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1
LAURELL K. HAMILTON
1992
SOBRE O LIVRO
Hamilton trouxe o sobrenatural à luz - e deu aos leitores uma visão de um mundo em
chamas com um suspense eletrizante e paixões violentas. Neste, seu romance de
estreia, sua rica imaginação abre suas asas para voar - em um conto de uma mulher
conhecida como feiticeira, profeta e feiticeira.
SOBRE A AUTORA
3
SINOPSE
Keleios, a Meio-Elfa, tinha apenas cinco anos quando viu sua mãe ser assassinada pela
bruxa Harque. Durante anos, ela pediu aos deuses a força necessária para vingar essa morte
imunda, e parece que os deuses a responderam.
Ela recebeu uma série de poderes nunca antes vistos em uma pessoa, mas ela também
adquiriu um fardo aterrorizante, uma marca demoníaca. Essa marca pode abrir a porta para
habilidades não sonhadas, mas também pode abrir sua alma para o lado escuro proibido da magia.
4
Keleios deve escolher entre o poder contaminado da marca demoníaca e a vida daqueles que
ela mais ama. Em uma batalha épica do bem contra o mal, de espadas encantadas e dragões que
mudam de forma, de ódio insaciável e amor improvável, Keleios deve enfrentar seus próprios
demônios - antes que ela possa adquirir o poder mais importante de todos: o poder de perdoar.
SUMARIO
PROLOGO 06
CAPÍTULO 01: UMA SONHADORA RELUTANTE 10
CAPÍTULO 02: UM FEITIÇO DE LIGAÇÃO 24
CAPÍTULO 03: PROFECIA 41
CAPÍTULO 04: UMA RESPOSTA 62
CAPÍTULO 05: NA ESCURIDÃO 86
CAPÍTULO 06: JURAMENTO DE SANGUE 109 5
CAPÍTULO 07: BORDA DO DEMÔNIO 125
CAPÍTULO 08: A ADAGA BRANCA 144
CAPÍTULO 09: FOGO E GELO 165
CAPÍTULO 10: A ÚNICA COISA MAIS TRISTE 174
CAPÍTULO 11: CORRENTES 194
CAPÍTULO 12: ALHARZOR 204
CAPÍTULO 13: HARQUE, A BRUXA 220
CAPÍTULO 14: UM SOM DE CORNETA 234
CAPÍTULO 15: A ILHA DO GUARDIÃO 263
CAPÍTULO 16: UMA QUESTÃO DE MAGIA 281
PROLOGO
O quarto era estreito, com apenas uma cama raquítica. Algo estava amarrado àquela
cama. Aquilo era preto e pus escorriam dele. A pele estava rachada e sangrando como se
a doença fosse demais para a pele segurar. Keleios olhou para a coisa por um tempo, sem
entender. Aos olhos dela isso não fazia sentido. A menininha percebeu que uma pessoa
estava amarrada à cama. Keleios começou a chorar. Não havia sugestão de quem tinha
sido, apenas que tinha sido uma pessoa.
O rosto preto virou-se para elas e abriu os olhos - olhos castanhos, os olhos de sua
mãe. Keleios gritou. A voz de Harque veio.
-Onde está a Elwine, a Gentil? Onde ela está agora?
O pesadelo desapareceu ao som de seus próprios gritos. Ela acordou ofegante e
suada. Magda, sua ama, estava lá, trazida por seus gritos.
-Keleios, criança, o que foi isso?
Keleios chorou no peito gordo de Magda, soluçando, incapaz de falar. O medo ainda
estava lá, horrível e completo. Ela não podia respirar em torno do terror disso. Ela não
conseguia parar de pensar na visão dos olhos de sua mãe, a morte de sua mãe. Elwine
estava lá, alta e esbelta, vestida de branco. Keleios se soltou da enfermeira e chamou por
sua mãe. Elwine a abraçou e acariciou seus cabelos até que sua respiração se acalmou e
seus soluços se acalmaram.
-Agora, pequena, o que aconteceu para incomodá-la tanto?
Keleios sussurrou:
-Eu sonhei.
-Mas já conversamos antes, Keleios; sonhos não podem machucá-la.
Keleios se orgulhava de ser corajosa e não olhava para a mãe, mas olhava para o fio
de prata trabalhado no corpete de sua mãe. Formava uma linha prateada de folhas e flores
comuns, o tipo de coisa que entrava em um feitiço de ervas. Mãe cheirava a hortelã-
pimenta e flores de maçã desbotadas. Ela estava fazendo um feitiço quando Keleios
gritou. Elwine forçou a criança a se afastar dela e disse:
-Olhe para mim, Keleios.
A criança olhou, meio amedrontada.
-Você ainda está com medo?
Keleios assentiu. 8
1
Significa: “Aquela que enxerga à noite”
– Como ela estava quando entrou?
Ele deu de ombros:
– Nervosa, mas quem não estaria? Ouvi dizer que a torre pode devorar a alma de
uma pessoa.
Keleios ignorou sua tentativa de assustá-la.
– Há alguma sala de sonho aberta?
– Três.
Ela esperou, mas ele não se ofereceu para mostrar quais estavam vazias.
– Quais estão vazias, Eduard? 16
Ele se levantou apoiando-se nos braços e a conduziu para três portas. Ele fez
uma reverência cortês e disse:
– A escolha é sua, minha adorável coquete.
Era uma palavra legal para vagabunda, mas era isso que significava.
– Eduard, você está sendo infantil.
Não era a reação que ele esperava.
– Vou encontrar algo que irá abalar seu rosto calmo e estoico. Ouvi rumores de
que você tem um temperamento violento.
– Quando eu era criança. Mas não sou mais criança.
Ele percebeu a ênfase e seu rosto ficou sombrio.
– Vou encontrar algo que incomoda você.
Keleios se aproximou dele; eles eram quase da mesma altura.
– Se você alguma vez encontrar algo que realmente me irrite, Eduard, significará
um duelo nas areias. E eu vou matá-lo. – ele não recuou, mas suas mãos se fecharam
em punhos. Por um momento, Keleios pensou que ele a atacaria. Ela deixou um
sorriso lento dançar nos lábios. Foi um sorriso zombador. – Como você
constantemente me lembra, sou apenas uma viajante. E pela lei astranthiana, posso
desafiar qualquer outro viajante para a batalha.
Seus olhos azuis se arregalaram. Provocar uma mestra caída era uma coisa.
Lutar com ela nas areias era outra. Sua raiva descoloriu seu rosto e fez seus olhos
brilharem como pedras duras, mas ele deu um passo atrás.
– Pegue qualquer um dos quartos que preferir.
– Obrigada – ela estendeu a bolsa de couro. Ele pegou com relutância.
– Suas armas?
– Sim, tudo o que eu estava carregando comigo.
Ele pareceu perplexo, então, por ela ter confiado a ele grande parte de seu poder.
Ela riu.
– Não pareça tão preocupado, Eduard. Há um feitiço na abertura que acho que
você não consideraria agradável.
– Partirei numa missão de viajante este ano. Você acha que não posso desfazer
um bloqueio simples?
– Quem disse que era um simples feitiço de bloqueio? 17
Com o olhar confuso em seu rosto, ela decidiu explicar. Keleios não desejava
que o jovem testasse a bolsa e fosse morto. Fidelis, a bruxa, ficaria brava. Era
considerado muito indelicado matar um viajante.
– A bolsa pode ser facilmente aberta, mas se qualquer outra mão que não a
minha abrir... Digamos que será uma maneira desagradável de morrer.
– Você não fez isso.
– Não, mas o feitiço guardião foi trabalhado nela em sua elaboração. Portanto,
não pode ser dissipado ou desarmado. É como parte da substância da bolsa.
– Sempre há uma maneira de desfazer um feitiço; isso é uma lei da magia.
– Eu não disse que não havia.
Ele segurou a bolsa sem jeito. Keleios podia ler seus pensamentos em seu rosto,
mas ela sabia como garantir que não houvesse um acidente.
– Eduard, o Mago, eu ordeno que não abra a bolsa. Fazer isso é morte, eu avisei,
e agora não é mais culpa minha.
– Realmente existe um feitiço de morte aqui, não é?
– Você já me viu blefar?
Ele balançou a cabeça e segurou a bolsa cuidadosamente entre três dedos.
Keleios ficou satisfeita. Suas armas estavam seguras, e ela não explicaria a Fidelis
por que seu viajante havia sido comido. Ela escolheu uma porta e a abriu. O ar estava
fresco e seco. Pela única janela da sala, os últimos raios de um pôr do sol laranja
estavam morrendo. Os quartos dos sonhos tinham um tempo diferente que o do
mundo exterior.
A escuridão noturna de Astrantha foi deixada para trás. Alguns diziam que as
janelas refletiam sonhos, mas Keleios não pensava assim. Havia muitas teorias, mas
Keleios não acreditava em nenhuma delas. Ninguém se lembrava porque os
construtores tinham dado janelas para a torre. Era um mistério, e isso bastava. A luz
evanescia, morrendo em oblongos dourados pelo chão. Havia um cheiro forte vindo
da janela, como madressilva ou jasmim. Estufas, mas também não exatamente isso.
Era um cheiro doce e rico, e a fazia pensar em magia e lugares escondidos. Keleios já
tinha sentido aquele cheiro muitas vezes, mas ainda não tinha visto a flor que exalava
esse perfume. 18
Lutou até ficar enjoada e sua cabeça doer. O sono a puxou e a doença desapareceu.
Imagens brilhavam em sua mente: cores vivas, sentimentos, sonhos exigindo
que ela entrasse, mas eram sonhos antigos, lembranças de pessoas que se foram há
muito tempo. Keleios escapava deles com facilidade, praticada há muito tempo. Era
seu próprio sonho que ela tinha vindo encontrar, não a profecia desatualizada de outra
pessoa.
O verdadeiro sonho que ela viera encontrar começou silenciosamente com
lembranças, como todos os sonhos. Mestre Poula, professor de Ervas e Profecias na
escola, estava andando pelo corredor que atravessava a frente da torre. E no caminho
dos sonhos, a figura mudou para outros rostos que Keleios conhecia. Era Alys, a
profetisa mais jovem da escola, a quem Keleios confortava quando ela chorou com
saudades de casa. Era a aprendiz Melandra, com o rosto marcado e coração tímido.
Keleios tinha meio que adotado a menina assustada, a irmã mais nova que Keleios
nunca teve. Keleios sabia que um dia Melandra iria ser uma grande feiticeira, mas
Melandra ainda não sabia disso. Rosto após rosto fluía através do sonho, todos
andando pelo corredor em direção às janelas que davam para o pátio.
O medo começou. Comprimia seu peito até que ela lutasse para respirar. Era
Belor, sua amiga desde a infância e a maior ilusionista da fortaleza, que se virava
para as janelas. A janela estava cheia de escuridão. Uma luz prateada, que não era
exatamente luz, brilhou em volta da escuridão.
– Não! – Keleios lutou contra o sonho. Contra todo o seu treinamento, ela tentou
mudá-lo, mas a profecia não podia ser mudada. Belor não poderia entrar na escuridão,
pois se o fizesse, ela morreria. Era Feltan, a criança camponesa que Keleios levara
para a fortaleza para treinar, que caiu pela janela no escuro, seu pequeno corpo foi
varrido totalmente pelas trevas. Algo mais estava na escuridão, alguém em pé. Fidelis,
a Bruxa, professora de Ervas e Ilusão na escola, e seguidora dos deuses das trevas,
estava envolta em escuridão. Uma maldita adaga escorregou de sua mão e caiu
piscando no escuro como uma estrela desaparecendo. As paredes da torre estavam no
escuro, e alguém andava sobre elas, uma mulher alta vestida de cinza. Keleios sabia
quem se viraria para encará-la. Harque caminhava pelas paredes da escola. A parede
começou a desmoronar. Harque virou as costas e jogou as mãos para o céu. Quando
ela virou-se para encarar Keleios novamente, Fidelis quem estava na parede em 20
deusa dos sonhos ruins e da traição. Eles foram atraídos para as profecias sombrias
como abutres para os recém-mortos.
A oração a Urle morreu em seus lábios. Ela não conseguia mais pensar nisso.
Algo mantinha fantasmas fora da torre. Ela sabia o que era. Ela sabia, mas não
conseguia pensar. As vozes suspirantes sussurraram:
– Profetisa, profetisa, olhe para nós. Você não pode escapar deste lugar, e não
pode sobreviver neste lugar. Olhe para cima e termine seu sofrimento.
Keleios se viu de joelhos, com os olhos ainda fechados. Ela falava: "Não, não".
Sentou-se, escondendo os olhos contra os joelhos. Dizia-se que bastava um olhar para
um fantasma e toda sanidade era apagada como uma vela, a alma, arrancada. Tão
alienígenas eram que apenas um olhar era suficiente. Keleios lutou para não dar
aquela olhada. Como os fantasmas estavam sendo mantidos longe da torre? Ela sabia
a resposta apenas alguns minutos antes, mas não conseguia pensar. Feitiçaria, alguma
feitiçaria, sim. Um símbolo de feitiçaria.
– Profetisa, ouça-nos. Você não pode escapar. Você é nossa. Não se atormente.
Desista e estará livre de tudo isto.
Feitiçaria, um símbolo, um símbolo... da lei. Os fantasmas são mantidos de fora
por um símbolo da lei. Todo aprendiz de sonhador sabia disso. O símbolo da lei era
substituído todos os dias, mas alguém tinha tirado o símbolo. Alguém havia aberto a
torre para o fantasma, e ela estava desamparada.
– Não…
Tinha que haver um jeito.
– Pequena profetisa, você ainda não está cansada? Você não está cansada desse
jogo?
Ela gritou, com a voz embargada:
– Cale a boca!
– No sonho você tem poder, mas não somos um sonho a ser moldado e
controlado. Não somos uma profecia para desaparecer quando cumprida. Nós somos
o seu destino. Você deve se juntar a nós. Você terá poder conosco.
Poder, era isso, poder. Ela era uma feiticeira agora, e a feitiçaria fazia os
símbolos da lei. Ela ainda não sabia como manejar a invocação de símbolos. Eram 22
havia uma menina de cinco anos que sonhava. Para tal idade com tal talento, havia
desculpas. Keleios franziu a testa; havia algo errado. Ela deveria estar preocupada
com Alys, mas não conseguia pensar no porquê.
Ela caminhou pelo chão de pedra frio até a bacia cheia de água. Ela falou:
— Graças a Urle, deus da profecia, que perfurei os véus uma vez e vi o que é
para ser, o que foi e o que é agora. – Ela jogou água no rosto e nos braços que caiu
em um esplendor fresco no peito. Keleios hesitou, sentindo-se especialmente
relutante em terminar o ritual hoje à noite. – Graças à Senhora das Sombras, deusa
dos sonhos ruins, por eu ter perfurado os véus uma vez e visto o que é para ser, o que
foi e o que é agora.
Ela jogou mais água em si mesma e acrescentou enquanto se afastava:
— Até as sombras merecem sua função.
Era uma frase antiga usada sem significado ou mágica no mundo. Na torre,
magia era diferente. Houve uma onda tranquila, como se as pedras respirassem. O ar
estava subitamente bom. Uma umidade agradável tocou sua pele como se fosse uma
névoa invisível. Seu pulso batia em sua garganta, e ela não conseguia respirar o ar
frio.
Algo estava aqui, algo ao lado da sombra ardente da profecia e feitiços de longa
data, algo poderoso.
A voz de uma mulher entrou no silêncio, um rico e profundo contralto, não
desagradável.
— Graças sejam dadas à profetisa que ainda adora as sombras.
— Eu não adoro – Keleios tentou dizer, mas ela não conseguia falar.
O calor começou a invadir a sala, e a umidade não natural se dissipou. Os
feitiços da torre recomeçaram com uma onda, uma onda que ela pôde ouvir com o
ouvido interno da magia.
Keleios encostou-se à mesa, subitamente fraca. Não era fácil ser escovada pelo
servo de um deus. Até um deus destronado tinha seu poder.
Keleios respirou cuidadosamente o ar seco e quente. O cheiro de jasmim ainda
era forte através da janela. Ela se afastou da mesa, com medo, Keleios tremia como
se estivesse com febre, a respiração dela ofegante. O mensageiro da Senhora estava
impedindo-a de pensar, e nem tinha sido um feitiço, apenas vontade e poder. 26
Mensageiros das sombras não eram incomuns em torres desprotegidas. Até o símbolo
da lei ser colocado sobre o torre, muitas coisas poderiam ir e vir. Ela tinha que
espalhar o alarme antes que mais monstros viessem.
Alys estava na torre com um fantasma solto. Que chance tinha uma criança de
cinco anos? Quantos outros estavam na torre quando ela apareceu?
O sonho lutou com seu medo. Tentou forçar-se sobre ela. Ela teve que perder
tempo acalmando-se, lutando pelo controle do sonho. Se ela começasse a profetizar
agora, ela seria inútil por um tempo. Não havia tempo para fraqueza.
Keleios ouviu a própria respiração, concentrando-se no fluxo simples de seu
próprio corpo. Quando ela abriu os olhos, não estava mais tremendo. O sonho tinha
sido contido, por agora.
Ela abriu a porta externa, mas o sonho lutou sob a calma. Era uma calma não de
águas plácidas, mas de aço esculpido.
A câmara externa estava escura; as brasas moribundas do fogo brilhavam,
estalavam e queimavam.
O flash de luz brilhou no cabelo de Selene, preto como uma asa de corvo e no
rosto virado para cima de Melandra.
Selene era uma bruxa viajante, profetisa de cartas. Nenhuma das garotas se
mexeu com sua entrada. Os guardiões das profetisas haviam mudado, talvez muitas
vezes hoje à noite. Keleios parou em frente a uma ala distribuída em semicírculo
diante de sua porta. Isso não a deixaria passar. As alas protegiam os guardiões da
profetisa de surpresas nos quartos dos sonhos. Isso lhes permitia dormir um pouco
sem ter que acertar o relógio. Às vezes, uma profetisa ficava temporariamente louca,
sem a ajuda de um fantasma. Uma vez eles tiveram apenas barreiras de acústicas, mas
uma sonhadora viajante matou um dos guardiões e uma ala de isolamento foi
adicionada ao recinto.
A profecia falou com sua feitiçaria, sua magia e sussurrou:
— Atravesse a barreira. Nós somos poderosos, não seremos feridos.
Keleios sabia que o sentimento de invencibilidade era uma ilusão. O poder
oferecido era real o suficiente. Sua mão esquerda coçava e queimava, ela também
sentia o poder do sonho. A palma da mão estava coberta com segurança por couro
rígido, as tiras que a seguravam no lugar traçavam uma correia nas costas da mão até 27
o pulso. Era uma marca de poder para alguns; para outros, corrupção; para Keleios,
um acidente infeliz. A esquerda alcançou a ala. Ela a fechou em punho e a colocou
rígida ao seu lado. A maior parte das vezes ela podia ignorar, mas depois de sonhar,
todo o poder era ampliado. Embora ela já tivesse ocupado o posto de mestre
sonhadora, seu controle era tenso e vazava pelas bordas. Pequenas faíscas de magia
esvoaçavam pela sala.
Ela os chamou, tentando engolir o poder em construção. A feitiçaria era a pior
para um sonhador, pois era muito mais fácil sofrer acidentes. Melandra acordou
primeiro, rolando de lado e piscando na penumbra. Ela apertou um xale de malha nos
ombros em seu vestido marrom. Ela ficou de pé, cabelos castanhos dourados e
grossos flutuando em desordem sobre o rosto cheio de cicatrizes. Ela tinha apenas
treze anos e ainda tinha gordura de bebê a perder. O rosto dela era velho, quebrado e
danificado. Ela era uma Calthuian, e eles proibiam a magia lá. Portanto, não havia
curandeiro para consertar os danos que seu pai e sua mãe infligiram nela.
Eles tentaram bater a magia do mal fora dela. A magia sairia de uma maneira ou
de outra.
Ela era uma encantadora e trabalhava com farinha, açúcar e especiarias.
Selene estava acordada, olhos castanhos procurando no escuro, como se não
fosse onde ela esperava estar quando ela acordou. Ela era alta, para uma nobre
Zairdiana, e esbelta. O corte quadrado do corpete de seu vestido estava coberto de
renda branca que formava um babado em volta do pescoço, traçado de veludo preto.
A única pele que aparecia era do rosto e mãos.
Melandra já estava ajoelhada na ala, tendo sentido a pressa de Keleios, mas
parou e olhou para a menina mais velha.
— Foi o sinal do fim, ou do infinito que permite passagem segura?
— Você poderia realmente traçar um símbolo do infinito em um espaço tão
pequeno? Acho que eu não poderia.
Melandra balançou a cabeça e murmurou:
— Não, suponho que não.
O símbolo do fim era traçado através do pó avermelhado e mantinha a ala neutra
até que o símbolo fosse apagado. Keleios passou por cima da linha, tomando cuidado 28
O quarto estava tão escuro quanto o dela. Os móveis eram os mesmos. Quase
perdida em uma cama de tamanho grande, uma pequena figura se agitou, gritando,
uma mão minúscula erguida para cima, como se estivesse evitando um golpe.
Keleios correu para o lado dela. A espuma ondulada dos cabelos castanhos
claros estava grudada na cabeça de Alys. A criança murmurava palavras enquanto
dormia, palavras que ela não sabia, frases antigas de grande poder. Ela estava lutando
com magia que ainda não possuía, em uma batalha travada há muito tempo.
O fantasma não a pegou. Alys havia se escondido em um dos sonhos da torre.
Foi preciso muito talento para isso. Agora ela estava presa. A questão
importante era: há quanto tempo ela estava assim? Há quanto tempo ela lutava para
se libertar? Se fosse muito tempo, poderia ser fatal.
Keleios sentou-se na cama e agarrou as mãos agitadas, suas próprias mãos
delicadas envolvendo os punhos minúsculos. Ela falou baixinho no começo.
— Alys, Alys, você pode me ouvir?
A criança choramingou e gritou:
— Keleios! Keleios, me ajude, me salve!
— Acorde, Alys, é um sonho. Acorde!
A criança lutou, o esforço aparecendo no rosto e fluindo em tensão por suas
mãos.
Ela estava tentando, mas algo a estava segurando. Levou apenas um momento
para encontrar a reviravolta do feitiço na criança, nem uma ligação completa, nem
mesmo ativa. Ainda não a estava mantendo no sonho, mas estava lá.
De onde estavam vindo todos os malditos Verm feiticeiros?
Keleios arrastou a criança em seus braços e estremeceu, segurando a menina
com ela. Havia muito poder hoje à noite. Ela teria que usar feitiçaria, mas um feitiço
de despertar era bastante simples. Ela se acalmou e segurou firmemente filtrando seu
poder. Demais, e ela acordaria todos os que dormiam no castelo.
— Acorde, acorde!
Alys se mexeu em seu sono, mas não obedeceu.
— Sangue de Loth, vou ter que entrar na mente dela.
O pequeno corpo se contorcia em seus braços como se tentasse escapar, mas
seus esforços não eram muito fortes. Ela estava cansada e perdendo a batalha. Se ela 30
encontrar. Estendendo a mão para fora e para dentro, ela explodiu os fios. Os fios do
céu murchavam como fogo. O sonho acabou.
Keleios via a escuridão por um tempo, do tipo que sua visão noturna não
alcançava. Aveludado, macio e reconfortante. Cansada, ela estava cansada, mas algo
a incomodava, a puxava.
Magia penetrando em sua mente, a magia de outra pessoa. Ela atacou com o
toque, e ele quebrou abruptamente. Havia outras coisas para fazer além de flutuar no
escuro. Alys teve que ser encontrada e ajudada. Sim, ajudada.
— Me ajude, Keleios, me ajude. – E havia o sonho, aquele sonho terrível e
urgente que precisava ser contado.
Keleios abriu os olhos para olhar para Bertog, a curandeira viajante. Havia um
aperto em seus olhos azuis e Keleios sabia de onde tinha vindo a segunda explosão de
magia.
A curandeira havia usado uma sonda profunda para despertá-la, e Keleios havia
ferido Bertog. Ela tentou falar, mas uma tosse rouca foi tudo o que veio.
Bertog falou com cuidado, machucada.
— Não tente falar ou se mover, Viajante Keleios. Agora você está fora de perigo
imediato, e Selene foi buscar uma curandeira completa.
Keleios fez um som de protesto.
A garota sentou-se muito rígida, cada centímetro era uma nobre Astranthian. A
seda amarela do vestido era quase da mesma cor do cabelo.
— Eu encontrei Selene no corredor. Eu vim para ver o que eu poderia fazer.
Keleios estendeu a mão para agarrar a manga esvoaçante da curandeira, mas sua
mão não o fez.
Havia uma dor desbotada no ombro esquerdo no meio das costas. Era um ângulo
de latejar abafado.
Bertog continuou como se relutasse em falar com Keleios:
— Alys está bem. Ela está dormindo, exausta. Estudei completamente a doença
dos sonhos. Ela dormirá por horas, sem sonhar, exceto os sonhos que as meninas
normais têm.
Keleios recuperou a sua voz. 33
— Correto –, ela tossiu para limpar a rouquidão e tentou lembrar por que não
conseguia falar com facilidade. Um brilho prateado quando a espada desceu - sim,
tinha sido uma espécie de corte no pescoço. Ferimentos na garganta às vezes
afetavam a fala. Lembrou-se dos fios amarrando-as ao sonho.
Tendo chegado tão perto da morte, Keleios teria falado com Bertog sobre os
feitiços e o fantasma, mas ela desconfiava da curandeira. Os votos da curandeira a
impediam de prejudicar alguém, mas ela ainda podia guardar segredos. Para uma
curandeira branca, a menina passava muito tempo se associando aos seguidores de
Madre Bane. A porta abriu para dentro.
Jodda, no manto branco disforme de uma curandeira completa, veio, e um
fôlego de cura veio com ela. Seu cabelo preto tinha um comprimento rico contra o
tecido nevado. Seus olhos azuis estavam preocupados, seu rosto profissionalmente
vazio, mas agradável. Atrás dela estava Belor, o criador de sonhos.
Seus olhos azuis estavam nublados com sono ou magia. Ele era baixo, de
ombros largos, cabelos amarelos. Uma mandíbula firme e quadrada salvava seu rosto
de ser macio e juvenil. Ele usava uma calça folgada enfiada em botas acima do joelho.
Uma túnica azul estava aberta e sem cinto sobre o peito nu. A túnica e as calças não
combinavam. As ilusões de Belor eram a inveja do resto. Até o ilusionista grão-
mestre da escola estava aprendendo com elas.
Somente Belor e Keleios suspeitavam da fonte de seu presente: marca
demoníaca, magia demoníaca que fluía por suas veias. Como a mão dela atrás da
prisão de couro, o mesmo acontecia com a magia inata dele – contaminada.
Seus olhos procuraram os dela agora, e um olhar foi suficiente entre eles. Ela
estava bem.
Seu medo diminuiu.
Melandra veio por último, calmamente, com a cabeça baixa, para que o cabelo
escondesse o rosto. Ela tinha uma queda por Belor, mas se considerava horrível e, por
isso, era estranha no papel.
Jodda traçou uma linha vermelha do ombro esquerdo de Keleios, perto do
pescoço, para desaparecer no tecido da túnica que usava.
— Você conseguiu isso em um sonho? 34
— Eu não terminei com você, Keleios, então descanse. – Ela voltou os olhos
para Belor. – Estou encarregando você de ver que ela descansa e não se machuca
mais hoje à noite.
Ele fez uma mesura.
— Como você disser, curandeira.
— Ainda não posso descansar, Jodda. Minha profecia não pode esperar até
amanhã.
Os olhos de Jodda estavam com raiva, quase pretos.
— Por que eu te curo? Você se abusa constantemente. Vá profetizar, mas eu não
vou curá-la se você desmaiar esta noite. Seria bom você ficar de cama por um dia ou
dois. – Ela se virou com um abanar de saias e pegou Alys. – A lesão da criança é na
mente e levará mais tempo. Ela provavelmente vai dormir amanhã fora, ou melhor,
hoje.
Keleios disse baixinho:
— Eu tive que entrar na mente dela para libertá-la do sonho. Eu a machuquei?
Quando lutei para nos libertar, eu ainda estava dentro de sua mente, chamando
feitiçaria.
— Ela está ferida, Keleios, mas vai se curar. Você não causou dano permanente.
Você salvou a vida dela. Se ela tivesse morrido enquanto sonhava, a torre teria levado
sua alma. Não haveria chance de ressurreição.
— Você virá me pegar quando ela acordar.
Ela hesitou, depois assentiu.
— Sim, eu irei buscá-la. Alys provavelmente precisará vê-la, viva e inteira.
Tente ficar assim até que ela acorde.
Keleios sorriu.
— Farei o meu melhor.
Jodda partiu, suas saias abanando nas pedras. A luz da única lâmpada tremeluzia
com uma brisa que começava dentro da sala. Keleios falou baixinho para que sua voz
não ecoasse na sala.
— Como você chegou aqui?
— O som de corrida me acordou. Selene me disse apenas que você foi ferida e 37
Ele sorriu.
— Estou com você há muitos anos. Você pegou um ilusionista cumpridor da lei
e o transformou em um guerreiro. – O sorriso dele desapareceu. – Não acredito em
matar quando há outras respostas. Mas Fidelis não tem escrúpulos. Esperar por
provas para tomar o conselho pode matá-la. Keleios, você não está me ouvindo. Por
que você está tocando os livros?
Ela se virou, surpresa.
— Eu estou, não estou? Belor, se houver algo aqui que você valorize, pegue,
salve.
— De quê?
— Minha profecia.
— Keleios?
Ela riu. Ela se sentiu tão estranha, emocionada, como se sonho e visão
estivessem combinando, mas estava consciente:
— Não, Belor, não estou em transe, mas meu sonho não vai me deixar hoje à
noite. A fortaleza cairá, e tudo nela será perdido. A força da profecia está me
puxando esta noite. – Ela tirou a bolsa preta do cinto e a abriu. Também brilhava
suavemente nos olhos do encantador. Ela despejou a parafernália de feitiços.
Encantamentos Incríveis desapareceram, assim como os três volumes de ervas. Ela
parou no Grande Livro, seus dedos traçando suas runas. – Não, você deve
permanecer, mas não queimará. Relíquia que você será, não é minha mão que irá
salvá-lo.
Ela escolheu um volume espesso de histórias populares camponesas, a única do
gênero para os camponeses astrantianos. Grande parte da cultura que os criara se fora
agora.
— Se você pudesse escolher apenas um livro para salvar, qual seria? – Era tão
inútil, tantos livros e tão pouco espaço ou tempo.
Belor escolheu o Livro das Ilusões; pulsava branco-rosa debaixo do braço.
Como convinha a um livro com esse nome, parecia mudar de tamanho e cor, até de
textura - um minuto de couro fino, no próximo, folhas grossas. Ele entregou a ela sem
uma palavra, e ela enfiou na abertura incrivelmente pequena. 40
— KELEIOS, KELEIOS!
O ar embaçado pela fumaça entupiu sua garganta. Ela se encolheu no chão,
deixando a fumaça subir até o teto, tentando respirar. Pedaços do chão explodiu em
chama. Prateleiras caíram, em chamas no chão.
A voz chamou com urgência:
— Keleios, me ouça!
41
O calor chamuscou sua pele, muito perto. Seus olhos lacrimejaram, e a respiração
era uma agonia.
Um vento escovou suas bochechas, uma branca e magra mão a puxou para fora.
Ela agarrou a mão quando o telhado gemeu e começou a dobrar as vigas comida pelo
fogo no chão.
Pensamentos legais vieram para ela.
— Não é real, isso não é real. Visões não podem machucar, você está segura.
Keleios ficou no fogo e não queimou. Uma visão—agora ela lembrava. Isso ainda
não tinha acontecido e não podia machucá-la de verdade.
O espetáculo começou a desaparecer. O fogo era uma névoa laranja escura. Uma
última pitada de fumaça picante, um flash de queimada, e se foi.
Keleios se viu deitada no escuro; braços fortes a rodeia com pano cobrindo seus
peitos. Pano era de seda e preta como a escuridão. Apenas uma pessoa em toda a
fortaleza seria tão descarada a ponto de usar a cor de Loth, o deus do derramamento de
sangue: Lothor, o Curador Negro. Keleios queria se afastar de seu toque, mas
estremeceu em relação à visão, tão frio. Estava tão cansada, e ainda assim o sonho
permaneceu. Ela não podia pagar outra visão como essa.
Ela se afastou dos braços que a continham, ainda tremendo. Keleios rastejou até o
final da linha da prateleira; ela não tinha forças para ir além. Seus braços envolveram
seus joelhos em um esforço para parar de tremer. A flexão do braço direito e da
panturrilha esquerda mostrou que os dois punhais ainda estavam no lugar. Uma luz de
feitiçaria vermelha ganhou vida por cima do ombro do homem e lançou seu rosto
desossado em relevo carmesim.
— Você nunca dorme, Lothor? ela perguntou.
— Não, frequente, ele disse sem deixar um sorriso.
— Quando você puder andar, eu à ajudarei a chegar no seu destino.
Keleios abriu a boca, pronto para dizer:
— Mas não preciso de ajuda.
Verdade era verdade, mas por que tinha que ser ele?
— Era você me chamando. Como você soube o que fazer? Eu pensei que profecia
era rara em Lolth.
— Meu irmão era um visionário. Estou acostumado a tentativas de assassinato em
Lolth, mas não aqui na escola de Zeln. 42
O toque da luva de couro o fez recuar. O medo se mostrou por um momento. Então
um sorriso doentio cruzou seus lábios.
— Você não ousaria.
— Hoje à noite, Lothor, eu devo, ela passou por ele e pegou sua bolsa encantada de
onde havia caído.
— Eu tenho algo para essa sua bolsa.
Keleios virou-se com relutância. Ele estendeu um livro preto grosso. Foi cercado
pelas chamas de escuridão. Os primeiros rastejamentos do poder retornado se
fortaleceram ao ver aquele livro.
— Você tem o hábito de ouvir as conversas de outras pessoas?
— Sim.
Ele sorriu e estendeu o braço. Seus dedos eram como raízes brancas contra o preto,
como se, quando ela pegasse, a mão a acompanhasse como um parasita, ligada a ela à
força.
Ele esperou pacientemente como se pudesse oferecer-lhe o mal para sempre. O
brilho vermelho de sua feitiçaria transformou seus cabelos brancos em sangue, e ela
tocou a adaga na bainha do braço para se sentir segura.
Ela foi até ele.
A mão dela se fechou no cordão e enviou um choque através da luva de couro, um
ardor sobre a marca na palma da mão. Ela conhecia este livro, ou um semelhante. Uma
sombra pálida disso residia na Ilha Grey. Seis anos atrás, essa cópia fina, um punhado do
valor deste livro, tinha sido usado contra Belor e ela. Ele conjurou demônios e abriu o
caminho para o Cova. Harque, a Bruxa, tinha valorizado isso acima de todos os outros
poderes. No entanto, sua profecia lhe disse este deve ser guardado. Aqueles que vierem
depois podem causar grandes danos a ela. A bolsa encantada apagou as chamas negras e
o livro desapareceu da vista. A queima na mão dela não parou e esfregou-a contra a perna.
Ela tinha um forte desejo de tirar a luva da mão dela e esfregar a dor. Havia uma
necessidade de sentir o ar frio nela. Havia uma grande sensação de leveza para ela pegar
o livro, mas era perigoso. Era um perigo que de certa forma ela não conseguiu definir.
Como se ciente do volume escuro passando por suas mãos, um grito veio de perto.
— Keleios!
Ela saiu de entre as prateleiras e pôde sentir Lothor seguindo logo atrás. Um círculo45
de chamas lambeu e vacilou, lançando sombras alaranjadas nas prateleiras.
