos e atividades privadas Alguns economistas procuravam definir e idealizar como o capitalismo poderia
ou públicas2 sobre uma determinada territorialidade3. O resultado ser potencializado por meio de ciclos de desenvolvimento duradouros. O
desse procedimento é a obtenção ou não da licença ambiental, que vai economista Joseph A. Schumpeter, nascido na Áustria em 1883, foi responsável
depender da análise do diagnóstico de impacto ambiental4. O processo por uma revolução analítica nas teorias econômicas existentes, sistematizando
de licenciamento está presente nos mais diversos contextos nacionais os conceitos relacionados ao desenvolvimento econômico capitalista. Além
onde vigora o Estado democrático de direito. Segundo o site institucional de acadêmico, professor em várias universidades europeias e estadunidenses,
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Schumpeter exerceu uma vida profissional multifacetada, ocupando diversos
Renováveis – Ibama: cargos públicos e a presidência de um banco privado em Viena (COSTA,
O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação 1982). Com 29 anos de idade, em 1912, escreveu sua obra-prima, referência
de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora obrigatória para os estudos atuais do capitalismo contemporâneo: Teoria do
ou degradadora do meio ambiente e possui como uma de suas desenvolvimento econômico. Nesse ensaio analítico, Schumpeter caracteriza
mais expressivas características a participação social na tomada de primeiramente a existência natural de um fluxo econômico comum em
decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do qualquer sociedade humana. Esse fluxo promoveria trocas de objetos e valores,
processo. Essa obrigação é compartilhada pelos Órgãos Estaduais de
invenção de moedas para estabelecimento de equivalências universais entre o
Meio Ambiente e pelo Ibama, como partes integrantes do SISNAMA
preço das coisas, o oferecimento de serviços em troca de dinheiro, o salário,
(Sistema Nacional de Meio Ambiente). O Ibama atua, principalmente,
no licenciamento de grandes projetos de infra-estrutura que envolvam etc. Ou seja, tudo o que os economistas clássicos, de Smith a Marx, de Malthus
impactos em mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo a Walras, já tinham mapeado teoricamente como fenômenos econômicos
e gás na plataforma continental. As principais diretrizes para a ou de mercado. Se a sociedade, e ele se refere à “ocidental”, tivesse
execução do licenciamento ambiental estão expressas na Lei 6.938/81 continuado nesse ritmo de atividades econômicas usuais, estaria estacionada
e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97. Além dessas, historicamente em um tempo arcaico, sem a distribuição dos benefícios
recentemente foi publicada a Lei Complementar nº 140/2011, que
ocasionados pelas inovações tecnológicas periódicas e sem a distribuição
discorre sobre a competência estadual e federal para o licenciamento,
de novas oportunidades de consumo e bem estar. Para romper com esse
tendo como fundamento a localização do empreendimento.
ciclo econômico comum, foi e é necessária a existência dos empreendedores
Entre a conceituação de licenciamento ambiental e seus inovadores. Esses empreendedores são, nas palavras do economista Rubens
desdobramentos práticos nos ambientes governamentais e no dia a dia Vaz da Costa, nada mais nada menos que os agentes econômicos que trazem
das pessoas pelo Brasil a fora, há uma distância bem considerável. novos produtos para o mercado por meio de combinações mais eficientes
dos fatores de produção, ou pela aplicação prática de alguma invenção ou
O boom ambientalista e os novos olhares sobre o desenvolvimentismo inovação tecnológica. A política econômica desenvolvimentista, então, deve
O licenciamento ambiental abriga e agrega em seus ideais e exercícios ser um devir redistributivo exponencial para o próprio bem da sociedade: se a
2
As atividades e cotidianos uma série de conceitos básicos em constante processo de política se dirigir à redistribuição imediata, não se realizarão nem os desígnios
empreendimentos que são dos reformistas, nem o aumento da produção (1982: 9). O objetivo primeiro
passíveis de processos de fragilização e consolidação nos textos legais. Tais conceitos podem
Licenciamento Ambiental parecer ao leitor contemporâneo como obviedades ou naturalidades. de uma política de desenvolvimento econômico é fazer com que o tradicional
estão delineados no Anexo I
Entretanto, eles são vetores de uma multiplicidade de interpretações, ciclo econômico gire exponencialmente, em uma espiral crescente. Mas
da Resolução Conama nº. 237 Schumpeter diferencia crescimento de desenvolvimento. Desenvolvimento
de 1997. consequência de suas histórias repletas de embates, consensos e
entrecruzamentos de vontades políticas contraditórias. No presente econômico não é mero crescimento de um montante de capital, ele ocorre
3
Seguimos aqui o conceito
de Robert D. Sack que artigo, propomos inicialmente a análise de dois conjuntos de conceitos quando esse crescimento está atrelado a uma distribuição de benefícios
compreende “territorialidade para que possamos compreender minimante as bases filosóficas que tecnológicos e amplificam o raio de consumo de uma dada população. Dessa
como um componente do forma, desde seu nascedouro, o desenvolvimentismo aparece conectado ao
poder, não é somente um meio assentaram a plausibilidade existencial do licenciamento ambiental.
de criar e manter a ordem, mas Para facilitar a compreensão didática dos conjuntos, eles receberam empreendedorismo (BRAGA, 2013). 5
No presente artigo,
é um mecanismo para criar compreende-se cultura política
“ismos”, mesmo sabendo que o sufixo não é suficiente para O desenvolvimento, no sentido em que o tomamos, é um fenômeno distinto, como sistema de produção
e manter muito do contexto
geográfico através do qual abarcar a complexidade de suas redes ideológicas. Referimo-nos ao inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular ou na dinâmica de sentidos (as
experimentamos o mundo e desenvolvimentismo e ao ambientalismo. tendência para o equilíbrio. É uma mudança espontânea e descontínua nos “teias de significados” tecidas
damos sentido a ele” (1986: canais do fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o pelos homens em sociedade,
271). Do ponto de vista antropológico, o desenvolvimentismo pode ser na acepção weberiana
estado de equilíbrio previamente existente. (SCHUMPETER, [1964] 1982: 75)
apropriada por Clifford Geertz)
4
A noção de “impacto interpretado como um sistema cultural (GEERTZ, [1973] 1989) com fortes relacionados à política.
ambiental”, dentro da sua Mesmo antes das definições schumpeterianas do empreendedor inovador,
efeitos práticos na vida das pessoas, presente em diversas espacialidades Tomamos política no seu
diversidade conceitual, será o desenvolvimentismo do Estado brasileiro, caracterizado pela inscrição da conceito clássico, aristotélico,
abordada no tópico “Impacto e temporalidades afetadas por clivagens características do modo de
bandeira nacional “ordem e progresso”, tem sondado a gestão dos governos ou seja, as estratégias de
ambiental: o Estado concilia produção capitalista. Esse sistema cultural de fortes efeitos práticos organização da sociedade em
desenvolvimento econômico e centrais, regionais e locais desde o império. Com a proclamação da república, prol de uma felicidade humana
preservação ambiental”.
foi, no início do século XX, objeto de discussão da ciência econômica.
tal cultura política5 alcançou seus pontos áureos nos períodos getulistas coletiva.

90 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 91


(especialmente no período conhecido como repletas de descrições de florestas e belezas de búfalos, de salmão e de tubérculos”, não Na França, o novo ecologismo foi influenciado
“Estado Novo”), Jucelino Kubitschek (1956 - misteriosas; passando pela interpretação, por deixaram a área do parque espontaneamente por Pierre Fournier que propôs a volta às
1961) e Lula/Dilma Rousself (2003 - 2014). A meio da diversidade da literatura romântica, das como sugere Aubrey Haines. É importante práticas de uma vida ecologicamente sadia, o
também observar que pesquisas em sítios retorno ao campo e à vida em comunidade,
Constituição Federal de 1988 traz no seu texto ideias do “bom selvagem” integrado à “boa
arqueológicos de sepulturas em Yellowstone, na tentativa de criar ilhas de uma sociedade
várias indicações desse “perfil” do nosso Estado. natureza selvagem”; e mesmo o exponencial com mais de 1.000 anos na Cidade Perdida ideal, livre e libertária à semelhança do que
Logo no artigo terceiro, podemos ler como processo de concentração urbana provocado pela de Sierra Nevada, em Colômbia do Norte, nos ocorria na Califórnia, com as comunidades
objetivo fundamental da República Federativa do revolução industrial. Tudo isso, de uma forma Estados Unidos, demonstram uma intensa hippies. Estas, no meio rural, procuravam uma
Brasil “garantir o desenvolvimento nacional”. ou de outra, contribuiu para o estranhamento atividade humana em áreas que depois vida de auto-suficiência, mediante o uso de
categórico da existência do homem em relação à se transformaram em parques nacionais tecnologias doces, tecnicamente apropriadas
Paralelamente à consolidação ideológica do (MCNEELY, 1993). (DIEGUES, 1996: 17) e socialmente controladas, sob a inspiração
existência da natureza (THOMAS, 1983).
desenvolvimentismo, alguns segmentos sociais dos escritos de Boockchin. Na França, o
ocidentais, constantemente globalizados e O preservacionismo ambiental surgiu desse O movimento preservacionista ambiental, movimento teve influência de Ivan Illich, de
diversificados por incessantes trocas comerciais caldo cultural, interagindo inteligentemente o entre a segunda metade do século XIX e Serge Moscovici, de René Dumont. Esse novo
e fluxos culturais (WOLF, [1982] 2009), vinham ideário cristão do Éden natural livre do pecado a primeira metade do século XX, opondo ecologismo foi profundamente marcado pela
homem x natureza, foi estrategicamente “futurologia”, pelo profetismo alarmista: o
propondo pautas filosóficas e teológicas que original e a crescente constatação de que o
futuro incerto do planeta; o esgotamento dos
instituíam, a um só tempo, as categorias homem é um ser “essencialmente perverso”, fundamental para a expropriação de terras
recursos naturais; a superpopulação humana;
discursivas humanidade e natureza. A mera cujos interesses de ambição material estão sempre ocupadas pelos povos indígenas da América.
a poluição ecocida; as tecnologias opressivas;
instituição epistemológica dessas categorias já postos para atingirem à imaculada natureza Durante os empreendimentos privados de a guerra nuclear; a ciência dominada pela
direcionava o olhar dos pensadores para novos (DIEGUES, 1996). Paradoxalmente, buscando livrar loteamento capitalista do “oeste”, apoiados tecnocracia. As contrapropostas ecologistas
problemas teóricos de fortes efeitos práticos nos as ambiências supostamente imaculadas do bicho- pelos governos neocoloniais republicanos, foram feitas na direção de uma sociedade
a fundação de parques ecológicos, em libertária, constituídas de pequenas
padrões comportamentais das populações e nas homem capitalista, parques ecológicos foram
formato de ilhas terrestres isoladas, provocou, comunidades auto-suficientes, utilizando uma
posturas e decisões dos governos. Tal abismo criados desde o século XIX, livres da influência
ciência, um trabalho e uma tecnologia não
categórico radical colocou o homem como negativa humana, com fins mercadológicos de juntamente com a especulação agrária, mortes
alienante e a afirmação da sociedade civil
protagonista racional histórico, sujeitando a fruição turística. e violências de grupos nativos e camponeses,
em contraposição a um Estado centralizador.
(também novíssima) natureza aos seus desígnios: a fim de “civilizar” o continente do Atlântico
É significativo que em primeiro de março de (DIEGUES, 1996: 24)
eu, homem, posso preservá-la ou destruí-la, aliás, ao Pacífico. Historicamente, em certo sentido,
1872, quando o Congresso dos EUA criou
desenvolvimento e preservação do meio ambiente Enquanto o restrito debate filosófico buscava
eu a inventei. o Parque Nacional de Yellowstone também
determinou que a região fosse reservada nunca foram projetos antagônicos. influenciar novas práticas e posturas de vida do
As implicações empíricas do processo de e proibida de ser colonizada, ocupada ou homem médio urbano. Empreendimentos de
consolidação epistemológica da categoria homem Essas ideias e práticas puristas, ainda muito
vendida segundo as leis dos EUA e dedicada grande porte e parques ecológicos, com apoio
são brilhantemente debatidas em As palavras e as presentes na “cultura institucional” de órgãos
e separada como parque público ou área de dos Estados-nacionais, continuavam a deslocar
coisas de Michel Foucault: recreação para benefício e desfrute do povo; de proteção ambiental e em certos modelos de
violentamente populações, indígenas ou não,
e que toda pessoa que se estabelecesse ou organizações não-governamentais internacionais,
A ação sobre o corpo, o adestramento do no campo e na cidade. As novas ideologias que
ocupasse aquele parque ou qualquer de começam a receber uma série de críticas negativas
gesto, a regulação do comportamento, a surgiam não substituíram as antigas, apenas
suas partes (exceto as já estipuladas) fosse de movimentos populares e estudantis que
normalização do prazer, a interpretação do foram se acumulando, encontrando estratégias de
considerada infratora e, portanto, desalojada
discurso, com o objetivo de separar, comparar, tiveram seu ápice nas revoltas de maio de 1968,
(KENTON MILLER, 1980). É interessante consenso e conflito em cada contexto histórico-
distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isto especialmente na França (SIMONNET, 1981). A
observar que o “Wilderness Act”, de 1964, cultural local.
faz com que apareça pela primeira vez na contemplação do lazer, o isolamento dos parques
nos EUA, também continua definindo áreas
história esta figura singular, individualizada
selvagens (unidades de conservação) como protegidos e a separação do cidadão urbano Enquanto os ecologistas conservacionistas
– o homem – como produção do poder. se confrontavam com os ecologistas futuristas
as que não sofrem ação humana, onde o em relação à natureza não davam conta de
(FOUCAULT, [1966] 1995: 22) homem é visitante e não morador. Além disso, quanto à centralidade ou não do homem em
preservar o meio ambiente. Era preciso retornar
Para que tal “figura singular”, em antinomia a beleza natural deve motivar sentimentos de a certa humanidade perdida, não-capitalista, relação à domesticação da natureza, essas
enlevo e admiração (Devall & Sessions, 1985). vertentes entravam em consenso quanto à
ou dicotomia à também singularíssima natureza, uma humanidade que não precisasse se isolar
Segundo KEMF (1993), no entanto, o primeiro impossibilidade de preservar o meio ambiente e,
ganhasse plausibilidade no seu aparecimento parque nacional do mundo, Yellowstone, não
dos recursos naturais para não destruí-los, que
histórico, uma série de movimentos sociais e estabelecesse métodos de trabalho e modos ao mesmo tempo, expandir o capital predatório.
foi criado em uma região vazia, em 1872,
fluxos culturais, uma multiplicidade de forças, mas em território dos índios Crow, Blackfeet de vida conviventes com o meio ambiente Até o final dos anos 1970, era recorrente
causas e efeitos, no sentido weberiano, foram e Shoshone-Bannock. Uma subtribo dos local. Uma pesada denúncia foi filosoficamente nos debates sobre preservação ambiental o
fundamentais. Desde a difusão das visões dos Shoshone vivia durante todo o ano dentro elaborada, em diversos matizes e perspectivas pensamento antitético opondo de um lado os
viajantes, missionários e cientistas europeus em dos limites atuais do parque. Ainda segundo de pensamento e ação, contra as sociedades argumentos em defesa do crescimento econômico
a autora, esses índios, descritos como e de outro os argumentos em defesa do meio
contato com os “novos mundos”, alteridades industriais e consumistas.
“selvagens, demônios vermelhos, comedores