Vislumbrando entre as chamas estava Belor. Seus últimos pensamentos foram mantê-lo
seguro, mas as chamas estavam tão perto. Ele foi preso, mas não ferido, a salvo de sua
visão, mas preso.
Lothor falou em voz baixa.
— Ele não parece feliz.
— A visão veio sem aviso prévio. Eu tinha medo de machucá-lo por acidente.
— Suponho que ele esteja seguro o suficiente, mas ele não ficará satisfeito com
você.
Um arrepio percorreu sua espinha e sua mão esquerda exigiu atenção.
— Ele não está feliz, mas se eu o libertar agora, ele fará perguntas, perderá tempo
com preocupações, respostas e desculpas.
Não havia tempo para tudo isso, e Keleios se virou e caminhou pelo corredor
principal. Belor não gritou com ela; talvez ele não pudesse ver através das chamas.
Lothor seguiu a luz da feiticeira balançando à frente deles como um testamento
inchado.
Quando eles ficaram no corredor aberto, ela se virou para ele.
— Agradeço sua ajuda, mas eu estou me sentindo muito melhor agora. Meu destino
fica a poucos passos de distância.
— Eu não sou tão facilmente dispensado. Você ainda está fraca. Acompanho você
até a porta.
— Eu não preciso de sua proteção, príncipe Lothor.
— Mas eu já protegi de todas as suas profecias esta noite.
— Todas as minhas profecias?
— Fui guardador de profetas hoje à noite.
Raiva e algo próximo ao medo passaram por ela.
— Você não pertence a esta escola. Você é apenas um convidado, embora
permaneça por muito tempo.
Ele sorriu e seus olhos prateados brilharam.
— Estou aqui há tanto tempo que me foi concedido privilégios.
O poder estava retornando. Sua pele se arrepiou e um tique começou em sua
bochecha esquerda. Ela queria se livrar dele e de sua pergunta amaldiçoada. Tão fácil -46
apenas diga que foi acidental, também muito poder e um insulto velado demais. Keleios
balançou a cabeça para limpar tal pensamento para longe. Era a feitiçaria falando; queria
usar. O sonho era urgente, e tinha que dar algo em breve.
Ela apertou os punhos e falou com cuidado.
— Você está aqui apenas para atormentar ou existe uma propósito para isso?
— Eu tive apenas um propósito desde que cheguei.
Ele se moveu ao lado dela suavemente, com um graça de esgrimista. Seus olhos
prateados encontraram os dela, e ela não desviou o olhar.
— Você quer se casar comigo?
— Eu já disse muitas vezes que você deve ser paciente.
— Eu tenho sido paciente. Eu acredito que você responderia não se eu não fosse um
príncipe e herdeiro de um trono. Não é educado recusar um príncipe às pressas.
A raiva apareceu em seu rosto. Sua brancura corou levemente, os olhos brilhando.
— Se você acredita que essa é sua resposta, então vá, deixe-me em paz.
Ela se virou para ele.
Ele a chamou:
— Você não se livrará de mim tão facilmente, Keleios Nightseer.
Ela parou, tentando respirar através do poder. Isso a sufocou, exigindo ser libertada.
Ele escolheria usar um nome de demônio, lembrando a ela que também tinha laços com
eles.
Ela não ousou se mexer, apenas inspirou e expirou.
Ele deu a volta nela e levou a mão esquerda para cima. Seus olhos zangados
observavam os dela. Viu a luta neles. Ele girou a palma da mão para cima e beijou a luva
de couro suavemente.
— Minha pobre pequena feiticeira, meio boa e meio ruim, que confusão.
— Lothor, por favor.
— Nós poderíamos terminar agora. Lute e você se livraria de mim.
Ela olhou para ele, a magia pulsando perto.
— Você me daria essa saída?
— Eu sim, meu pai que me enviou, não. 47
Ele tocou o ombro dela, e uma luz de feitiçaria brotou em seus dedos.
— Eu pouparia a nós dois um casamento infeliz se me permitissem.
Sua mão caiu ao seu lado.
— Mas eu não sou meu mestre.
— Todo mundo deveria ser seu próprio mestre pelo menos em parte, Lothor.
Ela andou ao redor dele, respirando cuidadosamente através da magia que ameaçava
transbordar. Pequenas faiscas de magia esvoaçava pelo corredor.
Ela ficou na frente da porta da Mestre Poula, mas antes que pudesse falar, uma voz
chamou:
— Entre, querida.
Keleios empurrou a porta para dentro com magia e entrou no quarto escuro como
uma tempestade prestes a começar.
A sala estava tão escura quanto a torre. Os juncos rangeram sob os pés, cada passo
pressionando as ervas espalhadas na fragrância. O cheiro de pinho de alecrim, hortelã,
hortelã-pimenta e um pouco de hortelã, talvez maçã, enchiam o ar. Hortelã e alecrim
foram velhos favoritos da mestre Poula. Os cheiros acalmaram Keleios. Sem luzes e o
feitiço calmante no chão, mostrava que Poula estava preparada para uma Keleios que
pesava os sonhos. Ela também era uma profeta, mesmo que de cartas.
A mestre estava sentada muito quieta em uma pequena mesa redonda. Era formado
de cinzas e escuras. Foi levemente encantado para fortalecer suas profecias de cartas e
seus chás de cura.
Ela usava uma túnica solta com cinto que Keleios já tinha visto antes. Era verde
floresta profunda com branco afiando-o em volta. As ervas eram bordadas na borda
branca, mas havia nada de mágico nele, nem mesmo para uma feitiçeira de ervas. Era
apenas uma túnica bonita.
Na penumbra, o rosto de Poula tinha cicatrizes terríveis: um olho quase fechado
com tecido cicatricial, o outro uma escuridão vazia. Seus longos cabelos castanhos,
ficando grisalhos, não estavam presos. A máscara branca que ela usava geralmente estava
ao seu lado na mesa. Keleios teve o privilégio de ser uma de um seleto grupo, que já a
viu sem a mascara.
Ela era cega, mas através do colar encantado que usava, objetos estavam delineados
com cores como auras. Foi uma alegria singular para Poula que Keleios não precisasse de48
luzes. Até embora não escondesse suas cicatrizes do meio élfico, Poula estava mais à
vontade no Sombrio.
Certa vez, um Keleios muito mais jovem perguntou como ela tinha essas cicatrizes.
Foi um debate interminável entre os aprendizes e vaiajantes, sobre o que ela escondeu e
por que, e como. Poula olhou além da criança e parecia estar olhando para outras coisas,
depois disse:
— Uma vez eu era jovem e tola. Fui desafiada por uma feiticeira e a encontrei na
arena. Eu poderia tê-la matado. Ela estava deitada aos meus pés e não conseguia se
mexer, mas eu adorava Mãe Blessen e tive misericórdia. Ela desviou os olhos para
Keleios e disse:
— Mas ela era má, e porque eu a deixei viva, ela fez isso comigo.
Até onde Keleios sabia, ela era a única aprendiz a ser homenageada com a história,
e ela não disse a ninguém. Foi essa história que deu a Keleios a coragem, ou o medo, de
matar na arena. Dois desafios, duas mortes, ambos como viajante. Ninguém a desafiou
desde que ela voltou de sua busca e se tornou uma mestre. Houve um desafio depois de
ter sido despojada da classificação de mestre, mas oficial ou não, ela era uma mestre, e o
feiticeiro morreu.
— Entre, criança. Eu tenho uma xícara de chá pronta para você.
— Mestre Poula, eu vim para profetizar.
— Estou ciente disso. O chá o ajudará a controlar seus poderes. Pedaços de mágica,
como coloridos vaga-lumes, dançam ao seu redor. Beba, depois profetize.
Keleios estendeu a mão; a xícara e o pires voaram para ela. O movimento foi muito
rápido, e o líquido verde-âmbar derramou sobre a borda.
— Sangue de Loth, não posso fazer nada certo esta noite?
— Seja aliviado, criança; o chá removerá os últimos toques remanescentes do
feitiço que quase te matou duas vezes hoje à noite.
A xícara era branca delicada, com raminhos de lavanda azul pintados ao lado. O
cabo curvado encaixava-lhe bem os dedos, pequenos. Ela respirou fundo o vapor do chá.
Hortelã-pimenta, tão forte que fazia pensar no verão e nas folhas frescas amassadas. A
fragrância frutado de camomila, como maçãs fracas de verão. Keleios levantou a borda
dourada até a boca e tomou um gole do líquido. Estava quente, mas não escaldante, e
carregava magia. Houve a leve doçura das flores de lavanda, a conhecida raiz de49
valeriana perfumada, erva-doce e milfoil.
Keleios conhecia bem o feitiço. Cada rascunho endurecia sua calma; cada gota
perseguia uma dos feitiços esvoaçantes. Quando terminou, ela o levitou cuidadosamente
de volta à mesa e sentou-o ao lado do pequeno bule redondo.
— Você se sente melhor?
— Muito obrigado, mestre.
Ela riu.
— É para isso que eu estou aqui.
Ela recostou-se na cadeira e não ofereceu uma para Keleios - ela sabia melhor.
— Bem, criança, conte o seu sonho.
Keleios ficou de pé e olhou para as paredes escuras. Respire fundo para controlar,
canalize o poder, e ela tocou a calma de aço que continha o sonho. A divisão de aço e o
sonho se libertou como um inverno de borboletas preso por muito tempo.
— E o sonho acabou.
Ela piscou, afundando e respirando profundamente.
Quando olhou para cima, Poula ainda estava imóvel.
— Mestre, o que devemos fazer?
— Venha, criança, sente-se e tome uma segunda xícara de chá enquanto pensamos.
Keleios sentou-se agradecida. Se não fosse o feitiço no chá, ela seria boa apenas
para dormir agora. Ela serviu um segundo copo e perguntou:
— Poula?
— Não, obrigado, o feitiço é tudo para você.
A feiticeira de erva ficou muito quieta e disse:
— Você é uma profeta; esta mensagem foi sua. O que você diz sobre isso?
Keleios tomou um gole de chá e falou com cuidado.
— Está assustadoramente claro, Poula. A grande escuridão, seja um buraco ou uma
janela, é meu símbolo da morte. Tenho certeza de uma morte: Feltan.
— Estou triste como você, Keleios. Você vai contar a ele?
— Como você diz a um garoto de oito anos que viu a morte dele?
— Então você não contou a ele?
— Ainda não sei. Eu o trouxe aqui para a escola para que ele pudesse treinar. Ele já
tinha atraido um familiar. Você sabe como isso é raro em uma feitiçeira não treinada. 50
Poula assentiu.
— Ele tem um grande potencial.
— Eu o trouxe aqui, talvez até a morte dele.
— Você não pode pensar assim.
Keleios olhou para a mesa.
— Mas eu penso assim.
— Não posso lhe oferecer conforto, Keleios. Eu já vi a morte nas cartas antes. Não é
um coisa fácil ou simples de saber o que fazer com o conhecimento.
Keleios assentiu e tomou um gole de chá, pensando.
— E o resto do sonho? Poula perguntou.
Keleios respirou fundo e soltou o ar lentamente.
— As paredes da torre serão quebradas. Seja por mágica ou força de armas, não
tenho certeza. Fidelis, a Bruxa, ajudará na traição, isso nos permite cair. Como ela ajudou
esta noite.
Poula olhou para ela e não disse nada.
Keleios disse:
— Você sabe tão bem quanto eu que tinha que ser Fidelis. Nenhuma outra feitiçeira
de ervas na escola poderia ter feito tal feitiço. Exceto você, é claro.
— Você nunca gostou de Fidelis.
Keleios não tinha certeza de que era uma pergunta, mas ela respondeu.
— Não, eu não aprovo magia negra. Acredito que existem alguns feitiços que não
devem ser usados.
— Então por que eles estão nos volumes? Alguém teve que criá-los.
— Eu sei, eu sei. É o mesmo argumento antigo. Você e ela dividem um quarto há
mais de dois anos.
— E eu aprecio você lutando por mim. Teria sido pior, de alguma forma, voltar ao
viajantes que dormem.
— Eu sabia que seria.
Poula fez uma pausa, olhos cegos encarando suas próprias mãos cruzadas.
—Lhe ocorreu que o feitiço de ligação poderia ter sido uma tentativa pessoal contra
sua vida.?
— Não, acredito que foi para manter a profecia em segredo. 51
— E o propósito do fantasma?
— O mesmo . . . para manter em segredo as notícias da destruição iminente
— Você realmente acha que Alys poderia ter se escondido de um fantasma?
— Ela deve ter!
— Não se um feitiço de encadernação foi colocado nela primeiro. Isso a amarraria
ao primeiro sonho que veio junto.
— Mas com qual propósito?
— Keleios.
— Então eu a salvaria? Mas isso não faz sentido. Certamente o fantasma mataria a
maioria dos profetas.
— Sim, mas você está aqui, viva, sã. E você fechou a torre ao fantasma - não é algo
fácil de fazer.
— Você está dizendo que esta noite foi para mim, o único sonhador feiticeiro da
fortaleza, o único com chance de escapar do fantasma.
— Sim, minha querida.
— Então, Fidelis planejava me matar e manter o sonho em segredo, de um jeito ou
de outro. Mesmo se isto significava matar Alys no processo.
— Talvez houvesse outro motivo para ela se certificar de sua morte.
— O que você sabe que eu não sei?
— Ela adora Mãe Bane, Keleios, e não seria contra os votos dela matar você.
Especialmente se fosse sua dívida indagadora.
— A dívida dela? Quem desperdiçaria a tarefa deles na minha morte?
— Fidelis procurou Harque, a Bruxa.
Keleios recostou-se na cadeira e apenas olhou:
— Como Zeln e você puderam fazer isso? Harque é louco, um perigo, e você enviou
um viajante para procurar ela.
— Fidelis pediu. E Harque era uma feiticeira de ervas, sacerdote das sombras e
profeta. É raro essa combinação e combinava com Fidelis.
— Fidelis também é ilusionista.
— Seja razoável, Keleios. Combinações perfeitas são difíceis de encontrar.
Harque - o nome a levou de volta aos cinco anos de idade e ao assassinato de sua
mãe. 52
— Ela me assombra como um fantasma. Eu tive meu velho pesadelo esta noite, com
ela me perseguindo pelos corredores.
— Você ainda mantém o voto que fez há tanto tempo?
— Sim, Poula.
Ela sorriu e seus olhos castanhos dourados escureceram enquanto falava.
— Todos nós devemos tem objetivos. Meu primeiro foi ser um viajante completo.
Meu segundo foi matar Harque. Eu realizei o primeiro e falhou no segundo, seis anos
atrás.
— Você e Belor quase morreram nessa tentativa.
Keleios acenou como se não tivesse importância.
— Belor sabia tão bem quanto eu o que tentávamos; nós nos arriscamos.
Ela virou os olhos quase pretos para Poula.
— Belor queria alimentá-la para o poço como ela havia feito conosco.
— Mas você disse que não. Por quê?
— Quero ver a luz morrer nos olhos dela do jeito que morreu nos olhos da minha
mãe. Você sabia que a única parte reconhecível, no final, eram os olhos dela? Minha mãe
tem olhos marrons perdidos em um rosto que estava decaindo. As feridas eram inchadas,
a carne dividida; ela foi comida viva. E por dezoito anos Harque insultou meu pesadelos.
— ‘Onde está a feitiçeira Elwine, a Gentil? Para onde ela foi?’ Riso.
Keleios balançou a cabeça e sentou-se muito reta. As mãos dela agarraram a cadeira,
e a madeira começou a protestar. Keleios se deteve e agarrou suas mãos juntos no colo
dela.
— Eu vou vê-la morrer na minha mão.
Poula perguntou calmamente:
— Do mesmo jeito que sua mãe morreu?
Keleios flexionou a mão esquerda, tocando uma luva de couro na bochecha.
— Não, eu pensei sobre, mas não. O aço seria uma preferência.
— O ódio é autodestrutivo.
— Sim, mas alguém precisa destrui-la. Ela era mais louca seis anos atrás do que
dezoito anos atrás. Harque deve ser parada. Não vejo razão para que eu não possa detê-la.
— E você quer saber por que ela quer a sua morte a uma distância segura.
— Poula, nós escapamos com ajuda demoníaca e sorte. Os deuses estavam conosco.53
Ela poderia ter matado com facilidade e rapidez dias antes. Por que ela deveria me temer
o suficiente para desperdiçar sua tarefa em mim? Por falar nisso, por que não me desafiar
para a arena?
Poula suspirou.
— Eu não sei, criança. Talvez ter perdido para sua mãe todos esses anos atrás que a
assustava. Ou você fugindo da cova com essa marca em você.
Keleios olhou para a mão, esfregando-a atrás do couro.
— Talvez ela tenha medo de terminar como Elwine.
— Isso eu posso acreditar. Ela sempre temeu seus próprios métodos de punição.
Harque enviou nós na cova para morrer, mas nós emergimos e ganhamos poder, de certa
forma. Poder que ela era com muito medo de tentar. Keleios procurou o rosto da bruxa de
ervas com cuidado.
— Poula, por que você colocou Fidelis e eu na mesma sala?
Ela deu uma rica risada gutural, e Keleios sempre imaginou o rosto que a
acompanhava rir. Era jovem e cheio de olhos brilhantes, desejável e desapareceu.
— Criança, foi a única sala aberta. Pretendíamos alterá-lo quando o próximo
professor fosse embora, mas você não reclamou, nem ela.
— É por isso que você me questionou de vez em quando sobre como nos dávamos?
— Sim, nós não sabíamos que Fidelis iria machucar você. E quem mais
colocaríamos com ela, mal como ela é? Jodda, uma curandeira branca, não. Allanna, ela
se recusou a ser alojada com um plebeu. Mas você, você a manteria em seu lugar e -
Poula hesitou e depois continuou suavemente — e sendo já marcado por demônios, o mal
não era desconhecido para você.
— Mas agora ela está tentando me matar.
— Eu acredito que sim.
— Devo desafiá-la à arena, colocá-la em campo aberto?
— Não, não a desafie.
— Por que não?
Os olhos cegos a encararam.
— Porque eu tenho medo por você. A Fidelis conhece sua reputação e já viu você
lutar. Ela é ilusionista e uma das feitiçeiras de ervas mais poderosas que eu já treinei.
— Você espera que eu volte para o meu quarto, sabendo que ela pode tentar me54
matar de novo.
Poula assentiu.
— Precisamos de provas para apresentar ao conselho.
Keleios não disse nada, mas todos sabiam que Poula era tímida. Ela era como Zeln.
Ela preferia resolver problemas no sistema jurídico do que nas areias da arena.
Se eles e alguns outros conseguissem o que queriam, o sistema de desafios seria
abolido e assassinato seria assassinato.
— Proteja-se bem, no entanto.
— Sem deixá-la me pegar.
— Preferencialmente.
— Há uma velha guarda na minha cama, de feitiçarias. Vou ativá-lo. Se alguém
interrompe meu sono, ele grita para acordar os mortos. Se Fidelis perguntar, eu direi a ela
que fiquei curioso para ver se ainda estava funcionando.
— Seus encantamentos têm uma vida extraordinariamente longa, talvez porque você
também seja um encantador.
Keleios deu de ombros.
— Eu não questiono. Eu apenas uso. Ela tomou um gole do chá gelado.
— Eu gostaria de invoque o direito do profeta e tenha as barreiras para cima. Sele a
manutenção por três dias e a perigo será passado.
— E?
— E eu tive uma visão na biblioteca. Os livros estavam queimando, exceto os que
eu salvei. Eu acredito que esta escola, essa fortaleza, vai queimar.
Keleios segurava a xícara de porcelana fina nas mãos como se não tinha acabado e
encarava o chá, respirando a fumaça da força e da calma.
Poula disse:
— Vou entrar em contato com um dos feiticeiros-mestre e pedir que ela levante a
barreira. Agora, o que mais podemos fazer para proteger a escola?
— Mande chamar o mestre Zeln e o resto. Alertar Carrick para dobrar o cuidado.
Ter alguém vigiando Fidelis. Eu acredito que ela é a chave. Keleios abriu as mãos na
mesa.
— Mas nada disso pode ajudar. De fato, isso pode prejudicar. 55
Poula assentiu. Esse era o cerne da profecia de qualquer tipo. O que se viu era
válido para o futuro, mas as ações de alguém impediriam ou causariam isso?
— Certo ou errado, Poula, devemos fazer alguma coisa.
— Concordo. Vou alertar Zeln e os outros usando a torre de comunicações.
Nenhuma outra mágica de mensagens são permitidas no castelo de Nesbit.
Keleios riu.
— O sumo conselheiro de Astrantha tem muito medo de assassinato e tramando
pelas costas.
— Ele ainda está com sua irmã Methia? Poula perguntou.
Keleios se encolheu e não conseguiu esconder.
— Ele não visita mais minha irmã ou o filho deles.
— Ele realmente desafiou você nas areias?
Keleios assentiu.
— No dia em que deixo esta escola como uma feiticeira mestre, ele planeja me
matar.
— O que você fez com ele, Keleios?
Ela olhou para Poula.
— Eu, o que eu fiz com ele? Poula, ele tratou minha irmã pior do que a prostituta
mais baixa.
— Você chamou a atenção dele, minha viajante de temperamento quente?
Keleios quase sorriu.
— Sim. Enfiei uma faca entre as costelas dele durante um daqueles bobos Duelos de
Meltaanian.
— Se bem me lembro, é considerado má educação matar alguém durante um do
aqueles duelos tolos de Meltaanian.
— Ele não morreu.
— Por que acredito que não foi por falta de tentativa de sua parte?
Keleios deu de ombros.
— Nosso anfitrião, Duke Cartlon, tinha um curandeiro branco muito bom.
— O que devo fazer com você?
Keleios sorriu e mudou de assunto.
— Nesbit acredita que a única razão pela qual Zeln permitiu que camponeses56
astrantianos entrem na escola, é porque ele se tornará sumo conselheiro.
Poula disse:
— Conhecemos Zeln. Ele deseja provar que os camponeses são humanos e têm
direitos. Para fazer isso, eles devem ter magia. Este ano provará que ele está certo com
três camponeses graduado. Que mudanças isso fará em Astrantha?
Keleios respondeu curioso sobre a nova linha de perguntas.
— Todos os camponeses poderão votar nas próximas eleições do conselho - Keleios
a encarou.
— Ele não ousaria. Ele não ousaria atacar uma fortaleza em seu próprio país.
— Homens assustados fazem muitas coisas tolas.
— Nem Nesbit faria isso.
— Você acha um acidente termos apenas um punhado de mestres aqui? Zeln me
deixou no comando. Temos um mestre encantador, um mestre conjurador, um mestre
ilusionista, e dois mestres feiticeiros. Fidelis é uma mestra em ilusão e feitiçaria, mas se
ela nos trair, duvido que possamos confiar em sua ajuda. O resto está em Altmirth,
participando desta reunião improvisada do conselho. Zeln não queria tirar tantos da
escola, mas é apenas por mais dois dias. Se eu estivesse atacando esta fortaleza, seria
antes que eles retornassem.
— Então, entre agora e depois de amanhã.
Outro pensamento veio a Poula:
— Zeln e os outros foram atacados em seu sonho?
— Não, pensei que eles não estavam no meu sonho. Se meu sonho fosse verdade,
eles estão seguros.
— Você acha que seu sonho pode ser nublado?
— A Dama das Sombras tinha seus servos na torre hoje à noite. É possível, mas eu
não acho que sim.
— Nós os avisaremos de qualquer maneira.
— Se você pode enviar uma mensagem privada para eles.
Poula riu.
— Isso não tem sido fácil com os espiões de Nesbit, mas eu tenho uma solução.
— Eu aposto que você tem.
Keleios esticou os ombros e as costas. Ela estava começando a sentir o sono. 57
— Morte.
Com sua expressão sombria, ela sorriu.
— Mas acho que também pode ser combatido com aço como mágica.
Ele sorriu.
— Então estaremos prontos. Carrick dirige os guardas mais bem treinados da ilha, e
quem tem mais magia do que a escola de Zeln?
Keleios não o desiludiu, mas concordou:
— Passe a palavra adiante.
Ela se virou para ir embora e Bundie chamou:
— Vejo você no campo de treino amanhã de manhã, profeta.
Foi um insulto astuto. Carrick, o mestre em armas, costumava dizer:
— Os conjuradores são pobres espadachins e profetas, o pior de tudo, porque a
maioria deles é louca.
Keleios quase ignorou o insulto.
— Eu estarei lá, Bundie, e é melhor você cuidar das seus costas.
Ele riu.
— Com você e o ilusionista por perto, sempre.
Eles andavam pelos corredores silenciosos e sentiam a mágica escoar por baixo das
portas. As próprias pedras pareciam respirar feitiços. Ela sabia que o sentimento era
causado pela falta de sono e também muita magia, mas tudo estava silencioso, como se o
mundo prendesse a respiração.
Belor falou em um sussurro.
— O que há de errado esta noite?
— Você sente isso também.
Ele assentiu.
Ela sussurrou de volta:
— Os deuses andam entre nós. É um mau sinal.
Eles ficaram na frente do quarto dela.
— Eu não sinto a presença deles. Eu sei que sou apenas um ilusionista e não um
feiticeiro, mas meu o senso mágico não é tão franco.
— Era apenas uma expressão, você sabe. Quando as coisas dão realmente errado, os
deuses estão no exterior. 61
A PORTA SE ABRIU COM o menor suspiro. Keleios fez uma pausa, pensando
em assassinato. O quarto estava escuro e prateado. Fidelis estava deitada em silêncio,
cabelos castanhos pálidos arremessados sobre o travesseiro, uma mão esbelta semi-
presa no quadril. Quando ela tinha seis anos, Keleios marcava atrás da menina mais
velha, assim como Alys seguia Keleios agora. Num dia claro de verão, Keleios
brincava perto do jardim da água com um gatinho. Fidelis pediu para segurá-lo.
Keleios estava tão orgulhosa que a garota mais velha a tinha notado. Fidelis
62
segurou e acariciou o pequeno gato. Então, com um sorriso maravilhoso que chegou
até os olhos dela, Fidelis enfiou o gatinho debaixo d'água e o segurou lá enquanto
Keleios a batia com punhos minúsculos.
Keleios aprendeu o ódio com Fidelis. Foi ela quem ensinou a Keleios que todo o
seu medo e raiva por Harque pelo assassinato de sua mãe poderiam se transformar em
outra coisa. O medo aleija, a raiva cega, mas o ódio podia ser transformado em
vingança. Com a vingança pode vir a satisfação.
Quando Keleios era um pouco mais velha, ela e Belor haviam emboscado a
garota mais velha. Eles a espancaram. Fidelis perguntou:
— Por quê?
— O gatinho que você afogou –, disse Keleios.
— Você nunca esquece, esquece?
— Não – , disse Keleios, – nunca esqueço.
Fidelis estava tentando matá-la agora? Era melhor ser cautelosa. O feitiço desta
noite tinha sido uma tentativa flagrante; talvez houvesse outros – apesar de ser uma
adoradora das sombras, Fidelis estava mais inclinada à traição do que ao ataque
frontal.
Keleios procurou na sala com sua visão noturna. A brisa fresca do vento da noite
a tocou através das janelas abertas. Mexeu os papéis nas duas mesas de trabalho e
enviou fileiras de ervas penduradas contra a parede. Ela desistiu de suas suspeitas e
revistou a câmara com outro sentido que não podia ser enganado por sombras
prateadas; até a visão noturna tinha seus defeitos.
As correntes de ar se moviam em torno de coisas familiares. As prateleiras que
revestiam as paredes estavam cheias de livros e papéis, potes e garrafas, e a estranha
miscelânea que feiticeiros de qualquer tipo parece acumular. Havia mal na sala, mas
novamente mal familiar. Uma garrafa grande de galão, cuidadosamente soprada e
encantada, estava na terceira prateleira do lado de Fidelis. Um demônio rodopiava
suavemente, preso por magia e ódio. Oh, como os demônios odiavam ser usados.
Um escape debaixo da cama de Fidelis atraiu sua atenção, e pontadas de muitos
olhos a encararam mostrado que Fas, familiar de Fidelis, estava acordado. A aranha
era do tamanho de um cão de tamanho médio, pequena para uma aranha de desejo, 63
Independentemente da dor que possa ter causado à mãe gata, a ancestralidade mista
dera feitiçaria a Poth. Poth miou para ela e Keleios segurou o queixo pequeno na
palma da mão. Ela olhou para aqueles olhos dourados, da cor de peças de ouro bem
gastas. Elas conversaram em silêncio por vários minutos até o gato ronronar em uma
longa fila de conteúdo. Embora não houvesse necessidade de palavras, Keleios falou
suavemente.
— Estou feliz em vê-la também.
Ela suspirou. Ela estava muito tempo entre os humanos e adquiriu o hábito de
falar quando não era necessário. Já era hora de uma visita aos seus elfos. Os elfos
sabiam o valor do silêncio. Um baque suave do canto oposto anunciou que Piker
estava acordado. Incentivado por seu olhar, o vira-lata branco meio crescido
caminhou em sua direção. Ela sorriu e seus pensamentos se voltaram para a dona de
Piker, ou melhor, mestre. Feltan era a bruxa mais jovem e destreinada a atrair um
familiar, e ele era um camponês. A própria Keleios os trouxe para a escola. Se o
sonho dela acontecesse, Feltan morreria. Ela deixou o pensamento passar, pois havia
aprendido a não insistir nas profecias da morte. Ela esteve errada uma vez. Piker
ficou com Keleios porque nenhum animal era permitido nos dormitórios dos
aprendizes. Se eles fizessem uma exceção, mesmo para um familiar, o local se
transformaria em um zoológico, ou assim disse Toran, chefe dos garotos aprendizes.
Pessoalmente, Keleios achava que Toran simplesmente não entendia as crianças e
suas necessidades de animais. Fidelis reclamou que o quarto deles estava se
transformando em um zoológico. A sombra da lua da gaiola do canário colocou
enormes barras no chão. Keleios sorriu.
Talvez houvesse animais suficientes no quarto.
O familiar de Fidelis, a aranha Fas, tentou livrar a sala de alguns de seus
ocupantes. Keleios entrou na câmara a tempo de ver Fas fechando a gaiola do canário
com as pernas peludas.
— Fas! Não! – A corrente que segurava a gaiola no teto quebrou, derrubando a
aranha e libertando o pequeno pássaro, que voou para a prateleira mais alta, ofegante.
Keleios estava prestes a fritar a coisa vil quando Fidelis entrou gritando. Ela
convenceu Keleios de que puniria a aranha. Keleios deixou assim, pois era uma
ofensa muito séria matar o familiar de alguém. Secretamente, ela pensou que a 66
própria Fidelis havia ordenado que os animais fossem mortos. A gaiola do canário
mais uma vez foi pendurada no teto, e Poth, a gata, dormiu onde ela estava, e Piker
dormiu no canto, tudo sem ser molestado. Para aqueles que podiam ver, a gaiola, os
cobertores do cachorro e a própria Poth brilhavam mágica.
Fidelis protestou contra a severidade das enfermarias. Mais tarde, Keleios
admitiu a Zeln que talvez um quartel de bombeiros fosse demais, mas para mudar
isso seria admitir que ela estava errada. Ela era excessiva, não estava errada.
Fas era inteligente o suficiente para deixar o suficiente em paz, então Zeln
deixou isso de lado.
Keleios se sentou na cama, a cabeça do cachorro afundou em sua perna e ela
coçou a orelha. Poth subiu pelas costas e se enrolou em volta do pescoço. Um poleiro
precário para uma gata, mas ela gostou e seus ronronos ecoaram na nuca de Keleios.
A pele de Keleios formigou e Poth pulou com uma rajada. Piker gemeu baixinho.
Fidelis chamou sonolenta da cama.
— O que é isso?
— Os guardas se foram. A Profetisa está certa.
— Por que eles se foram?
Keleios virou-se para ver Fidelis adormecer.
— Eu te disse: a profetisa está certa.
— Você sendo o profeta.
— Sim, volte a dormir. Podemos discutir de manhã, se você quiser.
Fidelis abriu a boca para falar, mudou de idéia e recostou-se nas cobertas.
Alguns minutos e a respiração da mulher encheu a sala.
Keleios esfregou a cabeça do cachorro, fazendo suas orelhas baterem, e o
mandou para sua cama. Poth caminhou pelas cobertas de Keleios, tentando encontrar
um local confortável.
— Estamos seguros agora –, ela sussurrou para a gata. Mas, ao terminar de se
despir, ela se perguntou o quão seguro alguém poderia estar com traidores deste lado
das alas.
Ela colocou a mão na cabeceira da cama e ativou o feitiço. Deu um pulso, uma
mera faísca de poder. Keleios deitou-se agradecida. Não haveria mais mágica esta
noite, não importa qual a necessidade. Poth se enrolou em uma bola preta e branca ao 67
lado de seu ombro, sua cauda emplumada descansando logo abaixo do queixo de
Keleios. Ela checou brevemente para se certificar de que a adaga da bainha do pulso
estava no lugar e, colocando a mão sobre o Luckweaver, ela se entregou ao sono.
Keleios estava aconchegada no calor de seus lençóis, cansada, muito cansada.
Algo estava batendo em seus cabelos. Ela o afastou, mas o toque hesitante retornou.
Ela abriu os olhos apenas o suficiente para pegar um preto e desfocado. Keleios
gemeu.
— Poth, o que é isso? – Então ela notou o ângulo da luz do sol. – A forja de Urle,
estou atrasada.
Poth pulou no chão com um grito assustado quando Keleios puxou as cobertas.
A gata bateu no pé dela, garras cuidadosamente embainhadas.
— Sinto muito, e obrigada por me acordar. – A gata estava sentada muito reta,
parecendo virtuosa e paciente. Keleios riu e a pegou. Poth tentou permanecer imóvel,
mas consentiu e começou a ronronar. Keleios a colocou na cama e começou a se
despir.
— Não durmo tão tarde há meses –
Ela estava viva, a ala estava intacta e Fidelis se fora. Um bilhete estava pregado
nas roupas que ela havia tirado na noite passada. Lia-se simplesmente:
KELEIOS.
NÓS PODEMOS DISCUTIR MAIS TARDE HOJE. EU TINHA NEGÓCIOS
PRECOCES E URGENTES PARA CUIDAR.
A FEITICEIRA
Ela sorriu. Elas estavam deixando notas uma para a outra por dois anos. Keleios
assinava "a meio-elfo" e Fidelis sempre foi "a feiticeira". O sorriso desapareceu
quando ela percebeu que o assunto urgente poderia ser o planejamento de sua própria
morte.
Keleios sentiu um leve toque em sua mente. Ela abriu e Allanna pediu permissão
para entrar em seu quarto. A mulher apareceu no meio do chão. Como sempre,
Keleios foi levada com a beleza de Allanna. Ela era a heroína de uma antiga lenda, ou
deveria ter sido.
Sendo astranthiana, era alta e esbelta, com cabelos lisos amarelo dourado que 68
caíam por seus joelhos. Seus olhos eram o azul surpreso das flores, e sua pele nunca
tinha conhecido o toque do sol, branca e pura como uma boneca de cera. Ela estava
vestida de azul hoje, o que enfatizava tudo – os olhos, a pele, os cabelos dourados.
Seu vestido era de seda azul estampada em azul. Ele abria abaixo da cintura ajustada
para revelar um vestido azul claro. Um colar de pérolas e safiras adornava seu
pescoço esbelto. Allanna do Cabelo Dourado era uma princesa esperando por seu
príncipe, e ninguém estava mais consciente disso do que a própria Allanna. Sua
beleza teria roubado a respiração se tivesse sido uma beleza inconsciente, mas era
afetada, como o vestido que combinava com seus olhos e os gestos refinados. Era um
show autoconsciente.
Ela começou a frase com uma mão longa e afunilada.
— Belor me pediu para apressar você.
Keleios puxou o vestido por cima da cabeça.
— Estou atrasada?
— Uma hora.
— Carrick vai me esfolar viva.
Os lábios impossivelmente vermelhos sorriram.
— É uma possibilidade.
— Você acha divertido; eu não. – Keleios despejou água da jarra na bacia, fria.
Ela engasgou com a sensação da água fria.
Allanna disse:
— Aqui, deixe-me aquecê-la para você.
— Não, obrigado.
Allanna encolheu os ombros. Ela desperdiçava feitiçaria em pequenas coisas
como aquecer a água sem pensar que era um desperdício.
Allanna suspirou graciosamente.
— Eu sinto muito. Sei que você está com problemas, mas por que se coloca à
mercê de um homem assim?
Keleios se secou em uma toalha pequena.
— Um homem como o quê?
Allanna se mexeu desconfortavelmente.
— Oh, vamos lá, você sabe o que quero dizer. 69
— Não, me diga.
Allanna bateu um pé delicado e enviou a seda azul sussurrando no chão.
— Ele não é mágico, nem mesmo um feitiçeiro de ervas.
— É verdade, mas ele não precisa de mágica para ser o melhor espadachim das
ilhas. – Era uma discussão antiga entre elas. Allanna tinha idéias muito astrantianas
sobre pessoas sem mágica. Sem magia, a pessoa era menos que humana, e era essa
ideia que mantinha os camponeses escravizados por tantos anos. – Quando você tiver
esgotado seus feitiços, o que resta? Você nem pode usar uma adaga, muito menos
uma espada. O que acontece quando você fica sem magia?
Ela ficou perfeitamente reta, as mãos soltas ao lado do corpo.
— Eu não fico sem feitiços.
Era verdade, de certa forma. Allanna era talvez a mais poderosa que saiu de
Astrantha desde Zeln e sua irmã Sile.
— Você é poderosa, Allanna, mas todo mundo, todo mundo, acabará ficando
sem feitiços. Ou pelo menos a força para usá-los.
O rosto pálido era altivo; sua opinião sobre sua magia era muito alta.
Infelizmente, até agora a opinião era merecida. Ela era uma das quatro pessoas que
poderiam entrar na arena com Zeln e ter a chance de sair viva.
Keleios observou o rosto de Allanna até sua blusa de linho bloquear sua visão.
Era inútil discutir. Até que alguém mais forte que Allanna desafiasse a garota, ela se
consideraria imbatível. A coisa assustadora era que ela poderia estar certa.
Keleios puxou o cabelo de dentro da gola da camisa.
— Talvez você seja um caso especial, Allanna, mas eu, com meus talentos mais
humildes, sinto a necessidade de mais.
Allanna deu uma pequena risada.
— Você humilde? Meu pai é apenas um visconde; o seu era um príncipe e sua
mãe, uma princesa.
— Tais coisas são muito mais importantes em Astrantha do que em Wrythe. E
quanto à família de minha mãe, eles me consideram uma filha bastarda. – Ela fungou.
– Os calthuianos são um povo bárbaro, sem intenção de ofender. Sua mãe estava
muito acima da maioria de seus compatriotas. 70
Keleios, sendo meio calthuiana, não sabia ao certo o que era elogio e o que não
era, mas disse:
— Obrigado, Allanna.
— Eu não professo entender os caminhos dos elfos, mas em Astrantha você não
é humilde.
Um torso de Belor flutuou pela janela. Como fantasmas, eles podiam ver através
dele. Keleios sussurrou:
— Estou com pressa. – Keleios começou a vestir o colete que havia descartado
na noite anterior.
Os delicados lábios de Allanna se curvaram levemente, um olhar de nojo
tocando seu rosto.
Keleios segurou-o no comprimento dos braços. Allanna tinha razão. Ela abriu o
baú no final da cama e começou a vasculhá-lo.
— Eu ainda não alimentei os animais.
— Eu farei isso.
A voz de Keleios veio abafada de dentro do porta-malas.
— Lembre-se de picar salsa para o canário.
Como se em resposta, o pequeno pássaro cantou um trinado estridente. Allanna
disse:
— Vou ver que o cachorro chega a Feltan, e a senhora Poth janta na cozinha sob
meu olhar atento.
— Obrigada.
Ela piscou, cílios longos e dourados se curvando para baixo.
— Sua pressa é minha única recompensa.
Keleios estava de pé, com um colete verde claro na mão. Ele se ajustou bastante
confortável, mas teria que servir. Não parecia haver outros limpos. Poth circulou em
torno de seus tornozelos.
Keleios pegou a gata e a abraçou.
— Allanna cuidará de você, Poth. Se você não se importa?
A gata não se importava, talvez porque Allanna fosse um pouco parecida com
ela. Elas se davam muito bem. E ela alertou o cão:
— Comporte-se ou Allanna transformará você em um coelho. –.O cachorro deu 71
com armas afiadas durante o treino. Seus olhos brilhantes desafiaram Keleios a
protestar. Ela não protestou, apesar de Bellenore ser uma lutadora melhor do que ela.
Elas lutariam com espada curta e escudo, o método favorito de Keleios, e Bellenore a
venceria. Era para ser uma experiência humilhante.
Carrick gritou:
— Ao terceiro sangue; um nick é tão bom quanto uma ferida.
Quando se enfrentaram, a carne pálida de Lothor parecia brilhar, como alabastro
esculpido. Keleios balançou a cabeça para clarear a visão e Bellenore reteve a
pergunta:
— Você está apta para o círculo? – Keleios assentiu e elas começaram a dança.
Já haviam lutado antes, e Keleios havia vencido duas vezes, mas não com uma arma
afiada, e não para tirar sangue. Mesmo com armas contundentes, Bellenore venceu
nove em cada dez vezes. Uma lição teria funcionado melhor nos outros, porque
Keleios não considerava embaraçoso ser derrotada, na prática, pelo segundo em
comando dos guardas. Carrick sabia disso, mas era um de seus castigos comuns. Ele
não havia punido satisfatoriamente a meio-elfa. Embora ele descobrisse que poderia
deixá-la com raiva, ele não poderia fazê-la verdadeiramente arrependida. Elas
circulavam, cautelosas, os escudos mantidos próximos cobrindo a parte superior do
corpo e o estômago, tensas para subir ou descer. A arma preferida de Bellenore era a
espada de duas mãos. Ela era uma das duas únicas mulheres que Keleios tinha visto
com força para usá-lo adequadamente. Por falar nisso, ela não tinha visto muitos
homens que poderiam usar bem as duas mãos. Muitos deles o carregavam, mas
apenas um punhado tinha força, resistência e mentalidade para a arma. Elas testaram
uma ao outra com algumas fingidas tímidas, pelas quais nenhum delas se interessou.
Então Bellenore sorriu e Keleios também. A luta começou com um estrondo de aço.
Bellenore correu para dentro, cortando a espada. A tensão não estava lá; foi um
ardil. Keleios deixou o golpe passar, mas rebateu com um golpe de escudo contra o
corpo de Bellenore. Isso desequilibrou a mulher, mas antes que Keleios pudesse
colocar a espada em jogo, ela se recuperou. Enquanto elas circulavam, Keleios
encontrou seus olhos atraídos por Lothor. A mão dele que varreu o braço a fascinou.
Bellenore estava sobre ela, a lâmina piscando para baixo. Keleios jogou o aço para
cima; as espadas cantaram umas nas outras, com uma chuva de faíscas. Quando elas 75
se separaram, uma fina linha de vermelho começou a se mover pela testa de Keleios.
A ponta da lâmina a encontrou antes que ela reagisse. Com o conhecimento do
sangue, o corte começou a arder. Pior, o fino fluxo de sangue escorria pelo olho
esquerdo, dificultando a visão. A lâmina encontrou a lâmina, bloqueando. Lâmina,
escudo, encontraram-se lutando um contra o outro. Sem ajuda mágica, Keleios não
poderia segurar Bellenore. Sabendo disso, sentindo, ela desabou. Era uma ótima
aposta, e se ela estivesse lutando por sua vida, talvez não tivesse feito. Bellenore
cambaleou para frente, e a espada de Keleios a atingiu através do estômago. A
rapidez élfica permitiu que ela se afastasse e se preparasse para a próxima investida.
Toda vez que o círculo mostrava Lothor, sua concentração vacilava. Algo estava
errado. Keleios decidiu antes que a dança a levasse a Lothor mais uma vez para tentar
outra jogada perigosa. Era uma técnica desarmante mais favorecida nos círculos
élficos do que humanos. As lâminas se encontraram. Keleios forçou seu aço ao longo
do comprimento de Bellenore e torceu o ponto ao longo do cabo. Deveria tê-la
desarmado e cortado o pulso. Mas isso era Bellenore. Ela sangrou, mas manteve a
espada. O sangue jorrou da fatia e tornaria o punho escorregadio em pouco tempo.
Keleios se afastou para dar um tempo. A mulher sabia disso também e pressionou a
luta. Keleios sacudiu sangue do olho esquerdo, mas o olho estava inútil até ser limpo. 76
Nada sangrava como uma ferida superficial no couro cabeludo. Por alguma razão que
ela estava sendo distraída, Bellenore notou e começou a movê-la para olhar assim.
Funcionou como um encanto. Os olhos de Keleios foram atraídos para Lothor, e ela
se viu no chão com a espada de Bellenore na garganta. Ela não deixou cair a espada.
A ponta atingiu seu pescoço duas vezes, uma quase em cima da outra. Carrick
avançou.
— Vencedora.
Bellenore estendeu a mão para Keleios e ela aceitou.
— O que havia de tão interessante por lá?
Keleios tocou seu pescoço e seus dedos ficaram vermelhos.
— Não tenho certeza. – Keleios voltou e sentou-se ao lado de Belor. O
curandeiro que participava da sessão de treinos desta manhã se ajoelhou e pressionou
uma mistura de ervas em seu rosto. Ele começou a limpar o sangue do rosto dela. Ela
entrou em contato com Belor pela mente.
*Belor, Lothor está vestindo algo novo, diferente? Um anel, um pedaço de
corda, um colar?*
*Sim, uma corrente de prata com uma grande gaiola. É algum tipo de mágica*.
As ervas absorveram o sangue, e o curandeiro começou a colher creme para dor
e para acelerar a cura.
*Belor, não consigo ver esse colar.*
*Então, um encanto a favor ou contra você.*
Keleios não respondeu; não havia necessidade. Belor levantou-se e caminhou
até Carrick. Carrick deu o bastão para Bellenore e foi falar baixinho com Lothor.
Belor retomou seu assento. Lothor protestou. Keleios observou-o do outro lado do
círculo, segurando o encanto prateado, ainda invisível para ela.
Relutantemente, Lothor se moveu para desfazer a cadeia invisível. Ele entregou
a Carrick, que ficou visível aos olhos de Keleios. Os dois lutadores sentaram-se e o
círculo ficou vazio.
O mestre de armas entrou no círculo e disse:
— Nosso visitante aqui estava usando um feitiço mágico, o que é contra as 77
regras para minhas práticas. Ele afirma que é um encanto contra o clima
excepcionalmente frio da nossa ilha. – Ele deixou a corrente deslizar em sua grande
palma uma poça de corrente de prata. – Kelios, o que é isso? – E ele a jogou pelo ar.
Lothor saltou para a frente e os reflexos dos guardas assumiram o controle
enquanto o seguravam.
Keleios a pegou e quase se engasgou com a proximidade.
Até Belor se ajoelhar ao lado dela, ela não percebeu que havia caído no chão
quase desmaiada. Ele teve que arrancar os dedos dela da corrente.
Carrick se ajoelhou ao lado dela, toda a raiva esquecida.
— Garota, garota, você está bem?
Ela conseguiu falar:
— Sim, mestre, eu estou...bem.
Belor estava dissecando cuidadosamente a bola de ervas. A bola de metal vazia
estava à mão.
Keleios permitiu que Carrick a ajudasse a sentar-se e observou Belor rasgar as
ervas retorcidas e colocá-las em pilhas arrumadas. Quando tudo foi limpo, restaram
duas mechas de cabelo. Um era o branco da neve fresca; o outro, um marrom dourado.
Lothor ficou muito ereto, a raiva provocando um rubor nas bochechas pálidas
como a morte. Ele foi cercado por guardas, ainda incertos se ele deveria ser
prisioneiro. Ninguém se sentia à vontade com um curandeiro das trevas na escola;
eles estavam bastante dispostos a acreditar que ele havia feito algo mau.
Keleios se levantou, sacudindo as mãos desejando bons presságios. Ela
atravessou o círculo de guardas para enfrentar Lothor.
— Suponho que deveria perguntar onde você conseguiu isso, mas apenas três
pessoas nesta fortaleza poderiam ter feito tanto encanto. Eu não fiz; Poula não faria
isso. Isso deixa Fidelis. – Ela ficou bem perto dele e disse: – Você queria minha
resposta, aqui está ela: não. Não, nem se você fosse minha única chance para fora dos
sete infernos.
Sua voz estava baixa, calma com a ameaça.
— Não diga com raiva algo de que vai se arrepender mais tarde.
— Não me ameace.
Carrick interrompeu: 78
— A sala silenciosa.
Tobin os alcançou.
— Você não vai desafiar Fidelis também?
Ela sorriu, mas seus olhos permaneceram escuros.
— Que ideia maravilhosa.
Belor pôs a mão no braço dela, mas ela não parou.
— Keleios, você acha sensato fazer dois desafios em um dia? Por lei, você pode
acabar lutando contra os dois hoje. Você certamente perderá o segundo.
Ela parou e virou-se para eles.
— Estou quase certa de que Fidelis quase me matou ontem à noite. Estou
cansada de esperar por provas enquanto ela planeja pelas minhas costas. Quero meus
inimigos na minha frente através das areias. – Ela apertou a mão de Belor e começou
a andar novamente.
Belor tentou argumentar com ela enquanto passavam pelo arco sul para os
jardins da fortaleza.
— Isso não é sábio. Você está deixando sua raiva dominar você.
— Talvez, mas é um erro meu, não seu.
Tobin disse calmamente:
— Keleios, não faça isso –, seu sorriso geralmente zombador se foi; seu rosto
estava sóbrio.
O jardim de ervas era de mil tons de verde, do cinza prateado do quartel ao
pinho escuro das folhas de alecrim. Keleios os conduziu através da treliça pintada de
branco e entrou no jardim de rosas. O cheiro de rosas era uma doçura próxima que se
agarrava ao ar do verão. Os caminhos de cascalho branco formavam uma cruz em
volta da fonte, cada caminho levando a uma cerca viva de buxo e a um portão.
Belor disse:
— Você sabe que não concordo com a regra do conselho sobre esperar por
provas. Eu disse antes que você seria morta, mas dois desafios em um dia, Keleios. É
loucura. 80
— Muito.
Eles recuaram como uma guarda de honra e a seguiram. O edifício estava
emoldurado pela luz dourada do leste, mas por dentro tudo era fresco e escuro. A luz
do fogo e a luz da lâmpada lançavam poças amarelas na penumbra. O rico perfume
de ervas encheu o lugar. A espessa secura das ervas penduradas, a rica umidade das
ervas fervida em uma panela, tornava o ar quase sólido com seus cheiros. Como
sempre, o cheiro de uma sala silenciosa bem administrada lembrava a Keleios de sua
mãe, mas foi aqui que ela encontrou a bruxa.
Fidelis estava colocando as ervas em um moedor. Seu vestido cinza claro se
agarrava ao corpo, quase como um deslizamento, mais sedutor do que qualquer uma
das saias com gola alta. Um único colar de pérolas era seu único ornamento. Um
pequeno aprendiz virou virilmente para o cabo do moedor. Foi ele quem os viu entrar,
e seu rosto empalideceu, deixando seus olhos castanhos como ilhas. Fidelis perguntou:
— O que é isso? – Ela se virou irritada e viu Keleios. Algo brilhou em seu rosto
– medo, talvez, mas não exatamente. Uma panela pequena borbulhando no fogo
cuspiu nas chamas, e a gota chiou, fazendo o fogo estourar.
O garoto deu um pulo e Fidelis disse:
— Isso é tudo.
O garoto caminhou lentamente entre as duas mulheres e, uma vez afastado de
Keleios, ele correu. Um farfalhar do lado da sala e duas meninas entraram
hesitantemente à vista.
Keleios disse calmamente:
— Saiam daqui. – Elas fugiram.
– Estamos sozinhas agora, Keleios, exceto pelo seu cortejo e pelo meu familiar.
– Fas, a aranha, clicou do topo de uma prateleira próxima. Belor e Tobin eram uma
garantia sólida nas costas de Keleios.
— Enuncie seus negócios, meio elfo.
— Você escreveu que poderíamos lutar mais tarde; bem, é mais tarde.
A feitiçeira piscou e sorriu.
— Pelo o quê devemos lutar?
— Belor.
Ela deu um passo à frente e mostrou a Fidelis o feitiço desmontado. 82
— Não, mas um dia talvez ela seja gentil com um jovem príncipe Meltaanian.
Keleios o empurrou.
— Oh, vá para a aula, caçador de saias.
— Lutador. – E ele correu em direção às salas de aula.
Belor falou suavemente.
— Eu quero conhecer seus planos.
Ela deu um tapinha nas costas dele e sorriu alegremente demais.
— Meu segundo tem que saber.
— Estou honrado em apoiá-la, mas você não tem um plano, não é?
— Ainda não. Melhor esperar uma hora antes de me encontrar. – E com isso ela
se voltou para a torre principal e as oficinas de ferreiro.
Belor gritou atrás dela:
— Espero que você saiba o que está fazendo.
Um toque delicado de feitiçaria trouxe seus pensamentos à mente dele.
*Eu também.*
O pensamento não o confortou nem um pouco.
CAPÍTULO 05: NA ESCURIDÃO
vermelho cereja. O fole gigante lançava ar na forja principal e, acima de tudo, havia o
barulho de martelos.
O calor podia arrancar a pele, roubar o ar: o calor constante, a escuridão - não
era um lugar para procurar um elfo, nem mesmo um meio-elfo.
Ela passou pelos fundos com escudo conjurado brilhante, mantendo-o separado
do resto da forja. Keleios mandou Allanna conjurar o escudo, porque se falhasse, não
seriam meras explosões. Tally, ferreiro-mestre, receberia um presente. Era um
resquício de uma espada e um cabo, com inúmeras peças enegrecidas ao longo dela.
Foi um presente do próprio Alto Conselheiro. Ele queria uma espada feita das peças,
mas ninguém mais sequer tocaria no trabalho.
Dizia-se que eram os restos da espada, a Matadora de Elfos. Fora feita por um
ferreiro élfico renegado. Ele, apropriadamente, foi sua primeira vítima. Tinha sido um
ladrão de almas, entre outras coisas. Keleios não queria colocar uma relíquia nas
mãos de Nesbit, mas ela não resistiu ao desafio de descobrir alguns dos segredos de
como os elfos haviam perdido durante a guerra. Se eles conseguissem salvar o metal,
a lâmina não seria a Matadora de Elfos de volta à vida. Essa espada prometia ser um
casamento entre magia do mal e Keleios e Tally.
Tally não se virou quando ela entrou. Ele era o Astranthian mais baixo que
Keleios já conhecera, e sua cabeça quase careca, com uma franja de cabelos loiros
finos, dava-lhe uma aparência peculiar.
- Bom – disse ele, ainda curvado sobre a peça principal da espada. – Você está
aqui. Hoje vamos terminar de salvar a última peça. – Ele se virou então com a maior
peça inteira na mão, e seu sorriso desapareceu. – Você não está propriamente vestida
para a forja.
– Não, Mestre. Devo duelar esta noite.
Seus dedos apertaram o metal.
– Com aquele curandeiro das trevas, não é?
Ela assentiu com a cabeça.
– Bem, isso estava por vir, suponho.
Ele colocou o metal novamente sobre a mesa de trabalho e pegou um bocado de
serragem do balde onde ficava. Jogou nas brasas e logo uma chama surgiu. 87
havia feito, e uma pele de coelho que havia sido morta e curada com suas próprias
mãos. Urelle ou Wolelle sempre exigiam sacrifícios que haviam sido feitos pelas
mãos de seus adoradores.
Urle, deus ferreiro, era o próximo. Ele era o deus pessoal de Keleios, pois ela era
uma sacerdotisa menor em seu templo, como a maioria dos encantadores. Colocou
um anel de ouro liso em seu altar. Era o anel de proteção que ela usava e fez com as
próprias mãos. Não costumava dar uma magia tão rara ao altar. Urle entendia o
trabalho que dava fazer algo tão simples. Ele ficava satisfeito com pouco, menos um
dia por ano. Se esta era a última vez que ela o adorasse, Keleios queria que fosse
especial. O anel era todo brilhante, e ela se sentiu bem em entregá-lo ao seu deus.
Zardok, consorte da Mãe de Todos, era o próximo. Ele era o feiticeiro entre os
deuses, e Keleios precisaria de todos os seus poderes de feitiços hoje à noite. Ela
colocou uma opala impecável, do tamanho da unha do meio, no altar dele. Zardok era
o deus da riqueza e aceitava apenas jóias e metais preciosos. Ele não era o deus de
homens pobres. Ele também era o deus da loucura, e só por esse motivo Keleios o
adorava o menos possível. Ele era imprevisível e poderoso demais.
Ajoelhou-se diante do altar de Loth, deus do derramamento de sangue, guerra e
violência. Ela veio de mãos vazias e sacou a adaga. Ela fez um corte diagonal no
antebraço esquerdo e deixou o sangue pingar no altar. Ela deitou o braço sangrando
diretamente na pedra fria e disse:
– Eu não costumo vir até ti, grande deus que és. Mas eu venho a ti agora,
oferecendo-me como sacrifício, meu próprio sangue para revestir teu altar. Guie-me
esta noite; que meus golpes sejam rápidos e seguros, que meus inimigos se escondam
em terror. Dê-me a vitória hoje à noite como eu lhe dou sangue agora.
Houve um pequeno som atrás dela, e ela girou, com a faca pronta na mão direita.
Lothor estava lá, com um meio sorriso estranho no rosto e um falcão amarrado, mas
vivo, debaixo do braço. Keleios podia ver o batimento cardíaco frenético do pássaro
quando seu peito subia e descia.
Ele usava as roupas de sacerdote por cima das roupas; escuridão perfeita com a
espada de Loth com ponta de sangue costurada no peito.
– Bem, Keleios, os dois sacrifícios favoritos de Loth, uma ave de rapina e o 96
cama, acariciando Poth. Seu vestido era verde-floresta, o que favorecia seus cabelos
castanhos dourados. Keleios a ajudou a escolher o pano. Estava na hora de ela parar
de se vestir como um camponês.
Tobin e Belor conversavam em silêncio. A roupa vermelho-alaranjada brilhante
do homem mais jovem contrastava com o casual cinza e marrom de Belor. Eles
tinham colocado sua armadura, armas e feitiços na cama; Keleios foi até a bacia e
derramou água da jarra para a tigela. Ela limpou o braço ensanguentado às pressas.
Tobin se aproximou dela e disse calmamente apenas para seus ouvidos:
– O que há de errado?
– Fiz sacrifício a Loth.
Ele olhou para a pele macia e ininterrupta de seus braços.
– Um animal?
– Não.
Ele sorriu.
– Então significa vitória. Você triunfará sobre Lothor hoje à noite.
– Sobre um sumo sacerdote de Loth? Sobre o príncipe herdeiro do país de
estimação de Loth? Tem algo de errado aí.
– Você se preocupa demais, Keleios. Aceite isso como um bom sinal e vá.
– Quando os deuses estão próximos, os problemas nunca estão muito atrás.
– Se você está determinada a pensar mal disso, não posso ajudá-la. Mas pela
mão vermelha de Magnus, não estrague sua concentração.
Belor entreouvira e ela teve que repetir a história para todos no quarto. Os olhos
castanhos de Melandra eram um brilho cintilante sob o véu dos cabelos. Ela e Tobin
deviam estar em outro lugar agora, e Keleios sabia quantas trocas de favores tinham
acontecido para estarem ali.
– Estou feliz que vocês estejam todos aqui.
Tobin sorriu e Melandra baixou a cabeça ainda mais. Keleios passou muito
tempo ajudando a garota a ganhar algum senso de valor. Agora ela olhara para cima,
e a cicatriz que torcia a boca fez do sorriso uma coisa desconfortável de se ver.
Melandra foi muito corajosa em fazê-lo com seu amado Belor no recinto.
Vestiram Keleios com a armadura de couro, seus brincos banhados a ouro; era
um aconchego familiar. As braçadeiras mágicas continuavam sobre os braços. Uma 98
faca longa para lutar foi presa no quadril direito. Luckweaver estava presa ao seu lado
esquerdo. O elmo de ouro, um presente de seu avô elfo, colocou sobre a cama. Era
uma prova de grande habilidade. Era a cabeça esculpida de um pássaro, cada pena
gravada, os buracos dos olhos no centro como uma coruja, para que ela pudesse ver.
O nariz era um pequeno gancho.
Seu queixo e boca ficavam onde uma mandíbula inferior estaria. A proteção de
penas na clavícula, esculpidas para afofar nas bordas, como se penas reais
descansassem em seus ombros. O elmo era algo estético, não mágico. Os feitiços
estavam envoltos em sacos de pano, um vaso de barro, todos encantados e protegidos
contra a quebra. Eram usados com uma tira cruzada no peito, presa ao cinto da espada.
A última coisa a colocar na cama era um escudo de ouro. Foi um presente de seu
mestre-ferreiro, Edan. O escudo continha um pouco de magia de anões. Custara-lhe
muito encantar o escudo.
Keleios soltou os cabelos e Melandra desfez todos os emaranhados. Era uma
massa espumosa e ondulada. Keleios trançou apenas os cabelos dos dois lados do
rosto, deixando a maioria livre, mas afastando-os dos olhos. Era um costume élfico,
algo que o meio-élfico Loltun não reconheceria. Por tudo o que sabia dos elfos, ele
poderia muito bem ser totalmente humano. Ela pediu que eles fossem embora, depois.
Eles o fizeram, exceto Poth. A gata rolou para o lado dela e encarou Keleios com
preguiçosos olhos dourados. Apenas Poth assistiu às últimas peças de armadura se
encaixarem. Era uma regra entre os Nagosidhe que ninguém além de um
companheiro guerreiro visse você. Os Nagosidhe eram uma pequena seita do exército
wrythiano. Os homens os chamavam de assassinos. Embora Keleios tivesse apenas
roçado a superfície do caminho trevoso e violento dos Nagosidhe, ela não violara as
regras. Seu tio, Balasaros, dissera que Keleios não tinha temperamento para ser um
verdadeiro Nagosidhe. Keleios nunca tinha certeza se isso era um insulto ou um
elogio.
A bainha do pulso era inútil com as braçadeiras e ela mudou a faca de arremesso
para uma bainha que descia pelas costas. O punho roçava em seu pescoço. O segundo
ficava na bainha da bota. Dentro do pescoço de sua armadura, ela colocou um garrote.
O fino fio duplo de arame, com seus pontos de fixação nas duas extremidades,
encaixava-se confortavelmente e invisivelmente. 99
Ela estava sentada com Poth no colo quando houve uma batida na porta. Tobin
tinha vindo buscá-la para a refeição da noite.
– Entre.
A maioria dos meninos não recebia seu primeiro conjunto de malas até
conquistar o título ou atingir seu pleno crescimento, mas sendo um príncipe, Tobin
havia sido uma exceção. Em seu último aniversário, ele recebera uma cota de malha.
Era brilhante e dourado como grande parte da armadura de Meltaan, com flores e
bestas gravadas ao longo dela. O capacete enfiado debaixo do braço trazia trepadeiras
enrolando-se e dois leões batalhavam no topo. Tobin estava muito orgulhoso do traje
berrante, pois ele, como a maioria dos meltaanianos, gostava de brilho e mais brilho.
Tinha um pouco de magia de anões, porque nenhum mago podia usar tanto metal
normal e ainda ser capaz de lançar feitiços.
Keleios colocou o capacete, frio, constritivo, protetor. Ela ergueu o escudo com
o braço esquerdo e testou seu equilíbrio. Uma pulseira precisava ser apertada. O
escudo de Tobin era grande, quase tão grande quanto ele, e amarrado às costas. Uma
espada curta e um punhal pendiam do cinto.
Por fim, ela colocou seus feitiços e bolsas em volta do cinto. Quando estava o
mais confortável possível, ela disse:
– Vamos lá – e liderou o caminho para a porta. Poth seguiu atrás deles.
Nenhum dos dois falou enquanto se viravam para as escadas. Alguém estava
correndo pela biblioteca, alguém cuja respiração estava irregular e alta, uma voz
dizendo:
– Mãe nos ajude. Mãe nos ajude.
Tobin vestiu o capacete e Keleios se agachou para frente, fazendo um sinal para
que ele ficasse em sua armadura.
Ela procurou pelas prateleiras, sombreando o estranho ofegante. Era Selene,
encostada em uma prateleira, com lágrimas escorrendo silenciosamente por suas
bochechas.
– Selene?
Ela pulou como se atingida, depois se virou e se achatou contra os livros,
afastando-se de Keleios. Ela murmurou:
– Eu não sabia, não sabia. 100
mesa, Poula estava de bruços. Uma grande poça de escuridão se espalhava de suas
costas pelo chão. Os juncos haviam sido arranhados e o sangue traçado pelas pedras
nuas.
Seu primeiro instinto foi correr até ela, protegê-la de alguma forma, mas não
ajudaria se ela também fosse vítima. Keleios se forçou a vasculhar a sala e ver se não
havia nada escondido. Ela enviou uma ligação frenética para Jodda, quase derrubando
o curandeiro em uma parede com a força da convocação. Tudo o que ela podia fazer
era esperar.
Keleios ficou ao lado de Poula e ajoelhou-se cuidadosamente, colocando a
espada em juncos limpos à mão. O capacete de pássaro, ela tirou e colocou ao lado da
espada. Ela afastou os cabelos grisalhos e tocou a máscara, mas seus dedos não
conseguiram encontrar um pulso na garganta. O peito de Keleios se apertou, sua
garganta se fechando em torno das lágrimas não derramadas. Ela não choraria, ainda
não. Fidelis também havia feito isso?
A carne ainda estava quente. A ferida sangrava devagar, mas não havia
começado a coagular. Pelo ângulo e tamanho, ela julgou a arma do crime uma faca,
direto para o coração. Nem todo mundo podia matar alguém pelas costas e golpear o
coração; você tinha que saber exatamente por onde entrar.
Ela resistiu ao desejo de segurar o corpo; nada deve ser perturbado. Curandeiros
estavam chegando, mas já era tarde demais.
Lágrimas brilhavam à luz das velas. Quem quer que tivesse vindo, tinha
precisado de luz, tinha sido recebido, tinha traído Poula.
A luz brilhou em algo – um pequeno espelho oval que estava apoiado na mesa
de Poula. Por que uma mulher cega precisava de um espelho? Keleios embainhou a
espada e foi para o espelho. Um envelope estava em frente a ele, selado com cera e
com o nome de Keleios.
Ela hesitou. Onde estava Jodda? Keleios pegou o envelope; na parte de trás
estava escrito: “As respostas estão lá dentro”. Ela reconheceu a caligrafia longa e
floreada: Fidelis.
Keleios quebrou o selo e encontrou uma folha de papel.
“Meio-Elfo, se você quiser saber como e por quê, repita as palavras escritas 102
de batalha de duas cabeças, Gore, estava amarrado ao seu lado. Ele era um feiticeiro
em todo o seu poder e tinha atrelado a própria alma ao machado.
– Como posso ser útil?
Keleios olhou para ele.
– Tobin não contou a você?
Ele assentiu, o capacete preto se movendo levemente.
– Então por que perguntar?
Seus olhos prateados se destacavam como jóias no ébano de seu capacete.
– Pela coroa de Zardok, vocês dois, vamos logo com isso! Cure-a, Lothor.
Tobin olhou de um para o outro.
Keleios engoliu em seco. As feridas estavam começando a queimar, como se
alguém tivesse empurrado um pedaço de metal em brasa em sua pele. Sua voz saiu
ofegante.
– Talvez ele tenha vindo me ver morrer.
– Lothor? – Tobin disse. Ele deu um passo em direção ao homem, depois ficou
indeciso.
Lothor tirou as manoplas.
– Eu não vim assistir você morrer, Keleios. – ele caminhou sobre o vidro
quebrado, moendo-o sob os pés. Sua voz sussurrava, suave por trás do capacete. – E
se eu não a curasse, a menos que você prometesse se casar comigo?
A queima estava se espalhando em seu peito. Cada respiração estava se tornando
dolorosa. Ela respirou fundo o máximo que pôde e disse:
– Então eu morreria.
Ele riu baixinho e colocou longos dedos brancos em seu pescoço.
– Eu pensei que você diria isso.
Um frescor calmante se espalhou das mãos dele pela pele dela. Ela respirou
fundo. A queima foi expulsa pela magia de cura. Houve duas pequenas ondas de
calor quando ele curou as feridas externas também.
Keleios olhou para ele.
– Obrigado, curandeiro das trevas.
– Disponha – a mão dele permaneceu no pescoço dela, e ela foi forçada a dar um
passo fora de alcance. 106
perdida na parede pelo dormitório dos meninos. Uma teia de aranha estava pendurada
no topo e Lothor a afastou. Ar fresco e úmido subia as escadas contra eles. As
escadas permitiam que dois passassem, mas por pouco. Chegaram ao corredor
inferior, estendendo-se na escuridão fria.
Na primeira esquina, a escuridão se estendia aveludada e completa. Uma
segunda explosão soou e o castelo estremeceu acima de suas cabeças. Por um
momento Keleios pôde sentir o peso do castelo em cima dela, deixando o ar obsoleto
e o peito apertado. O sentimento passou, como sempre. Um elfo no subsolo no escuro,
que piada de anão maravilhosa. Keleios desembainhou a espada e liderou o caminho
pela escuridão.
CAPÍTULO 06: JURAMENTO DE SANGUE
TOBIN CONJUROU UMA LUZ AZUL de bruxa. Ele balançou logo atrás de
Keleios para não arruinar sua visão noturna. Eles vieram por aqui antes, na prática.
— Onde estão os outros guardas? – Perguntou Lothor.
— Não há outros –, disse Keleios.
— Nós três para defender todas as partes inferiores do castelo. Você está louca?
Keleios olhou de volta para ele.
— Você é livre para voltar. 108
Tobin disse:
— Os trechos mais baixos são projetados apenas para um feiticeiro e um
encantador guardar. Uma ala de cristal guarda tudo nos lugares mais baixos. Se
alguém se atreve a cavar ou vasculhar as áreas mais baixas, isso os mataria.
— As alas de cristal são muito raras –, disse Lothor. – É realmente a proteção
definitiva.
Tobin assentiu.
— É por isso que somos apenas nós dois. Alguém deste lado teria que remover a
ala de cristal para que alguém pudesse entrar.
— E o que impede alguém de fazer exatamente isso? – Perguntou Lothor.
— Ninguém trairia essa fortaleza –, disse Tobin.
Keleios percebeu o que ele queria dizer um momento antes de Tobin dizer:
— Fidelis, mas mesmo ela não trairia toda a fortaleza.
— Mãe Blessen nos salve –, sussurrou Keleios.
Um grito quebrou o silêncio. Congelou-os por um piscar de olhos, e Keleios
xingou:
— A forja de Urle, eles não poderiam ter rompido. – Eles começaram a correr,
armas seguradas perto e apontando para baixo e para baixo.