92 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 93


ambiente. Eram coisas completamente excludentes, aumentar o produto dos mais diferentes perfis de governos
interno bruto das nações e melhorar a qualidade ambiental (CAVALCANTI, contemporâneos acabou por legitimar
2003). Como vimos, mesmo para pensadores da economia do início do a temática ambiental em camadas
século XX, a exemplo de Schumpeter, “crescimento” não é sinônimo de significativas de muitos matizes da
“desenvolvimento”. O desenvolvimento nunca foi visto, em nenhum contexto, esquerda e da direita históricas. A educação
apenas sob o viés economicista. ambiental está na pauta da atualidade,
servindo como suporte à consolidação de
Entretanto, a crítica negativa ao economicismo, para muitos, implícito à
uma “cultura da preservação” nos assuntos
noção de desenvolvimento, foi atraindo cada vez mais adeptos ao longo do
e no dia a dia das pessoas. Há vários
século XX. Em 1972, houve um marco político e legal que traria novos modelos
anos ela faz parte dos currículos escolares
ideológicos e novas estratégias políticas buscando conciliar crescimento
dos mais diversos sistemas de ensino,
econômico, preservação ambiental e justiça social. Trata-se da Conferência
fundamental e médio, privado e público.
de Estocolmo, realizada na Suécia pela Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas. Aparecia, pela primeira vez, a ideia de “ecodesenvolvimento”,
Impacto ambiental: o Estado concilia
intuindo uma necessidade de estabelecer a relação positiva entre
desenvolvimento econômico e
desenvolvimento e meio ambiente.
preservação ambiental
O economista e ativista Ignacy Sachs participou efetivamente do debate
A instituição licenciamento ambiental
para o amadurecimento do conceito de ecodesenvolvimento. Sem deixar
faz parte dessa conjuntura histórica
de analisar os aspectos econômicos que envolvem a realidade mundial,
e sociopolítica que consolida como
ele contribuiu para associação dos problemas clássicos do capitalismo ao
princípios de organização da sociedade da possibilidade de grande intervenção, de
paradigma socioambiental. O desenvolvimento econômico e o bem estar social,
moderna o desenvolvimentismo econômico mudanças encaminhadas por interesses privados
para ele, estão diretamente relacionados com o respeito ao meio ambiente
e preservacionismo ambiental. Ela diz, em de um empreendedor ou de determinados
(SACHS, 1993).
nome do Estado e da sociedade brasileira: “o agentes governamentais, elementos individuais
Após vinte anos da realização da Conferência de Estocolmo, mais uma vez desenvolvimento econômico é livre, desde que transitórios que não representam a totalidade da
os membros das Nações Unidas se reuniram, agora com representantes de haja monitoramento, fiscalização e prevenção de ação do Estado. A nova intervenção e situação
172 países, para retorno ao debate ambiental e à consolidação de propostas seus possíveis impactos socioambientais”. socioambiental proposta não deve tomar o
mais concretas para conservação dos recursos naturais6 do planeta. Trata- seu feito como dado positivo acrítico, nem
O processo de licenciamento ambiental
se da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, conhecida tampouco deve tomar a situação socioambiental
traz, no seu bojo, a constatação de princípios
popularmente como Rio 92 (RIBEIRO, 2006). A nomenclatura desenvolvimento anterior como dado negativo acrítico, passível de
éticos elementares que remetem à própria ideia
sustentável, que já tinha aparecido em um documento técnico encomendado transformação ou revolução imperativa a priori
rosseauniana de contrato social acerca dos
pela ONU em 1987 (Relatório Brundtland – Our Common Future), torna- em nome de ideologia x, y ou z. Há de existir um
imperativos para melhor convivência humana
se um dos assuntos mais discutidos na Rio 92. Apesar de diferenças de tempo transicional de análise da intervenção,
em sociedade por meio do respeito mútuo à
contexto histórico (1972 e 1992), FERNANDEZ (2011) afirma, por meio em seus diversos aspectos legais e em suas
coletividade concretamente possível. A paz
da análise das obras de Sachs e Maurice Strong, que os conceitos de implicações políticas, culturais e econômicas.
coletiva deve se sobrepor à presença de um
ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável apresentam os mesmos
aglomerado de desejos e interesses individuais. J. Theys (1993) assevera a indissolubilidade
pressupostos teóricos.
O interesse empreendedor deveria, pois, passar entre universo humano e universo natural. A
Ignacy Sachs, diretor do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo,
pelo crivo do Estado e da sociedade. Ora, grandes produção e reprodução dos recursos naturais
vinculado à Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, assim como
intervenções planejadas para alteração de do planeta Terra se instituem e se modificam
Strong, emprega os conceitos de “Ecodesenvolvimento” e “Desenvolvimento
Sustentável” como sinônimos, apontando cinco dimensões interconectadas realidades socioambientais preexistentes precisam, de acordo com a movimentação de atividades
de sustentabilidade: social7 (voltada para a redução da pobreza e para no mínimo, de tempo, estudo, diálogo e acordo humanas. Essas atividades interferem de modo
a organização social), econômica (relativa à manutenção da capacidade com os diversos indivíduos e grupos de habitantes exponencial na natureza. Como afirma Luis
produtiva dos ecossistemas), ecológica (relacionada à preservação dos recursos e “usuários” de cada ambiência consolidada Enrique Sanchéz, a “sociedade moderna”
naturais enquanto base da biodiversidade), espacial (voltada para uma historicamente. Afinal, toda paisagem é histórica não tem outra alternativa a não ser “gerir o
configuração rural-urbana equilibrada) e cultural (referente ao respeito pelas
e cultural, pesa sobre ela a preexistência de meio ambiente, ou seja, ordenar e reordenar
especificidades culturais, identidades e tradições das comunidades locais).
6
No próximo tópico, nos afetividades acumuladas, sobrepostas. O constantemente a relação entre a sociedade e o
debruçaremos com mais
(FERNANDEZ, 2011, p. 110)
chamado “meio ambiente” é, de um modo ou mundo natural” (2006: 30). Entretanto, como
atenção à locução “recursos
naturais”.
O fato do movimento de preservação do meio ambiente não ter de outro, compartilhado por situações anteriores, cultura e natureza são ficções da classificação e
enfrentado de forma radical o avanço do desenvolvimentismo na gestão acumuladas, que não podem ser omitidas diante domesticação epistêmica da realidade empírica,
7
Grifos do autor citado.