O som de muitos homens veio de cima, e Keleios diminuiu a velocidade,
acenando para eles voltarem. Ela seguiu em frente, desejando não ser vista. Não era
mágica, e, portanto, não detectável, uma habilidade dos elfos de se misturar com o
ambiente para ser simplesmente ignorada. Ela chegou à enorme porta que dava para o
porão principal. A luz brilhava dele, brilhante e dourada, luz de lamparina e luz de
tochas. Keleios espiou pela beirada da porta e encontrou um mar de homens. Eles
ficaram em silêncio como bons soldados, mas suas roupas falavam do mar. A
armadura era quase inexistente entre eles. Cinco homens do grupo não se encaixavam.
Eles estavam vestidos de preto. A luz das tochas tremulava no dispositivo costurado 109
juntos em uma única corda ou poder. Os criadores do feitiço pretendiam que duas
pessoas o chamassem, pois encantamento e feitiçaria eram uma combinação rara em
uma pessoa. Keleios conhecia sua própria magia como conhecia sua própria mão ou
rosto no espelho. Se ela falhasse, seria a feitiçaria que a trairia. Se você falhou no
encantamento instantâneo, simplesmente não encantou o item.
O feitiço fracassado poderia atacar o lançador de feitiços, e essa possibilidade
era o por quê ela não combinava seus talentos com frequência.
Parecia o arrepio de feitiçaria, mas mais silencioso, mais forte, controlado.
Ela sussurrou para as pedras:
— Paredes, ouçam-me; faça como eu ordeno. Pare os ímpios, ajude os bons,
protejam sua própria segurança e os que estão lá em cima. Sejam meus braços fortes
para este dia.
Keleios se afastou da parede e a tocou gentilmente. As pedras zumbiram de
encantamento.
Ela se virou para a parede da direita e fundiu seu poder com ela também.
O suor escorreu pelo seu rosto, mas ela sorriu. O feitiço era uma combinação do
encantamento dos braços fortes de Bellarion e o feitiço de viagem de Venna. Mestre
Tally e Zeln, o Justo, haviam inventado isso juntos.
Keleios voltou sua atenção para Tobin. Ele estava pressionado a centímetros do
brilho branco da primeira ala. Ela podia ver sua feitiçaria traçando para fora, delicada,
possuindo uma restrição que o curandeiro das trevas nem mesmo entendia. As linhas
de poder amarelo-ouro se espalharam para fora emolduradas por paredes, piso e teto.
Sua ala era um fantasma, perdida contra o brilho de Lothor.
Ela sorriu com o sorriso aliviado e orgulhoso de Tobin.
— Eu sabia que você conseguia–, ela sussurrou, e apontou para os dois mais
adiante no corredor.
A segunda barreira de fogo foi derramada ao longo do chão.
Keleios decidiu que a proteção da dor ocorreria pouco antes da curva para a
escada, mas ainda não. Havia reconhecimento a ser feito.
Uma segunda explosão sombria veio, seguida por gritos.
— Como eles estão rompendo estas barreiras tão rapidamente?
Lothor disse: 112
— Você mostra desprezo pela minha feitiçaria porque falta delicadeza. – Ela
olhou para ele, pois os pensamentos eram dela. – Mas somos ensinados a usar a força
bruta para superar qualquer obstáculo.
— Então todos vocês são ensinados da mesma maneira?
Ele assentiu.
Ela começou a ter uma ideia.
Quando a seguir, ela observou, apenas dois dos curandeiros das trevas
caminhavam na frente.
Andando a cavalo na frente deles estava um prisioneiro. Keleios não poderia
colocar um nome para a garota loira. Ela tinha seis ou sete anos e estava na aula de
feitiçaria de ervas de Fidelis. Seus olhos azuis se destacavam em um rosto muito
pálido.
Ela parou, incerta, olhando para seus captores em busca de segurança. Um na
frente, o capuz preto jogado para trás para mostrar a ele tão loiro e de olhos azuis
quanto ela, fez um sinal para a frente.
Keleios quase podia sentir o pulso da criança acelerando.
Keleios deu um passo para longe da parede para avisar a criança, mas um
soldado entrou no encantamento.
Braços de pedra dispararam das paredes. Eles agarraram o homem e começaram
a esmagar.
O curandeiro das trevas de cabelos amarelos impediu que os lutadores se
apressassem. Ele levantou os braços e atirou magia em direção às paredes.
Keleios se encolheu com o poder da dispersão. Se tivesse sido apenas feitiçaria,
teria funcionado, mas encantamento era algo mais robusto.
O soldado ficou mole e ensanguentado. O homem tentou novamente dissipá-lo
como se não pudesse acreditar que havia falhado.
Sua próxima tentativa foi de destruição, e poder como um raio vermelho tocou
ao longo do corredor.
A criança, esperando sozinha, tropeçou de volta no susto e caiu na parede de
fogo. Chama rugiu por suas pernas, abafando seus gritos. Seu pequeno corpo estava
envolto em fogo. Apressada para fora uma folha de chamas, morte laranja. Encheu o 113
poderoso.
Mais uma vez Keleios avançou e os espionou. Outra criança andou diante deles.
Dessa vez, Keleios poderia colocar um nome para ela.
Ela era Bella, filha de um conde zairdiano. Ela tinha onze anos e era uma
feiticeira de alguma promessa. A garota andou para frente nervosamente, afastando
longos cabelos negros do rosto, os olhos concentrados no chão. Bella estava bem.
Ela parou e se encolheu; ela tinha visto. A garota olhou para trás e lambeu os
lábios; ela estava planejando algo.
Tranisome apareceu e a chamou:
— Garota, continue com isso.
— Eu... encontrei um.
Bella deu um passo para trás. Ele se aproximou e olhou para a linha de pólvora.
Ela estava logo atrás dele, e era um pequeno problema dar um pequeno empurrão. A
ala brilhou mais e desapareceu, seus gritos ecoando no corredor. Bella passou
correndo por ele na ala agora inútil.
Tranisome se contorceu no chão e gritou:
— Mate-a!
Dois guardas se moveram para obedecer e Keleios simplesmente apareceu
diante deles. Luckweaver cortou o pescoço de um e levou o outro para o lado. A
lâmina se soltou com um som de quebra de espinha, e Keleios subiu as escadas
correndo atrás de Bella.
Os lutadores estavam em plena perseguição. Havia algo que eles podiam lutar,
algo para sangrar e matar.
Keleios deixou sua espada ainda ensanguentada cair nos degraus e tocou a
parede. Havia uma barreira de destruição nas paredes; tudo o que precisava era de
uma centelha de feitiçaria. A proteção piscou no lugar. Dois lutadores atingiram
segundos depois.
Um raio explodiu em um fogo branco ofuscante. Ele levantou os cabelos da
cabeça e dos braços como um vento secreto. O raio ardia na escada. Homens gritaram,
correram, queimaram e morreram.
Tranisome ainda estava se contorcendo e gritando:
— Idiotas, eles querem que vocês os persigam! 115
O cheiro de carne queimada era forte e Keleios passou por ela. Fumaça ondulou
dos corpos. Não era a incineração completa de um incêndio, mas como se um grande
chicote de relâmpago os tivesse rasgado.
Tranisome pediu que o menino fosse trazido até ele. Keleios conhecia este
também, brevemente. Tobin exclamou:
— Brion!
Alguns dos lutadores olharam na direção deles. Keleios entendeu a frustração, o
horrível desamparo de tudo.
Brion era um viajante, um feiticeiro e um lutador. Suas mãos estavam amarradas
atrás das costas, e o forçaram a se ajoelhar diante do curandeiro das trevas que se
contorcia.
Keleios sussurrou para Lothor:
— O que ele está fazendo com o garoto?
— Se curando.
— Como o garoto o ajudará?
Lothor não disse nada, apenas olhou para a cena abaixo.
Bella estava silenciosamente enjoada em um canto, o cheiro de cabelo e carne
queimando era demais para ela.
O curandeiro colocou as mãos nos ombros de Brion e o menino começou a gritar.
Keleios engoliu em seco, lutando contra o enjoo. Ela sabia o que ele estava
fazendo agora.
— Ele está usando-o como um curandeiro cinza usa um animal, mas o garoto
não pode sofrer tanto dano.
— Sua força vital, não; o cadáver dele, sim.
— Isso não é cura, é assassinato.
Ele escolheu não discutir.
Os gritos do garoto pararam abruptamente e ele caiu no chão. Tranisome nunca
perdeu contato com ele. O corpo estremeceu, depois ficou imóvel. Mas foi muito
tempo depois que Tranisome liberou o corpo. Então ele se levantou e olhou para as
escadas, sorrindo.
Lothor ficou na frente do brilho nu da ala sem o capacete e esperou. Era a última
ala fixada nas próprias paredes. Depois disso, seria apenas a mágica deles. 116
Ele tentou novamente, uma mera finta. Ele disparou poder através da proteção,
forçando-a a colocar poder nela para se manter. Keleios sentiu que ele reunia forças,
e ela reuniu as dela para responder. No último momento, com feitiçaria quase
brilhando no ar, ela jogou, não para fortalecer a ala, mas para queimar Tranisome.
Sua força atingiu a ala sem controle e desapareceu com um estrondo abafado.
Por um momento suas mãos se encontraram. Seus olhos se arregalaram e ele
começou a queimar. Quando o fogo subiu e o consumiu, ele gritou:
— Mate-a!
Ao passar, ele incendiou os corpos parcialmente queimados. A escada logo se
encheu de fumaça acre sufocante. Seus próprios homens começaram a correr, pois ele
não queimou como deveria, mas continuou a tropeçar escada abaixo enquanto ele
tocava.
— Por que ele não está morto? – Keleios perguntou em um sussurro.
— Ele está se curando enquanto queima. Se ele morre ou não, vai depender se o
seu fogo causa mais dano do que ele pode curar.
Keleios engoliu em seco, bile ameaçando subir. 118
— Voltem, corram!
Eles correram. Bella, esperando no pé da escada, saiu do esconderijo para
questionar o que estava errado. Uma explosão balançou as pedras e as jogou para
frente. Eles subiram e correram quando a segunda explosão ecoou a primeira, e as
paredes começaram a desmoronar.
O mundo estava cheio de pedras caindo, e não havia ar para respirar. Keleios
sentiu-se ensurdecida pela força que corria, sua cabeça vibrando com o estrondo.
Era impossível ficar de pé, e ela se arrastou pelo chão curvado. Rochas saltaram
sobre ela, machucando seu corpo. Ela não sabia onde estavam os outros; ela estava
sozinha no mundo em colapso.
O mundo terminou em pedra irregular, e ela não conseguiu mais rastejar. Ela
tentou se proteger, usando os braços e curvando o corpo, mas as pedras caíram. Ela
tentou se aconchegar debaixo do escudo, mas o mundo estava cheio de pedras caindo.
Lentamente, a esmagadora cacofonia de som se acalmou. Keleios estava
enterrada em um espaço escuro e sufocante. Rocha a tocava, a envolvia. Não havia ar.
Ela entrou em pânico, braços lutando entre as rochas. O escudo dela enterrou o braço
esquerdo, prendendo-o. Ela se acalmou o suficiente para abaixar o braço até
encontrar as tiras que prendiam o braço ao metal.
Keleios soltou as tiras e cuidadosamente puxou seu braço livre. Mais pedras
caíram em cima do escudo, enterrando-o. Ela lutou contra a rocha e se libertou até a
cintura, meio sentada, mas ainda presa na rocha. Ela podia respirar; nada estava
quebrado. Ela ficaria bem, a menos que mais pedras caíssem.
Uma névoa de poeira cinza pairava no ar. Um segundo monte de entulho estava
na frente dela e parcialmente bloqueva a passagem. Pelo que ela podia ver, não havia
passagem deixada para trás.
Ela começou a se mover com cautela, com medo de derrubar mais pedras. A
força encantada lhe permitiu empurrar os pedaços maiores para longe dela. Um bloco
quase do tamanho do seu corpo repousava contra a perna direita. Uma mão a mais e
ela poderia ter perdido a perna.
Um brilho vermelho apareceu no monte à sua frente, e Lothor se arrastou à vista.
Sua luz de bruxo brilhava em algo metálico. Ele disse: 120
— Curandeiro das trevas, eu chegaria mais perto de matar você do que casar
com você. Os costumes de Loltun são muito severos. Eu daria a minha vida por
Tobin, mas não a minha alma e as almas dos meus nascituros.
— Seja minha consorte então.
— Verm amaldiçoe você e esta rocha! – Ela chamou o poder para as mãos.
Poder demais e ela poderia derrubar o resto do corredor, mas pelo menos Lothor
também estaria enterrado. A feitiçaria atingiu a rocha e a quebrou. Quando a poeira
baixou, Lothor estava olhando para ela, suas mãos abertas, prontas para a batalha, se
ela quisesse.
— Só eu posso curá-lo a tempo, Keleios.
Ela ficou com cuidado, mãos prontas, feitiçaria borbulhando logo abaixo da
superfície:
— Se Tobin morre, você morre.
— E você vai morrer me matando. E todos estaremos mortos, incluindo a
menininha.
Keleios amaldiçoou baixinho:
— Fogo sagrado de Urle, sangue de Loth! Você sabe que não posso deixá-los
morrer.
Lothor se permitiu um pequeno sorriso.
Ela olhou para ele.
— Saiba disso, curandeiro das trevas, se barganharmos, você pode conseguir o
que deseja, mas eu tornarei sua vida um inferno.
Seus olhos ficaram frios.
— Eu esperava nada menos que isso.
Keleios continuou:
— Não serei sua consorte, mas você é meu. Pela vida de meu amigo e filho,
você é meu consorte, de acordo com as leis astrantianas.
Ele assentiu.
— Se nosso filho for menino, ele vai comigo; uma menina, ela fica com você.
— Não, criamos a criança juntos de acordo com meus costumes, ou pelo menos
não com os costumes de Loltun.
— Isso não é aceitável, Keleios. Se for uma menina, não terei utilidade para 122
isso.
— Mas terei um uso para meu filho, homem ou mulher.
— Será meu filho também.
— Se você continuar me lembrando disso, vou deixá-los morrer antes de eu
consentir.
Um estrondo soou muito longe, e Lothor se mexeu nervosamente.
— De acordo. Serei seu consorte e criaremos a criança juntos.
Ela acrescentou:
— E não de acordo com os costumes de Loltun.
Ele assentiu.
— Não de acordo com os costumes de Loltun. Você deve jurar, Keleios
Nightseer, jurar que seremos consortes depois que escaparmos. – Ele sacou uma
grande faca de caça. – Quero um juramento de sangue por isso. Dessa forma, você
não pode me matar sem se destruir.
Ela começou a discutir, mas o próprio chão estremeceu.
— Concordo, mas continue com isso. E lembre-se, esse juramento cobre toda a
nossa barganha; você não pode fugir com o nosso filho se jurarmos isso. Você estará
tão amarrado quanto eu.
Ele tirou a luva esquerda e cortou a palma da mão. Ele olhou para o sangue
vermelho brilhante e cortou sua mão direita. Eles apertaram as mãos, e ele falou
devagar:
— Pelo nosso sangue misturado vamos jurar, e se mentirmos, que os deuses
tomem cuidado com isso. Que os cães de Verm e os pássaros de Loth nos circulem se
prestarmos juramento falso.
Com algumas palavras simples, eles foram amarrados.
123
CAPÍTULO 07: BORDA DO DEMÔNIO
como uma viajante teria terminado como feiticeira reserva para os homens de Carrick.
A garota era apenas uma feiticeira de primeira viagem. Keleios se perguntou quantos
já estavam mortos.
Tobin foi quem expressou, enquanto eles se arrastavam sobre os escombros.
– E Melandra?
O estômago de Keleios se contraiu, mas o que ela poderia fazer? O túnel estava
completamente bloqueado e Melandra estava do outro lado. Não havia como chegar
até ela, nada que Keleios pudesse fazer, mas subir e ajudar Carrick. Não pôde salvar
Poula, não pôde salvar Melandra, não pode salvar sua própria mãe. Inútil. Não.
Keleios empurrou os pensamentos de volta com uma onda quase física de raiva. Ela
poderia ajudar a salvar essa fortaleza. Ela poderia salvar outras vidas.
Não estava desamparada, não por muito tempo. A voz de Keleios saiu uniforme,
nem um indício de sua raiva ou tristeza.
– Ela está perdida para nós, por enquanto. – Keleios prometeu a si mesma: – Eu
vou te encontrar, Melandra. Eu juro.
Eles chegaram ao topo da escada e não ouviram barulho de espada batendo em
espada, mas, no entanto, era guerra. O som de flechas chovia sobre eles e tinha
voltado. Os gritos dos feridos, a quietude dos mortos, enchiam o corredor até onde os
olhos podiam ver.
Carrick andava atrás de seus arqueiros. Ele usava armadura de couro e cravejada
de metal. Um grande escudo protegia seu braço direito, a espada na mão esquerda.
Postes compridos estavam apoiados ao longo da parede para empurrar as escadas dos
invasores. Jodda ajoelhou-se sobre os caídos; três aprendizes ou curandeiros
ajudaram-na. Ela era uma poça branca de calmaria no meio da dor.
Keleios experimentou o que nenhum outro curandeiro poderia fazer, uma onda
de cura calma cobria a mente a uma certa distância do curandeiro branco.
Carrick gritou:
– Prontos? Soltem as flechas.
Os arcos zumbiam por toda parte.
– Para baixo, todos para baixo.
Os arqueiros se esconderam atrás dos muros, abaixando a cabeça. Até Carrick se 126
ajoelhou atrás de seu escudo. E quando as flechas retornaram, elas ardiam em chamas.
Onde atingiram o chão de pedra, a rocha queimava. Uma feiticeira viajante, uma
garota ruiva, venceu as chamas, mas o suor a encharcou.
Sem olhar, Keleios podia sentir o mal se espalhando, a louca alegria da
destruição. Um demônio estava do lado de fora dos muros.
Keleios sentou Bella ao lado da curandeira, dizendo à garota para ajudar e ficar
fora do caminho. Ela foi adiante com Carrick.
– Estou aqui, mestre de armas.
– Keleios, o que é esse fogo mágico que come pedra? Você pode fazer algo a
respeito?
– É ilusão.
Ele olhou para ela.
– Ilusão? Mas queima. Ilusões não fazem mal.
– É uma ilusão de demônio, Carrick. Se você acredita, pode causar danos reais.
O viajante caiu de joelhos, ofegando.
– Não é ilusão, não parece, pelo menos.
Keleios se ajoelhou junto à garota.
– Confie em mim. Já lidei com demônios antes. É ilusão.
A garota balançou a cabeça teimosamente. Os curandeiros vieram e levaram o
feiticeiro exausto, ainda protestando.
Keleios voltou para Carrick.
– Você não deve acreditar no fogo. As flechas provavelmente são reais, mas não
o fogo. Nenhum fogo, mesmo fogo demoníaco, queima pedra.
Ela podia sentir o medo deles. Um corpo jazia contra uma parede, a pele
enegrecida pelo fogo. Uma mulher encostou-se na parede oposta com um braço
coberto de bolhas. Carrick ordenou que recuassem. Eles se agacharam e se
esconderam. Keleios observou a chama comendo a pedra, acumulando-se em poças
que se espalhavam. O fogo realmente se alimentaria da crença dos guardas. A crença
deles tornaria real. Poderia fazer buracos através das pedras, destruir toda a fortaleza,
se pessoas suficientes acreditassem.
Keleios respirou fundo e se arrastou para a poça de fogo mais próxima. Ela
sentou-se sobre ela, intocada. Ela podia sentir como um vento frio em sua pele, o 127
toque de um fantasma. A ilusão sempre foi uma mágica fria. Um guarda gritou:
– Está tudo bem para você, feiticeira, mas não temos mágica para nos proteger.
– É ilusão; sua descrença irá protegê-lo.
Mas ela chegou tarde demais para respostas simples. Não era fácil deixar de crer
em algo que você sentiu e viu matar. Keleios olhou para Carrick enquanto ela estava
sentada no fogo.
– Eu sou a feiticeira mais poderosa em que você pode pôr as mãos agora?
Ele se agachou ao lado dela.
– Sim.
Ela não perguntou o que havia acontecido com os outros. Ela sabia o que tinha
acontecido com Mestre Draeen e Poula. Fidelis, e por trás deles, Harque, fizeram um
ótimo trabalho.
Malditos fossem os dois.
Tobin se agachou ao lado deles. Ele deslizou a mão pela chama. Sua luva
apareceu através dela, como se fosse vidro laranja.
– O que você está planejando? – ele perguntou.
– Eles têm que deixar de crer ou a fortaleza está perdida.
Ele sussurrou:
– O controle da mente sem permissão não é permitido.
– Devo deixar tudo ser destruído por causa de uma regra?
Tobin abaixou a cabeça e depois olhou para ela. Seus olhos cor de âmbar eram
muito sérios.
– Não. Você quer que eu faça isso?
Ela sorriu.
– Você é melhor em enfermarias, mas eu sou melhor em controlar mentes.
– Tudo bem, mas tenha cuidado. – Ele se afastou dela, para deixá-la invocar sua
magia.
Keleios invocou o poder de dentro de si mesma, uma centelha vinda de si. Às
vezes, ela pensava que a feitiçaria, mais do que qualquer outra magia, se baseava no
poder da alma do que a lançava. Ela conjurou calma, destemor, segurança, uma
profunda respiração, e o pensamento de que aquilo era ilusão. Ela martelou sua
própria descrença em algo quase tangível e a jogou para fora até os confins do 128
corredor. Os guardas gritaram e um, com o braço ainda enegrecido pelo fogo, disse:
– Ilusão, é ilusão.
Keleios caiu no chão, suor escorrendo pela testa.
Tobin se ajoelhou ao lado dela. Ele sussurrou:
– Como se sente?
– Eu ficarei bem em um momento. O demônio fica incapacitado sem sua ilusão.
Valeu a pena.
Quando a próxima chuva de flechas chegou, o fogo ardeu por um tempo, mas foi
ignorado e desapareceu com a mesma velocidade que surgiu.
Quando Keleios se sentiu bem o suficiente para se mover, ela foi até Carrick.
– Como eles estão atirando flechas? Por que o pátio não foi afetado? – O pátio
foi projetado para que qualquer feiticeiro pudesse tocar e pronunciar as palavras,
transformando as pedras se tornarem um poço.
Se era ou não sem fundo, seria um ponto de longo debate.
Carrick passou a mão no queixo.
– Não podemos ter um feiticeiro perto o suficiente para derrubar as pedras
abaixo. Três viajantes foram e morreram. É o demônio. Ele os vê, invisíveis ou não.
Não temos como protegê-los.
– Eu irei, mas preciso ver que tipo de demônio é esse, primeiro.
Ele assentiu e ela foi até a janela. O demônio flutuou com suas asas de penas
pretas ao nível das janelas. Seu corpo era coberto de pêlos; sua cabeça era de leão,
com uma crina escura meia-noite. Mãos com garras seguravam um grande chicote,
que girava em torno de si.
Seus olhos estavam queimando em vermelho. Uma espada curta balançava ao
seu lado, prateada piscando, um pequeno dweomer mágico nela. Seus cascos eram
entalhados como os de uma cabra. Do outro lado da barriga esculpida havia uma
cicatriz branca lívida. O estômago de Keleios deu um nó e gotas de suor escorriam
por seu corpo. Um Cavalo Negro como aquele foi um de seus atormentadores quando
Harque, a Bruxa, a capturou seis anos atrás.
Os demônios poderiam se curar sem deixar cicatrizes, então não poderia haver
dois Cavalos Negros com a mesma ferida. Ele foi forçado a carregar uma cicatriz
como sinal de fracasso. Ela tinha uma marca dele por outro tipo de fracasso. 129
– Barbarros.
Ele abanou a noite com as asas e o vento empurrou os fios soltos dos cabelos
dela.
– Então você não me esqueceu. Que lisonjeiro.
– Barbarros, nunca o esquecerei, sua magnificência negra, sua mão magistral
com chicote ou espada.
Ele voou mais alto, recebendo os elogios, e parou para flutuar quase ao lado dela.
– Nightseer, não serei enganado por mera lisonja. Com um sacrifício,
poderíamos conversar.
Ela olhou nos olhos vermelhos dele com o fogo frio deles.
– Que sacrifício você tinha em mente, Barbarros?
Ele tentou sorrir e fez um rosnado de queixo preto e presas de marfim.
– Ora, você, Nightseer.
Ela respirou e ficou tensa. Ela dissera seu nome três vezes, ele também. Fosse
qual fosse a proteção que ela ganhara com isso, ele a retirou silenciosamente. Pois,
embora Nightseer não fosse um nome de nascimento, era um nome de poder e seria
suficiente. Ela conseguiu sorrir de volta.
– Querido Barbarros, isso não é algo que estou disposta a dar.
A cabeça dele se aproximou e ela sentiu o cheiro do rico enxofre almiscarado do
demônio.
– Os melhores sacrifícios não estão dispostos, a princípio. – E ele riu. Voou no
arco onde ela estava, saltando pelas paredes. O riso morreu repentinamente,
ameaçadoramente. Ele voou mais alto, flutuando acima dela como um deus das trevas.
– Você se lembra da dor, pequena elfo?
Ela sussurrou.
– Sim.
Ela lembrou depois de seis anos; ainda era um pesadelo frequente: estar
amarrada na barriga, o chão frio e duro contra a bochecha, o som de um pano rasgado
quando suas costas estavam à mostra, e ele serpenteando o chicote pelo chão,
farfalhando, vivo. A primeira mordida ardente, pequenos ganchos mordendo a carne
e arrancando, de novo e de novo e de novo. A sensação de sangue, seu sangue fluindo,
lavando-lhe as costas. Dor tão forte que percorreu seu corpo inteiro, em uma onda 133
lado dela, seu rosto quadrado e barbeado, franzindo a testa para ela. Seus cabelos
castanhos estavam presos por uma tira de pano. As mãos dele a tocaram gentilmente
e saíram manchadas de sangue.
– Tirem essa armadura.
As mãos se moveram para obedecer e Keleios disse:
– Seja gentil, essa armadura levou muito tempo para ser fabricada.
Alguém riu e Bellenore se aproximou.
– Feiticeira ou não, você tem a preocupação de um guerreiro com suas
ferramentas.
O segundo em comando ajudou pessoalmente a remover a armadura. O esforço
deixou Keleios ofegante no chão. A camisa de linho embaixo estava grudada nas
costas e Martin a levantou devagar. Keleios tentou não gritar. Ele rasgou as costas e o
curandeiro que ajudava Martin ofegou. Ele advertiu o viajante por demonstrar tanta
falta de tato, mas seu rosto também estava pálido.
– Cia, nos preserve. Keleios, suas costas em farrapos.
Lothor estava ao seu lado, raspando o elmo quando ele o colocou no chão.
– É assim que essas feridas se curam.
Martin olhou para ele com desprezo óbvio.
– Você sabe algo desse tipo de ferida?
– Eu sou um curandeiro das trevas. Quer você goste ou não, isso me torna um
especialista em feridas causadas por demônios.
O desafio deixou o tom do curandeiro branco.
– Não deixarei minha paciente sofrer pelo meu preconceito. O que pode ser feito
por ela?
– As feridas são comuns o suficiente, mas tenha cuidado. Não sei se curandeiros
brancos podem curar feridas demoníacas com impunidade. O pior é a perda de
sangue e a fraqueza resultante. Será mais difícil de curar.
– Eu acho que posso curar qualquer coisa que um curandeiro das trevas possa. –
Um “e bem mais” não foi dito, mas pairava no ar.
Lothor sorriu, um sorriso agradável e apertado, e disse:
– Fique à vontade, curandeiro branco. Você não precisa de nenhum conselho 135
meu.
Lá fora, o demônio pairou e mostrou o rosto sobre a fortaleza.
– Não serei enganado desta vez, Nightseer. Não serei enganado de novo!
Martin colocou as mãos nas costas dela, procurando o dano. Ele sibilou e se
afastou dela.
– Tanta dor, tanta dor, como você pôde suportar isso?
Keleios respondeu com uma voz estranha e distante.
– Não era tortura como pensamos. Eles não queriam nada de mim. Nenhuma
palavra, pensamento ou coisa que eu pudesse fazer ou dar a eles teria me libertado.
Eles simplesmente pediram que eu resistisse. É simples suportar algo quando você
não tem outra escolha.
– Mãe de todos nós, a maior curandeira que já existiu, me ajude a curar esta
mulher. – E ele a tocou novamente.
O sangue encharcou sua túnica branca, aumentando as muitas manchas, agora
secas. Espalhou-se lentamente, e finalmente ele se retirou e recostou-se em profunda
meditação.
Seu rosto tinha a paz completa que era a única coisa que ela invejava dos
curandeiros brancos. Ele abriu os olhos para inspecionar seu trabalho e franziu a testa.
As feridas haviam cicatrizado e se transformado em cicatrizes diante de seus
olhos. As cicatrizes desapareceram, deixando as costas lisas e limpas, exceto uma.
Era longa e fina, estendendo-se logo abaixo do ombro esquerdo até o topo da direita.
No final, como uma flor retorcida, havia uma explosão de cicatrizes.
O curandeiro apalpou-lhe as costas gentilmente, como se tivesse medo de
prejudicá-la ainda mais. Antes que alguém pudesse detê-lo, Martin colocou a mão em
cada extremidade da cicatriz.
Lothor gritou:
– Não é uma cicatriz; é uma marca demoníaca!
Uma onda de vermelho explodiu nas costas de Martin e ele gritou. Keleios
gritou com ele, mas suas mãos permaneceram presas nas costas dela enquanto ele
balançava e lutava contra a dor.
Keleios gritou: 136
lembrou que em breve, se eles vivessem, ele veria bem mais do que seus seios nus.
O pensamento a salvou de vergonha. Ela olhou para ele e começou a vestir a
armadura com a ajuda de Tobin. O olhar em seus olhos disse a Lothor para nem
pensar em oferecer ajuda.
Seus olhos encontraram a bainha da adaga em seu pescoço, e ela se perguntou
pela primeira vez se alguma barganha a impediria de enfiar uma adaga nele em uma
noite escura.
O feiticeiro ficou tenso e quase oscilou.
– Eles foram superados. A ala sul cairá, a menos que venha ajuda. – Ele ficou
tenso novamente. – Carrick ordena metade dos homens neste nível para a ala sul. Se
Keleios estiver bem, ela também deve ir, e Tobin vai com ou sem ela.
Keleios se levantou, flexionando os músculos e se tocando casualmente para
garantir que todas as armas estavam no lugar.
– Estou pronta.
Bellenore parecia ter dúvidas, mas escolheu os homens rapidamente. Ela
colocou Davin, um guarda sênior, no comando. Ele era confiável, sem muita
dificuldade para liderança. Eles estavam na ala sul logo em seguida.
Os sons da batalha estavam por toda parte. Gritos, o choque de metal contra
metal, o cheiro de ozônio de feitiçaria pairava pesado no ar. Davin enviou Keleios e
um jovem guarda loiro, chamado Torgen, para as janelas para vigiar. O muro sul era
o único que não era guardado por encantamento. As pedras não se abririam aqui e a
batalha foi travada nas pedras do pátio, não pelas janelas.
O pátio estava cheio de corpos, formas escuras que brotavam na sombra a cada
explosão de raio ou fogo. Allanna ficou quase sozinha, o fogo branco se formando
em suas mãos, lavando toda a cor de seus cabelos amarelos e pele pálida. Seu vestido
azul estava escurecido pela luz crescente. Seu cabelo mudou e estalou por causa de
seu próprio poder, tão perto.
A mulher vaidosa se foi; era Allanna em seu poder - alta, mortal e maravilhosa.
Ambas suas mãos avançaram, e a bola brilhante disparou para pousar em uma
forma escura. Um segundo Cavalo Negro gritou e abanou o ar com suas grandes asas
escuras. O fogo branco explodiu como uma rede de raios, e o demônio começou a 138
cair na terra. Allanna, porém, caiu de joelhos. Uma flecha se arqueou em sua direção
e um guarda saltou para frente, colocando o escudo diante dela. Os guardas restantes
formaram uma cunha em volta dela e seguraram seus escudos em posição de defesa.
Uma pequena figura escura ajoelhou-se ao lado do demônio cheio de raios. Da
janela, Keleios podia sentir o poder. O fogo do céu sumiu e caiu sobre o homem.
Keleios teve um breve vislumbre do rosto pálido antes de ela e Torgen voltarem para
dar notícias.
Davin os levou até a porta mais próxima, a porta leste. Levou para o jardim de
rosas. Keleios e Torgen novamente olharam adiante através das rosas farfalhantes. As
videiras espinhosas enroladas os alcançaram, mas pararam pouco antes de amarrá-los.
Era como se as plantas animadas pudessem farejar a diferença entre amigo e inimigo.
Eles entraram e se moveram o mais rápido possível. Torgen agarrou nervosamente
suas armas enquanto as sebes cresciam para bloquear seu caminho, depois se
separaram quando quase às tocou. Em todos os lugares havia um farfalhar de vinhas
agarrando, enrolando. No jardim de ervas, encontraram vegetação cortada e dois
intrusos mortos quase cobertos de folhas.
Do lado de fora do portão da ala sul estava o dragão macho prateado. Metade de
seu corpo esmagou as plantas relutantes do jardim dos curandeiros, forçando um
buraco através da cerca.
O pátio e as corridas de dragões estavam visíveis através da cerca quebrada. A
batalha brilhava como uma tempestade multicolorida contra a noite.
A cavaleira do dragão, uma garota de cabelos escuros, tinha caído da sela,
curiosamente reta. Keleios fez um sinal para que Torgen voltasse a esperar pelos
outros antes de seguir, e ela continuou. Ajoelhou-se na sombra do dragão e não
encontrou luz nos olhos dele, morto. Ela voltou-se para a cavaleira e descobriu por
que ela estava tão reta. Flechas fixadas na perna esquerda; o braço direito e o cabo
quebrado de uma lança fizeram da cavaleira e do dragão um só. Keleios se ajoelhou
na sombra de sua morte e lutou contra o desejo de gritar aos deuses. Se Verm podia
enviar seus demônios, de onde viria a ajuda dos defensores?
– Que A Mãe fique com vocês dois. – Ela puxou uma flecha da perna da
cavaleira, sentiu o cheiro e a jogou no chão. Ela sussurrou: – Maldição do dragão. –
Confie num Loltun para cultivar algo com apenas um propósito. 139
– Saia.
O demônio fez uma reverência zombeteira e disse:
– Obrigado, e que você aproveite as atenções do meu mestre, pessoalmente.
Com isso ele desapareceu.
CAPÍTULO 08: A ADAGA BRANCA
trás – corra, corra e se esconda. Mas não havia mais lugar para se esconder.
Lothor chamou-a por cima do barulho:
— Esconda o livro. Vai chamá-lo como um sinal de incêndio.
Ela o encarou por um momento, meio estupefata com o barulho e a presença da
coisa.
Ela enfiou o livro dentro da bolsa, apagando as chamas negras. Keleios apertou
os cordões com força e olhou para Lothor.
Ele se aproximou dela.
— Keleios, você está bem?
Ela não respondeu, mas estava vagamente consciente de Tobin de joelhos, os
olhos fixos no demônio atrás dela. Acima de tudo, havia o som de queimada em um
canto sombrio em sua cabeça. Ela levantou a mão esquerda; nunca coçara tanto,
exigia ser usada. Ela a levantou devagar, como se não pudesse parar. Lothor pegou o
pulso esquerdo logo antes de tocá-lo.
— Keleios?
O demônio falou. Sua voz era um vento ardente, uma floresta em chamas.
— Quem ousa me chamar?
Lothor apertou Keleios, puxou Tobin e começou a andar rapidamente, mas não
muito rápido, para o abrigo questionável do dragão.
Eles, como o ferreiro, foram protegidos. Eles acertaram a magia com um arrepio
de pele, mas não havia barulho de dragões para cumprimentá-los. Os dragões
estavam mortos.
Quando eles colocaram um edifício entre eles e o demônio, Lothor deixou Tobin
deslizar no chão. O garoto começou a vomitar. Lothor agarrou os pulsos de Keleios e
a sacudiu.
— Keleios!
Ela o ouviu distante sobre a música em seu sangue, em sua cabeça, de sua mão.
Cantava morte, poder e escuridão mais negra do que qualquer noite. Ele a
empurrou para trás, batendo-a no celeiro duas vezes.
Tobin rastejou na direção dele e disse:
— Deixe-a ir. 144
Ele chutou Tobin com força suficiente para jogá-lo no chão. O garoto não se
levantou, mas ficou gemendo. Lothor balançou Keleios contra a parede até que ela
lutou para fugir.
Ela olhou para ele:
— O que, pelas garras vermelhas de Loth, você está fazendo? – Ela se livrou
dele e ele deu um passo atrás.
— Você não me respondeu. Eu pensei que algo tinha possuído você.
Ela tentou se lembrar e encontrou a música ainda borbulhando em seu sangue.
Sua mão esquerda coçou, e ela teve que se forçar a não tocá-la ou esfregá-la contra si
mesma.
— O livro prometeu poder. E eu ouvi. – Ela olhou para ele, o medo apertando
seu peito. – Eu escutei.
— Não é sua culpa que isso te chame; você não escolheu o mal.
Ela assentiu, mas não ficou convencida. Ela pegou sua luva de couro e começou
a prendê-la no lugar. Ela havia perdido uma articulação do dedo na lua de couro ao
cortar o nó, mas serviria.
Quando estava presa com segurança, ela foi para a forma encolhida de Tobin.
Ela afastou o cabelo molhado de suor e disse:
— Tobin, você pode falar?
Sua voz estava rouca de emoção:
— Eu nunca tive tanto medo. Eu não conseguia pensar ou me mover. O Lothor
teve que me arrastar para me cobrir.
— O demônio exala uma aura muito poderosa de medo. É uma das armas dele.
Você ficou ao meu lado quando todos os outros correram. Tenha orgulho disso.
Ele assentiu.
Ela o ajudou a ficar de pé, depois liderou o caminho para dentro do prédio. Não
era muita proteção, mas era melhor do que estar ao ar livre. Espalhado no corredor
estava o corpo de um homem. Ele tinha sido arranhado e mastigado ficando quase
irreconhecível. Apenas seus cabelos loiros e seu corpo permaneciam.
Lothor falou em voz baixa.
— Os invasores? 145
Lothor riu.
— Eu não tenho pessoas comuns comigo, Velen.
O rosto do garoto ganhou cor.
— Muito bem. Pai me nomeou herdeiro. Você não teve sucesso em seu plano,
mas não vou falhar. Meu plano é melhor.
— Ainda não falhei. Ela deve ser minha parceira, Velen.
Keleios sibilou:
— Você...
Ele sussurrou:
— Não me faça perder a cabeça, agora não.
Ela se encolheu em seu canto, insatisfeita, mas silenciosa.
Ele falou com Velen mais uma vez.
— Ela é minha; eu consegui.
Velen sorriu, um sorriso lindo.
— Muitas felicidades para você, irmão, mas agora você sabe o que devo fazer?
— Sim, irmão, você deve me matar.
Ele assentiu.
— Estou cansado da indecisão do pai: primeiro você, depois eu e depois de volta.
Seu sucesso pode inclinar as mãos a seu favor, e eu não terei isso.
— Eu não pensei que você faria, irmão querido.
Tobin sibilou:
— Homens se mexendo do outro lado.
Keleios se afastou da frente e se moveu para ficar com Tobin na parte de trás.
Lothor manteve Velen falando para que eles pudessem montar sua própria
emboscada.
Keleios puxou Luckweaver silenciosamente, e Tobin desembainhou sua própria
espada. Ela esboçou um plano breve e esperançosamente silencioso, e ele se agachou
para ficar fora de vista até a hora. Ela murmurou as palavras:
— Não há mágica.
Ele assentiu.
Quatro lutadores rastejaram ao longo da parede, dois de cada lado. Eles
pareciam ridiculamente altos para Keleios. Até Tobin estremeceu quando uma lâmina 148
perdida raspou contra a parede externa. As respirações dos homens eram duras e altas.
Eles murmuraram um para o outro; um do lado de Keleios tropeçou e xingou. Keleios
puxou uma adaga para a mão esquerda e esperou.
Keleios podia sentir o homem do outro lado do muro. Seu corpo estava
pressionado contra as pedras, e inconscientemente ela o espelhou. Ele olhou ao redor
da borda, e ela avançou, adaga mergulhando em seu pescoço. Ela o libertou com um
esguicho de sangue e levou o segundo homem pela barriga e no peito com a espada.
Ele pareceu surpreso.
Ela rolou e deixou a espada em vez de lutar para libertá-la. Tobin levou o
homem da frente com uma barra, abrindo a barriga do homem, mas trocou golpes de
espada com o segundo homem. Keleios mudou o punho da adaga e a jogou. Bateu
com um baque de carne. Tobin terminou o homem tropeçando com um impulso no
pescoço.
Ele se virou para sorrir para ela e seu rosto mudou.
Ela rolou sem esperar pelo aviso. Algo caiu no seu lado esquerdo, parando o
lançamento antes de começar. Uma dor entorpecente tomou seu braço esquerdo.
Keleios jogou um cotovelo para trás e jogou com o corpo e o ombro. O atacante rolou
para frente e ficou de pé.
Ela o encarou de pé, mas seu braço esquerdo estava inútil. A mão direita
segurava a última faca.
O homem era esbelto e parecia rápido. Sua única arma era uma adaga de lâmina
branca que emitia uma aura mágica. Seu cabelo era longo e castanho avermelhado,
preso por uma tira de couro preto. Orelhas com pontas de elfo espiavam pelos cabelos.
Ele sorriu para ela e começou a circular. Em uma batalha normal com um homem
desarmado, ela poderia ter jogado a lâmina, mas ele parecia rápido demais. Ela o
imaginou um assassino e não imaginava desistir de sua única arma sem um plano.
Tobin se aproximou dele.
Keleios disse:
— Não, fique fora do alcance dele. 149
Tobin recuou e embainhou a espada, mas estava claramente infeliz com isso.
Qualquer que fosse a adaga, ela a havia machucado. A ferida era profunda e
limpa de um lado do braço para o outro. Havia perdido o osso e por isso ela estava
agradecida. Ele sangrou muito no começo, mas agora o sangue quase parou, exceto
por uma gota.
Não deveria ter parado. Um frio profundo e entorpecente escorria da ferida pelo
braço e espalhava-se pelo ombro.
Ela fingiu, tentando atraí-lo e testar seu estilo de luta, mas ele ficou fora de
alcance e sorriu. Ele sabia o que a adaga estava fazendo com ela. O frio era uma dor,
não a dor saudável de uma ferida de faca, mas congelando como um toque de gelo.
Tudo o que ele tinha que fazer era ficar fora de alcance e o frio a dominaria, ela podia
sentir. Tobin não era rápido o suficiente, mesmo armado com escudo e espada, contra
o punhal.
Enquanto eles circulavam e colocavam o assassino atrás de Tobin, o garoto
estendeu a mão e disse uma palavra. Uma explosão de luz branca amarelada pegou o
assassino pelas costas. Ele tropeçou para frente e Keleios se lançou. Ele se virou no
último momento, estragando o coração dela. A adaga o alcançou na parte superior do
peito e no ombro. Oscilaram, pressionados juntos.
Keleios lutou por seu coração e forçou a mão esquerda a agarrar sua adaga.
Cortou uma ferida superficial no comprimento de sua mão, do dedo mínimo ao
pulso, e cortou as amarras do couro cru. A luva deslizou para o chão e sua mão
agarrou a mão do homem desesperadamente. Ela enfiou os dedos meio congelados
em sua carne, lutando para manter a lâmina fora dela. A adaga dela se soltou e a mão
dele manteve o ponto longe da garganta.
Um calor começou na palma da mão dela, perseguindo o frio. Como uma brisa
quente de verão em uma tempestade de neve, perseguia o frio, derretendo, dando
esperança.
Seu aperto se fortaleceu, e ela dobrou toda sua força encantada para mergulhar a 150
Eles subiram os degraus que levavam ao castelo. Lothor hesitou diante das
portas abertas, testando a escuridão. Keleios apareceu um pouco atrás dele. Havia
uma pitada de fumaça sobre tudo, mais forte por dentro do que por fora. Dois guardas
mantinham os mortos perto de um terceiro corpo. Nenhuma coisa viva se movia.
Keleios sussurrou de volta para Tobin:
— Você tem o feitiço de proteção contra fogo pronto?
O garoto fechou os olhos e respirou fundo.
— Sim.
Eles entraram, Keleios assumindo a liderança, seguido por Tobin e Lothor
vigiando a retaguarda. Levou alguma energia para seguir em direção a Eroar, mas
felizmente não muita. Keleios os levou para o oeste e para o cheiro de fumaça. O
duro choque de batalha se aproximou quando eles se aproximaram da biblioteca
central. Keleios parou no corredor antes de chegarem à biblioteca. Algo estava se
movendo pelo corredor principal em direção a eles. Eles se espremeram contra a
parede e esperaram, presos entre os combates nas bibliotecas e quem estava vindo em
sua direção.
A figura apareceu na esquina e encontrou a espada de Keleios no estômago. A
mulher ofegou.
— Jodda! – Keleios assobiou. Ela agarrou o braço da curandeira e a puxou para
o corredor menor.
As vestes brancas de Jodda estavam manchadas de sangue seco e fuligem. Sua
calma curativa estava esticada e quase desaparecida. Os olhos dela pareciam grandes
demais para o rosto e a pele era quase da cor do vestido. Ela se inclinou contra
Keleios com um longo suspiro.
— Jodda? – Disse Keleios.
A curandeira se afastou dela, reta e orgulhosa, mas desgastada nas bordas.
— Estou muito feliz em ver alguém vivo.
— Belor ainda está vivo e Mestre Eroar; estamos a caminho de resgatá-los.
Você ainda tem uma grande cura? 156
havia dito várias vezes: "Fique de olho no seu objetivo". Ela rangeu os dentes e os
levou o mais longe possível da luta.
Um par de luta caiu entre Tobin e Jodda. Todos congelaram, vendo os punhais
se aproximarem das duas gargantas. O guarda deu um grito poderoso e mergulhou a
adaga no interior.
Quando se levantou, ele deixou o corpo. Jodda levantou delicadamente as saias
brancas para passar por cima.
Eles entraram no corredor distante, sem contestação. Os sons da batalha os
atraíram mais rapidamente. O muro oeste não existia mais. Um vazio cheio de pedras
rasgadas e vigas de apoio nuas era tudo o que restava. Belor jazia amontoado contra
aquele vazio. Poth estava deitado ao seu lado, ofegante. Ela não estava ferida, mas
Keleios não podia sentir o vazio de nenhuma feitiçaria. Eroar se ajoelhou na frente
dele, o fogo azul derramando de suas mãos para cercar uma figura vestida de preto.
Um homem de malha de ébano se aproximou das costas de Eroar, com uma espada
nua nas mãos. A espada era tão negra quanto a armadura.
Lothor fez um sinal para Keleios que ele pegaria o homem de armadura. Ela
assentiu. Isso deixou para ela o mago. Eles começaram a se mover em direção aos
homens. Tobin ficou para trás para proteger a entrada da biblioteca e se concentrar
em seu feitiço de invisibilidade.
Eroar caiu meio que no chão rachado. Seus braços tremiam quando empurraram
seu corpo para longe do chão. Poth sibilou para o homem de armadura preta. Eroar
deu meia-volta, mas antes que ele pudesse lançar um feitiço, o mago atacou. O
Dragonmage estava envolto em um brilho vermelho.
Eroar gritou.
Keleios hesitou, perto o suficiente para tocar o mago. Lothor puxou Gore da
bainha e assentiu. Eles tiveram que atacar juntos, pois se um deles traísse o feitiço,
todos estariam visíveis. Keleios tirou Ice do cinto e fez duas coisas ao mesmo tempo:
ela agarrou o ombro do homem e enfiou a adaga entre as costelas. A adaga afundou
na carne como se fosse seda.
Lothor balançou Gore em uma grande curva. A lâmina afundou no capacete
preto do outro como se estivesse quebrando um ovo. O machado se enterrou no osso
do ombro do homem, a cabeça dividida em duas. 158
Keleios ficou olhando enquanto o cadáver de armadura preta caía no chão com
um esguicho de sangue, ossos e cérebros. O machado cortara a cota de malha mágica
como manteiga quente.
Lothor olhou para ela por cima do corpo, como se pudesse ler seu desconforto.
Ajoelhou-se e limpou a adaga nas vestes do mago morto. Lothor se aproximou e se
ajoelhou ao lado dela para limpar o machado. Ela olhou para cima e encontrou os
olhos prateados dele. Por alguma razão, Keleios não queria estar tão perto dele. Ela se
levantou e foi ao mestre Eroar.
Eroar, o Mago do Dragão, estava coberto de cinzas, seus cabelos lisos e negros,
a túnica azul royal, a pele escura do rosto toda cinza-branca com a morte da madeira.
Era tudo o que ele podia fazer para manter sua forma humana. A sombra de seu
verdadeiro eu espreitava em seus olhos, asas de couro se estendendo para o céu. Ele
sorriu para ela quando ela se inclinou e pegou Poth. O gato deu um miado fraco.
Ela acariciou o pêlo grosso e perguntou:
— Mestre, como os assassinos sentiram sua falta?
— Eles não fizeram, completamente. – O sorriso dele aumentou. – Mas Eduard
não era o assassino especialista que era necessário.
— Eduard era o viajante de Fidelis.
Ele assentiu e disse:
— Parece que ela ensinou mais do que simples bruxaria com ervas.
Jodda se ajoelhou diante do vazio do muro arruinado; o céu noturno emoldurava
seu vestido branco.
As mãos dela estavam em Belor; ele não se mexeu. Ela recostou-se em profunda
meditação, o sangue escorrendo de seu ombro. Um rastro de sangue estava secando
em sua testa.
— Devemos sair daqui em breve; o fogo está próximo – disse Keleios.
Eroar assentiu.
— Lutei muito e duro para encontrar um lugar sem chamas para me defender.
Quando o demônio apareceu, destruiu as ilusões de Belor, explodiu e disparou a
fortaleza. – Ele respirou fundo e depois tossiu: – Esses pulmões humanos não levam a
fumaça adequadamente. 159
cortou para baixo e recuou de volta para a porta. Havia mais de um.
Keleios chamou feitiçaria selvagem, sem concentração, sem modelar um feitiço,
apenas poder bruto e uma oração para que isso não a revelasse. Magia correu ao
longo de sua pele e levantou os cabelos em seus braços; seu estômago torceu com a
força dela. Ela gritou:
— Lothor, saia do caminho!
Ele não perguntou por que, mas caiu sobre um joelho, machado erguido para
desviar um golpe de espada.
O poder branco ofuscante derramou das mãos de Keleios e bateu no rosto do
homem com que Lothor estava lutando. O homem gritou e desapareceu. Keleios
derramou força bruta no teto tocado pelo fogo. Com um grito da madeira moribunda,
o teto desabou sobre os homens.
Fogo entrou na sala. Calor e fumaça levaram Keleios e Lothor de volta pelo
corredor.
Jodda gritou à frente e eles correram em direção ao som. Um homem estava
morto perto da porta. Tobin estava tentando desesperadamente manter a parede
oposta às suas costas enquanto três lutadores o circulavam. Ele bloqueou duas das
espadas, mas a terceira estava entrando em sua garganta e não havia nada que ele
pudesse fazer. Keleios correu em direção a eles e sabia que não chegaria a tempo. Um
grande cachorro branco pulou no braço da espada e o puxou com dentes e peso. O
homem tropeçou, xingando quando Piker cravou os dentes em seu braço. Feltan
correu para frente e enfiou uma adaga na perna do homem.
Tobin aproveitou a surpresa e enfiou a espada no peito de um homem. Sua
espada prendeu e não se libertou. Ele caiu de joelhos e uma espada golpeou o ar sobre
sua cabeça. Keleios estava lá cortando o homem, forçando-o a se virar de Tobin para
ela.
Ela o encarou com Ice na mão esquerda e Luckweaver na direita. O homem
agachou-se atrás de um pequeno escudo, com a espada pronta. Fumaça jorrou do
corredor estreito atrás deles como uma chaminé. Eles lutaram em uma névoa
sufocante. Alguém gritou:
— O fogo está se espalhando. 162
163
CAPÍTULO 09: FOGO E GELO
NÃO HAVIA NADA VIVO entre os jardins e os estábulos dos dragões, nem
inimigo nem amigo. Keleios olhou de volta para a fortaleza, pois as chamas a haviam
reivindicado. Grandes folhas de fogo rugiam do telhado desabado. A biblioteca
estava sendo consumida. Jodda se ajoelhou junto a Belor, colocando as mãos nele
mais uma vez.
Ele se mexeu e gemeu sob o toque dela.
Tobin disse: 164
— Keleios, um dos curandeiros das trevas chamado Velen, está negociando com
o demônio. O demônio está ouvindo.
Ela se virou para Lothor.
— O que seu irmão poderia oferecer a um demônio livre?
— Ele é íntimo de Verm. Até os demônios gostam de ficar do lado bom de um
deus.
— Uma aproximação, seja lá o que isso significa.
Lothor olhou para os gêmeos brilhando no céu noturno. A torre brilhava mais
forte, mas o brilho do demônio rivalizava com isso.
— Alguns dizem que seu pai era Verm.
— Então você e Velen não compartilham mãe ou pai?
— Se Verm é realmente seu pai, não.
— Você realmente não acredita que um deus tenha sido o pai de Velen, não é?
Lothar encolheu os ombros.
— Eu não sei.
Keleios balançou a cabeça, sentindo uma discussão se aproximando.
— Temos pouco tempo. Você pode fazer um círculo protetor com a adaga?
— Eu disse que podia.
— Será muito perigoso incluir todos nós no círculo do poder?
— Pode ser muito perigoso não fazer isso.
Jodda disse:
— Não participarei de criar um demônio por qualquer motivo.
Lothor curvou-se para ela.
— Curandeira branca, você e os jovens estarão dentro do círculo de poder,
protegidos, mas não atraídos. Toda a energia necessária ou usada estará dentro de
uma estrela.
Ele estendeu a mão, agora vazia, e Keleios deu-lhe primeiro o cabo da adaga
branca. Parecia misturar-se com a pele dele, pertencer ao seu alcance. Seu capacete
estava colocado no chão, deixando os cabelos brancos e o rosto livres. Seu cabelo
estava preso em um longo nó, deixando nuas as orelhas pontudas de elfo. Ele
começou a andar em círculos, a adaga branca diante dele equilibrada nas palmas das
mãos estendidas. 165
Belor sentou-se devagar e Tobin se moveu para ajudá-lo. Ele acenou de volta
para o garoto.
— Como chegamos aqui?
Keleios foi até ele.
— Nós carregamos você.
Ele massageou a parte de trás da cabeça.
— Lembro-me de cair das pedras. Algo explodiu minhas ilusões.
— Era um demônio.
— O que…
— Belor, precisamos da sua ajuda para invocar outro demônio para virar ou
lutar contra este, ou todos morreremos.
Ele olhou para ela, a boca levemente aberta.
— Você perdeu os sentidos? Você não conjura demônios sem preparação e
sacrifício, e ainda assim não o faz.
Lothor iniciou seu terceiro circuito, a lâmina apontada para baixo. Quando
Keleios se concentrou, ela pôde ver uma linha de poder fluindo para baixo da lâmina.
— Belor, eu me senti da mesma maneira, mas essa coisa deve ser destruída, ou
vamos morrer; todo mundo vai morrer.
Seus olhos refletiam as chamas.
— Keleios, todo mundo está morto. Eles não conseguiram sobreviver ao fogo, à
explosão.
— Muito poucos estão no castelo agora.
Eles se voltaram para Jodda.
— Os invasores chegaram ao local onde as crianças foram mantidas e as
levaram. Eles sabiam onde esconderíamos as crianças, eles sabiam.
Keleios perguntou calmamente:
— Alguém viu Fidelis desde que isso começou?
Feltan disse:
— Eu vi.
— Onde?
— Pelo portão principal. Ela abriu os portões para eles.
Keleios agarrou o braço dele com muita força. 166
Lothor traçou o pentagrama com o metal branco, o livro preto agarrado na outra
mão. Belor e Keleios ficaram esperando, assistindo. A chama verde deixara um traço
de entulho em seu caminho e agora entrava ilesa nas chamas, devorando-as como
todo o resto.
O pentagrama se fechou com uma faísca, e a magia tocou sua pele. Parecia
arrancar os cabelos do couro cabeludo e sentir arrepios na espinha. Lothor abriu o
livro e colocou a adaga sobre ele usando sua lâmina como uma linha de leitura. Ele
começou o ritual e passou livro e punhal para Belor. O ilusionista leu em sua voz
clara que o servia tão bem nos dias santos, fazendo brindes. Keleios segurava as
relíquias escuras. O canto escuro começou de novo, e um calafrio invadiu sua alma.
A música poderosa do livro cresceu a cada palavra. O frio se tornou um frio profundo
quando eles passaram por eles. O poder ameaçava como uma tempestade que se
aproximava, pesada, próxima e sufocante.
Cada palavra foi forçada a sair pelos lábios meio congelados. As palavras que
eles falavam estavam distantes do canto sombrio do livro. A música alcançou um
crescendo de promessas sombrias. O ar estava tão frio que doía respirar, cada entrada
como agulhas na garganta e nos pulmões. Os movimentos pareciam mais lentos como
se estivessem congelando no lugar. O livro parecia pesado em suas mãos, seus dedos
congelando na lâmina da faca. Ela falou a última palavra, e o frio estalou em seus
ouvidos, silêncio.
Nesse doloroso silêncio, uma voz veio. Ele sussurrou e assobiou como um vento
de inverno.
— Quem ousa me chamar?
Ela não conseguia se mexer ou falar.
Lothor respondeu:
— Convocamos você.
A visão deles era uma parede de neve leve como névoa; uma mecha de vapor,
como se um gigante tivesse respirado, veio do centro.
— Quem são “nós”?
— Príncipe Lothor Gorewielder de Lolth.
— Belor, o criador de sonhos.
Keleios finalmente encontrou sua voz. 169
— Me comande.
— Matar ou banir este demônio do fogo.
Ele sorriu:
— Com prazer.
Eles caminharam um em direção ao outro, o chão tremendo sob seus degraus.
O demônio do fogo rosnou:
— Não precisamos lutar por esses humanos. Vamos virar e devastá-los.
— Eu sou comandado, coisa de fogo, e eu vou gostar de bater em você.
— Venha e experimente, bola de lama. Vamos ver quem é espancado.
Os gigantes circulavam um ao outro, provocando. O demônio do gelo jogou
primeiro uma nuvem de gelo. O fogo o encontrou, transformando-o em água. A água
encharcou o demônio do fogo e foi congelada nele por uma rajada de ar gelado. A
água escorria por sua pele vermelha, o demônio do fogo explodiu fogo e pegou o
gigante branco. Ele gritou, e o grito reverberou pelos três ainda bloqueados.
O vapor sibilou e o demônio saltou para a frente. O combate foi acompanhado
com seriedade. As garras do demônio vermelho destruíram o fogo do outro, e a carne
vermelha congelou ao toque do demônio branco. Eles rolaram pelo pátio, achatando o
edifício do dragão. Uma nevasca começou a se enfurecer; um incêndio, para
consumir o edifício. As duas forças brilhavam intensamente, até que, através da
névoa do gelo derretido e do brilho do fogo, os demônios desapareceram de vista.
A nuvem branca levantou o vermelho do chão e jogou-o nas pedras. O pátio
esfarrapado gemeu e começou a rachar. O branco saltou sobre o vermelho e uma
grande fenda começou a se abrir, enviando rachaduras menores ao longo da pedra.
Uma dessas rachaduras atravessou o círculo mágico e roubou as pedras sob seus
pés.
Keleios saltou para o lado, perdendo a mão de Belor. Ela rolou e sacou a espada,
para que bem podia fazer, mas os demônios estavam longe demais na batalha para
atender ao vínculo quebrado. Jodda e o resto estavam do lado dela da fissura; Belor e
Lothor, com livro e faca, presos longe deles. As rachaduras continuaram se
espalhando. Eroar foi isolado deles em uma ilha de pedra de balanço. O chão mudou
de posição até Keleios se agachar perto das pedras traidoras e esperar.
Um leque de rachaduras se abriu embaixo do grupo amontoado. Enquanto 171
agarrou o punho, tentando controlar sua respiração, controlar seu próprio medo,
diminuir a frequência cardíaca e o fluxo sanguíneo. Às vezes funcionava; às vezes
não. A lâmina se soltou e ela ofegou por ar como um peixe preso. Sangue derramou
uma lavagem vermelha. Keleios mudou a curta distância até o pescoço do morto. Ela
tentou rir e acabou tossindo. Ela esperava que fosse poeira. O último suspiro quase o
decapitou. Sua garganta era uma ferida aberta. Ela foi forçada a cavar o garrote na
carne rasgada. A garrote não queria vir e ela puxou e causou mais sangramento ao
seu lado. Ela riu e se engasgou novamente. Realmente não importava se alguém
encontrasse o garrote ou não.
Houve um pequeno som. Keleios colocou pressão contra o lado dela e se
arrastou até Piker.
O cachorro estava morto, os olhos vidrados. Sangue preto do coração bombeava
de sua ferida. Ela se levantou e passou por cima do corpo dele para se ajoelhar ao
lado do garoto. Sua mão pressionada ao seu lado estava ficando escorregadia de
sangue. O garoto estava de lado. Ela o virou gentilmente. Seus olhos azuis encaravam
o céu distante sem piscar. Sangue escorria do nariz e da boca.
A morte de seu familiar havia sido demais para ele suportar. Ela procurou o
coração dele, sabendo que era inútil.
Ela gritou seu desamparo durante a noite.
— Nããão!
O som ficou perdido na luta.
CAPÍTULO 10: A ÚNICA COISA MAIS TRISTE
disso, ela não tinha certeza do que se lembrava. Ela sabia quem ela era, e isso era
uma coisa importante a se saber. Ela murmurou as palavras: “Eu sou Keleios
Incantare, e não estou morta.”
Havia o zumbido da magia por perto – não a sua própria magia, no entanto.
Keleios tinha sido despojada de todas as armas na noite anterior, encantadas ou não.
Ela não tinha forças para magias, e a feitiçaria demorou mais tempo do que o
permitido na noite anterior.
De quem era a magia no ar, então? Ela estava dentro de um escudo protetor, que
podia sentir no ar, forte. Keleios rolou lentamente para um lado, apoiando-se em um
cotovelo. O dia parecia desenrolar-se a brilhar. Os feixes pretos e irregulares se
fundiam com a fumaça crescente em uma névoa intocada pelo sol. A dor voltou
lentamente e, com seu toque, ela se lembrou de mais, Feltan estava morto. Poula – ela
também estava morta.
Morta. Para sempre. Nunca voltará. Essas foram as palavras que ela ouvira há
tanto tempo, sobre sua própria mãe. Ela sussurrou: “Poula”. Sua garganta se apertou.
Ela engoliu em seco contra as lágrimas crescentes. “Não.” Não havia tempo para isso,
ainda não. A dor a deixaria impotente, e não era hora de ficar impotente.
Ela ficou de costas e o céu ainda pairava no pico do verão azul. A última coisa
clara que ela lembrava era estar no pátio com o dragão. Os demônios estavam
brigando. Luckweaver se fora… Sua morte foi uma dor vazia. Era como se uma parte
dela tivesse desaparecido. A magia das braçadeiras havia sido violada; eles não
tinham mais o ruído da magia. Grandes nuvens brancas se moveram acima, e a
fumaça subiu preguiçosamente no céu. Keleios virou a cabeça lentamente. Havia uma
rigidez dolorosa no lado direito do rosto. A certa distância dela estava Tobin. Sua
armadura dourada fora arrancada de um braço, enferrujada com sangue, preta de
fuligem e sujeira. Seu cabelo castanho-avermelhado estava duro com sangue de um
lado, mas era ele. Ele estava de costas para ela, e estava curvado de pernas cruzadas
em uma posição de poder, mas mesmo assim ela começou a sentir seu cansaço.
Keleios murmurou seu nome, mas não ousou perturbá-lo. Ela estava deitada e
flutuava na onda crescente de dor. Estava com medo do quanto podia estar
machucada. Tobin estava quase exausto, e o escudo não estaria pronto se o perigo
passasse. 174
sol ficou verde quando o monstro envolveu o escudo. O círculo de cinzas se fechou.
Tobin levou vantagem; o escudo fora empurrado para sua forma original.
Keleios se acomodou no centro do círculo, perto de um fio de fumaça. Ainda
cantando, Keleios esfregou o dedo no sangue da barriga e começou o primeiro
símbolo. Havia palavras que podiam ser usadas, mas os símbolos eram mais curtos.
Eram de uma língua antiga. Verdade seja dita, eles não eram comumente usados.
Muitas pessoas haviam morrido por serem incapazes de decifrar corretamente que
tipo de proteção estavam enfrentando.
Ela era mais desajeitada com a mão esquerda e demorou mais do que queria. A
chama pareceu sentir a proximidade do feitiço e subiu contra o escudo. Jogava sua
grande massa contra a fraca luminosidade de novo e de novo. Tobin começou a
gemer com uma voz alta e fina. O escudo começou a desmoronar. Restavam apenas
mais dois símbolos. O desenho do homem era mais fácil, mas o círculo que se
estendia ao infinito era mais difícil. Estava borrado, e ela teve que raspar e tentar
novamente. O teto do escudo ficava a um palmo da cabeça dela, e o peso da chama
fazia com que parecesse mais baixo. Primeiro, a borda externa do círculo. Houve uma
perturbação lá fora, um som abafado retumbante de um dragão. Keleios ignorou; o
terceiro aro foi feito. A chama começou a subir, mas o escudo permaneceu pequeno e
deformado. O sétimo aro era um mero ponto e seria o último. O feitiço entrou em
vigor com uma onda de formigamento na pele. Tobin levantou a cabeça e, com um
pequeno grito desabou, seu escudo desapareceu.
Do lado de fora havia um dragão de cobre, ameaçando soltar chamas. O dragão
voou fora de alcance, mas perto o suficiente para dar esperança e pôr a si mesma em
perigo. Era Brigette, uma das dragões fêmeas de Malcolm, o conjurador-mestre. Ele
era um membro do conselho de Astrantha e o único que falara por Keleios quando
eles tiraram seu posto de mestre. As escamas do dragão brilhavam em arco-íris
marrom-avermelhados. Keleios procurou se medir com o dragão, imaginando se teria
força.
Os astrantianos criavam seus dragões para serem estúpidos e seguros. Eles
mantinham as escamas duras, mas o sentido para a magia e a inteligência, eram
cruelmente abatidos para criar uma fera mais administrável. A mente do dragão era
uma confusão de pensamentos caóticos, a mente de um animal. Tendo tocado a mente 177
de Mestre Eroar, ela soube, pela blasfêmia que era. Keleios projetou uma imagem de
si mesma e Tobin, enfatizando o escudo brilhante; seguiu-se uma imagem de Brigette
deixando o monstro em paz e voando alto e em segurança.
*Brigette, estamos seguros. Obrigada por nos ajudar, mas deixe o monstro em
paz agora, por favor. Eu levantei um escudo.*
O dragão mandou uma imagem de Malcolm sorrindo, depois uma imagem de si
mesma flamejando o monstro, ele morrendo em seguida. Ela mergulhava na chama
verde, depois desviava-se por centímetros da morte. Keleios mandou uma imagem da
besta flamejante devorando rochas, fogo e pessoas. Ela pintou a imagem de um toque
de fogo verde na asa de dragão e o resultado. Keleios estava encharcada de suor
quando terminou. Foi preciso controle e muita concentração para projetar imagens
claras para uma mente tão alienígena. O dragão subiu um pouco mais.
Enquanto o dragão rondava, a sombra dela tremulava no chão. Keleios viu algo.
A coisa piscou novamente quando o dragão sobrevoou, uma garrafa de vidro. Ela se
concentrou e, sim, brilhava com algum encantamento. Apenas uma pessoa fazia
garrafas brilharem assim: Shannie. Ela era uma encantadora camponesa e havia feito
garrafas para conter qualquer coisa, desde o demônio na prateleira de Fidelis até os
feitiços de tempestade. Shannie teria se formado este ano. Keleios mandou uma
imagem da garrafa a Brigette. O dragão reconheceu. Keleios formou uma imagem do
dragão aproximando a garrafa do escudo.
O dragão mergulhou mais baixo. Keleios enviou uma imagem frenética do
dragão voando e voltando depois que a chama verde ia para outro lugar. O dragão
ergueu-se acima da chama furiosa e girou para o leste. Uma asa brilhante mostrava
uma queimadura negra no tecido. Keleios estava suando e começando a tremer com o
contato mental. Era um uso de baixa energia, mas o esforço de se concentrar além da
dor era quase demais. Tudo o que ela queria era deitar-se, chorar e se entregar à dor.
Não, ela não deixaria Tobin morrer com a ajuda tão perto. Ela meio que se arrastou,
meio que rastejou a curta distância dele. Ele estava deitado em uma pilha confusa ao
seu lado, seus cabelos principalmente obscurecendo seu rosto. Keleios tropeçou nele,
pressionando a mão quebrada nas costas dele. Ela gritou e lutou para se apoiar na
mão esquerda. Ela se sentou ao lado dele, respirando grandes correntes de ar. Náusea
e escuridão ameaçavam. A chama verde veio rastejando para ameaçar seu círculo de 178
proteção.
A coisa se aproximou lentamente, mostrando mais inteligência do que ela havia
creditado. Alcançou o suficiente para tocar o círculo e se afastou com uma contorção
que enviou linhas de laranja através da superfície verde. O fogo não poderia matá-lo,
mas poderia detê-lo por um tempo. Keleios não tinha certeza se poderia ignorar a dor
e forçar o feitiço de proteção eventualmente ou não. A coisa esticou-se para cima até
ficar fina como vidro e, em seguida, desceu rapidamente para engoli-los.
Ela viu a onda verde cair. O escudo de fogo aguentaria? Uma oração perpassou
seus lábios. “Urle, deus da chama eterna, mantenha a proteção quente. Deixe que
queime o monstro. Deixe-o suportar sua carga. Que cozinhe seu…” Acertou. Por um
momento, o verde permaneceu na viga mais alta, coberta como uma tenda. Ela
pensou que a magia de Verm era muito forte. Fogo. O mundo estava subitamente em
chamas com um bom fogo laranja. O calor queimava seus cabelos. Ela sentiu em sua
mente que a coisa estava gritando, um som tão alto que parecia o zumbido de um
inseto. As tábuas queimadas voltaram à vida novamente, e Keleios começou a se
perguntar se todos morreriam com o monstro. A coisa rolou para longe e começou a
cair no chão. Mas não morreu. De fato, ela não esperava isso, apenas que os deixasse
em paz.
– Graças a Urle, deus da chama eterna, fomos libertados e por esse feitiço
contivemos o destruidor de Verm.
O corruptor começou a se afastar como se sentisse dor. Evidentemente, havia
decidido que não valiam o esforço. No entanto, Keleios não tinha certeza se a
proteção aguentaria contra outro ataque desse tipo. Toda proteção tinha seu ponto de
ruptura.
Onde estavam todos? Jodda, Eroar, Belor, as crianças? Até o curandeiro negro,
onde eles estavam?