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A ideia de impacto ambiental renovar as formas materiais e sociais do uma poderosa influência exercida sobre o meio ambiente, provocando o
desenvolvimento”. (GODARD, [1980] 1997, “desequilíbrio” do ecossistema natural (BRANCO, 1984).
não é vista da mesma forma p.7).
Diante da diversidade de interpretações do que deve ser considerado
nos estudos de impacto A expressão “impacto ambiental” aparece impacto ambiental, uma constatação que podemos fazer a partir da análise
ambiental promovidos a partir em meio a esse debate que atrela natureza à da pequena porcentagem de processos de licenciamento que passam pelo
cultura e ambiente ao desenvolvimento. Baseia-
do licenciamento. Dependendo se, especialmente no segundo tópico apontado
crivo “humanista” do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
– Iphan8 é a de que a ideia de impacto ambiental dificilmente está atrelada
do “grau” de interpretação da na citação de Theys, a saber, a necessidade às possíveis consequências do “desvio” ou “desequilíbrio” propiciado por
de estabelecimento de critérios sobre o que
dicotomia/antinomia homem um determinado empreendimento junto às pessoas, aos grupos humanos
a natureza consegue suportar diante da que vivenciam a ambiência ou paisagem afetada pela intervenção. Se há
e natureza, ou homem x intervenção humana que almeja potencializar polêmica historicamente construída nos aspectos ambientais do impacto,
natureza, o impacto de uma dada tecnologicamente o uso dos recursos naturais. nos seus aspectos culturais esse fenômeno ainda está nos seus primeiros
atividade humana sobre o meio Antes de impacto ambiental, por volta da passos reflexivos, mesmo que as Conferências da Nações Unidas para o Meio
década de 1960, essas noções de riscos e Ambiente em 1972 e 1992 tenham sido bastante enfáticas em definir o
ambiente pode ser visto desde potenciais do meio ambiente eram positivados homem como sujeito histórico da salvaguarda cultural/ambiental.
um “desvio” (uma mudança) e negativados a partir do termo “poluição”. Este artigo defende a necessidade urgente de reflexão antropológica acerca
qualquer de uma situação eleita Segundo Sánchez, poluição remete a da ideia de “impacto ambiental”, amplamente apropriada pelos códigos
interpretações mais restritivas, abordando apenas
como “base” (“realidade”) as perturbações ambientais que estão relacionadas
epistêmicos tributários de áreas de conhecimento tais como a biologia e a
ecologia e pela prática de fiscalização dos órgãos de proteção ambiental.
causada por essa atividade, à emissão de poluentes, substâncias químicas Como vimos, esses códigos epistêmicos passam, cada vez mais, a lidar com
até uma poderosa influência de difícil absorção pelos elementos preexistentes o velho binômio homem x natureza, ou homem e natureza, ou ainda com
em um dado ecossistema. Por isso, “o conceito a existência una desses termos, existência inominável que nega qualquer
exercida sobre o meio ambiente, de poluição foi ora sendo substituído, ora dicotomia e antinomia que justifique a realidade distinta desses conceitos.
provocando o “desequilíbrio” do complementado pelo conceito mais abrangente Qual a contribuição das ciências humanas e sociais para as implicações,
de impacto ambiental” (2006: 26).
ecossistema natural. dificuldades e potencialidade do fenômeno impacto ambiental sobre a riqueza
Todas as ideias aqui nominadas e e complexidade psíquica, social, política e econômica dos grupos e segmentos
resta a escolha política para melhor gestão dessa ressignificadas, natureza, humanidade, direta ou indiretamente afetados pela proposição de uma nova situação
relação. Segundo Theys, duas perspectivas são desenvolvimento, preservação, impacto empreendedora no local onde vivem e atribuem sentido?
historicamente possíveis: ambiental, entre outras, mais do que palavras e
conceitos puros, são e estão repletas de frestas, A sociedade humana provoca e sofre impactos ambientais
I – tentar determinar as condições de
produção do melhor ambiente possível para o fissuras, arestas, diferentes interpretações e usos Como já sabemos, os movimentos populares e estudantis que eclodiram
ser humano, renovando sem cessar as formas técnicos e políticos, possibilitando a existência de em maio de 1968 chamaram a atenção da política ambiental (até então)
de apropriação da natureza, ou; práticas institucionais que alternam hegemonias hegemônica para as implicações socioculturais da visão preservacionista que
II – tentar determinar o que é suportável pela e marginalidades em cada departamento, divisão excluía o homem, em seus modos de vida e posturas políticas, da pauta
natureza, estabelecendo, portanto, limites à e setor dos órgãos ambientais licenciadores, dos ambientalista. O homem não deveria ser visto apenas como um “malfeitor”
ação da sociedade. (THEYS, 1993, p. 30) meios acadêmicos e das demais instituições que, da natureza intocável, mas como potencial agente político de sua proteção.
de um modo ou de outro, desejam ou precisam O modelo de ilhas de conservação da natureza não contribuía concretamente
Para O. Godard a própria noção de “ambiente”
lidar com elas. para o atendimento das demandas de preservação da diversidade da vida,
ou “meio ambiente” traz, em sua semântica,
a visão da natureza como recursos que podem A ideia de impacto ambiental não é vista inclusive da vida humana. A relação entre meio ambiente e cultura está em
movimentar o desenvolvimento tecnológico e da mesma forma nos estudos de impacto toda a parte, é onipresente e só pode ser avaliada a partir de uma perspectiva
socioeconômico a partir da intervenção humana. ambiental promovidos a partir do licenciamento. que enxergue as ambiências como sistemas correlacionados ecologicamente
Dependendo do “grau” de interpretação da e, ao mesmo tempo, particularizados pela diversidade de modos de vida dos
O conceito de ambiente oscila entre dois
dicotomia/antinomia homem e natureza, ou grupos sociais humanos.
pólos – o pólo fornecedor de recursos e o
pólo meio de vida, duas faces de uma só homem x natureza, o impacto de uma dada Na chamada Declaração do Rio de 1992, documento consolidado durante 8
Dedicaremos um tópico para
realidade. Ambiente não se define “somente atividade humana sobre o meio ambiente pode a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento análise específica da praxe
como um meio a defender, a proteger, ou ser visto desde um “desvio” (uma mudança) institucional interna do Iphan
realizada no Rio de Janeiro, há a forte diretriz de instituir, de uma vez por
mesmo a conservar intacto, mas também qualquer de uma situação eleita como “base” no âmbito do licenciamento
como potencial de recursos que permite todas, o homem como o sujeito central dos direitos decorrentes da preservação ambiental.
(“realidade”) causada por essa atividade, até

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ambiental. Logo no princípio 1, a declaração escancara: “os seres humanos interpretações dadas às teorias das ciências sociais Ora, nada mais condizente com
estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm que avaliam a construção histórica de ideias,
direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. práticas e relações entre segmentos, grupos e
o conceito contemporâneo
Dessa forma, o documento reforça, de modo mais explícito, o compromisso classes sociais, a partir de várias perspectivas de patrimônio cultural do que
internacional estabelecido em Estocolmo (1972) de tratar a preservação do epistêmicas onde “social”, “economia”, “cultura” referenciar territórios, objetos,
meio ambiente e os direitos humanos de forma indissociável. e “política” fazem parte de uma mesma dinâmica
interativa. Reparem que em uma mesma oração, conhecimentos, edificações
No Brasil, as leis de proteção ao meio ambiente, embora lacônicas quanto à
indissociabilidade entre homem e natureza, expressam que a proteção do meio
a alínea “c”, do inciso I, um estratégico jogo e paisagens a partir da
de conceitos vai sobrepondo e intercruzando
ambiente é benéfica para a pessoa humana. O Artigo nº. 225 da Constituição
diversos aspectos da relação entre homem
importância que eles têm para
Federal de 1988 preceitua o meio ambiente como um “bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Dois anos antes da elaboração
e meio ambiente. O meio socioeconômico a “comunidade”, ou seja, para
de nossa carta magna, a Resolução Conama9 nº. 01 de 1986, dispondo sobre
é compreendido como um complexo, onde as populações e segmentos
“meio” já remete imediatamente à paisagem,
os critérios básicos e diretrizes gerais para avaliação de impacto ambiental em
território ou espaço, o “socioeconômico”
sociais que significativamente
respeito à Política Nacional do Meio Ambiente, insere no seu Artigo nº 6, o
seguinte texto:
descarrega rapidamente a visão economicista vivem, usam, sonham, criticam,
O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes
porventura encontrada na unidade “econômico”. guardam, compreendem,
E vai além. Por meio de “destacando” segue
atividades técnicas:
seu turbilhão semântico evidenciando no manipulam, interpretam,
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto com completa meio socioeconômico a existência de “sítios e trabalham, se divertem, sofrem,
descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como monumentos arqueológicos, históricos e culturais
existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da
da comunidade”. Como se não bastasse a
enfim, se relacionam com tais
implantação do projeto, considerando:
amplitude propiciada pelos termos “sítios” e sítios e monumentos.
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos “monumentos”, que podem ser interpretados
minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime
como territórios ou territorialidades que abrigam da Constituição Federal, que define patrimônio
hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
objetos, conhecimentos, edificações, paisagens, cultural como “bens de natureza material e
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando entre outras coisas e seres, suas adjetivações imaterial, tomados individualmente ou em
as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e
“arqueológicos, históricos e culturais” também conjunto, portadores de referência à identidade,
econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação
permanente;
apresentam um potencial interpretativo imenso a à ação, à memória dos diferentes grupos
partir da reviravolta dos paradigmas tradicionais formadores da sociedade brasileira”. Reparem
c) o meio socioeconômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a
de áreas do conhecimento como Arqueologia, que a nossa carta magna não está dizendo que
socioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e
História e Antropologia. as referências culturais devem ser importantes
culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os
recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos10. Entretanto, a verdadeira revolução democrática para a “memória nacional”, essa coisa grandiosa
propiciada pela Resolução Conama nº. 01 de e vaga, suscetível a arbitrariedade do olhar de
II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através
de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos 1986 vem mesmo na sequência da oração, “especialistas”, elas devem ser valorizadas pelos
prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos quando é taxativa ao afirmar, sem pestanejar, diferentes grupos que compõem, dentro de suas
(benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, “da comunidade”. Ora, nada mais condizente singularidades, a sociedade brasileira.
temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades
com o conceito contemporâneo de patrimônio Pois bem, tudo isso foi escrito para informar
cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.
cultural do que referenciar territórios, objetos, que essa revolução democrática e semântica dos
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os conhecimentos, edificações e paisagens a compromissos internacionais, das legislações
equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a
9
O Conselho Nacional do
partir da importância que eles têm para a nacionais e, especialmente, da Resolução Conama
eficiência de cada uma delas.
Meio Ambiente – Conama é o “comunidade”, ou seja, para as populações e nº. 01 de 1986, está longe de ser concretizada
órgão consultivo e deliberativo lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento segmentos sociais que significativamente vivem, nos processos de licenciamento ambiental no
do Sistema Nacional do Meio (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a
Ambiente – Sisnama. Foi usam, sonham, criticam, guardam, compreendem, Brasil. A distância entre a lei e a prática cotidiana
serem considerados.
instituído pela Lei 6.938/81, manipulam, interpretam, trabalham, se divertem, envolve uma vasta rede de responsabilidades
que dispõe sobre a Política
É de se aplaudir o debate técnico-legislativo que culminou na decisão do sofrem, enfim, se relacionam com tais sítios e que vai desde os agentes públicos ocupantes de
Nacional do Meio Ambiente,
regulamentada pelo Decreto Conama pela construção de um texto que, embora sintético, trouxesse uma monumentos. Por isso, eles são “da comunidade”. cargos comissionados nas áreas governamentais
99.274/90. riqueza na abordagem multifacetada para a avaliação de impacto ambiental. Nesse sentido, além dos seus méritos de gestão do meio ambiente e cultura, passando pelas
10
Grifos dos autores. O texto traz uma visão contemporânea e inteligente, antenada às novas ambiental, a Resolução antecipa o artigo nº. 216 interpretações técnicas dos servidores de carreira