Ela queria se deitar e não fazer nada, apenas descansar se a dor permitir, mas
Tobin precisava dela. Ele ficou terrivelmente quieto e era a cor cinza peculiar que os
feiticeiros ganham quando fazem muita magia de uma vez. Ele tinha uma ferida na
bochecha direita, superficial, nada com o que se preocupar. Havia um segundo
ferimento no couro cabeludo, não tão sério quanto o que Lothor havia curado, mas 179
prendeu a respiração o máximo que pôde enquanto a interminável linha verde rolava
na garrafa impossivelmente pequena. A garrafa transparente ficou verde. Keleios
tampou e falou uma palavra de fortalecimento. Ela caiu de joelhos e gritou de dor.
Alguém chamou o nome dela. Ela virou-se devagar, a garrafa na mão boa.
Malcolm, o conjurador-mestre, escalou a pedra quebrada, suas mãos fortes
ajudando-o onde suas pernas anãs curtas não o faziam. Curandeiros o seguiam como
um bando de corvos carniceiros. O rosto de Malcolm era claro como apenas um anão
sem barba poderia ter, mas quando ele sorria, seu rosto ficava lindo. Ele sorriu para
Keleios agora.
– Vim aqui ajudá-la e você nem precisou de nenhuma ajuda.
Ela tentou sorrir, mas o lado direito do rosto não permitiu.
– Eu não sei, Malcolm. Eu posso precisar de uma ajudinha.
Com ela ajoelhada e ele de pé, eles tinham quase a mesma altura. Seus olhos
castanhos brilhavam com lágrimas não derramadas e por um momento seu rosto se
encolheu quando ele olhou para ela. Um rosto sardento e familiar apareceu por cima
do ombro de Malcolm – Larsen, filho de Malcolm, seus olhos castanhos atentos às
feridas dela. Suas mãos eram seguras e hábeis como qualquer curandeiro.
– Desculpe-me, pai, mas se ela puder andar, devemos levá-la para a ala de cura.
O anão assentiu, olhando para o filho alto e muito humano.
– Eu posso andar, mas Tobin… – Ela tentou se levantar, mas sem nada para
segurar, caiu pesadamente e gritou.
Larsen a apoiou e Malcolm pegou a garrafa cheia de verde da mão.
– Não faria sentido largar agora, não?
Ela começou a dizer “não”, mas o mundo girou, a escuridão engoliu o céu de
verão. Quando Keleios acordou novamente, ela estava deitada em um cobertor. O céu
de verão ainda seguia no auge, mas o cheiro de fumaça era muito menor. A dor
acordou com ela. O lado direito do corpo era como se alguém tivesse tirado todo o
sangue de suas veias e derramado fogo derretido em seu lugar. A queimadura parecia
afundar até os ossos. Sem querer, ela torceu o corpo, lutando contra a dor. Alguém
choramingava baixinho, e Keleios descobriu que era ela mesma.
Larsen inclinou-se sobre ela, com o rosto preocupado, mas com aquela alegria
constante da maioria dos curandeiros. 181
– Eu sei que dói, mas tenho uma pomada que ajudará. Você tem muita sorte de
não ter perdido a visão do olho direito. – Ele espalhou um creme branco oleoso em
um linho limpo e aplicou o pano no braço dela até que o membro estivesse enrolado
nele. Colocou uma peça retangular no rosto dela, cobrindo também o olho direito. –
Eu tenho uma poção que irá ajudá-la a dormir.
A pomada aliviou a ardência, dando certo conforto. Os choramingos podiam
parar. Ela achou mais fácil com os dois olhos fechados contra o pano.
– Tobin, como ele está?
– Ele pode perder o uso do braço da espada sem a ajuda de um curandeiro
branco, mas ele viverá.
Ela abriu o olho esquerdo.
– Onde estão os curandeiros da escola de Astrantha?
Sua voz veio à distância. Houve o som de uma tampa sendo levantada e posta no
lugar em seguida.
– O sumo conselheiro os proibiu de ajudar neste desastre.
– O quê!? – Ela virou a cabeça e gritou de dor. Larsen veio e substituiu o pano
caído.
– Por favor, Keleios, sem movimentos violentos.
Ela se deitou ofegante.
– Com prazer. Mas como Nesbit pode proibir os curandeiros brancos de
cumprirem seu juramento?
– Oficialmente, o sumo conselheiro controla a escola, embora já se tenham
passado séculos desde que o conselho interferiu em algo dos curandeiros. Ouvi dizer
que Verrna está mantendo um conselho próprio com seus colegas curandeiros; eles
estão votando.
– E se vierem?
– Significará exílio para eles.
– Toda a escola de curandeiros astrantianos, exilada. Todos os países do
continente vão querê-los.
Ele concordou com ela, desaparecendo de sua linha de visão para mexer nas
panelas mais uma vez. Keleios sentiu um toque onírico – Mestre Eroar. Ela chamou o
nome dele e ouviu um grunhido sonolento, mas nada mais. Larsen voltou à vista. 182
– Não me provoque.
Groth, curandeiro dele, estava logo atrás do mestre. Ela perguntou:
– Que tal ser um coelho de novo, Groth? – O homem recuou rapidamente.
Nesbit sibilou para ele:
– Ela está fraca demais para causar algum dano.
Larsen veio e pegou o pano caído.
– Agora está sujo. – Ele o substituiu por um pano limpo e a advertiu para não se
mexer. – Gostaria de lembrá-lo para não perturbar os doentes, sumo conselheiro.
– Você quer ser exilado também, curandeiro?
Larsen ficou muito reto.
– Se este é o cuidado benevolente do conselho, eu estaria mais seguro em outro
lugar.
– Você pode se juntar a alguns na prisão em algum lugar fora da ilha. Não
pretendo que vocês e seus compatriotas sejam incentivo para as massas. Descanse em
paz. Não quero mártires.
Keleios respondeu calmamente:
– Mas você já os tem: todos que morreram no castelo ontem à noite, todos que
foram feitos prisioneiros para serem vendidos como escravos. Em alguns anos, seu
mandato terminará, e é a aristocracia que vota quem entra e quem sai. Se um guarda
pode cair, os outros também podem. Deixe-os pensar um pouco, e terão medo de
você no cargo. Eles buscarão um pastor mais confiável para suas ovelhas.
– Isso é problema meu, não seu.
– Ah, mas é problema meu, sim. – Ela queria olhar para ele, mas o esforço era
demais, então ela falou olhando para o céu nebuloso. – Você fez disso problema meu
quando destruiu esta fortaleza e matou meus amigos e professores. Você me marca
como traidora. Como não pode ser problema meu? Você vai morrer pelo trabalho
desta noite, Nesbit.
– Você está me ameaçando. – Ele riu, jogando a cabeça para trás como um cão
latindo. – Sentirei sua falta, Keleios, mas não me ameace. Eu ainda poderia matá-la.
– Eu não estou ameaçando. – Ela lutou para uma posição sentada, com lágrimas
escorrendo pelo rosto, ofegando e odiando sua fraqueza. – Mas você é um homem 186
morto a partir de hoje. Pode não estar na minha mão, mas alguém fará isso por causa
do que você fez aqui.
– Você profetiza?
Ela pensou por um momento, tentando medir sua dor e seu cansaço.
– Sim, Nesbit, profetizo para o sumo conselheiro de Astrantha. Eu vejo a morte
como uma sombra negra em seu rosto. – Ela gritou quando a visão desapareceu e a
dor retornou.
– Nagosidhe, Nesbit, Nagosidhe – ela desabou na maca.
– Nagosidhe, o que é isso? Faz parte da profecia?
Larsen entrou, forçando-a a ficar quieta.
– Eu devo pedir para você sair; está perturbando-a.
A voz de Lothor veio suave; apenas Keleios podia detectar o cansaço nele.
– Nagosidhe, sumo conselheiro, são guerreiros wrythianos treinados como
assassinos.
Nesbit deixou sua visão e disse:
– O que você sabe dos Nagosidhe, príncipe Loltun?
– Nosso país faz fronteira com Wrythe, conselheiro Nesbit. Perdemos três
senhores para os Nagosidhe antes que meu pai proibisse todos os ataques aos elfos.
– Eu não acredito.
Lothor encolheu os ombros.
– Acredite no que preferir.
– Mas isso fazia parte da profecia? Os Nagosidhe trarão minha morte?
– Eu penso que não. – Ela gritou de dor; sua visão a abandonara. – Chame de
promessa.
– Uma promessa, o que isso significa?
– Isso significa que ela é da realeza élfica e pode invocar os Nagosidhe.
Keleios deu um meio-sorriso. Invocar os Nagosidhe – não, ela não poderia fazer
isso. Somente um elfo de sangue puro poderia chamar os assassinos élficos. E ela
nunca poderia ser uma verdadeira Nagosidhe, pela mesma razão. O Mestre da Morte
de Balasaros achou imprudente que qualquer meio-elfo fosse um Nagosidhe, até sua
própria sobrinha, mas havia outros problemas a serem resolvidos antes que ela visse 187
os reinos élficos novamente. E quando chegou a hora, ela queria ver Nesbit morrer –
sim, era isso que ela queria. Ela não usaria os Nagosidhe. Ela o tornaria sua própria
caça. Keleios falou devagar.
– Onde está Zeln? O que você fez com ele?
Malcolm voltou à luz e respondeu.
– Preso, mas ileso, então nenhuma lei foi violada pelo sumo conselheiro. –
Keleios riu e estremeceu.
– Nenhuma lei foi quebrada, Malcolm.
Ele se ajoelhou ao lado dela.
– Eu sei, Keleios, eu sei.
A voz suave do conselheiro veio:
– Você está obviamente com dor. Deixe Groth ajudá-la, meio-elfo.
A figura vestida de cinza se ajoelhou hesitante, com medo. Keleios se afastou do
cobertor, gritando de dor:
– Afaste-o de mim!
Larsen interveio:
– Sumo Conselheiro Nesbit, como você não nos dará nenhuma ajuda real, eu
chamarei o curandeiro adequado, e peço que você saia. E leve esse charlatão com
você.
Groth fez um pequeno som de protesto. Nesbit o silenciou e disse:
– Muito bem, eu vou embora e levarei meu curandeiro. Mas Groth é a única
ajuda que você terá em solo astrantiano, pois eu proibi qualquer outro.
Uma voz profunda atrás dele falou:
– O sumo conselheiro esquece mais uma vez que ele não é um monarca.
Nesbit girou:
– Garland, como você se atreve?
– Como eu ouso? – Lorde Garland olhou ao redor da devastação que estava ao
redor e virou o rosto de barba branca para Nesbit. – Como você ousa forçar uma
votação no conselho. Eu fui silenciado, mas não mais. – Três curandeiros estavam
atrás dele: um branco, um cinzento e um das trevas. Lorde Garland adorava a Ardath
e não tinha favoritos.
Nesbit virou-se para olhar para Keleios. 188
– Profecia ou não, meio elfo, você estará presa ao entardecer hoje à noite; se
cure rapidamente – ele se virou e desapareceu, levando Groth com ele.
Larsen ajudou Keleios a voltar para a maca e recolocou os panos.
– A poção de cura está pronta para você.
Lorde Garland perguntou:
– Onde meus curandeiros serão mais úteis no momento?
– Seus curandeiros são todos bem-vindos, sumo conselheiro. – Larsen se
ajoelhou ao lado de Keleios com uma xícara quente. Ele apoiou a cabeça dela
enquanto ela bebia, forçando-a a não se mover mais do que o necessário. – Esse
garoto perderá o braço sem uma rápida cicatrização de magia branca. Encontramos
muito poucos sobreviventes. Os outros curandeiros estão ajudando a procurar corpos.
O estômago de Keleios começou a dar um nó e revirar.
– Larsen, eu me sinto enjoada.
– Eu sei, mas a poção ajudará a aliviar você.
– Não é isso… – Sua coluna ficou rígida, arqueando seu corpo grotescamente.
Ela estava olhando o mundo através do vidro fosco e da dor. Um rosto pairou sobre
ela. – Jodda? – Mas os olhos do curandeiro eram castanhos como madeira; seu cabelo
preto, trançado. Não era Jodda, nem ninguém que ela conhecia.
Uma voz estranhamente rouca veio do corpo da mulher.
– Segure-a para que eu possa trabalhar.
Mãos a seguravam, rostos flutuando acima dela. Havia morte em seu estômago,
fluindo em suas veias de uma maneira que ela nunca havia experimentado. Ela sabia
que estava morrendo. Eles não a estavam ajudando.
– Aklan, tac morl, frintic aklan, aklan!
A voz de um homem:
– Curandeiro, o que você deu a ela?
Larsen disse às pressas:
– Uma poção para relaxar, dormir.
– O que havia nela?
– Veldra, hortelã-pimenta, manto de deusa…
– Manto da deusa, também conhecido como erva do diabo?
– Sim. 189
– Você a envenenou.
– Mas não é um veneno.
– Para ela é. Primeiro curandeiro, você deve remover o veneno do corpo dela!
O curandeiro de olhos castanhos não discutiu, mas colocou as mãos no corpo de
Keleios. A coluna arqueada e a rigidez aumentavam gradativamente. Todo som, todo
movimento percorriam seu corpo, sacudiu seus músculos, tornava sua coluna rígida.
Keleios não conseguiria respirar até que seu corpo relaxasse, e cada espasmo durava
mais que o anterior, até que ela não conseguia mais respirar. O calor da cura fluiu
através de seu corpo, perseguindo o veneno. Ela podia senti-lo sendo retirada de seu
corpo.
Ela murmurou, evanecendo, com dor:
– Aklan.
A voz do homem sussurrou:
– Nem ac morl, nem ac morl.
A magia não convidada em seu corpo respondeu às palavras, calmantes.
Alguém tinha entendido; alguém estava ajudando. Keleios estava imóvel e ofegante,
com a respiração alta, o corpo coberto de suor.
Ela piscou para um rosto pálido alinhado com cabelos castanhos; dois olhos
verde-acinzentados a encaravam:
– Quando você estiver descansado, eu gostaria de falar com você em particular.
– Era a estranha voz masculina com a roupa de um curandeiro das trevas.
Keleios tentou falar, mas o curandeiro branco os espantou.
– Eu devo curar suas queimaduras e essa mão. Você parece ter uma pequena
capacidade de se curar. Eu nunca toquei em algo assim. – Ela balançou a cabeça. –
Mas eu vou curá-la, podemos conversar depois.
Larsen estava ao lado dela.
– Keleios, eu não sabia. Eu usei o composto muitas vezes sem causar danos.
Ela respondeu, encontrando a voz rouca.
– Você não poderia saber; fique em paz, Larsen.
As pontas dos dedos frias tocaram sua bochecha, e a magia perseguiu a pele
arruinada. Por um momento a dor ardeu em seu rosto. Keleios gritou e foi ecoada 190
agora.
– Não quero ir para a prisão enquanto durmo.
Ele sorriu.
– Meu senhor Garland trabalhará para que você não precise ir. Mas se você
precisar ir, leve isso para curar-se. Sem isso, pode levar dias para você se fortalecer.
Ela bebeu com cuidado, apoiando-se em um cotovelo. Contra ela, cada músculo
relaxou até que ela afundou de volta na maca. Seu corpo pesava mil unicórnios. Foi
um grande esforço para mover-se. Ela forçou um dedo a se contorcer e parecia tão
pesado e volumoso quanto uma espada de treino. Keleios flutuava à beira de um sono
profundo e sem sonhos.
Alguém a tocou. Keleios forçou os olhos a abrir. O curandeiro das trevas
colocou as mãos sobre ela, verificando sua respiração. O toque era o toque de um
curandeiro branco, saudável e bom. Keleios estava sendo forçada a aceitar que a
única diferença estava nos mestres servidos e no uso de cada dom.
Breena, a Bruxa, entrou na ala de cura. Embora fosse apenas uma curandeira, ela
parecia trazer saúde e coragem. Ela estava vestida com armadura de couro, cabelos
castanhos descendo em volta dos ombros. Ajoelhou-se rapidamente ao lado de
Keleios.
Keleios tentou manter os olhos abertos, mas não conseguiu. Ela ouviu a voz rica
da mulher à distância.
– Não há muitos vivo por aí. – Ela falou um velho provérbio calthuiano. – A
única coisa mais triste do que uma batalha vencida é uma batalha perdida.
Keleios deixou que o sono induzido a envolvesse. A última coisa que ouviu foi:
– Mais dois corpos. Onde você quer que nós os coloquemos?
192
CAPÍTULO 11: CORRENTES
Ela podia ver Eroar, o Mago do Dragão, enrolado de cabeça sobre a cauda,
dormindo, profundamente, sonhando no passado.
Ela ficou maravilhada com a verdadeira forma dele. Seria apenas a terceira vez
que ela o via. Suas escamas eram de um azul rico como o oceano, longe da terra. Sua
crista da espinha era negra, assim como suas garras; sua verdadeira forma era
volumosa e assustadora.
Poth estava com um peso quente nas pernas. Keleios ficou imóvel, tentando não
perturbar a gata. Seu pelo preto e branco estava emaranhado e sujo. Ela estava
cansada demais para se arrumar. A gata se mexeu em seu sono, uma orelha se
contraindo como se captasse um som distante.
Keleios sorriu ao ver. A maioria dos bruxos não se importava com os animais
que não ganhavam o sustento como familiares ou trabalhadores. Até Keleios nunca
admitiria o quanto a gata significava para ela.
Breena estava cuidando dos dois fogos, um para cozinhar e outro para preparar
poções. Ela colocou madeira no fogo, o brilho laranja mostrando seu rosto abatido e
cansado.
A cabeça quase careca de Carrick apareceu acima dos cobertores. A ascensão e
queda de seu peito disseram a Keleios que ele estava vivo. Keleios se perguntou se
ele também havia recebido uma poção ou se teria permissão para dormir até ser
curado. Como Carrick odiava poções mágicas.
Dois homens apareceram, vestindo o uniforme do sumo conselheiro, um fundo
preto com um fogo vermelho que cuspia demônios. Breena se levantou e foi
acompanhado pelo curandeiro das trevas de cabelos castanhos.
O mais alto deu um pergaminho enrolado para eles. A bruxa pegou. O
documento parecia rígido, enrugando quando ela o tocou, muito oficial.
O alto falou em tons corretos formais.
— O Sumo Conselheiro Nesbit decretou todos os viajantes ou professores
sobreviventes, traidores. Viemos pedir que você prepare os prisioneiros para a
mudança.
Keleios vira Breena verdadeiramente zangada apenas duas vezes, cada vez feliz
por ter sido dirigido a outro lugar.
— Eu consigo ler. Deixe-me entender que o Sumo Conselheiro de Astranthian 194
disso.
— Se eu der minha palavra de que não irei escapar, você pode confiar nela.
— Sua palavra não é boa o suficiente; a de ninguém é.
— Nem mesmo a sua.
Nesbit acenou e disse:
— Perdemos tempo. Você concorda em se exilar, ou nós a matamos aqui?
Tobin levantou-se e ficou ao lado de Keleios:
— O que você pede a ela é injusto, e você sabe disso.
— Conheço lendas das velhas esposas; nada mais. – Ele esperou apenas um
momento e disse: – Decida, Keleios, decida agora.
Ela percebeu que ele queria uma desculpa para matar todos eles. Mártires ou não,
ele estava nervoso agora e queria cuidar de uma maneira ou de outra. Talvez ele
tenha ultrapassado seus limites, e outros membros do conselho estavam se rebelando,
outros aristocratas.
— Muito bem.
Nesbit fez um gesto para o velho avançar. Ele chegou cambaleando perto,
carregado de correntes.
Eroar serpenteou seu pescoço, forçando o homem a escovar suas mandíbulas
temíveis.
O velho hesitou, não querendo passar pelo dragão. Nesbit deu uma risada curta.
— Esses joguinhos só perdem tempo. O dragão não vai machucá-lo, velho.
Continue!
O velho avançou, com mais medo de Nesbit do que qualquer dragão. Afinal, os
dragões não torturavam um homem quando você os desagradava.
Keleios cruzou os braços, com medo. As runas da prisão excluíram toda a magia.
Os elfos eram por natureza mágicos, não apenas com feitiços, mas na sua substância.
Nesbit chamou de contos de velhas esposas, mas essas histórias diziam que runas de
prisão poderiam matar elfos.
— Venha, Keleios, você decidiu ou não? Viva ou morra.
Ela estendeu as mãos lentamente, punhos cerrados. As mãos finas de veias azuis
do homem estendiam um conjunto de correntes grandes demais para seus pulsos 197
pequenos. O metal prateado deslizou, fechou-se e Nesbit falou uma palavra. O metal
encolheu para caber nela. Elas se encaixaram no lugar com um segundo feitiço, e
Keleios estava sozinha. Sua magia se foi. Ela ofegou, tentando trazer ar para os
pulmões. A gata gritou. Eroar berrou, e o carregador da corrente tropeçou para trás.
Ele caiu no chão em um barulho de correntes.
— Nós ainda podemos matá-la, dragão, então se controle.
— Eu me controlo, mas chegará um dia, humano.
— Eu acho que não. – Ele observou o homem se levantar e disse: – Algemas.
— Mas, Lorde Nesbit, ela é apenas uma garota.
— Essa garota pode esmagar seu crânio com uma mão.
O velho pareceu duvidoso, mas se arrastou para frente e as colocou no lugar.
Keleios estava ciente disso, mas não importava. Era assim que parecia ser meramente
humano? Não, isso era horrível; isso era uma parte de si mesma desaparecida.
Era como se o mundo tivesse mudado, deixando Keleios para trás. Ela ficou
onde estava e ainda estava longe. O ar estava próximo, pesado e difícil de respirar.
Tobin estava amarrado. Ele olhou para as árvores como se as visse pela
primeira vez. Ele sussurrou:
— É como ser cego.
A voz de Keleios era o mais fraco dos sons.
— Pior.
Lothor deu um passo à frente. Sua pele era de um branco nevado normal; seus
olhos prateados pegaram o fogo como vidro.
— Eu vou com ela.
— Não há necessidade. Você é um diplomata preso em circunstâncias infelizes e
está livre para partir.
— Não posso.
— Como assim, não pode?
— Eu sou o consorte dela. Para onde ela vai, eu vou.
Um olhar de espanto passou pelo rosto de Nesbit.
— Consortes. – Ele caminhou para ficar na frente de Keleios. – Consorte com
um curandeiro das trevas, Keleios, eu nunca teria pensado isso de você.
Keleios se esforçou para responder, tentando se afastar. As runas estavam 198
Pela primeira vez, Keleios não sentiu nada além de tonturas e trevas quando
foram teletransportados para longe.
Eles apareceram na rocha cinza nua. O mar correu e sussurrou ao longo da costa
desolada. Espuma branca agitava as ondas como fantasmas pálidos. Árvores
atrofiadas e sopradas pelo vento formavam uma floresta nua no inverno. Não havia
verão nesta ilha. Uma pequena montanha se erguia no centro, mas nenhum edifício
podia ser visto.
Keleios disse:
— Nesbit, você não pode nos deixar aqui.
Ele sorriu agradavelmente.
— Oh, mas eu posso, e vou.
Ela puxou os pulsos, mas sem a força encantada das braçadeiras de ouro, ela não
podia quebrá-las. Eroar rosnou profundamente em seu peito. Ele estava sem roupa,
mas nada mais.
Ele ainda mantinha sua força de dragão. Com uma palavra, Nesbit mandou um
dos guardas treinar uma besta em Keleios.
— Um movimento, dragão, e ela morre.
Lothor perguntou:
— Que tipo de lugar é esse?
Nesbit fez um amplo gesto para incluir toda a ilha.
— Esta é a Ilha Grey, lar de Harque, a Bruxa. Seu consorte pode lhe contar tudo
sobre Harque e a Ilha Grey.
Keleios falou baixinho, lutando para manter o pânico em sua voz.
— Nesbit, você pretende nos deixar aqui, acorrentados, sem mágica ou meios de
nos defendermos?
— Era a minha intenção.
Os guardas se reuniram às suas costas.
— Veja, Keleios, você está certa. Se eu executar você, estarei em guerra com
duas nações, mas se você morrer no exílio, não haverá guerra. Quero você morta,
meio-elfo. Eu vi minha morte nos seus olhos. Não quero você nas minhas costas em
uma noite escura.
Ele sorriu e olhou para o mar. 201
A tempestade começou a chover no mar em uma chuva amarela doentia que fez
a água ferver ao passar. Tobin sucumbiu ao vento e começou a vomitar na rocha.
Lothor disse:
— Se não conseguirmos nos libertar, morreremos.
— Isso eu sei, curandeiro das trevas. Diga-me uma coisa que não sei. Diga-me
algo que eu possa usar para nos tirar daqui.
Ele falou baixinho.
— Eu não posso.
CAPÍTULO 12: ALHARZOR
— Os cães de caça.
Tobin perguntou:
— O que você está sussurrando, Lothor?
— O uivo, não são cães de caça; são os cães de Verm.
Keleios empalideceu:
— Não há tempo para terminar um círculo de erva-bruxa. Mestre Eroar, se você
erguer um círculo feiticeiro no limite da clareira, tentarei apoiá-lo com uma bruxaria
de ervas, mas você precisará me dar tempo.
Eroar se levantou e, com um movimento de ambos os braços, um escudo
deslizou sobre eles.
Ela olhou em volta da clareira; apenas rocha nua aparecia - sem cinzas, sem
nada.
— Tobin, você tem uma adaga?
— Sim. – Ele desembainhou e deu a ela. Eram quinze centímetros de lâmina
fina, mostrando o desejo de Meltaanian de decorar demais o punho entalhado.
— O que você vai fazer com a adaga?
— Vou usar sangue para os símbolos; você sempre tem sangue.
Ele agarrou o pulso dela.
— Mas não há nada com o que fazer o círculo. Você desmaiaria muito antes de
ter sangue suficiente para isso.
Lothor chamou:
— Keleios.
Ele estava ajoelhado junto ao esqueleto, a longa espada desembainhada nas
mãos. Ele jogou para ela, e ela pegou o punho primeiro. A adaga de Tobin caiu na
pedra e ela engasgou. A coisa era poderosa. Embainhada, ela nunca a teria visto, mas
nua, brilhava com um poderoso encantamento. As runas em seu punho e lâmina eram
valerianas. Keleios traçou as runas, demônio, dor, morte, prata, elfo e de repente ela
soube que espada ela segurava. Ache silvestri, Dor Prateada, um nome meio-elfo e
meio-demônio, e muito apropriado. Poderia levar a verdadeira morte a demônios
superiores. A coisa pulsou em suas mãos, viva. Embora permanecesse quieta, ela
sabia que era quase poderosa demais para ser usada. Estava escondido agora, 207
esperando um momento de fraqueza para que pudesse controlar. Keleios sabia melhor.
Não haveria um momento de fraqueza, se ela fosse cuidadosa.
Lothor disse:
— Eu tenho meu machado. Pensei que você poderia usá-lo.
Ela olhou para a coisa, paralisada.
— Oh, sim, eu posso usá-lo.
— Eu não vou precisar da sua adaga, Tobin ou sangue para o círculo.
Ele se inclinou e pegou sua arma, mas hesitou em perguntar sobre a espada. Seu
próprio senso mágico via pelo poder que era.
Os latidos vieram e o vento aumentou, correndo para ver quem os alcançaria
primeiro.
Ela juntou o cinto de espada e a bainha, e os colocou nos quadris. Ela segurou a
espada longa, a morte prateada, e falou com ela.
— Sinto muito por usar mal uma lâmina tão fina quanto você, mas preciso de
mágica hoje à noite, mágica forte. Você vai me ajudar? – Ela pulsou uma vez em suas
mãos, uma pulsação fraca, mas concordou.
Ela segurou-a com as duas mãos acima da cabeça e rezou para Urle dar força a
essas duas coisas de sua arte: encantador e encantado. As cores da tempestade que se
aproximava brincavam ao longo da lâmina e pareciam mais brilhantes na superfície
refletida. Keleios mergulhou a lâmina para baixo para se enfiar na rocha. Com um
grito de metal e uma chuva de faíscas azuis, ela e a espada Aching Silver começaram
a fazer um círculo na rocha. Seu canto subiu acima dos sons de espada e pedra. O
círculo se fechou e parecia que uma linha fina de fogo cortara o chão. Ela ficou
incerta, segurando a lâmina a poucos centímetros do rosto.
O vapor subiu da lâmina para o vento frio. Ela se sentou no centro do novo 208
círculo, de pernas cruzadas, e enfiou a espada no chão à sua frente. O canto mudou,
mas permaneceu constante. Ela mergulhou na magia e não registrou o uivo que vinha
sobre as árvores retorcidas. Ela se inclinou para a frente e cortou o braço com força
na espada. Com sangue, ela começou os símbolos. Dois símbolos tinham sido feitos
quando o uivo irrompeu na clareira. Ela forçou as memórias e continuou. O feitiço
era tudo que importava.
O primeiro cão de caça quebrou a cobertura, pálido como a morte. Tinha um
corpo humano nu coberto de sujeira e mofo nas folhas. Sua boca se abriu para uivar
para o céu, expondo uma horda de dentes semelhantes a agulhas. Unhas como
navalhas brancas arranhavam a borda da proteção. Uma dúzia deles veio fungando e
arranhando a clareira, uivando de frustração. Partes de corpos humanos estavam
pregadas na forma de cão de caça como grotescos quebra-cabeças de carne.
Lothor falou em voz baixa com Tobin.
— Observe que suas garras e bocas têm um tom amarelado, muito fraco sobre o
branco. É um veneno mortal para a maioria.
— Para a maioria?
— Sim –, ele parecia relutante em elaborar, e Tobin deixou para lá.
Enquanto Keleios traçava o homem-palito na terra, ela sentiu o puxão da espada
como uma corda invisível de poder, um fortalecimento, uma união. Cada marca de
seu dedo traçava um poder azul, e o brilho permanecia. Ela sentiu a ânsia da espada
de juntar sua mágica à dela. Ela sabia que a espada ansiava pela união com um
encantador, pois todos os encantadores ansiavam por um grande encantamento com o
qual se compartilhassem.
Os cães de caça se acalmaram e ficaram deitados ou sentados ao redor da
clareira, esperando. Os ventos haviam diminuído e o fedor da morte desaparecia a
cada sopro de vento fresco.
Das árvores, surgiu o Mestre dos Cães de Caça.
Ele tinha mais de um metro e oitenta de altura, coberto de escamas vermelhas,
peito de barril, com garras negras nos pés e nas mãos. Um colar de elos de ouro
pendurado em seu pescoço grosso. Três pedras foram colocadas nele – duas
vermelhas que brilhavam como sangue novo e uma preta que não refletia nada. Seu
rosto se abriu em um sorriso cheio de dentes, orelhas de morcego se curvando 209
teletransporte funcionou, ela estava aqui, viva. A bruxa olhou para cima com um
sorriso.
— Eu estava esperando por você, Keleios Incantare.
CAPÍTULO 13: HARQUE, A BRUXA
Sim, claro que era. Ela estava tentando assumir, roubá-la de si mesma, a bastarda
sugadora de almas. Keleios tentou abrir escudos dentro de sua mente e expulsá-la, mas
desta vez sua feitiçaria não veio em seu auxílio. Sua cabeça zumbia com a presença da
espada e a essência do demônio que eles tinham acabado de matar. Sua feitiçaria não era
nada antes daquela combinação de poderes. Keleios fez o que tinha que ser feito, aceitou
o poder que fluía ao redor dela e da espada, e engoliu totalmente o mal e as memórias de
rituais que nenhum mortal jamais vira.
Lentamente, o mundo foi sendo ouvido novamente e a espada silenciou, tão perto,
mas não perto o suficiente. Tobin ajudou-a a se levantar e ela tropeçou, percebendo que
estava ferida. O sangue vazou de uma ferida lateral. A luta turva cobrava seu preço.
Lothor limpou e embainhou sua lâmina e prendeu as travas no lugar.
– Onde está Eroar? – ela perguntou.
– Ele está conversando com o verme dourado. –
Ela olhou interrogativamente para ele, e Lothor disse:
– Você veio pelo caminho mais fácil. Tínhamos que passar pelo verme da torre.
– Esse aí – ela perguntou, apontando para o diabinho verde – não ajudou você?
– Sim, seu amiguinho nos ajudou. Mas o verme estava desconfiado, então Eroar
mostrou sua verdadeira forma.
– E os demônios?
– Eles fugiram quando Harque morreu. Você não sentiu?
Keleios podia sentir uma liberdade, uma leveza e, no entanto, havia algo de errado.
O lugar tinha sido maligno por muitos anos; levaria tempo.
Eles varreram a mesa e a colocaram sobre ela. Poth saltou ao lado dela com um
miado questionador, mas Lothor mandou-a descer. Ela o fez.
– Sem mais perguntas até que eu veja essa ferida. – Os dedos delgados de Lothor
exploraram a ferida e seu rosto ficou impassível, sua respiração lenta e superficial. O
calor familiar fluiu por ela, e ele se curvou com a dor de sua nova ferida. Ele curou os
arranhões mais profundos e parou a hemorragia. Ele se endireitou, o suor escorrendo de
seu rosto. – Você vai viver.
– É reconfortante saber, curandeiro. – Ela se sentou, sentindo cuidadosamente o
lado curado. – Devemos libertar os prisioneiros da masmorra. 224
– Ah, acho que sim. – As luzes apagaram-se. A escuridão cegou Keleios e, mesmo
assim, não era escuridão de forma alguma.
Eroar gritou:
– Keleios!
As luzes piscaram novamente. Onde Eroar estivera havia um buraco, muito escuro,
através do qual soprava um vento quente. A espada de prata saltou para sua mão.
– Não, meio-elfo, eles vão morrer se você me ameaçar. A vida deles depende de
suas ações.
Keleios tremeu, lutando contra a ânsia da espada e sua própria raiva.
– Ponha a espada na mesa. Talvez você não acredite em mim. Devo matar um deles
para provar minha sinceridade?
Keleios tocou a espada com a mente, dizendo para ser paciente, que eles ainda
beberiam o sangue do demônio. Estava prateada e adorável sobre a mesa. Keleios alisou
as mãos na cota de malha, forçando-se a relaxar.
– Bom, agora olhe para o seu dragão.
Um movimento chamou a atenção de Keleios. Poth rastejou pela sala. Uma chance,
ainda havia uma chance.
– Mostre-o para mim e pronto, bruxa.
– Ah, então a velha Keleios ainda se esconde dentro daquela mesma fachada de
calma. Eu vou mostrar o seu dragão.
Ela voltou seu olhar para o cristal mais uma vez, e Keleios a seguiu.
Eroar ainda em forma humana estava afundado até os joelhos em lodo preto. Meias
formas estranhas se aglomeraram em volta até parecer que a própria escuridão se
contorceu. Uma delas disparou muito perto, um raio de gelo o fez correr de volta para os
outros. Keleios tocou a mente de Eroar com cautela. Harque não pareceu se importar.
* Eroar, você pode se teletransportar para mim? *
* Não, alguma magia me prende aqui. *
A imagem desapareceu e Keleios piscou para a bruxa. Poth se agachou em cima da
estante, esperando. Harque deu meia-volta em direção à prateleira e Poth saltou sobre ela.
Ela gritou quando as garras arranharam seu rosto. Poth era uma fúria que cuspia,
arranhava e mordia.
A espada perguntou: 232
– Agora, agora?
– Agora. – A lâmina saltou para sua mão e Keleios avançou.
Harque tirou Poth de cima dela e virou o rosto ensanguentado para Keleios.
– Maldita seja. – A lâmina deslizou no ponto certo, procurando seu coração.
Keleios enfiou a espada mais fundo enquanto a bruxa caía de joelhos. Elas se
ajoelharam cara a cara, e Keleios observou a vida cintilar nos olhos de joias. Harque
sussurrou: "Maldita seja, maldita seja". Mas, não havia magia nisso. Keleios viu a vida
escapar de seus olhos, como havia escapado dos olhos da mãe de Keleios há tantos anos.