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destas áreas, passando também pelo perfil entes públicos cujas missões institucionais redução no ano de 2002 da correta amplitude de abordagem dos impactos
mercadológico dos empreendedores e, por digam respeito diretamente ou indiretamente às ambientais sobre “sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da
fim, pela própria organização das populações questões ambientais. comunidade”, conforme vimos na Resolução Conama nº. 01 de 1986, e sobre
locais, que em consequência de uma séria de a definição de patrimônio cultural explicitado na Constituição de 1988. A
Como já somos cientes, uma das instituições
razões estruturais profundas, em muitos casos, análise do debate interno e dos bastidores técnicos do Iphan que culminaram
que historicamente tem sido consultada durante
ignoram e não politizam suas situações diante nessa redução do texto da Portaria não será esmiuçada no presente artigo.
os processos de licenciamento ambiental é o
das grandes intervenções que afetam negativa ou
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico O fato é que a publicação da Portaria 230 proporcionou o crescimento
positivamente suas próprias vidas.
Nacional – Iphan, autarquia federal responsável exponencial das demandas por acompanhamento técnico do Iphan de
pela identificação, reconhecimento e preservação determinados processos de licenciamento ambiental que tramitavam nos
O licenciamento ambiental no Iphan
do patrimônio cultural brasileiro. Provavelmente órgãos licenciadores. De “determinados processos” porque a maioria dos
As políticas contemporâneas de um a evidente menção da Resolução Conama nº. 01 processos de licenciamento ambiental presentes em todos os Estados da
Estado democrático de Direito não devem ser de 1986 dos “sítios e monumentos arqueológicos, federação não passa pelo Iphan. E isso não se deve a um critério coeso e
centralizadas na prática-discursiva de apenas um históricos e culturais da comunidade” tenha explícito dos órgãos licenciadores ambientais. Mesmo que em alguns casos
determinado setor do governo. Também não reforçado uma aproximação cada vez maior do isolados, a parceria entre Iphan e órgão licenciador estadual propicie o início
devem ser dependentes do crivo de “especialistas Ibama e dos órgãos estaduais e municipais de de um processo de racionalização do trâmite dos documentos entre as
no assunto”. As políticas devem ser públicas. proteção ambiental com o Iphan. duas instituições, o mais comum é que o Iphan fique sabendo oficialmente
Toda sociedade, dentro de sua diversidade de da existência de um determinado empreendimento que põe em risco uma
O presente tópico do artigo se dedicará
segmentos, associações e interesses, é convidada determinada referência cultural, geralmente arqueológica, por meio de
à descrição e reflexão de acontecimentos e
a participar do planejamento, execução, “denúncias”. Essas denúncias partem de arqueólogos que estabelecem redes
situações sociais (GLUCKMAN, [1958] 2010)
monitoramento e avaliação dos resultados de contato com agentes públicos responsáveis pelo acompanhamento de
ocorridas dentro dos ambientes técnicos e
das políticas públicas. A política ambiental processos de licenciamento ambiental nos órgãos de proteção ambiental
administrativos de servidores que compõem o
não se restringe, pois, aos ambientalistas, aos federal e estaduais e no Iphan. Sob as vestes do papel heroico de suas
Iphan a partir do ponto de vista e experiências
especialistas, nem aos setores governamentais denúncias de agressão ao patrimônio cultural cometidas por empreendedores
vividas por dois técnicos (os autores do presente
da área de meio ambiente. Não é à toa que “insensíveis”, o segmento de arqueólogos constituíram, em um curto espaço
texto) da Superintendência do Iphan na
logo no início do Capítulo IV da Constituição de tempo, um poderoso nicho de mercado profissional liberal.
Paraíba, que também atuaram em processos
Federal de 1988, intitulado “Do Meio Ambiente”, Nos primeiros anos que se seguiram à publicação da Portaria Iphan nº.
de licenciamento ambiental em outros Estados
podemos ler que “o direito ao meio ambiente 230/2002, os departamentos técnicos da chamada “área central”, sediados
da federação.
economicamente equilibrado” é um “bem de uso em Brasília/DF, e as divisões técnicas das superintendências e escritórios do
comum do povo” e cabe ao “poder público e à Essa aproximação se deu primeiramente por
Iphan em cada Estado da federação, associavam a chegada de processos ou
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo meio do crivo técnico referente ao patrimônio
documentos relativos à necessidade ou ao andamento de licenciamentos
para as presentes e futuras gerações”. arqueológico. Com a crescente demanda de
ambientais ao monitoramento do patrimônio arqueológico e aos técnicos
processos de licenciamento ambiental nas
É nesse sentido que a Política Nacional de e especialistas desse “setor” do Iphan. Na maioria dos casos, as prescrições
Superintendências do Iphan nos Estados da
Meio Ambiente responsabiliza o Estado, por da Resolução Conama nº. 01/1986, versando sobre os diversos aspectos do
federação e nos Departamentos técnicos sediados
meio dos órgãos ambientais federal, estaduais e patrimônio cultural “da comunidade”, eram (e ainda são) ignoradas.
em Brasília/DF, foi elaborada em 2002 uma
municipais, a emissão de licença ambiental após A visão reducionista em relação à amplitude de perspectivas possibilitadas
Portaria (número 230) que buscou disciplinar
extenso processo administrativo que envolve pela ideia-força patrimônio cultural não isentava a Portaria 230 de críticas
minimamente os caminhos administrativos e
consultas à sociedade envolvida e aos demais negativas dos próprios especialistas em gestão do patrimônio arqueológico
técnicos do instituto em relação às licenças
ambientais. No texto da Portaria, podemos que a viam e ainda a veem como uma normativa tendenciosa que não
ver do que ela se trata. De um modo geral o coíbe preventivamente as destruições e mutilações da diversidade de sítios
documento objetiva “compatibilizar as fases de arqueológicos tendo em vista que ela, em tom fatalista, especialmente
obtenção de licenças ambientais em urgência no seu artigo terceiro, atesta que “a partir do diagnóstico e avaliação de
com os estudos preventivos de arqueologia, impactos, deverão ser elaborados Programas de Prospecção e Resgate
objetivando o licenciamento de empreendimentos compatíveis com o cronograma das obras”. Ou seja, o empreendimento pode 11
Como os sítios
potencialmente capazes de afetar o patrimônio acontecer em qualquer lugar ou contexto, pois as técnicas de prospecção arqueológicos são protegidos
arqueológico”. Temos, portanto, uma estranha e o resgate irão “salvar” o que há de importante, do ponto de vista do pela Lei 3.924/1961 e pela
Constituição Federa de 1988,
patrimônio arqueológico. Não coincidentemente, a partir de 2002 ampliou- os arqueólogos precisam de
se exponencialmente o número de portarias de autorização/permissão de autorização/permissão para
execução de pesquisas arqueológicas no país11. realizar suas pesquisas.

100 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 101
A Portaria 230, um texto bem curto, traz ao final, de modo completamente contratada pelo empreendedor o
solto encerrando uma oração dentro de um parêntese, a expressão cumprimento da Resolução Conama 15
Muitos acontecimentos
“Programa de Educação Patrimonial”. Esse programa deve fazer parte nº. 01 de 1986 e da Portaria Iphan estão expostos aqui em
verbos no passado no intuito
12
Segundo o Artigo 8 da do “desenvolvimento dos estudos arqueológicos” em todas as fases do nº. 230 de 2002. Eram exercícios, de defender a mudança
Resolução Conama nº. licenciamento ambiental12. O curioso, pra não dizer engraçado ou ridículo, é primeiras experiências de gestão dessa realidade de gestão.
237/1997, o poder público Entretanto, sabemos que as
que a educação patrimonial está em um parêntese que vem esclarecer ao leitor pública de processos de licenciamento situações ora descritas no
expedirá três licenças: Licença
Prévia (LP); Licença de da Portaria quais são os “trabalhos de laboratório e gabinete” exigidos no ambiental no âmbito do Iphan. artigo ainda estão bem vivos
Instalação (LI) e Licença de desenvolvimento de estudos arqueológicos. Como veremos no próximo tópico Afinal, as metodologias aplicadas e nos bastidores dos ambientes
Operação (LO), que podem ser técnicos do Iphan.
expedidas isoladamente ou em
do artigo, a educação patrimonial não pode nem deve ser entendida como consolidadas recentemente no Iphan
16
A sigla Eia-Rima é
conjunto. uma ação de pesquisa individual, sob o olhar exclusivista e centralizador de um consistem em inventários e instruções
melhor definida no item
13
Etno-história é uma a pesquisador de qualquer área do conhecimento que traz ao público um saber técnicas voltadas para identificação, III da Resolução Conama
história menor que a História prévio e especializado ao pequeno ou grande público interessado. Entretanto, reconhecimento e salvaguarda/ nº 237/1997 que afirma:
com “H” maiúsculo. Trata-se “Estudos Ambientais: são
de um conceito anacrônico
especialmente nos primeiros anos de “aplicação” da Portaria 230, coube à preservação de referências culturais todos e quaisquer estudos
para as ciências humanas figura do arqueólogo, coordenador dos estudos voltados para o Programa de natureza imaterial e material14. relativos aos aspectos
contemporâneas. Calcado de Prospecção e Resgate do patrimônio arqueológico, os direcionamentos Os técnicos do Iphan, de diferentes ambientais relacionados
em noções evolucionistas , à localização, instalação,
etno-história é outro modo técnicos para elaboração do Programa de Educação Patrimonial. Na maioria dos formações acadêmicas e experiências operação e ampliação de uma
de falar em “pré-história”, casos, os estudos não chegavam ao Iphan sequer com algum tópico dedicado profissionais, viram-se em meio à atividade ou empreendimento,
uma ciência dos “povos apresentado como subsídio
à educação patrimonial. Nos poucos casos em que este tópico era entregue necessidade da “análise” de imensas para a análise da licença
primitivos” da História com
“H” maiúsculo. O “etno” junto com os produtos do diagnóstico, o programa de educação patrimonial ou exíguas listas de informações e requerida, tais como: relatório
serve, nesta nomenclatura, se reduzia (e ainda se reduz) a meras publicações de folders “explicativos”, fotografias de referências culturais ambiental, plano e projeto
para restringir as fronteiras de de controle ambiental,
trocas e dinâmicas culturais
normalmente chamados de “cartilhas”, que ilustram em pequenos textos e “encontradas” dentro de um ou mais relatório ambiental preliminar,
estabelecidas entre esses imagens a história (em forma de etno-história13) daquele determinado lugar municípios atravessados pelas áreas de diagnóstico ambiental,
grupos sociais taxados, então, plano de manejo, plano
onde o empreendimento vai se instalar, bem como as peças e fragmentos influência dos empreendimentos.
de “quase-históricos”. de recuperação de área
arqueológicos encontrados no trabalho de prospecção e resgate e uma degradada e análise preliminar
14
Na maioria dos casos, O primeiro problema encontrado na exigência desses inventários de
conclusão sobre a importância de preservar o patrimônio cultural encontrado de risco”. No presente
os técnicos do Iphan que varredura da “diversidade cultural” presente em cada município ou rede artigo já conceituamos
acompanhavam processos ali. Quando muito, esse material pedagógico é apresentado rapidamente nas
de municípios onde empreendimentos planejavam ser implantados foi a exaustivamente a noção de
de licenciamento ambiental escolas presentes nas redondezas onde o empreendimento será instalado. Em “impacto ambiental”, mas
solicitavam às equipes de constatação de que as informações poderiam facilmente se repetir e acumular
muitos casos, o Programa de Educação Patrimonial se reduzia tão-somente a nunca é demais recorrer
trabalho contratadas pelo infinitamente sem que os técnicos do Iphan pudessem minimamente avaliar os à definição do Artigo 1º
empreendedor o Inventário rápidas palestras a um número reduzido de escolas localizadas nas redondezas da Resolução Conama nº.
Nacional de Referências impactos negativos e positivos causados pela especificidade existencial de cada
do empreendimento, sem qualquer continuidade com os trabalhos ou com os 01/1986, onde podemos ler
Culturais – INRC. Segundo o empreendimento. As informações colhidas como “dados descobertos” pelos que impacto é “qualquer
site do Iphan, trata-se de “uma projetos político-pedagógicos das instituições de ensino. Ficava claro que era
pesquisadores eram15 apresentadas de modo completamente desarticulado das alteração das propriedades
metodologia de pesquisa uma mera tática para o cumprimento pró-forma das exigências legais para físicas, químicas e biológicas
desenvolvida pelo Iphan para implicações ambientais e socioeconômicas do empreendimento. O impacto
obtenção do licenciamento ambiental. do meio ambiente, causada
produzir conhecimento sobre ambiental (cultural) que deveria ser, para o bem dizer da verdade, o objetivo por qualquer forma de matéria
os domínios da vida social
aos quais são atribuídos
Este artigo não dará conta da necessária pesquisa e reflexão dos primordial do diagnóstico entregue ao Iphan simplesmente não aparecia nos ou energia resultante das
atividades humanas que, direta
sentidos e valores e que, pormenores, dos agenciamentos internos e externos, que possibilitaram inventários produzidos. Os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental – O ou indiretamente, afetam:
portanto, constituem marcos que os servidores das mais diferentes áreas técnicas do Iphan, de um modo Eia-Rima16, que entre outras informações relevantes, trazia detalhamento I - a saúde, a segurança e
e referências de identidade o bem-estar da população;
para determinado grupo geral, passassem a exigir dos empreendedores, representados indevidamente sociotécnico17 do empreendimento era (e ainda é) compreendida como uma
II - as atividades sociais e
social. Contempla, além das por seus arqueólogos contratados, um olhar cada vez mais amplo acerca documentação à parte, encaminhada exclusivamente para os órgãos de econômicas; III - a biota;
categorias estabelecidas
da diversidade de aspectos e referências culturais presentes nas paisagens proteção ambiental. O que chegava (e ainda chega) às mãos dos técnicos do IV - as condições estéticas e
no Registro, edificações sanitárias do meio ambiente;
associadas a certos usos, e localidades passíveis de implantação dos mais diferentes tipos de Iphan responsáveis pela análise dos processos de licenciamento ambiental são
V - a qualidade dos recursos
a significações históricas empreendimento. A exigência de um olhar patrimonial mais amplo passaria os inventários contemplando os diversos aspectos do patrimônio cultural. Ora, ambientais”.
e a imagens urbanas,
independentemente de sua
obrigatoriamente pela revolução de paradigmas da pesquisa interdisciplinar e os inventários não são diagnósticos! Ou seja, os problemas da redução do 17
A ideia de “sociotécnico”
qualidade arquitetônica ou da educação patrimonial. olhar patrimonial nos processos de licenciamento ambiental se mostravam cada se refere à acepção de
artística”. No inventário vez mais problemas técnico-metodológicos e processuais administrativos. A Bruno Latour ([1991] 2009)
não há campos específicos Motivados por alguns contextos internos do Iphan onde havia possibilidade da constante interação
destinados à avaliação de Resolução Conama nº. 01 se revelou em 1986 uma quebra de paradigma que e formação de redes
de gestão de políticas públicas por meio da troca de saberes e especialidades
impactos ambientais e o seu as metodologias aplicadas atuais do Iphan não conseguem acompanhar. simétricas entre inovações e
modelo fragmentado em fichas acadêmicas tais como antropologia, história, arquitetura e arqueologia, interferências tecnológicas
não dá conta do imperativo os processos de licenciamento ambiental passaram a ser cotidianamente Na esteira da Resolução Conama 01/1986, o Ministério do Meio Ambiente, no desenvolvimento e
relacional que é necessário na pensamentos, comportamentos
desafiados por informações técnicas que exigiam da coordenação da equipe procurando disciplinar os trâmites dos processos de licenciamento no âmbito
narrativa de um diagnóstico. e ações humanas.

102 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 103
federal18 entre Ibama e instituições consultivas a exemplo do Iphan, Fundação formados, geralmente, em ciências biológicas, O homem não é naturalmente
Nacional do Índio - Funai, Fundação Cultural Palmares - FCP e Ministério da agronomia, engenharias ambiental, de pesca,
Saúde, publicou em 2011 a Portaria Interministerial nº. 419. Uma breve leitura florestal, química, entre outras especialidades
agressor, nem é naturalmente
dos Termos de Referência19 elaborados pelos referidos órgãos consultivos das chamadas ciências naturais, exatas e preservador do meio ambiente,
e perceberemos que a preocupação em dialogar com as populações locais tecnológicas. Já o Iphan abriga profissionais ele é agente histórico de
afetadas pela instalação e operação de empreendimentos é patente. A referida formados, majoritariamente, em arquitetura,
Portaria faz parte de um esforço governamental para aperfeiçoamento história, antropologia, arqueologia, entre outras mudanças e pode e deve tomar
processual do monitoramento interinstitucional do licenciamento ambiental. especialidades que são classificadas ou dialogam consciência disso para a melhor
Mais uma vez constatamos que as dificuldades de democratização com as chamadas ciências humanas. Em algumas
dos processos de licenciamento não são resultantes da ausência de universidades, o curso de arquitetura está
convivência com os territórios e
regulamentações da atuação das instituições corresponsáveis. Os problemas, situado em centros de tecnologias, em outras paisagens existentes no mundo.
Segundo o artigo 4 da
Assim sendo, a terminologia
18
insistimos, são técnico-metodológicos e processuais administrativos. em centros de humanidades. De modo que a
Resolução Conama nº.
divisão das ciências em especialidades classificadas
237/1997, “compete ao
Instituto Brasileiro do Meio
Torna-se imperativo, pois, um esforço reflexivo multidisciplinar, que institua
em determinados conjuntos de conhecimentos
“licenciamento ambiental” não
nos processos de licenciamento ambiental um procedimento metodológico
Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis – Ibama, específico, que se afaste (sem abandonar alguns princípios), ao mesmo acadêmicos sai dos muros das universidades para exclui, ou não deve excluir, a
órgão executor do Sisnama, tempo das práticas inventariantes do Iphan e dos trabalhos de construção o mercado de trabalho e as instituições, de modo humanidade necessariamente
o licenciamento ambiental, a
de monografias, dissertações e teses do meio acadêmico. Propomos no geral, especialmente as instituições públicas,
que se refere o artigo 10 da
presente artigo que esse verdadeiro desafio metodológico deve se pautar acabam se transformando em instituições agenciadora/convivente do
Lei 6938 de 31 de agosto de
1981, de empreendimentos basicamente em dois conjuntos de ideias que ora precisam ser potencializados muito especializadas em certos assuntos e meio ambiente.
e atividades com significativo completamente ignorantes em outros. As
impacto ambiental de âmbito em um processo de síntese conceitual: a educação patrimonial e a
nacional ou regional, a saber: I pesquisa participativa. instituições, então, consolidam em suas próprias a equipe de técnicos formados em ciências
– localizadas ou desenvolvidas histórias institucionais, tradições de pensamento naturais, exatas e tecnológicas, toda a riqueza de
conjuntamente no Brasil e
Em defesa da educação patrimonial e da pesquisa participativa nos processos de que implicam fortes efeitos reais em suas práticas. prescrições presentes na Resolução Conama nº.
em país limítrofe; no mar
territorial; na plataforma licenciamento ambiental O Iphan, por exemplo, é conhecido, à boca 01 de 1986. Enquanto tal utopia não se realiza,
continental; na zona miúda, como “casa de arquitetos”. E o Ibama cabe ao Iphan e, quando existirem, aos órgãos
econômica exclusiva; em terras Antes do início deste penúltimo tópico do artigo, cabe aqui a evidenciação
indígenas ou em unidades
também tem seus arquétipos e modelos próprios de gestão do patrimônio cultural nos âmbitos
de que o que estamos propondo, depois de muitos debates, dificuldades,
de conservação do domínio de ver o mundo. A expressão “antrópico”, estaduais e municipais, o desafio de aprimorar o
da União. II – localizadas ou experiências e soluções compartilhadas na Divisão Técnica da Superintendência
bastante presente nos Eia-Rima e no linguajar acompanhamento dos diagnósticos de impacto
desenvolvidas em dois ou mais do Iphan na Paraíba, é o aperfeiçoamento técnico-administrativo dos processos
Estados; III – cujos impactos dos órgãos de proteção ambiental, revela a forte ambiental a partir da educação patrimonial e da
de licenciamento ambiental. Independentemente dos vícios e das praxes
ambientais diretos ultrapassem atualização das velhas dicotomias e antinomias pesquisa participativa.
os limites territoriais do país internas institucionais dos órgãos licenciadores ambientais e dos órgãos
homem x natureza, onde a humanidade é vista
ou de um ou mais Estados; consultivos (a exemplo do Iphan), o licenciamento deve ser gerido por uma Por conta da ampliação de aspectos das
IV – destinados a pesquisar, como naturalmente agressora, poluidora. Por
lavrar, produzir, beneficiar, rede de saberes multidisciplinares mais ampla, contemplando, de modo cada referências culturais presentes nos “diagnósticos
isso, autoriza-se, sem muita demora processual,
transportar, armazenar e vez mais simétrico e dialógico, a diversidade de possibilidades de olhares sobre de impacto ambiental” (que, como vimos, eram
dispor material radioativo, empreendimentos que planejam ser instalados
um mesmo fenômeno: o impacto ambiental. Essa simetria não diz respeito e ainda são nada mais que inventários, listas
em qualquer estágio, ou que em “ambiências bastante antropizadas”, ou seja,
utilizem energia nuclear em apenas à interdisciplinaridade de contribuições técnicas e acadêmicas da de informações e imagens) que chegam ao
em espaços já “maculados” pelo bicho-homem.
qualquer de suas formas e biologia, ecologia, engenharia ambiental, antropologia, história, arquitetura, Iphan, alguns técnicos das Superintendências,
aplicações, mediante parecer Essa compartimentação dos saberes se mostra
arqueologia, entre outras, mas, sobretudo, de contribuições de conhecimentos escritórios e departamentos da área central
da Comissão Nacional de danosa às demandas de análise de realidades tão
Energia Nuclear – CNEM; V e vivências dos grupos sociais e populações direta ou indiretamente passaram a nominar, nos corredores da instituição,
– bases ou empreendimentos
multifacetadas e repletas de jogos de interesse
envolvidas no processo de planejamento, acompanhamento e avaliação o “licenciamento ambiental do Iphan” de
militares, quando couber, e conflitos ideológicos que são as realidades dos
observada a legislação dos empreendimentos que propõem intervenções em suas paisagens e em “licenciamento cultural”. Entretanto, sabemos
processos de licenciamento ambiental.
específica”. Sendo assim, seus territórios políticos e afetivos. Trata-se de um incessante devir simétrico desde os primeiros tópicos deste artigo que o
podemos ver que atualmente a Como boa parte dos trabalhos de fiscalização
latouriano, onde podemos “combinar livremente as associações sem nunca ter conceito contemporâneo de meio ambiente,
grande maioria dos processos
de licenciamento ambiental que escolher entre o arcaísmo e a modernidade, o local e o global, o cultural e do Ibama e dos órgãos licenciadores dos especialmente após os movimentos de maio de
não passa pelo Ibama e sim o universal, o natural e o social” ([1991 2009: 139). Estados e municípios recaem sobre processos 1968, contempla necessariamente a centralidade
pelos órgãos estaduais de
proteção ambiental. Os órgãos ambientais licenciadores e os órgãos consultivos são autarquias, de licenciamento ambiental, o ideal é que essas do homem como sujeito histórico imbricado
fundações ou secretarias executivas dos Estados da federação ou dos instituições se preocupassem em trazer para seu na gestão dos recursos naturais. O homem não
19
Os termos de referência de
cada instituição compõem municípios com corpos técnicos direcionados para determinadas áreas do corpo técnico profissionais das ciências humanas é naturalmente agressor, nem é naturalmente
os anexos da Portaria
conhecimento. O Ibama abriga em sua estrutura de servidores, profissionais que dessem conta de apreciar, juntamente com preservador do meio ambiente, ele é agente
Interministerial nº. 419/2011.