O sangue do coração jorrava da ferida, salpicando a cota de malha de prata com
sangue coagulado quase preto. Keleios sacou a espada de sua bainha de couro. O corpo
se ajoelhou por um momento, então lentamente deslizou para o lado. Estava amarrotado e
vazio no chão de pedra.
A espada sussurrou em seu ouvido:
– Nós trazemos a morte e a vingança.
Anos atrás, ela viera em busca da morte da bruxa e encontrou dor e derrota. Desta
vez, ela viera como um sacrifício para encontrar vingança. Foi o suficiente para os dias
de sofrimento que sua mãe suportou? Não. Ela limpou sua espada em uma ponta da capa
cinza de Harque. Não, não era o suficiente, mas serviria, bastaria.
CAPÍTULO 14: UM SOM DE CORNETA
Ninguém olhou para as escadas; ninguém notou uma sombra que continha outra
escuridão.
Eles esperaram o espaço de cinco batimentos cardíacos depois que o último
manto desapareceu de vista.
Eroar reapareceu e Keleios simplesmente saiu da ocultação. Poth não estava em
lugar algum.
— Nós vamos direto.
— Em direção ao grito.
Ela assentiu.
O corredor se estendia em uma curva suave, alinhada à tocha. Seria muito difícil
se esconder no meio daquele corredor. Eles foram adiante cautelosamente. Ela fez um
gesto para Eroar pegar o lado esquerdo das celas e pegou o direito. As três primeiras
celas estavam vazias. A quarta segurava um homem, enrolado em uma pequena bola.
Ela não esperou para ver se ele se mexia. Keleios tentou examinar as celas sem
pensar no que havia dentro. Pouco antes de contornar a curva, ela encontrou a
armadura de Tobin. Ela estava amontoada ao lado de um palete em uma cela estreita.
A espada dele também estava lá. Onde quer que estivesse, estava nu e desarmado.
Um grito veio da frente e um riso levemente estridente.
Ela sussurrou para Eroar:
— Eu acredito que Tobin vai querer isso de volta. – Ela continuou: – Se você
conseguir enfeitiçar a porta. Vou examinar a situação de Tobin.
— Eu estava destrancando portas antes de você ser chocada.
Ela escolheu não lembrar ao dragão que a eclosão não era pertinente. Ela se
afastou para que ele pudesse atirar na fechadura e tirou o cristal. A pedra era lisa, fria
e sem falhas.
Ela se concentrou no rosto de Tobin. A visão veio de repente,
surpreendentemente clara. Ele estava lutando contra um demônio muito grande, de
escala verde e marfim. O demônio jogou-o para outro, que era esbelto e branco, com
uma cauda espetada, e o jogou no demônio do pudim preto que pegou com uma
mecha de gosma e cobriu o garoto com ela.
Tobin lutou contra ela, mas desapareceu dentro do pudim. Os outros demônios 238
começaram a argumentar que ainda não era hora de comê-lo e era melhor ele cuspir.
Ele cuspiu com relutância. Tobin se arrastou para longe do pudim, vomitando e
ofegando por ar. Sua pele tingida de ouro brilhava com lodo. Ela limpou o cristal.
— A porta está aberta. Nós deveríamos...
— Nós devemos nos apressar.
Ela saiu sem esperar para ver se ele o seguia. Eroar fez uma careta, mas juntou a
armadura, roupas e espada em seus braços e a seguiu.
Ele a alcançou em alguns passos.
— Três demônios estão com ele: um de gelo, o lodo preto que vimos
anteriormente e um demônio em escala verde que eu não reconheço.
A espada ergueu-se a uma curta distância de sua bainha.
— Eu sei. O demônio que absorvemos anteriormente sabe.
— Diga-me então.
— É um demônio da peste. Na batalha, se assim o desejar, seu toque traz a
temida doença que se espalha.
O diabrete invisível emitiu um pequeno som estridente.
— Oh, Mestre, ele é ruim, muito ruim.
— Apenas fique fora do caminho, pequeno. – De todos os demônios para
seduzir, ela conseguiu um dos mais fracos. Além da mudança de forma e da feitiçaria
limitada de toda a humanidade demoníaca, ele poderia fazer pouco.
— Esse deve ser retirado à distância, então. Podemos atingir o lodo com frio, e o
demônio do gelo com fogo, mas o verde...
A espada levantou uma mão de prata da bainha.
— Nós podemos destruí-lo.
— Com segurança?
Ela quase podia sentir a espada encolher de ombros.
— Tão seguro quanto pudermos. Não posso garantir sua segurança.
Ela agarrou o punho da espada, testando se realmente podia fazer o que dizia.
— Sim. Se você não tiver objeções, Mestre Eroar, poderá jogar uma bola de
fogo no gelo e distrair o lodo. Eu lutarei contra o verde. Se o demônio verde morrer,
eu o ajudarei com o lodo.
— Se o demônio não morrer? 239
Keleios piscou nos olhos amarelos do demônio. Ela estava de joelhos com os
pulsos presos entre as mãos escamosas do demônio.
— Tarde demais para chamar magia, tarde demais para usar sua linda espada. –
Ele se inclinou para perto do rosto dela e sacudiu uma língua bifurcada. – Hora de
morrer. – A pele começou a coçar onde as mãos dele a tocou, depois a queimar.
Uma ferida verde, como mofo, apareceu em sua mão direita. O demônio a soltou,
empurrando-a para trás. Memórias da morte do assassino passaram pela mente de
Keleios. De sua carne derretendo. Ela olhou enquanto o mofo verde crescia sobre
seus dedos, queimando, comichão, mas sem dor, ainda não. Fluía sobre sua pele
como água e não havia nada que ela pudesse fazer para detê-la.
A palma da mão esquerda estremeceu, como se um músculo tivesse espasmo. A
doença parou de derramar sobre sua mão. Não foi embora, mas parou de se espalhar.
Eroar estava de costas para a parede. Uma barreira de fogo mantinha o demônio
do gelo à distância, mas o lodo começou a deslizar através do fogo como se não fosse
nada. O demônio da peste ficou parado, de braços cruzados, de volta a Keleios.
Um calor, quase um calor de fogo começou na palma da mão esquerda sobre a
marca demoníaca. O calor subiu pelo braço esquerdo e desceu pelo direito, até que a
mão direita parecia estar pegando fogo. A propagação verde começou a desaparecer,
como se a pele a estivesse absorvendo, da mesma maneira que um curandeiro curava
feridas. Quando o último pedaço de doença se foi, a queimação começou a
desaparecer e fluir de volta para a mão esquerda. Magia demoníaca contra magia
demoníaca, era o que Lothor chamava.
Mas não havia tempo para se maravilhar com sua carne curada. Eroar estava
pressionado contra a parede, afastando-se dos demônios. Eles não estavam dando a
ele tempo suficiente para chamar outro feitiço, e como ele poderia chamar? Um temia
fogo, o outro frio.
Keleios pegou Ache Silvestri do chão e correu para frente. O demônio verde a
ouviu e se virou com um sorriso no rosto.
— Bem, pequena fêmea, você não está morta ainda? – A lâmina o levou através
das costelas e subiu no peito. O sorriso morreu em seu rosto e ele ficou paralisado
enquanto o brilho azul tomava conta de seu corpo e subia o punho nas mãos de 241
Keleios. Ela não lutou desta vez; ela o acolheu, bebeu o poder, deixou-o passar sobre
ela e a espada. Ache Silvestri gritou:
— Trazemos a morte aos nossos inimigos.
O corpo do demônio afundou no chão com a espada ainda presa no peito.
Keleios virou-se para os outros demônios com tufos de fogo azul ainda agarrados às
mãos dela. Se ela não lutasse contra isso, engolir a essência de um demônio não
demoraria muito.
Eroar estava lutando contra os dois demônios e sendo forçado a recuar. Keleios
enviou uma rajada de frio para o pudim, que começou a tremer em sua direção. Ela
juntou as mãos, tocando levemente as pontas dos dedos e a base da mão, e pensou em
frio, o frio que entorpece, que congela o ar nos pulmões até queimar. Ela atraiu puro
frio em sua mente – nem neve, nem gelo, apenas frio – até que a dor começou a
penetrar em suas mãos. O pudim estava a poucos metros de sua frente quando ela
abriu as mãos como um broto de flor, até que apenas a base de suas mãos se tocasse e
o frio chegou. Fluía como um vento gelado para o demônio. Ele diminuiu a
velocidade e o deteve. Quando o demônio percebeu o perigo, ele tentou escapar, mas
estava com frio, muito frio. Ele não conseguia pensar, não conseguia se mexer. Ainda
veio o frio.
Foi Eroar quem quebrou o feitiço, cortando o frio.
— Está morto. Solte o seu feitiço.
Keleios piscou para ele, quebrou o feitiço com rigidez e ficou surpresa ao
descobrir que tinha caído de joelhos. O lodo ficou como uma coluna de gelo sujo na
frente dela.
— O demônio do gelo está morto; vamos resgatar os outros e partir.
Ela se levantou e começou a flexionar o corpo. Ela nunca tinha ficado tão rígida.
Houve um som como um gemido ou um grito silencioso. Tobin rastejou em direção a
eles. Seu corpo tremia como se estivesse com febre.
Keleios ajoelhou-se ao lado dele, alisando os cabelos, dizendo:
— Você está seguro agora, Tobin.
Ele não disse nada, mas seus olhos estavam assombrados quando a olharam. Ele
caiu com um grito e se agarrou a ela por um momento, depois se afastou e se
endireitou. Keleios podia senti-lo passando por seus exercícios de controle. “Sou 242
obedeceria.
— Sim, mas você mantém a alma dele, ou a essência, não ele.
— Mas você é meu manejador. Se você desejar, pode ter o conhecimento dele, o
poder dele por um tempo.
— Como?
— Você simplesmente o chama como se ele fosse um feitiço.
— Eu não entendo.
— Eu ouvi falar dessas coisas –, disse Eroar. – Encantos que comem almas às
vezes podem emprestar essas almas a outras pessoas por um tempo e um preço.
Ela olhou para a Dragonmage. Seu rosto escuro permaneceu impassível; ele
poderia estar falando do tempo, em vez de usar as almas de demônios maiores.
— Quão seguro é isso?
— É como a maioria dos feitiços: o sucesso ou fracasso depende da força de
vontade da pessoa que chama a magia.
Tobin disse:
— Mas ela está aceitando a... essência de um demônio. O sucesso também não
depende da força de vontade do demônio?
— Sim –, disse Eroar.
— Não faça isso, Keleios –, disse Tobin.
— Eu tenho de fazer alguma coisa. É apenas uma questão de tempo até que algo
pior do que a súcubo visite essas celas ou elas descubram os corpos.
Eroar perguntou:
— E se esse Alharzor ganhar o controle de você?
Uma sensação de frio começou na boca do estômago.
— Então você deve me matar e fazer o melhor que puder para resgatar o
príncipe das trevas.
Tobin protestou:
— Não, Keleios.
— Tobin, se o pior acontecer, não atrapalhe o mestre Eroar. Se a espada me
levar, estou perdida e melhor morta.
Ele assentiu, mas franziu o cenho.
Ela respirou fundo, recuperando o controle, e o cansaço recuou um pouco. 244
— Aaah, sim, eu pensei que ela poderia gostar de ver seus amigos. – Uma risada
de garotas enchia a sala. Uma série de comentários brutos se seguiram.
— Nós poderíamos colocá-lo em seus passos ou fazer com que ela se juntasse a
nós. – Essa sugestão foi recebida com grande entusiasmo.
— Ah, meninas, desculpe, mas Harque os quer todos lá em cima, agora. – Um
coro de protestos e lamentos começou. – Eu tenho que devolver o corpo depois de um
tempo.
O demônio de cabelos ruivos deixou Lothor com relutância, as mãos persistindo
nele.
— Ainda não o quebramos –, disse ela. – A vergonha disso, Alharzor, temos que
romper seu controle.
— Eu entendo meninas, mas não há tempo. A bruxa tem alguns planos
interessantes para todos eles.
— O que, oh, nos diga.
— Aaah, um geas2.
— Isso não parece muito divertido.
— Depende de onde os geas os forçam a ir, minha beleza de cabelos flamejantes,
e o que os obriga a fazer.
Elas fizeram beicinho.
2
Geas: Uma geas pode ser comparada com uma maldição ou, paradoxalmente, um dom. Se alguém sob uma
geas violar o tabu associado, o infrator sofrerá desonra ou até mesmo morte. Por outro lado, acredita-se que a
observação de suas geas traga poder. Muitas vezes são as mulheres que colocam geas sobre os homens. Em alguns
casos, a mulher acaba por ser uma deusa ou outra figura de soberania.
— Ainda não parece divertido.
— Um geas para a ilha de Pelrith.
Elas trocaram olhares. Ajoelharam-se ao lado do corpo acorrentado de Lothor e
passaram a mão pelo comprimento pálido.
— Uma pena que não tenhamos outra chance com esse.
Keleios sabia com a memória de Alharzor que a Ilha de Pelrith era um lugar que
a succuba nunca tinha visitado. O semideus da ilha era muito perigoso. Um homem
sendo perigoso demais para um súcubo – isso era algo para se pensar.
Keleios se ajoelhou ao lado de Lothor. Keleios passou os dedos pela bochecha e 247
abriu os olhos.
Os olhos dele a encararam, inteligência intocada. A esperança apareceu em seus
olhos por um segundo, desapareceu rapidamente. Ela se levantou.
— Faça com que ele se vista, e talvez limpe-o primeiro.
Uma súcubo ruiva alta perguntou:
— Ela está angustiada por ver o amigo assim?
— Aah, muito.
— Aposto que eles eram amantes – , disse outra.
— Não, Bettia, apenas amigos. – A súcubo sorriu. Keleios deu de ombros e
parou na porta da cela.
Uma súcubo voou com baldes de água e pairou.
— Você está bem?
Alharzor zombou.
— Ela está com vergonha, vergonha de ver o elfo de gelo nu.
A súcubo riu por muito tempo e rico.
— Ela o quer, então?
— Aah, sim, ela faz.
— Arranje tempo para montá-los, por favor.
Ele pareceu pensar nisso por um momento e sorriu maliciosamente, depois
suspirou.
— Simplesmente não há tempo. – Keleios encostou-se à porta da cela e a súcubo
deu um tapa nela. A súcubo suspirou. – Que pena. – O demônio levou a água para a
cela de Lothor.
Keleios entrou e levantou o machado.
— Vou levar isso para você, meio elfo. Você não vai precisar disso. – Sua risada
profunda ecoou com as risadas estridentes da súcubo.
Sorrindo um sorriso desagradável, Keleios saiu para ficar no corredor.
Ventos de riso vieram quando a súcubo começou a liberar e limpar o prisioneiro.
Keleios, com as memórias de Alharzor batendo nela, estava no corredor. Seus olhos
se voltaram para uma grande cela no final do corredor. Tinha sido sua casa durante os
meses que ela ficou aqui. Já era espaçoso o suficiente, mas úmido e desanimador,
uma cela muito pequena. 248
Alguém sussurrou o nome dela, alguém que estava nas barras daquela cela. Seus
cabelos e pele dourados brilhavam agora mesmo através da sujeira e da barba. A
barba era um rico ouro avermelhado como chama. Ela se aproximou e, quando olhou
nos olhos castanhos dourados, sabia quem era.
O nobre Meltaanian, conhecido como Gabel, amante de si mesmo, encantador,
feiticeiro e assassino de seu mestre ferreiro, Edan. Ele o havia queimado até a morte
diante dos olhos de Keleios. Ela ainda podia sentir o horror e a raiva daquele
momento como bile queimando sua garganta. E de alguma forma essa raiva se
traduzira em feitiçaria. Keleios havia chamado seu primeiro feitiço de feiticeira: fogo.
Fogo que Edan usara para moldar metal, fogo que queimava sob uma panela para
derreter ervas para feitiços, fogo que brilhava no chalé para aquecer a comida e
manter o frio à distância, fogo selvagem e correndo pela floresta em um estalido seco.
Algo se abriu em sua mente que estava trancado e selado até então. Keleios viu
o fogo, fogo verdadeiro, a chama. Ela o puxou para a mão e apontou para o feiticeiro
sorridente. Ela tinha chegado muito perto de matá-lo.
Nenhum outro nobre Meltaanian tinha uma cicatriz tão grande. Era uma cicatriz
de queimadura esbranquiçada que ondeava e perfurava o lado direito de sua raça. Um
olho estava quase perdido, e o tecido da cicatriz formava uma crista torcendo a
pálpebra de maneira errada. Keleios havia lhe dado essa cicatriz. Poderia ter sido
curado, mas o duque de Cartlon decidiu que Gabel usaria a cicatriz como punição.
Como apenas os fisicamente perfeitos podiam governar em Meltaan, Gabel
perdeu um reino. Keleios foi despojada de sua posição de mestre porque tinha uma
nova magia para domesticar. Feitiçaria aos vinte anos de idade. Era algo inédito.
— Gabel. – Foi um silvo.
Ele não se encolheu com o ódio na palavra, pois o sentimento era bastante
mútuo, mas se amontoava perto das grades.
— Keleios Incantare, leve-me com você quando for.
Uma grande risada masculina escapou de seus lábios.
— Mas Keleios não vai a lugar nenhum que ela quer ir.
Ele recuou, perplexo.
— Alharzor?
Mas Gabel, o que quer que ele fosse, era um feiticeiro e encantador, e era bom 249
em cada um deles. Ele não precisava de feitiços para ver encantamentos quando o via.
Ele falou com ela em um sussurro.
— Alharzor não possui você; a espada o possui. Leve-me com você quando for,
ou eu lhes direi o seu engano.
Conhecendo Gabel como ela conhecia, Keleios não perdeu tempo chocada ou
dizendo "Você não faria isso", porque ele faria.
Ela olhou para Eroar e Tobin, que estavam esperando pacientemente. Ela ficou
na porta e escolheu a mente do demônio para o feitiço na porta. Foi
surpreendentemente simples. A fechadura se desfez em sua mão como uma flor.
Keleios sussurrou para Gabel:
— Se você nos trair ou nos causar algum dano, eu o matarei.
Ele assentiu.
— Qualquer coisa para ficar longe daqui.
Um súcubo alto questionou:
— Por que você liberta esse?
— A bruxa se cansou dele e deseja fazer dele um exemplo para os outros.
Ela concordou que ele havia se tornado cansativo.
Uma garota espiou as barras de uma cela à esquerda de Keleios. Ela era loira e
de olhos azuis, mais parecida com os pescadores do que com uma Astranthian. Ela
era jovem, quinze anos no máximo. Outrora viajara para a bruxa Harque. Ela havia
sido presa por falhar com muita frequência. Keleios queria levar a garota com eles,
mas as súcubos não acreditariam nela se todos os prisioneiros fossem subitamente
libertados. Os deuses haviam abençoado seus truques como eram.
Keleios deu as costas aos olhos da garota e enredou Gabel no mesmo feitiço que
segurava Eroar e Tobin.
— Vá ficar ao lado dos outros.
Ele se moveu sem uma palavra.
A súcubo riu.
— Um feitiço maravilhoso para acalmar aquele. Ele até fala quando está no cio.
Quando Lothor foi trazido, ela também o enfeitiçou. Seus olhos prateados
olharam nos dela por um momento antes de ficarem em branco pacificamente. Havia
uma raiva terrível naqueles olhos. 250
Tobin tinha sido incapaz de atacar os demônios porque não possuía uma arma
mágica. A magia da deusa demoníaca era demais para ele, como havia sido para
Gabel. Tobin sussurrou:
— Então era Elvinna. Agora eu sei que todos os meus amigos em Meltaan
estavam mentindo; eles nunca montaram isso.
Keleios disse:
— A morte de Harque retardará a perseguição. Ela sempre foi tão ciumenta com
seu poder. Os demônios ficarão desorganizados por um tempo. Precisamos sair da
ilha antes que eles encontrem um novo líder.
Ninguém discutiu com ela. Ela os conduziu para fora, conhecendo a localização
da fortaleza, mas insistiu que, se Gabel fosse atrás dela, Lothor manteria uma arma
nele.
Tobin se ofendeu com isso.
— Por que você pediu ao curandeiro das trevas e não a mim?
— Porque se Gabel se mover para nos trair, eu o quero morto. Você, querido
Tobin, não mataria alguém só porque eu lhe disse. Lothor faria.
Houve o som de sinos de cobre, levemente desafinados, e o pequeno demônio
verde apareceu.
— Eu te avisei primeiro, Mestre, eu avisei primeiro.
Keleios olhou para o demônio agachado.
— Sim, Groghe, você me avisou primeiro. Venha comigo.
Keleios pegou emprestado o conhecimento de Alharzor e tomou corredores
grossos de poeira. As tochas que haviam retirado da área das masmorras queimavam
constantemente no ar viciado. Eles chegaram a uma ramificação de três túneis. No
centro, moveu um único conjunto de pegadas. Keleios se ajoelhou, testando a largura
contra a mão dela.
— Um humano, sapatos macios, uma mulher provavelmente.
Eroar perguntou:
— Harque?
— Muito fresco. – Ela ficou de pé, tirando o pó das mãos. – Precisamos ir para 253
a esquerda.
Gabel perguntou:
— Mas e se encontrarmos a coisa no corredor do meio mais tarde?
— Então veremos, Gabel, mas não vamos atrás de problemas.
Eles se moveram para a escuridão. Por fim, um sopro de vento sacudiu suas
tochas, e Keleios fez um gesto para extinguir as luzes. Ela se agachou na boca do
túnel, olhando para uma grande caverna. A entrada daquela caverna mostrava luz
solar intensa, de modo que os cães de caça de Verm não seriam um problema.
Enrolado perto daquela saída havia um verme de ouro.
Keleios nunca tinha visto escamas tão grandes, cada uma tão grande quanto o
escudo de prática de um cavaleiro.
A circunferência do próprio verme era grande demais para que os olhos
percebessem tudo de uma vez.
Keleios sussurrou de volta:
— Como você passou por isso?
— Simpatia –, veio a resposta.
— Bem, traga Eroar aqui em cima.
O homem-dragão passou pelo resto para se agachar ao lado de Keleios.
— Sim.
— Como podemos superar isso?
— Mantendo nossa promessa de tratar o olho infectado.
Keleios respirou fundo.
— Eu nunca vi um verme tão grande. Fale com isso, Eroar, e eu vou ajudá-lo a
tratá-lo.
Eroar levantou-se do resto e entrou na caverna. Ele parecia explodir para cima e
para fora, tornando-se dragão novamente. Ele era um animal poderoso, um monte
vivo de safira e ébano, mas ficava pequeno ao lado do grande verme de ouro.
O verme se mexeu e levantou um olho para olhá-lo. A borda do olho roxo estava
inchada.
Pus leitoso escorria de um canto. O esconderijo da coisa era uma rocha imunda e
nua, sem um conforto para ser visto. 254
Keleios sentiu raiva de que alguém pudesse tratar um animal inteligente dessa
maneira. Ela quase riu. Com tudo o que Harque havia feito, isso era uma coisa
pequena. Ele ergueu sua enorme cabeça franjada para olhar com seu bom olho e
esfregou Eroar. Eles conversaram por um momento em comum dragão. Eroar virou-
se e apontou para a frente com o rabo em escala azul.
Gabel ficou para trás. Lothor empurrou-o, tombando, ladeira abaixo para
aterrissar aos pés de Eroar. O dragão sibilou para ele. A voz profunda disse:
— Posso quebrar minha regra para você, Meltaanian.
Ele tremeu:
— Que regra?
Keleios respondeu:
— Eroar estabelece como regra nunca comer seres humanos. – Ela olhou para
ele, olhos castanhos distantes. – Cuidado com o seu passo, amante de si mesmo, ou
você morrerá de um jeito ou de outro.
Depois de um pouco de persuasão, o verme baixou a cabeça enorme para
Keleios. Ela falou com o pequeno demônio verde.
— Groghe, me traga um pouco de água morna e alguns panos limpos. – Ele
assentiu vigorosamente e desapareceu.
Keleios notou a carranca no rosto de Gabel e perguntou:
— Qual é o seu problema, amante de si mesmo?
Ele sorriu torto, a metade esquerda do rosto imóvel.
— Estamos arriscando nossa liberdade para curar um verme.
— Nossa palavra foi dada.
Ele encolheu os ombros.
— Então?
— É claro que você não entenderia o que a palavra de uma pessoa significa.
— Não, mestiça, eu só entendo a autopreservação.
— Então saia. A entrada da caverna fica logo ali.
— Não, eu vou ficar com você. Você sempre teve sorte fenomenal, mesmo antes
de ter a Luckweaver. – Ele deu um passo à frente e disse: – E onde está sua espada?
Keleios não disse nada.
— E sem braçadeiras de ouro. Você é apenas uma mulher novamente. Talvez eu 255
possa mostrar como é estar sob o homem cheio de cicatrizes. Só meu rosto está
arruinado, tudo funciona perfeitamente.
Lothor colocou a mão no ombro do homem e disse:
— Basta.
— Deixe-o ir –, disse Keleios.
Lothor estava relutante, mas fez o que ela pediu.
Keleios tirou Aching Silver de sua bainha e se aproximou primeiro do ponto
encantador.
— Você sabe o que é isso?
— Uma espada mágica do artesão Varellian.
— E o que isso faria com um homem?
— Você é minha professora agora, Keleios?
— Responda-me, o que faria se usado em um homem?
— Isso destruiria sua alma. É um comedor de almas.
— Muito bom.
O metal frio descansava em seu pescoço nu, e ele podia sentir a ansiedade fluir
dele. Ele quase podia ouvir a música que cantava. O medo e a raiva dançavam em
seus olhos.
A espada cantou para ela de vingança, e ela deixou um sorriso cruzar seus lábios.
— Se você chegar perto de mim novamente, eu vou usar isso em você.
— O que sua deusa, Cia, diria sobre isso?
— Temos um entendimento quando se trata de você.
Uma gota de suor escorreu por seu rosto.
— Fico lisonjeado.
Ela embainhou a espada em um movimento rápido.
— Não fique.
Ela lhe deu as costas e foi até os dragões.
Keleios investigou o olho inchado sob a orientação de Eroar. Garras de dragão
não foram feitas para um trabalho tão delicado, e o verme precisava da garantia da
forma do dragão. No canto onde o pus leitoso pingava estava a cabeça e parte do cabo
quebrado de uma lança.
— Eroar, pergunte a ela por que ela não pediu que a lança fosse removida. 256
— Ela pediu, mas Harque riu e disse que lhe ensinaria uma lição por quase
falhar.
— Mas como ela poderia manter uma fera como guarda quando deve odiá-la?
— Feitiços. Não tem para onde ir, pois os feitiços impedem sua saída da caverna.
— Bem, Harque está morta. Os feitiços desaparecerão e o verme estará livre
para sair ou permanecer em alguns dias.
— Ela é muito grata.
Keleios tirou uma pomada de sua bolsa não-mágica. Breena tinha dado a ela
como um presente de despedida. Tinha sido fabricado por Breena e tinha muitos usos,
um dos quais era combater infecções. Groghe voltou com uma panela de cobre
fumegante de água e toalhas sobre a cabeça e os braços. Ele colocou o pote no chão
com um pequeno pingo.
— Aqui está, mestre, exatamente como você pediu.
— Muito bom, Groghe, muito bom.
Através de Eroar, ela avisou que iria doer e agarrou a lança quebrada. Quando
puxou, ela caiu para trás. O verme empinou sobre ela, gritando de dor. Uma
inundação de fluidos imundos misturados com sangue fluiu da ferida. Os outros se
afastaram do animal assustado.
Eroar acalmou o verme depois de um tempo, e permitiu que Keleios se
aproximasse novamente, mas era cautelosa. Ela umedeceu um dos panos na água e
começou a limpar a ferida. Doeu, mas também acalmou. A fera deixou Keleios seguir
seu caminho sem muita dificuldade. Quando o olho estava o mais limpo possível, ela
aplicou uma pomada apenas na ferida.
— Diga a ela para não raspar isso. O inchaço diminuirá se ela não esfregar
contra as paredes.
Eroar transmitiu a mensagem e o verme concordou em seguir as instruções.
— Eu gostaria de ter curativos para esse olho. – Keleios balançou a cabeça e
sorriu. – Mas seria preciso um depósito de roupas para fazer isso.
Os homens abriram o caminho para o sol. Eroar acenou adeus ao verme. Groghe
pulou ao lado de Keleios. Poth deu um passo delicado, sem ter chegado perto do
verme.
Os arbustos tremulavam folhas verdes pálidas ao vento. Quando eles sentiram 257
que havia distância suficiente entre eles e a fortaleza de Harque, eles falaram em voz
baixa, ainda alerta para a perseguição.
— Harque negligenciou seu verme –, disse Eroar.
Lothor perguntou:
— Como?
— Ele poderia ter ficado cego daquele olho se não tivéssemos aparecido. Os
vermes gigantes não são naturais, mas criados magicamente e são suscetíveis a
muitas doenças por causa disso. Um pouco de cuidado extra, e o verme teria ficado
bem.
Eles se libertaram das árvores e começaram a rodear a praia em direção aos
barcos. Harque tinha vários barcos atracados na ilha. Usando o conhecimento
atualizado de Alharzor, Keleios sabia onde poderia ter uma embarcação confortável,
mas administrável. Um cachorro estava parado na areia cheia de pedras. Era um cão
de caça de tamanho médio, branco com manchas marrons. Ao se aproximarem, viram
que uma das orelhas estava faltando, não mastigada em uma briga, mas como se
tivesse nascido sem ela.
Mais dois cães se juntaram a ele, um todo branco, um preto e branco.
Keleios sussurrou:
— Protejam-se. Eu não gosto da aparência deles.
Eles passaram perto dos cães agora. O preto estava sem um olho e o branco
tinha um pé torcido. Eles olhavam com malícia brilhando em seus confiantes olhos
castanhos.
Tobin perguntou:
— O que são eles?
Lothor respondeu:
— O dia os forma nos cães de Verm. E seus olhos não são enganados pela
mágica.
Gabel disse:
— Coisas monstruosas.
Keleios perguntou:
— Você foi a presa em uma caçada durante o dia?
— Eu experimentei muitas coisas maravilhosas desde que nos conhecemos. 258
— Pobre Gabel, fui caçado por esses bosques aos dezessete anos.
— Bravo mestiço.
Lothor disse:
— Chega. Os poderes dos cães de caça são limitados à luz do dia, mas se eles
alertarem os outros, podemos falhar ainda.
Eles começaram a trotar sem dizer mais nada. Um anel de cães cercava o barco
encalhado. Eles rosnaram seu descontentamento, e um grande e amarelo ameaçou
com pêlos levantados e dentes à mostra.
Lothor avançou.
— Abra caminho para seus apostadores. – Ele falou uma palavra que ninguém
ouviu direito, gutural e sibilando ao mesmo tempo. O cão recuou rosnando e o resto
caiu a uma distância segura.
Keleios disse:
— Rapidamente, vamos empurrar a água.
Lothor perguntou:
— Mas para onde iremos em um barco tão pequeno?
— Os pescadores viajam de ilha em ilha em barcos como este, Loltun. Pressa.
O mar estava calmo e vazio. Ondas suaves lambiam a costa. Keleios colocou as
mãos no barco.
— Empurrem.
Poth e o diabrete verde saltaram a bordo. Tobin e Eroar, em forma humana
novamente, inclinaram-se para o barco. Gabel levantou-se e não ajudou. Keleios
falou com os dentes cerrados.
— Os cães levarão outros a nós. Apressem-se.
Ela olhou para o encantador ocioso e disse:
— Gabel, se você não ajudar, você nada.
Ele se juntou ao resto, colocando os ombros e os braços para puxar e empurrar o
barco ancorado na água. O cão amarelo enviou um uivo flutuando na luz, e ao longe
havia uma buzina.
— Empurrem, empurrem por tudo o que vale. – O barco cedeu de uma só vez,
atirando na água, enviando-os a afundar. Lothor caiu e a água escura o engoliu. Os
outros subiram ao lado. Keleios amaldiçoou suavemente enquanto puxava os remos 259
nas fechaduras.
— O curandeiro das trevas sabe nadar?
— Acho que não –, respondeu Tobin.
— Pela forja de Urle, por que ele não aprendeu? – Logo antes que ela pudesse
mergulhar atrás dele, uma mão coberta de manoplas agarrou a lateral do barco,
seguida pelo rosto do príncipe Loltun. Tobin ajudou-o, e Keleios teve que advertir:
— Tenha cuidado ou você vai nos jogar todos na água.
Lothor estava deitado no fundo do barco, ofegando como um peixe
desembarcado.
Keleios começou a remar. Ela fez Tobin pegar o outro par de remos e eles
começaram a se mudar para o mar. A buzina tocou novamente.
Gabel parecia quase chorando.
— Por que eles simplesmente não se teletransportam?
— A mente dos cães não pode dar uma imagem clara o suficiente, e nem mesmo
um demônio pode se teletransportar sem ter uma idéia de onde e o quê.
Keleios sussurrou uma oração baixinho.
— Ellil, deusa do mar eterno, filha das mentiras e da humanidade, você me
conhece. Pesquei, nadei e confiei em meu corpo muitas vezes. Grande Ellil, dê-nos
um vento para navegar em segurança. – Seus ombros e braços esticaram os remos. –
Remem, remem como vocês nunca remaram antes.
Lothor sentou-se com cuidado.
— Eu vou remar.
— Não. – Saiu afiado, e seu rosto ficou nublado de raiva. – Tobin sabe usar
remos; você não. Não há tempo.
Se o vento não ajudou, também não os prejudicou. Ellil era tão capaz de destruir
a vela quanto enchê-la. Ela era o mar e não totalmente confiável.
Eles remaram. Tobin não se virou para olhar para trás; mas Keleios olhou.
Na praia, um grupo de seres podia ser visto, escamas brilhando como jóias à luz
do sol.
Verde, vermelho, azul e branco, os demônios brilhavam à luz. Um deles levou
uma trompa de bronze aos lábios e tocou uma única nota. O som era claro, bonito e 260
amedrontador.
Um vento soprou, cheirando a morte e podridão. A tempestade da peste se
elevou da ilha e começou a rastejar na direção deles. Eles remavam, mas não
conseguiam se distanciar. A espada levantou-se da bainha.
— Mestre, Alharzor pode se teletransportar; ele ainda está fresco.
— Não –, disse Keleios, – estou cansada demais.
— Mas Alharzor não está cansado.
Ela balançou a cabeça.
— Eu posso me teletransportar, Keleios –, disse Eroar.
Ela olhou para o dragão.
— Quantos?
— Também estou cansado. Três, mais eu.
Keleios suspirou:
— Fiz um teletransporte hoje, não posso fazer outro, mas com o poder de
Alharzor posso transportar eu, Poth e o demônio.
Gabel perguntou:
— Mas para onde? O que está ao alcance?
— Cale a boca, Gabel. Deixe-me dar uma imagem a Eroar.
Para se teletransportar sem terminar em parte de uma cadeira recém-movida,
você precisa conhecer suas coordenadas.
Keleios sabia apenas de uma coisa que seria exatamente a mesma. Ela imaginou
peça por peça a gota da cabeça do unicórnio enquanto se inclinava para comer do
sangue de dragão que crescia baixo, o garanhão de pé sobre uma rocha cinza
observando intrusos, um arbusto curto com um coelho escondido embaixo. Ela já
havia usado isso como prática antes. Ela perguntou a Eroar:
— Você tem isso?
— Sim.
Ela deixou o barco à deriva e atraiu magia demoníaca para dentro mais uma vez,
mas estava dolorosamente cansada. 261
Keleios sentiu como se estivesse nadando contra uma corrente forte, mas essa
água era fogo e queimou sua pele. Alharzor estava lá, zangado, poderoso e nem um
pouco cansado.