104 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 105
Alfabetização cultural nos soava envolvidos com determinada territorialidade o que eles sabem concretamente da realidade socioambiental da localidade
ou paisagem presente na área de influência do que será impactada; 4) quais serão, segundo a versão deles, os impactos
como um retrocesso. Não pela projeto de intervenção, especialmente junto à negativos e positivos da instalação e operação do empreendimento; 5) e, por
locução em si mesma, que pode população local habitante e usuária da ambiência fim, se foram planejadas alternativas técnicas diante da impossibilidade de
remeter a uma interpretação impactada. Não é, pois, o “especialista” instalação e operação do empreendimento naquela dita territorialidade e/ou
contratado pelo empreendedor, nem o fiscal paisagem. A equipe de trabalho multifacetada contratada pelo empreendedor
freiriana da cultura como troca ou o consultor do licenciamento, servidor deverá também mobilizar esforços para fazer um levantamento de experiências
simétrica de saberes entre público, que obrigatoriamente dará o parecer similares desse tipo e porte de empreendimento em outras realidades
final sobre a negatividade ou positividade das socioambientais também similares.
acadêmicos e analfabetos, intervenções propostas pelo empreendimento.
Entre os anos de 2009 e 2011, a Casa do Patrimônio de João Pessoa20, ao
trazendo a construção da Essas pessoas, que compõem as equipes de
desenvolver ações de educação patrimonial junto às escolas municipais da
cidadania para a erudição do povo diagnóstico de impacto ambiental e os ambientes
cidade, especialmente do centro histórico, se viu instigada por uma questão
públicos dos órgãos licenciadores e consultivos
e suas experiências cotidianas. devem ser, na verdade, mediadores dos
bastante simples e desafiadora: o que estamos fazendo? Afinal, o que é
“educação patrimonial”? Indagávamos uns aos outros, em calorosos debates
Estávamos preocupados com a anseios, interesses, conhecimentos e sugestões
e conversas de corredor, se existia algum autor, um “pensador”, alguém
repercussão negativa da ideia de possibilitados pelos encontros e conflitos entre
que desse conta de dizer, em poucas palavras e conceitos, o que a ideia de
governos, empreendedores, instituições técnicas,
unir os termos “alfabetização” e pesquisadores e populações locais nas situações
educação patrimonial propõe ao mundo. Começamos, então, a pesquisar sobre
o histórico bibliográfico desta expressão e encontramos no Guia de educação
“cultura”. Isso não parecia bom sociais de licenciamento ambiental. As próprias
patrimonial, publicação do Iphan e Ministério da Cultura, a seguinte definição:
equipes de diagnóstico deverão ser compostas
para a edificação do conceito de por sujeitos, professores, profissionais liberais e A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que
educação patrimonial. agentes culturais locais interessados em produzir
possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em
a avaliação de impacto ambiental que um que está inserido. Esse processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos
histórico de mudanças e pode e deve tomar determinado empreendimento pode ocasionar e comunidades e à valorização da cultural brasileira, compreendida como
consciência disso para a melhor convivência com em suas realidades concretas. Essa interação múltipla e plural. (HORTA et al, 1999: 6)
os territórios e paisagens existentes no mundo. entre profissionais contratados “de fora da
A expressão “alfabetização cultural”, mesmo suavizada pelas aspas, foi o
Assim sendo, a terminologia “licenciamento comunidade”, de diferentes áreas de formação,
que nos impressionou de imediato. Estávamos caminhando justamente para
ambiental” não exclui, ou não deve excluir, a com profissionais e agentes culturais locais “de
uma autocrítica em relação ao nosso trabalho em relação à “centralidade
humanidade necessariamente agenciadora/ dentro da comunidade” é bastante instigante
do discurso”, à suposição de que a educação patrimonial não deveria ser
convivente do meio ambiente. para o processo de elaboração do diagnóstico.
entendida como uma “aula” onde determinados conhecimentos prévios sobre
Um desafio filosófico de fortes implicações Antes do início dos trabalhos de mobilização, uma igreja, uma praça, uma pessoa ou uma festa fossem repassados para
cotidianas é, então, proposto: o que pode educação patrimonial e pesquisa participativa, alunos ou pessoas interessadas em “obter” aquelas “verdades”. Alfabetização
ser considerado impacto à natureza tocável? como veremos adiante, que constituem a base cultural nos soava como um retrocesso. Não pela locução em si mesma, que
20
Segundo seu site
institucional, a Casa
Como tais impactos podem ser apreciados metodológica para a construção do diagnóstico pode remeter a uma interpretação freiriana da cultura como troca simétrica de do Patrimônio de João
como negativos ou positivos? Que tipo de de impacto ambiental, toda a equipe de trabalho saberes entre acadêmicos e analfabetos, trazendo a construção da cidadania Pessoa é um projeto da
contratada pelo empreendedor, composta, como para a erudição do povo e suas experiências cotidianas. Estávamos preocupados Superintendência do Instituto
ambiências naturais, demasiadamente humanas,
do Patrimônio Histórico e
devem ser preservadas de possíveis impactos vimos, de agentes “de fora” e “de dentro” das com a repercussão negativa da ideia de unir os termos “alfabetização” Artístico Nacional na Paraíba,
negativos ocasionados por empreendimentos comunidades envolvidas, deverá compreender do e “cultura”. Isso não parecia bom para a edificação do conceito de com vistas ao desenvolvimento
de ações de Educação
de grande porte? O que pode ser considerado modo mais detalhado possível de que se trata, educação patrimonial. Patrimonial e comunicação
um “antrópico” desejável em um processo de afinal, o empreendimento. Precisa compreender, com o público. Ela surgiu no
Ao mesmo tempo, Maria de Lourdes P. Horta et al falam de “reforço
licenciamento ambiental? por meio de pesquisas documentais, entrevistas ano de 2009 a partir de uma
da autoestima dos indivíduos e comunidades” e, de fato, avaliamos que a parceria com a Coordenadoria
e reuniões com a equipe diretora e técnica do Patrimônio Cultural –
Todas essas questões só poderão educação patrimonial diz respeito ao imperativo do protagonismo dos grupos
do empreendimento as seguintes questões- Copac da Prefeitura Municipal
ser respondidas caso a caso, conforme sociais em suas relações afetivas e práticas com seus territórios, suas paisagens de João Pessoa. Devido à
chave: 1) por que ele deve ser instalado
especificidades e implicações sociotécnicas e seus conhecimentos. ampliação de suas ações para
naquele local; 2) qual o histórico de demandas além do município de João
de cada empreendimento, a partir de um
políticas e socioeconômicas que possibilitaram No I Seminário de Avaliação e Planejamento das Casas do Patrimônio, Pessoa, abrangendo também
processo de diagnóstico de impacto ambiental outras cidades do Estado, o
a plausibilidade técnica do planejamento de ocorrido em 2009, os participantes do encontro elaboraram a primeira carta
que seja desenvolvido de forma compartilhada projeto teve seu nome alterado
instalação e operação do empreendimento; 3) pública de diretrizes voltadas para ações educativas referentes ao patrimônio para Casa do Patrimônio da
com os diferentes agentes públicos e privados
cultural. Nessas diretrizes, podemos visualizar o início de um processo de Paraíba.

106 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 107
ressemantização da noção de patrimônio cultural 1985: 224). A resposta é sim. A educação em conjunto com os especialistas contratados e
que passa a abrigar os termos “comunitário”, patrimonial é a criação de uma situação afetiva demais colaboradores do trabalho: o diagnóstico
“reivindicado” e “participação social”. e política para reconhecimento (especialmente de impacto ambiental do empreendimento sobre O trabalho de educação
Em meio ao debate conceitual da equipe da
do autorreconhecimento) do patrimônio as referências culturais das populações locais. Tal patrimonial, especialmente em
cultural dos “diversos grupos formadores da produto constitui um capítulo do Eia-Rima em
Casa do Patrimônio de João Pessoa, foi publicado
sociedade brasileira” presentes no Artigo 216 conformidade com o subitem “c” do item I do conjunturas de encontro e conflito
o primeiro volume do Caderno Temático de
Educação Patrimonial que, direcionado ao público
da Constituição Federal de 1988. A situação Artigo 6 da Resolução Conama nº. 01/1986. Não características dos processos de
educacional deve possibilitar que memórias teremos, pois, como temos atualmente na entrega
de professores de diversas áreas do conhecimento, licenciamento ambiental, deve ser
involuntárias das populações locais de bairros dos diagnósticos (que não são diagnósticos) ao Iphan,
trazia, sobretudo, nossos esforços reflexivos a
urbanos e rurais, comunidades tradicionais, um capítulo dedicado à pesquisa sobre as referências planejado e executado por meio
partir das primeiras experiências de educação
patrimonial. No primeiro artigo da coletânea
ribeirinhas, segmentos profissionais, associações, culturais e outro dedicado à educação patrimonial. de uma pesquisa participativa
entre outros grupos sociais, se tornem voluntárias, Quem ditará os tópicos do diagnóstico é a própria
o leitor é indagado se o papel estratégico da
politicamente atuantes, se tornem memórias realidade específica construída pela avaliação
que mobilize efetivamente
educação patrimonial é “despertar um novo olhar
para o cotidiano” (AIRES et al, 2011: 17). Extrair
cidadãs (BRAGA, 2011). de impactos negativos e positivos possivelmente representantes de vários
do cotidiano coletivo vivido em repetições não- Os processos de licenciamento ambiental
ocasionados pelo empreendimento. E como se dá segmentos, grupos, associações
essa pesquisa participativa? O que essa expressão
reflexivas o patrimônio afetivo compartilhado trazem à luz do dia a constatação administrativa
quer dizer? e instituições públicas e privadas
pelo grupo, aquilo que Walter Benjamin pintou do fato que determinados empreendimentos
como “apoderar-se de uma lembrança tal como estão com planos para uma novidade sociotécnica O termo “pesquisa participativa” está aqui por
envolvidas com o contexto
relampeja no momento de um perigo” ([1940] a determinada territorialidade. Estabelecem uma certo comodismo técnico-metodológico que almeja socioambiental afetado pelo
escapar, ao mesmo tempo, de um lado extremo das
situação social (GLUCKMAN, [1958] 2010) de empreendimento.
A educação patrimonial é mudanças estruturais que precisam ser avaliadas pesquisas sociais protocolares, cegamente objetivas,
como desejadas ou indesejadas pela população que tomam dados como verdades esquadrinhadas
a criação de uma situação local que vivencia uma realidade preexistente. Ela em campos preenchidos em formulários e, do outro
afetiva e política para vivenciará processos de liminaridade (TURNER, extremo, das complexas etnografias de ricas descrições exaustivas, repletas de
detalhes do cotidiano e de relações sociais intricadas em uma rede de sentidos
reconhecimento (especialmente [1969] 1974), fases de transição e ambiguidade
mais ou menos coesa (CLIFFORD, [1994] 2008). Contudo, se o diagnóstico de
em seus modos de vida, situações de risco, para
do autorreconhecimento) do o bem ou para o mal. Suas memórias, pois, impacto ambiental for impelido a se aproximar de um desses tipos ideais ora
patrimônio cultural dos “diversos precisam ser chamadas ao debate. Estão repletas definidos, ficamos, é claro, com o olhar etnográfico, com essa compreensão da
de medos, anseios, dúvidas, certezas, paixões, realidade via lentes artesanais, microscópicas e detalhistas que defende Mariza
grupos formadores da sociedade desejos de preservação e/ou mudança. Peirano (1995).
brasileira” presentes no Artigo O grande problema em se defender a execução plena do exercício
O patrimônio cultural, acautelado ou não pelo
216 da Constituição Federal de Estado, é um campo de conflito e o papel do etnográfico em contextos de conflito e encontro, em circunstâncias de risco
1988. A situação educacional Estado brasileiro, em todas as suas instâncias, (por vezes, de risco de remoção do lugar onde se vive), como as que envolvem
é mediar e defender a ampliação de políticas licenciamentos ambientais é o tempo planejado pelo empreendedor para
deve possibilitar que memórias que valorizem a diversidade sociocultural local execução das obras. Sendo obras pautadas por recursos das diversas instâncias
involuntárias das populações existente (FLORÊNCIO et al, 2014). do governo, a pressão, inclusive política, pela análise, em um curto intervalo de
tempo, acerca da plausibilidade ou não da instalação e operação de um dado
locais de bairros urbanos e O trabalho de educação patrimonial,
empreendimento, é ainda maior. Mas, esse problema pode ser devidamente
rurais, comunidades tradicionais, especialmente em conjunturas de encontro
resolvido com a experiência de vivência intensa em campo da equipe 21
A equipe que produzirá
e conflito características dos processos de
ribeirinhas, segmentos licenciamento ambiental, deve ser planejado e
multifacetada21 contratada e com a devida padronização técnico-administrativa o diagnóstico de impacto
ambiental no “meio
do acompanhamento desses processos de licenciamento ambiental via
profissionais, associações, entre executado por meio de uma pesquisa participativa
instituições licenciadoras e consultivas.
socioeconômico” (subitem
“c” item I do Artigo 6 da
outros grupos sociais, se tornem que mobilize efetivamente representantes
Ao contrário de um exercício etnográfico voltado para meios estritamente
Resolução Conama nº.
01/1986) deve contemplar
de vários segmentos, grupos, associações e
voluntárias, politicamente instituições públicas e privadas envolvidas acadêmicos, a inspiração etnográfica para elaboração de diagnósticos entre pesquisadores,
educadores e auxiliares,
atuantes, se tornem com o contexto socioambiental afetado de impactos ambientais deve estar ciente o tempo todo dos interesses as seguintes áreas do
mercadológicos do empreendedor que mobiliza a contratação do trabalho conhecimento: antropologia,
pelo empreendimento. No final, teremos um
memórias cidadãs. de pesquisa participativa e educação patrimonial. Mas esse interesse
história, geografia, economia,
“produto” de responsabilidade do empreendedor pedagogia, arquitetura e
mercadológico não deve ser visto como fatalmente prejudicial para as arqueologia.

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dinâmicas socioculturais das populações locais Como dissemos, esse trabalho será produzido de
envolvidas na territorialidade alvo de intervenção forma concomitante; as expressões aqui utilizadas
empresarial de grande porte. É justamente separadamente (educação patrimonial e pesquisa
nesse campo de embates e consensos de participativa) tem, na verdade, o intuito didático.
interesses políticos legítimos de empreendedores
Em vez dos enormes formulários dos
e populações locais que o diagnóstico deve
inventários do patrimônio cultural, a equipe
concentrar sua atenção descritiva e analítica.
contratada: a) mobilizará esforços para
O diagnóstico deve concluir de modo conciso
caracterizar detalhadamente o empreendimento,
e propositivo sobre as implicações positivas e
o ambiente social da empresa que planeja instalar
negativas do empreendimento e contrabalancear
o empreendimento; b) descreverá e analisará
todos esses aspectos por meio da caracterização
reuniões entre a equipe de trabalho contratada
da participação dos representantes dos grupos
e os representantes técnicos e cargos diretivos
locais envolvidos, informando em seguida quais
do empreendedor, documentará tais situações
serão os procedimentos que o Estado, por meio
empresariais e comunitárias em atas de reunião
dos órgãos ambientais licenciadores e consultivos,
e diários de campo; c) mobilizará esforços para
devem tomar diante das conclusões. Deve dizer do empreendimento. São elas, as pessoas que vivem o dia a dia da realidade
a realização de encontros com todos os agentes
se o empreendimento não pode ser instalado socioambiental específica e concreta, que definirão, dialogicamente e
sociais envolvidos, promoverá reuniões entre
naquela ambiência inicialmente proposta, se por meio das memórias individuais, familiares e coletivas, o que, por que
empreendedor e representantes dos grupos
precisa fazer desvios ou reajustes técnicos, ou e como os espaços vivenciados e os conhecimentos compartilhados são
sociais locais, documentará tais situações
ainda se pode ser instalado naquele contexto importantes para eles22 . A situação de risco e/ou oportunidade de mudança
empresariais e comunitárias em atas de reunião
socioambiental exatamente conforme o planejado ocasionada pela liminaridade do licenciamento ambiental deve propiciar
e diários de campo; d) fará levantamento de
no seu projeto técnico. que essas memórias sejam evidenciadas politicamente a favor dos grupos
memórias individuais, familiares e de associações
sociais envolvidos. Fronteiras identitárias, experiências de pertencimento
O diagnóstico de impacto ambiental, locais; e) debaterá com todos envolvidos os
local e seleção de patrimônios culturais da comunidade podem e devem
metodologicamente falando, aproxima-se mais “porquês” daquela intervenção. Afinal, por que o
ser produzidas e articuladas a partir do evento/fenômeno “processo de
da prática de produção de perícias ou laudos empreendimento deve se instalar ali, de que modo
licenciamento ambiental”. No presente artigo, defendemos que o processo de
antropológicos encomendados por diversas ele foi construído com os grupos locais envolvidos,
definição das fronteiras dos patrimônios culturais locais é o mesmo processo
instâncias do Ministério Público e de outras quais são os benefícios do empreendimento do
tão bem apontado por Fredrik Barth ([1969] 2000) de definição de fronteiras
instituições públicas antes de tomar decisões sobre ponto de vista do empreendedor e do ponto
étnicas e identitárias, Para Barth, os grupos sociais situam e relocam, de forma
determinados litígios da sociedade. Devemos de vista diversificado dos agentes sociais locais,
temporária ou não, uma identidade (e podemos ampliar para a noção de
lembrar, outrossim, que a equipe de trabalho, quais são os malefícios do empreendimento do
“patrimônio cultural”) que é vivida, contada e reinventada a partir do encontro
que aqui adjetivamos, em várias oportunidades, ponto de vista do empreendedor e do ponto de
com outras referências em conflito.
como “multifacetada”, abrigará em seu corpo de vista diversificado dos agentes sociais locais. Toda
participantes, profissionais liberais e professores essa gama de informações deve ser registrada Neste momento, devemos arriscar um “esquema” didático para melhor 22
É evidente que nos
de diversas áreas do conhecimento que sejam por meio de descrições textuais e audiovisuais, compreensão do que estamos ora definindo educação patrimonial/ processos interativos
moradores da localidade onde o empreendedor focalizando sempre possíveis embates e consensos pesquisa participativa. O esquema não reduz a complexidade de reflexões e provocados pelo licenciamento
planeja a intervenção empresarial. Além de produzidos na articulação desenvolvida pelas problemáticas construídas ao longo de todo artigo. ambiental de seleção dos
patrimônios culturais locais
profissionais liberais e professores, agentes pessoas a partir da proposição da pesquisa podem e devem surgir a
O processo de licenciamento ambiental deve se orientar no seguinte
culturais locais e/ou moradores interessados no participativa/educação patrimonial. identificação de patrimônios
modelo situacional: culturais já reconhecidos
trabalho desenvolvido podem e devem compor
O trabalho deve levar à comunidade pelo poder público, sítios
a equipe contratada para a elaboração do 1. O empreendedor planeja executar determinado empreendimento em arqueológicos, monumentos
informações detalhadas do projeto básico do
diagnóstico de impacto ambiental. determinada territorialidade, elabora um projeto básico e inicia os estudos para tombados e conhecimentos
empreendimento durante as reuniões e entrevistas registrados. A relação da
obtenção de licença ambiental;
Então, em resumo, especialmente na fase de individuais e coletivas, sanando possíveis dúvidas população local com esses
2. Os órgãos ambientais licenciadores, antes que o empreendedor comece a patrimônios consagrados só
obtenção da licença prévia, a primeira licença, existentes, com ética profissional, com franqueza reforçará a necessidade de
o empreendedor deve estar mobilizado para na construção dos diálogos. Já as informações elaborar o Eia-Rima, comunicam oficialmente os órgãos consultivos implicados produção de um diagnóstico
contratação de um grupo de profissionais e das referências culturais não serão dadas como naquele contexto visualizado no projeto básico (Iphan, Funai, Incra, prefeitura, que, a partir da educação
patrimonial/pesquisa
colaboradores do projeto a fim de que esse prévias, sob o olhar particular dos pesquisadores, entre outros); participativa, proponha
coletivo desenvolva um trabalho que alie e sim serão construídas a partir dos encontros 3. Os órgãos consultivos dão, então, orientações de diretrizes técnico- estratégias de políticas
públicas voltadas para a
educação patrimonial à pesquisa participativa. com moradores e usuários da ambiência alvo metodológicas a serem seguidas no processo de construção do Eia-Rima. O salvaguarda dessa relação.

110 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 111
trabalho de diagnóstico de impacto ambiental a Minuta de Instrução Normativa acerca dos
BIBLIOGRAFIA
produzido a partir de um trabalho de educação procedimentos técnicos e administrativos do
AIRES, Josilane Maria do Nascimento et al. “Educação patrimonial: primeiras ideias. In: Caderno Temático
patrimonial/pesquisa participativa comporá o Iphan perante os processos de Licenciamento 1 de Educação Patrimonial: orientações ao professor. João Pessoa/PB: Iphan/PB, 2011.
capítulo do Eia-Rima dedicado a atender o alínea Ambiental, que propõe ignorar os avanços legais BARTH, Frederik. “Grupos étnicos e suas fronteiras”. In: O guru, o iniciador e outras variações
“c” do inciso I do artigo 6 da Resolução Conama proporcionados pela Resolução Conama n. 01 antropológicas. Rio de Janeiro/RJ: Contra Capa Livraria, 2000.
nº. 01 de 1986; de 1986 e pela conceituação de patrimônio BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo/SP: Brasiliense, 1985.
cultural da Carta Magna de 1988. Mesmo diante
4. O Eia-Rima é elaborado e entregue ao devido BRAGA, Emanuel Oliveira. A reinvenção da dádiva: desenvolvimento regional, economia solidária
de tantas críticas negativas à referida minuta, e responsabilidade socioambiental no Banco do Nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado em
órgão licenciador que fará cópias e encaminhará
que iam desde o prejuízo da missão institucional Antropologia. João Pessoa/PB: UFPB, 2013.
para os devidos órgãos consultivos (Iphan, Funai,
do Iphan, passando pela inconstitucionalidade _________. “Memória, patrimônio e cidadania”. In: Caderno Temático 1 de Educação Patrimonial:
Incra, Spu, prefeitura, etc.); orientações ao professor. João Pessoa/PB: Iphan/PB, 2011.
presente em diversos trechos do documento
BRANCO, Samuel Murguel. O fenômeno Cubatão na visão do ecólogo. São Paulo/SP: CETESB / ASCETESB,
5. Os pronunciamentos dos órgãos proposto, até o seu anacronismo conceitual no 1984.
licenciadores e consultivos diante do que diz respeito às definições contemporâneas de Carta de Nova Olinda: documento final do I Seminário de Avaliação e Planejamento das Casas do
empreendimento devem obedecer a um patrimônio cultural, a proposta de normatização Patrimônio. Nova Olinda/CE: Casa do Patrimônio da Chapada do Araripe, novembro e dezembro de 2009.
prazo final único e deverão informar se o permanece firme e forte no Iphan. CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São
Paulo/SP: Cortez, 2003.
empreendimento deve ser instalado ou não, se Como diria sabiamente Montesquieu, as CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro/RJ:
deve sofrer adaptações, ou deve ser plenamente leis devem ser melhores que os homens que Editora da UFRJ, 2008.
instalado e operado conforme a previsão inicial as produzem. Devem ser um norte, um ideal COSTA, Rubens Vaz da. “Introdução”. In: SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico:
dos planos do empreendedor. uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo/SP: Abril Cultural,
a cumprir. É por isso que os erros, porventura, 1982.
cometidos pelo exercício cotidiano de DIEGUES, Antonio Carlos. O mito da natureza intocada. São Paulo/SP: Hucitec, 1996.
Considerações finais: retroceder, jamais! acompanhamento de processos de licenciamento FERNANDEZ, Brena P. Magno. “Ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável e economia
Esta reflexão propositiva se destina à busca ambiental, os exageros de exigências dos órgãos ecológica: em que sentido representam alternativas ao paradigma de desenvolvimento tradicional?”. In:
de fiscalização, o atraso das partes envolvidas no Desenvolvimento e meio ambiente. N. 23, Curitiba/PR: Editora UFPR, jan./jun. 2011.
de aperfeiçoamento técnico-administrativo dos
FLORÊNCIO, Sônia Rampim et al. Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília/DF:
processos de licenciamento ambiental no Brasil. cumprimento dos prazos processuais, a pressa Iphan/DAF, 2014.
Os autores não escreveram sozinhos o presente do empreendedor em obter as licenças para FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo/SP: Martins Fontes, 1995.
artigo. Muitas mãos, olhares e debates dentro seus empreendimentos, o assédio do mercado GEERTZ, Clifford. “A ideologia como sistema cultural”. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro/RJ:
da Divisão Técnica da Superintendência do Iphan arqueológico mediando anseios privados dos LCT, 1989.
na Paraíba estão, de uma forma ou de outra, empreendedores e princípios públicos do GLUCKMAN, Max. "Análise de uma situação social na Zululândia moderna". In: Bela Feldman-Bianco
(Org.). Antropologia das sociedades contemporâneas: métodos. São Paulo/SP: Unesp, 2010.
traduzidos em suas linhas. Ele é fruto da lide Estado, tudo isso é compreensível e precisa ser
GODARD, O. “L’ambivalence de la précaution et la transformation des rapports entre science et decision”.
diária de técnicos, antropólogos, historiadores, urgentemente corrigido. Mas essa correção In: Le principe de précaution das la conduite des affaires humaines. Paris: Editions de la MSH/INRA, 1997.
arquitetos, arqueólogos e educadores do Iphan não oferece nenhum aval para que a normativa HORTA, Maria de Lourdes Parreiras et al. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília/DF: Iphan/ Museu
e das equipes de trabalho contratadas pelos institucional do Iphan se adeque aos erros e Imperial, 1999.
acertos da lide diária dos contatos entre Estado LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo/SP: Editora 34,
empreendedores para elaboração de diagnósticos 2009.
de impacto ambiental que se reúnem com e sociedade. A proposta normativa do Iphan de
MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo/SP: Martins Fontes, 2000.
esses servidores para tirar dúvidas, compartilhar 2013, acreditando contrapor os erros da Portaria
PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro/RJ: Relume-Dumará, 1995.
dificuldades e propor soluções. Pessoas que nº. 230 de 2002, na verdade, os reforça. O Iphan RIBEIRO, E. L. Cidades (in)sustentáveis: reflexões e busca de modelos urbanos de menor entropia. João
cotidianamente lidam com processos de deve propor uma regulamentação a partir do que Pessoa/PB: Editora Universitária, 2006.
licenciamento ambiental. Ao longo dos diálogos já foi idealizado pela Resolução nº. 01 de 1986 e SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para do século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo/
pelo artigo 216 da Constituição de 1988. Essas SP: Studio Nobel/ Fundação para o desenvolvimento administrativo, 1993.
do Iphan com os órgãos ambientais licenciadores,
SACK, Robert David. Human territoriality: its theory and history. Cambridge: Cambridge University Press,
importantes parcerias foram e são consolidadas legislações hierarquicamente diferenciadas seriam, 1986.
para acordos quanto à interpretação das leis e então, complementos normativos para realização SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. São Paulo/SP: Oficina de
normativas que regem o licenciamento. de uma mesma missão do Estado e da sociedade Textos, 2006.
brasileira. A distância entre as leis, as boas leis, e SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital,
Todavia, na contramão do avanço dessas desdobramentos práticos precisa diminuir cada crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo/SP: Abril Cultural, 1982.
parcerias interinstitucionais e interdisciplinares, SIMMONET, Dominique. O ecologismo. Lisboa: Moraes Editores, 1981.
vez mais. Patrimônios culturais não são listas de
entre os dias 26 a 30 de agosto de 2013, THEYS, J. L’environnement à la recherche d’une définition. Paris: Notes de méthode de Institut Français,
informações cristalizadas disponíveis para consulta 1993.
foi apresentada para técnicos do Iphan que da sociedade. São a ponta de lança da construção THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo/SP: Companhia das Letras, 1983.
participavam do III Encontro de Avaliação da cidadã da diversidade cultural por estas bandas TURNER, Victor. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis/RJ: Vozes, 1974.
Política de Identificação do Patrimônio Imaterial e alhures. WOLF, Eric. A Europa e os povos sem história. São Paulo/SP: Edusp, 2009.

112 | Caderno Temático de Educação Patrimonial Diálogos entre escola, museu e cidade | 113
OS AUTORES Laetitia Valadares Jourdan
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e Mestre em Antropologia
aplicada ao desenvolvimento sustentável pela Universidade de Provence. Desde 2009, desenvolve
pesquisas em torno dos temas do patrimônio imaterial e do desenvolvimento sustentável. É uma das
idealizadoras do projeto Museu do Patrimônio Vivo da Grande João Pessoa.
E-mail: lvjourdan@gmail.com
Lauro César Figueiredo
Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Atualmente é Professor
Ana Cretton Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Atua,
Mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio, com principalmente, com os temas da Geografia Urbana e do Patrimônio.
especialização em Literatura Infanto-juvenil pela Universidade Federal Fluminense - UFF e em Leitura: E-mail: laurocfigueiredo@hotmail.com
teoria e prática pela UniverCidade; atualmente, integra a equipe do Programa Educativo do Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular - CNFCP. Lucia Yunes
E-mail: educacao.cnfcp@iphan.gov.br Mestre em Educação pela PUC-Rio, atualmente é coordenadora técnica do Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular – CNFCP, depois de muitos anos à frente do Programa Educativo da instituição.
Carla Rodrigues Gastaud
E-mail: yunes.folclore@iphan.gov.br
Graduada em História pela Universidade Federal de Pelotas, Mestre em História e Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É Professora Adjunta do Curso de Museologia da UFPel e Luciano de Souza e Silva
Coordenadora do Projeto de Extensão Laboratório de Educação para o Patrimônio – LEP. Graduado em Economia pela Universidade Federal da Bahia e Mestrando em Preservação do Patrimônio
E-mail: crgastaud@gmail.com Cultural pelo Iphan/Copedoc. É técnico em Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional desde 2006.
Carlos Daetwyler Xavier de Oliveira
E-mail: luceco_23@hotmail.com
Administrador de empresas e educador do Museu da República/IBRAM/MinC desde 1986. Suas atuações
em âmbito nacional nos programas de ação comunitária no Movimento Brasileiro de Alfabetização Moysés M. de Siqueira Neto
definiram sua principal linha de atuação até os dias de hoje: projetos especiais de educação em museus Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007). mestre em Memória Social
que visam à inclusão social, em parceria ou não com diversas instituições. e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2011) e doutorando em Arqueologia na
E-mail: cdxo@superig.com.br Universidade Federal de Sergipe. Foi consultor da Unesco/IPHAN para assessorar tecnicamente as
atividades e procedimentos necessários à execução de ações relativas à política federal do patrimônio
Cristiane Valdevino de Aquino imaterial (2013/2014).
Graduada em Licenciatura plena em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. E-mail: moyses_neto@yahoo.com.br
Trabalha com arqueologia na UFRPE, com arte-educação no Museu–oficina Cerâmica Francisco
Brennand. Atualmente cursa a especialização em Fundamentos da educação e práticas interdisciplinares Newton Fabiano Soares
na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB e é professora de História do Ensino Fundamental da rede Graduado em museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UniRio. Técnico do
estadual da Paraíba. Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM. Atuação na área de educação museal desde 2007, passando por
E-mail: criss_aquino@hotmail.com instituições como: Museu da República, Museu Histórico Nacional, Secretaria de Cultura e Turismo de
Valença-RJ, Solar dos Mellos – Museu da Cidade de Macaé.
Emanuel Oliveira Braga
E-mail: newton_fabiano@yahoo.com.br
Graduado em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela Universidade Federal do Ceará,
mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba e doutorando em Arqueologia pela Patrícia Cristina da Cruz
Universidade Federal de Pernambuco. É Antropólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Graduanda em Museologia – Universidade Federal de Pelotas. Bolsista no Laboratório de Educação para o
Nacional desde 2006. Patrimônio – LEP.
E-mail: eobraga@yahoo.com.br E-mail: patricia.cristina@ufpel.edu.br
Fernando Pascuotte Siviero Renata Brião de Castro
Bacharel e licenciado em História pela Unicamp e mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Graduanda em Museologia – Universidade Federal de Pelotas. Voluntária no Laboratório de Educação para
Iphan com pesquisa sobre educação patrimonial e educação integral. Fotógrafo e educador, desenvolve o Patrimônio – LEP. Bolsista no Museu Gruppelli.
pesquisas e projetos na interface entre educação, fotografia, cidade e patrimônio cultural. Trabalha E-mail: renatab.castro@gmail.com
atualmente com educação democrática, arte-educação e projetos socioeducativos.
E-mail: fpsiviero@yahoo.com.br
Sabrina Campos Costa
Graduada em Turismo e Gestão Empresarial, MBA em Planejamento e Marketing Turístico, especialista
Heliana de Moraes Alves em Arqueologia, atua nas áreas de planejamento turístico e patrimônio cultural. Coordena o Programa
Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, possui graduação em Geografia de Educação Patrimonial da Secretaria de Estado de Cultura, é docente de especialização da Faculdade
Licenciatura Plena pela UFSM e atualmente cursa Geografia Bacharelado pela mesma instituição de ensino Integrada Brasil Amazônia e cursa Ciências Sociais, onde pesquisa sobre as transformações do centro
e está vinculada ao projeto Paisagem Cultural e Patrimônio Cultural de Restinga Sêca/RS. histórico de Belém na perspectiva de seus moradores.
E-mail: helianademoraesalves@gmail.com E-mail: belamazonia@yahoo.com.br

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Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan
Superintendência do Iphan na Paraíba
Praça Antenor Navarro, 23 - Varadouro
CEP 58010-480 - João Pessoa/PB
Telefone: (83) 3241-2896 e 3221-2496
E-mail: iphan-pb@iphan.gov.br
www.iphan.gov.br

Blog da Casa do Patrimônio da Paraíba


Este livro foi impresso em fevereiro de 2015, com uma tiragem de http://casadopatrimoniojp.com
2.000 exemplares, pela Seggraf Impressos de Segurança. E-mail: casadopatrimoniodaparaiba@gmail.com

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