Eroar saiu com os três homens. Groghe pulou de costas e segurou Poth nos
braços.
A gata cuspiu no diabrete e ele sibilou para ela.
Alharzor lutou contra ela, tentando controlar, para levá-los aonde ele queria ir. A
nuvem da morte se aproximou, o ar cheirando a seu cheiro. Keleios lutou contra o
demônio e respirou pela boca, lutando contra náuseas. Poth deu uma rajada. Keleios
disse:
— Se você continuar lutando comigo, nós dois vamos morrer.
— Eu já estou morto –, Alharzor assobiou. – Você me matou.
Keleios não podia discutir com ele, mas ela teve que detê-lo. Alharzor era um
demônio vermelho; isso significava fogo. Ela pensou em frio - gelo para apagar o
fogo, frio para afastar a raiva dele.
Alharzor recuou diante da onda de magia do inverno, gritando. Ela o manteve
em uma prisão de gelo. O metal da espada congelou em sua mão, mas o núcleo de
fogo que era Alharzor pulsou através dela. Ela o tinha. Keleios estendeu a mão com
seu poder. A nuvem pairava sobre o barco, e Keleios olhou para cima uma vez. A
concentração caiu. Pedaços de algo uma vez vivo flutuavam na nuvem; a nuvem fluiu
sobre o barco.
CAPÍTULO 15: A ILHA DO GUARDIÃO
KELEIOS APARECEU AO LADO dos outros. Ela meio que caiu em uma cama
que foi empurrada muito perto da parede. Uma mão tocou a parede e o rico peso da
tapeçaria do unicórnio. A maior parte da vinda deles havia arrastado a cama torta.
Uma menina pequena estava sentada encolhida na cama, olhando para eles com
grandes olhos verdes. Groghe caiu dos ombros de Keleios e deu um salto mortal pela
criança. A garota soltou um pequeno grito. Poth saltou livre para o tapete trançado 262
que cobria o chão. A ama, Magda, estava defendendo sua carga com uma vassoura. A
mulher havia apoiado os homens em um canto longe da cama.
Lothor chamou Keleios:
— Diga a esta mulher que somos amigos antes que eu desperdice magia nela.
Keleios começou a vomitar, tentando ofegar em ar puro. A fala estava além dela.
Groghe, por mais diabólico que fosse, sabia como atormentar a ama. Ele rastejou
atrás dela e levantou as saias. Ela gritou e deu um tapa nele com a vassoura. Ele era
rápido demais e ela atingiu o ar vazio. O demônio logo a fez girar como um top,
golpeando com a vassoura como se ele fosse um rato verde gigante.
Keleios lutou contra a náusea, respirando o ar limpo e fresco. Ela tirou o capuz,
ainda ofegante. Ela conseguiu sussurrar:
— Magda.
Mas a mulher estava quase histérica pelas travessuras do pequeno demônio.
Keleios chamou bruscamente:
— Groghe, deixe-a.
O diabrete deu um último golpe nas saias cheias e depois se afastou
rapidamente e sentou-se.
Ele sorriu para ela, mostrando dentes compridos e pontudos.
A mulher, ofegante e quase chorando, encarou Keleios.
— Você é real, ou alguma ilusão demoníaca?
— Eu sou real, Magda.
A mulher avançou hesitante. Ela falou com a criança de olhos arregalados.
— Você se lembra da sua tia Keleios, Llewellyn.
A garota olhou para a figura envolta em sangue na frente dela. O rosto branco,
os cabelos castanhos emaranhados e os olhos, os olhos eram assustadores. Mas ela foi
criada adequadamente e conseguiu um fraco:
— Olá, tia Keleios.
— Tia? – Lothor disse do outro lado da sala.
Keleios franziu o cenho para ele.
— Saudações, sobrinha Llewellyn. – E conhecendo algo de crianças, Keleios
acrescentou: – Fui eu quem trouxe a parte superior de metal que gira e canta.
O rosto da criança se iluminou. 263
incomodou.
Ele disse:
— E sempre me incomodou que eu não tivesse o prazer de matá-la, mestiça.
Methia fez sinal aos guardas para a frente. Eles ficaram ao lado de Gabel.
Ele sorriu torto.
— Fui julgado e sentenciado. Você não pode fazer isso uma segunda vez; essa é
a lei.
Methia disse:
— Eu sou a lei aqui.
Ele não vacilou.
— Mas você também segue a Cia. Você não vai me matar a sangue frio. Fui
punido e não cabe a você me prejudicar ainda mais.
Methia não disse nada. Ela se virou para os guardas.
— Leve-o embora e guarde-o. Não quero que ele seja deixado sozinho a
qualquer momento.
Os guardas se curvaram e o levaram para fora. Gabel havia aprendido algo de
diplomacia, pois não protestou. Ele parou perto da porta.
— Espero vê-la mais tarde, Keleios.
— Tenho certeza de que algo pode ser arranjado.
Methia disse:
— Não, absolutamente nenhum duelo na minha ilha. Eu o proíbo, Keleios.
Keleios deu de ombros.
— Você é a guardiã.
Gabel disse:
— Outra hora, talvez.
Keleios assentiu.
Os guardas levaram Gabel embora.
Methia assentiu para Eroar.
— Não há necessidade de apresentações entre nós, Eroar.
— Não, Methia, sem apresentações. – Apertaram as mãos e Methia foi até Poth.
A gata bocejou, mostrando as presas, depois se esticou sob as mãos experientes da
mulher. – E Gilstorpoth, vejo que você sobreviveu. 268
Ela saiu pela porta, deixando Poth dormir e Groghe para brincar com uma das
bonecas de Llewellyn. Seu rosto estava amassado, franzindo a testa, concentrado,
enquanto tentava desfazer os minúsculos botões.
As piscinas corriam em linhas precisas de mármore. Era uma extravagância
mágica mantê-las mornas e puras, mas o encantamento havia se estabelecido quando
o castelo foi formado. Não mostrou sinais de ceder. Tobin já estava molhado, os
cabelos escorrendo em linhas quase vermelhas sobre os ombros. Duas garotas
ajudavam-no, e havia muita risada das três.
Lothor estava sentado no banho mais quente, o vapor subindo ao seu redor. Seu
cabelo estava penteado e completamente desgrenhado. Ele varreu uma cortina branca
por mais tempo que a de Tobin, como se fosse a de uma mulher. As pontas dele
flutuavam na água. Ele fez uma careta para ela e disse:
— Eu pensei que este fosse o banheiro masculino.
Keleios respondeu:
— Nós mantemos os costumes astrantianos aqui, assim como Meltaan. As casas
de banho atendem a ambos, e não há espaço ou mágica para separá-los.
Ele se curvou na água, afastando-se das duas servas. Ele tentou se esconder com
uma toalha. Ela teve que rir do desconforto dele. Duas outras servas vieram ajudá-la
com sua armadura.
— Além disso, Lothor, as criadas são mulheres; eles vêem você.
— Mas elas são servas.
Keleios entendeu o que os servos significavam para a realeza. Eles ficavam
invisíveis até que fizessem algo errado:
— Se você ficar mais confortável, irei para mais longe.
Ele não disse nada, mas olhou para ela com um olho prateado perdido em uma
névoa de cabelo platinado. As criadas a seguiram, e ela deslizou na água um pouco
mais fria do que queria. Keleios não queria antagonizá-lo ainda mais. Se quisessem se
juntar, pelo menos precisariam de alguma aparência de amizade.
O calor da água infiltrou-se em seu corpo cansado, embebendo contusões e
pequenos cortes pequenos demais para a cura. Uma criada loira começou a pentear os
emaranhados dos cabelos compridos de Keleios.
Keleios virou a cabeça para olhar para Tobin. Ele estava ocupado tentando 271
— Saia.
Ele se levantou e os joelhos cinza-azulados estavam úmidos de tanto se ajoelhar.
Ele começou a desenrolar as mangas e olhou para ela, completamente vestido e de pé
enquanto ela se sentava nua na água.
— Há algo que devemos discutir.
— O que?
— Gostaria de pedir que marcássemos uma data para nossa união.
— Então pergunte.
Ele franziu a testa para ela, confuso, e disse:
— Muito bem, peço que marquemos uma data para nossa união.
Keleios suspirou e olhou para a água.
— Você sempre tem que me fazer perguntas quando estou em desvantagem?
Ele sorriu.
— Mas minha adorável princesa, eu gosto muito disso.
Ela olhou para ele. Se os desejos pudessem se tornar realidade simplesmente
por pensar neles, ele teria evaporado na hora.
— Você tem o direito de perguntar. Vou falar com Methia e ver quando os
preparativos para o banquete podem ser feitos. Agora, afaste-se de mim.
Ele fechou as mangas e disse:
— Não quero apressar você.
— Sim, você quer, mas eu fiz um juramento e vou mantê-lo. Eu tenho pouca
escolha.
Ele hesitou por um momento, então disse suavemente:
— Você é muito bonita. – Ela procurou por aquele sorriso zombeteiro, mas não
o viu. Havia uma melancolia em seu rosto. Ele se virou e foi embora sem esperar pela
reação dela.
O banho estava estragado. Ela enxotou as servas de volta e terminou
rapidamente. Enquanto ela se secava, uma serva ergueu um vestido para ela colocar.
Keleios teve que sorrir. Sua irmã ainda não tinha desistido de ser uma senhora
adequada. Magda teria tentado conseguir as roupas de seu filho, mas Methia era a
Guardiã. Quando o governante da terra sugeria algo, naturalmente se pensava que era
uma boa ideia. 273
nem se ele pudesse me tirar dos sete infernos”. Você tinha certeza.
Keleios suspirou e contou a Methia sobre a queda da fortaleza, um corredor
ameaçado de incêndio e um caminho percorrido.
— Um juramento feito sob coação não é válido.
Keleios bebeu vinho e provou a carne. Era boa; a comida sempre era boa aqui.
— Foi feito e é válido.
Os olhos verdes brilharam, tornando-se verdes mais escuros, como boas
esmeraldas.
— Como você pode honrar um juramento forçado a você?
— Por causa da natureza do juramento.
— Eu não vejo...
Keleios estendeu a mão direita, expondo a nova cicatriz da palma.
— Um juramento de sangue, mas mesmo eles podem ser quebrados com
segurança.
— Esse não.
— Mas...
— Deixe-me terminar, Methia. Juramos pelos cães de caça de Verm e pelos
pássaros de Loth.
Seu rosto empalideceu, seus olhos brilharam perigosamente.
— Isso é quase inquebrável.
— É inquebrável, exceto com a morte de um dos jurados. – Ela conhecia sua irmã
e avisou: – Eu não quero que nada aconteça a Lothor enquanto ele estiver aqui, irmã.
— Eu nunca faria uma coisa dessas.
— Não, mas essas pessoas são leais a você, e se por acaso mencionasse sua
antipatia, alguém poderia tentar matar.
— Ele é tão difícil de matar?
— Talvez, mas ele será meu consorte, não eu dele. Nunca precisamos cruzar a
fronteira de Loltun. E eu crio qualquer criança, homem ou mulher, como achar
melhor.
— Como você conseguiu que ele concordasse com isso?
— Eu não juraria o contrário, pela vida de Tobin ou qualquer outra coisa.
— Tem que haver uma maneira de quebrá-lo. 277
— Não há. Methia, eu conheço as realidades desse juramento tão bem quanto ele.
Eu não fui às cegas.
Methia se levantou e foi até as janelas.
— E suponho que seu conhecimento do demonlore seja minha culpa.
— Eu nunca culpei você por não ir atrás de Harque. Tínhamos dezessete anos;
nenhuma de nós deveria ter feito isso. Você mostrou bom senso. Quase custou a vida
de Belor porque ele era leal e foi comigo. Sua presença não teria nos salvado.
Sem se virar, Methia disse:
— Lamento não ter ido. Eu não acho que poderia ir, mesmo agora, mas sinto muito.
— Não há nada para se desculpar. Todos nós temos nossos medos, mas se você
precisa de perdão, perdoe a si mesma. Eu te perdoei há muito tempo. Venha sentar-se
e não tome pequenas referências ao coração.
Methia se sentou com um alisamento nervoso de pano, suas mãos correndo ao
longo do rico brocado e tocando os alfinetes de ouro, tanto quanto Keleios tocava
suas armas para se tranquilizar.
— Do que você está sorrindo?
— Oh, diferenças e semelhanças.
— Você não pode se juntar a ele; ele é um curandeiro das trevas.
— Você se juntou ao vereador Nesbit. Ele segue os mesmos deuses que um
curandeiro das trevas adora. E ele me deixou acorrentada com runas de ligação na
Ilha Gray, carne para qualquer coisa que aparecesse.
— Não, ele não faria isso.
— Ele fez isso. Há quanto tempo ele não vê Llewellyn, sua própria filha?
Methia se virou.
— Já se passaram mais de dois anos, Methia. Ele não vai voltar, tudo por causa dos
olhos dela mudando de azul para verde-elfo, porque ele acha que ela parece uma
mestiça e nenhuma filha dele poderia ser isso.
— Mas ele não é um curandeiro das trevas. Ele não pode trazer dor e morte com
seu toque. Lembro que foi a cura negra que matou nossa mãe, a cura negra que a
apodreceu diante de nossos olhos. O que mamãe diria sobre sua união?
— Mamãe já morreu há muito tempo. Duvido que ela diga alguma coisa.
— Isso foi cruel. 278
— Assim como manter sua memória nova em seu coração. Você já ficou de luto
por tempo suficiente. Deixe ir.
— Quem é você para me dizer por quanto tempo lamentar? Eu me lembro de tudo.
Não sou profeta, mas continua como um sonho profético, vívido e horrível.
Keleios se afastou da irmã, sentindo-se cansada e com raiva
— Eu me lembro, Methia, mas não me atormento. Você acha que eu profano a
memória dela ao me juntar a um curandeiro das trevas?
— Sim, não é?
— Tudo bem, Methia, você quer brigar. Vamos brigar. Você não acha que eu
lamentei por ela por tempo suficiente, que minha tristeza de alguma forma não é tão
grande quanto a sua, porque eu não lamento ainda por isso.
— Sim, que a Cia me perdoe, sim.
— Meu luto foi a vingança. Eu busquei isso e fracassei quando tinha dezessete
anos. Pedi que viesse comigo, mas você recusou. Você disse que matar Harque não
traria mamãe de volta.
— Bem, nem o luto dura para sempre.
— Devo desistir da minha tristeza porque é inútil?
— Não. Deveria desistir porque é um desperdício de energia e força.
Methia se levantou.
— Vejo que não conseguiremos nada aqui hoje. – Ela se virou para a porta, mas
Keleios a deteve. Methia ficou tremendo, mas não tentou se livrar das mãos
restritivas.
— Eu vi a luz morrer nos olhos de Harque. Eu assisti a vida fluir dela em um
riacho carmesim. Ela morreu pelas minhas mãos e isso me satisfez. Não vai desfazer
o que aconteceu, mas foi o suficiente. Ponha para descansar, Methia. Harque pagou
com a vida, com a alma. Deixe ir.
Sua voz, quando veio, era tensa e formal.
— Você vai se unir a ele de qualquer maneira.
— Sim.
— Quando?
— Assim que os preparativos para o banquete puderem ser feitos. 279
mancha o sangue.
A espada subiu mais até que Keleios segurou seu punho para impedi-la de cair.
Ela pulsou e bateu em seu braço, cantando uma canção de tristeza e eras passadas.
– Você é um meio elfo que passou pelo fosso e sobreviveu. Você sabe como isso
é raro? Eu não vou desistir de você.
Keleios embainhou a espada novamente e prendeu as travas no lugar.
Barrock disse:
– Minha senhora, o que você fará?
– Vou encontrar outra maneira.
À tarde, Keleios cavalgou em direção ao mar. A égua branca correu rápida e
segura ao longo da estrada do penhasco. Alguém, provavelmente Methia, havia lhe
dado o nome de Bola de Neve. Keleios escolheu chamá-la de Viajante das Nuvens.
Keleios saiu da estrada quando estava perto de Gull Cove.
Era o melhor lugar para encontrar conchas, pequenas, mas boas. Ela encontrou o
caminho íngreme e estreito que descia e instou o cavalo a segui-lo. As roupas de
montaria não eram exatamente o que Keleios queria. Toda a roupa era de veludo azul,
muito grande e desesperadamente elaborada, mas se alguém não se importasse que
uma boa roupa fosse arruinada, ela a usaria. Suas próprias botas, agora limpas,
tinham sido mantidas.
A areia que se estendia diante dela era branca e refletia a luz em milhares de
cristais estrelados. A Mirlite pulverizada fora usada para fazer a maior parte da areia,
e cada grão era um prisma minúsculo. Ela deixou o cavalo caminhar ao longo da
praia como bem entendia, as rédeas balançando na areia.
Ela sentiu o chamado desde que começou a tentar pensar em um presente de
união para Lothor. Era um costume dar algo de si mesmo, de sua própria magia.
Sendo uma feiticeira, não havia tempo suficiente, mas sendo uma feiticeira élfica,
poderia haver.
Keleios caminhava logo acima da linha d'água. As ondas vinham em um verde-
esmeralda escuro, coroadas com espuma branca. As algas marinhas cavalgavam as
ondas em fios marrons. As ondas batiam na areia e a maré subia pelo chão e recuava
como se fosse puxada para trás. Uma moita de algas marinhas do tamanho de um
homem grande tinha sido empurrada para a costa. Keleios caminhou pela areia 282
molhada e se ajoelhou ao lado das algas. As ervas eram marrons e pesadas. Ali,
aninhada em suas gavinhas molhadas, estava a concha. Era pequena, não maior que a
ponta de seu dedo médio. Ela se enrolava em uma espiral perfeita e era branco-
marfim com tons de ouro delineados por todo seu comprimento rodopiante. A ponta
que conduzia para dentro de suas profundezas sussurrantes era de um rosa pálido,
ruborizado e lindo. A concha se comunicava com ela como metal bruto. Dizia que
aqui estava algo do poder do mar. Aqui estava um pedaço de magia dado, não feito.
Com um pouquinho de poder, seria o que ela quisesse.
A água girou sobre suas botas e molhou a parte inferior de suas calças. Ela se
levantou e cuidadosamente colocou a concha em uma pequena bolsa que trouxera
para a ocasião. Viajante das Nuvens veio quando ela chamou, bufando e mordiscando
o gosto salgado de suas mãos. Ela conduziu-a de volta ao topo do penhasco,
pensando enquanto caminhava. A concha seria um encanto para permitir que Lothor
respirasse debaixo d'água, por um tempo. O encantamento instantâneo não era fácil
nem para um meio-elfo e, com tão pouco tempo, não seria permanente. Ela sorriu ao
pensar no curandeiro das trevas ofegando no fundo de um barco. Um adulto que não
sabia nadar – era impensável. O sorriso desapareceu. Este era um presente de união, e
esta noite eles iriam para a cama juntos. Ela estremeceu, meio de medo e meio por
algo que ela não conseguia identificar.
De repente, o vento ficou frio no topo do penhasco.
Ela largou as rédeas e deixou a égua pastar. Keleios caminhou até a beira do
penhasco. Ela desafivelou o cinto da espada, desenrolou o cinto da bainha e segurou-
o por um momento, ouvindo os murmúrios distantes da espada. Ela pulsava e
prometia poder e sucesso na batalha e na magia. Keleios a ignorou. Ela invocou sua
feitiçaria e começou a construi-la em sua mente. Ela colocaria um escudo entre a
espada e ela mesma. Um escudo para cercá-la, uma prisão para mantê-la longe dela.
– Eu a expulso; eu a abandono. Deixe as ondas levarem-na. Deixe que elas
aprisionem você bem longe de mim. – ela reuniu todas as suas forças e jogou a
espada embainhada sobre a água. Um leve gemido soou em sua cabeça. Ela girou de
ponta a ponta, brilhando ao sol, e desapareceu sob as ondas.
Quando ela voltou, finalmente foi autorizada a entrar no quarto que Methia
preparara para ela. A cama estava coberta e coberta com véus e seda. As penas de 283
ganso eram tão macias que engolfavam e seguravam seu corpo quando ela se deitava
sobre elas. As cobertas foram feitas em tecido dourado e preto mais pesado. Era a cor
do luto.
Por que Methia sempre conseguia irritá-la, sempre? Então Keleios encolheu os
ombros e riu. Talvez o preto fizesse Lothor se sentir mais em casa.
Tapeçarias e cortinas caras cobriam as paredes. As cenas eram todas de batalha,
morte, amor fracassado: o amor fracassado de Gynndon e Pestral, seus horríveis
suicídios ilustrados em cores lívidas; a batalha da colina Ty-gor com seus montes de
mortos e moribundos. Um homem em particular parecia sair de cena, implorando por
ajuda, uma mão estendida para fora, implorando, os olhos cheios de horror e a
escuridão que se aproximava. A parede oposta estava pendurada com uma cena de
caça. O grande veado caía de joelhos, o sangue espumando em seus lábios. Os cães
rugiam para rasgá-lo.
Methia tinha a astúcia da corte. Ela tinha feito tudo corretamente, mas de uma
forma indireta.
Ao cair da noite, Keleios ficou olhando pelas muitas janelas estreitas. O vestido
creme estava de volta, e ela até consentiu na maioria das roupas íntimas, exceto o
espartilho. Estava tão apertado que ela poderia ter desmaiado durante a cerimônia.
Ela havia deixado o vestido simples, sem a meia capa. Um véu de renda dourada
estava sobre a cama. Seu cabelo tinha sido escovado até brilhar, ondulado e espesso,
a luz da vela pegando notas de ouro escuro nele. Duas tranças finas, uma de cada lado
do rosto, estavam entrelaçadas com fios de ouro. Era a maneira que uma elfa
wrythiana usaria seu cabelo para um casamento. Ninguém além dela saberia, mas era
ela quem estava se casando. Todo conforto era necessário.
Ela se afastou das janelas com um farfalhar de saias de seda. Poth assobiou e
atacou as saias. Keleios se abaixou, quase derrubando uma mesinha com o vestido
cheio. O gato assobiou e recuou, o pelo arrepiado.
– Poth, está tudo bem; ainda sou eu. – Ela se sentou desajeitadamente no chão e
persuadiu o gato para que viesse até ela. Poth veio, cheirando a mão dela antes de se
permitir ser acariciada.
Ela tentou se convencer a aceitar. Ele era jovem, bonito, meio-elfo. Ela poderia 284
ter procurado mais longe e encontrado coisas piores, mas ele era mau. Keleios estava
começando a perceber que ela mesma não era totalmente boa. A espada Ache silvestri
era má e preferia a ela que a Lothor. Ou talvez a espada não quisesse enfrentar o
machado de Lothor. No entanto, Lothor a prendera nessa união. Ele a capturara como
um animal. Bem, restava mais uma mordida para este animal capturado.
Ela aninhou Poth no rosto.
– Não, eu não posso lutar contra ele. Eu quebro o juramento se lutar. Mas eu não
posso simplesmente deixar que ele me leve – O gato ronronou suavemente, tentando
confortar, mas havia pouco conforto para ser obtido.
Ela tentou se levantar, se enroscou no vestido e foi forçada a colocar o gato no
chão ao tentar se erguer usando a cama. Lá na cama estava a espada, a própria morte
dolorosa. Estava em cima da cama bem arumada; nenhuma perturbação, mas a
espada estava lá.
Houve uma lufada e crepitação de chamas do lado de fora. Postes de tochas
foram colocados ao longo da estrada para iluminar a procissão. Eles ardiam agora,
lançando sombras vermelho-douradas na noite.
A espada estava fria ao toque. Ela desabotoou as fechaduras lentamente e
desembainhou a espada. Ela brilhou e se tornou cor de ouro pálido na rica luz das
velas. Ela pulsou suavemente e falou.
– Eu sou sua para sempre.
– Você está amaldiçoada, uma espada amaldiçoada.
A coisa riu, um som estranho, sem pulmões para segurá-la. Se é que era possível,
a risada reverberava em torno do metal, dando-lhe um som oco.
– Amaldiçoada, bem, depende de como você vê. – e deu outra gargalhada.
Ela enfiou a lâmina na bainha e a trancou, seu riso ainda vindo abafado e
metálico. Ela jogou a bainha de volta na cama.
Groghe apareceu com uma flor que desabrocha à noite em sua garra. A coisa era
branca e tão grande quanto a mão estendida de Keleios. O cheiro era inebriante e
exótico. Methia estava usando magia da terra para fazer flores tropicais crescerem no
clima arruinado pelo inverno. Era algo que sua mãe nunca faria, dizendo que as
plantas não ficariam tão felizes.
– Um presente para você, Mestra, um presente. 285
antes.
– Está na hora.
– Groghe, você fica no quarto enquanto eu estou fora.
Ele acenou com a cabeça e saltou sobre o cavalo de balanço.
– Eu farei o que você diz, Mestre.
Keleios seguiu Methia com as garotas servindo atrás, não querendo ficar sozinha
com o demônio.
Keleios disse:
– Foi muito generoso da sua parte colocar o cavalo de balanço no meu quarto.
Groghe está muito feliz com isso.
Methia fungou.
– O duende não o deixava em paz. Encontrei Llewellyn e aquela coisa brincando
juntos. Pode ficar com o cavalo de balanço, desde que fique longe da minha filha.
Keleios sorriu por trás do véu dourado.
Em frente ao castelo havia quatro cavalos. Dois eram totalmente brancos. Um
era preto com uma mancha branca no rosto e uma pata branca. O último cavalo era
cor de creme dourado claro com a mesma mancha branca no rosto e uma pata branca,
também. O garanhão creme tinha uma sela lateral, assim como um dos cavalos
brancos.
Tobin desceu. Sua túnica era de tecido dourado e refletia a primeira luz das
tochas em reflexos acobreados. Seu cabelo castanho parecia vermelho-dourado esta
noite. Atrás estava o curandeiro das trevas. Os fios de prata em sua túnica refletiam a
luz. Seu cabelo caía longo e livre sobre os ombros, e brilhava com uma luz própria.
Um diadema de prata simples como a coroa de um príncipe adornava sua cabeça.
Tobin e Methia ficaram de lado, e Lothor pegou a mão de Keleios. Uma grande
alegria emanava das pessoas alinhadas ao lado da tocha. Ele a ajudou a montar o
garanhão creme, então montou em seu próprio cavalo preto. Tobin e Methia
montaram nos cavalos brancos e a procissão começou. O povo gritava e exclamava
sobre a beleza das princesas e do exótico, mas bonito, futuro consorte.
O templo de Urle ficava a leste da aldeia. O cortejo parou e desmontou de seus
cavalos. Lothor ajudou Keleios a descer. Se ele sentiu sua relutância, não disse nada. 287
Eles caminharam com a mão esquerda dela colocada levemente sobre sua direita e
entraram pela porta do templo. A única luz era uma fogueira na extremidade oposta
da sala central escura.
O farfalhar da seda e o ruído das botas ficaram altos quando eles se
aproximaram do sacerdote. Ele era alto, tinha ombros largos e uma barba castanha
cheia com mechas grisalhas. Seus olhos eram azuis, mas ele não era natural da ilha.
Ele usava uma vestimenta de sacerdote que caía sobre seus pés. Era laranja com
enfeites marrons, as cores de Urle. Na frente havia uma chama bordada e um martelo
sobre ela.
– Quem os trouxe a esta união?
Methia e Tobin responderam em uníssono:
– Nós.
– Cumpriram seu dever, podem ir.
Lothor e Keleios se levantaram, sem se tocar na frente do padre, e ele sorriu para
eles.
– É esta é uma união desejada?
– Não.
– Sim.
Eles se encararam. O padre disse:
– Vocês desejam se unir?
Ambos responderam que sim. Ele desceu e ficou de lado, expondo o poço de
chamas que rugia.
– Como o fogo é fortalecido por cada chama, deixem-se fortalecer um pelo outro.
Como duas peças de metal são forjadas em uma e tornam-se mais fortes, que assim
seja com vocês dois. Como o martelo martela sua mensagem para o aprendiz sem
necessidade de palavras, deixe que vocês dois ouçam o que o outro realmente quer
dizer. É hora de dar seus presentes.
Keleios desenrolou a corrente de ouro de seu pulso direito e a estendeu para o
sacerdote, a concha pequena e adorável pendurada nele. Lothor estendeu um anel de
algum tipo. O sacerdote pegou os dois e orou:
– Que esses presentes sejam uma alegria. Abençoe-os unindo estes dois, Urle, 288
nosso deus, como dois de seus seguidores se unem. Que esses presentes sejam um
símbolo de seus votos um para o outro. – Ele estendeu a corrente para Keleios e ela a
pegou. Lothor teve que abaixar-se para ela deslizar sobre sua cabeça.
– Isso permitirá que você respire embaixo d'água por um tempo. Ele agradeceu e
pegou seu próprio presente do padre. O anel era tecido com seu cabelo platinado;
como joia, havia um ponto vermelho claro de seu sangue. Ela engasgou quando ele
deslizou por seu dedo e olhou para ele. Ele colocou sua vida nas mãos dela. Com
esses totens, uma bruxa das ervas poderia roubar a vida de um homem.
– Meus cabelos e meu sangue para provar que eu nunca vou machucá-la
voluntariamente.
– Deem as mãos. – Eles o fizeram, e ele os fez se ajoelhar. Então ele amarrou
suas mãos com uma tira de couro. Se fosse um casamento, teria sido uma corrente. –
Levantem-se; estão unidos.
Ele desamarrou suas mãos. Eles saíram ainda de mãos dadas, pois a multidão
esperava por isso. A multidão deu um grito poderoso, e eles foram separados pelo
aglomerado de pessoas. Duas poltronas vieram de algum lugar e foram carregadas
nas costas da multidão em direção à festa. Os camponeses sempre tiveram mais
liberdade ali na ilha. Havia pessoas na multidão que conheciam Keleios desde bebê.
Eles se lembraram de quando ela e Belor saíram por aí emboscando os valentões da
ilha pelo que eles fizeram ao ilusionista iniciante em um outono. Eles gritavam piadas
obscenas e sugestões para a noite que viria. Keleios teve um vislumbre do rosto
indignado de Lothor sobre a multidão. Pelo menos ele segurou a língua e não os
insultou por sua imprudência.
As mesas foram dispostas na grama fora do castelo, e toda a vila veio para
festejar e dançar. A multidão os carregou para a área de dança. Estava amarrado com
fita brilhante e marcado por postes pintados de branco. O solo estava bem pisoteado e
quase sem grama. Durante todo o dia, enquanto Keleios e seus companheiros
dormiam e se lavavam, tinha havido festa.
A multidão estava meio bêbada e já bem alimentada. Havia tido muito para
comprar e ver hoje. Houve sacrifícios dos melhores frutos do campo, a melhor
colheita do dia. Agora, a multidão gargalhante colocava o casal recém-formado no
campo de dança e gritou por música. Quando veio, era uma melodia assustadora, uma 289
– Não.
– Toda a conversa sobre você ser selvagem quando jovem, mas eu sabia que
diziam isso por inveja, inveja do seu poder, da sua posição e da sua beleza.
Ela sussurrou:
– Magda, o que devo fazer?
– Você vai fazer o que as mulheres tem feito através dos tempos. Você vai
seguir em frente.
– Mas como? Estou tão irritada. Ele me prendeu e não consigo me livrar dessa
vez. Nenhuma espada ou feitiço vai me ajudar agora.
– Pobre Keleios, você nunca teve que aprender a arte feminina da paciência.
– Eu aprendi a ter um pouco de paciência.
– Mas você é como um homem acostumado a agir e controlar seu próprio
destino. Juntar-se a qualquer homem teria sido difícil, mas agora...Você deve fazer o
seu melhor.
– Mas qual é o meu melhor?
A mulher passou o braço pelos ombros dela.
– Vou lhe dar alguns conselhos, minha querida, conselhos de uma mulher que
teve cinco filhos e criou mais alguns.
Keleios sorriu para ela. Elas caminharam pelos corredores com a voz baixa de
Magda sussurrando contra as paredes de pedra.
Magda foi e levou os criados com ela. Keleios esperava sozinha no quarto. O
duende se foi como ela ordenou que fosse. Ela esperava que ele realmente ficasse
fora de problemas esta noite. Um roupão branco se arrastava pelo chão enquanto ela
caminhava. Deixava seus braços nus, mas escondia todo o resto. Keleios decidira
levar a sério o costume calthuiano. Fora o conselho de Magda, pois ela era calthuiana.
Seria uma busca pelo corpo sob o tecido voluptuoso. Ela não precisava ficar nua
diante dele, a menos que desejasse.
Keleios se sentia tensa. Seu nervosismo e raiva se traduziram em feitiçaria.
Coisas pequenas levitavam perto dela. Ela era como uma aprendiz novamente,
tentando controlar poder e emoções fortes como aquela.
Lothor entrou com uma leve batida na porta. Ele parou logo na entrada. O ar
estava carregado, uma espera no ar como uma tempestade que se aproxima. 292
fogo consumiu a parede atrás dela. O feitiço estava arruinado por enquanto, mas sua
visão estava de volta, um pouco turva, mas boa o suficiente. Raios de energia
dispararam do outro lado da sala.
A súcuba gritou quando alguns acertaram em cheio, mas uma coluna da cama
desabou com um golpe de sua espada. Lothor caiu perto da porta. Uma onda de
chamas subiu antes que ele pudesse alcançá-la.
Keleios rastejou para longe da tapeçaria em chamas. O fogo, sendo mágico,
consumiu a tapeçaria, mas não se espalhou. Ele estalou e morreu quando seu alvo foi
consumido. Keleios ajoelhou-se e tentou algo mais simples, mas mais perigoso. Ela
invocou a magia com as mãos sem antes formá-la em seus pensamentos. Foi mais
rápido, mas muito mais perigoso. Ela bateu às cegas com força, sem ter certeza do
que faria. Um raio irregular de luz atingiu o lado do demônio e o jogou para trás.
Keleios seguiu com outro, deixando o raio derramar-se de sua mão como água. Isso
deu a Lothor tempo suficiente para alcançar seu machado. Um encantamento ligado à
alma nunca poderia ser realmente separado de seu criador. Ela precisou apenas de um
momento para invocá-lo. O fogo subia pelo teto avidamente. Um raio branco e
irregular explodiu da ponta de seu machado e fez o demônio cair de joelhos. Ela
gritou e se enfureceu com ele. Uma mão em forma de garra o atingiu. Pequenos raios
verdes doentios dançaram ao longo do corpo de Lothor, e ele gritou.
Keleios havia desenhado seu feitiço completo na mente, controlado e completo.
Tendo internalizado a natureza da súcubo, ela entendia agora. Ela sentia frio, não dos
ventos de inverno, mas do homem. A frieza de uma cama vazia, um quarto solitário.
O vendaval de inverno uivando lá fora e a solidão de dentro. Sem braços para lhe
abraçar, ninguém para cobiçá-la, sozinha. Sem seguidores para adorar você. Quando
ela lançou o feitiço, não havia nenhum raio de gelo, apenas um brilho fraco ao redor
do demônio.
Elvinna gritou. Ela jogou a cabeça para trás e uivou. Ela se esqueceu de atacar o
homem. Ela esqueceu tudo menos a solidão. Seus gritos ecoaram enquanto ela
desaparecia. Com ela saindo, as chamas mágicas começaram a morrer, deixando
ruínas carbonizadas para trás.
Lothor ficou de joelhos, balançando a cabeça, seu machado ainda frouxamente
agarrado à sua mão. 295
Methia gritou:
– Cubra-se!
Lothor disse:
– Não há razão para gritar. – Keleios entregou a Lothor sua camisola, os olhos
brilhando com o riso reprimido. Ele começou a explicar, e Methia, a gritar. Keleios
puxou um pedaço da coluna carbonizada de dentro do vestido, e a risada borbulhou
até a garganta. Lothor e Methia se viraram quase ao mesmo tempo.
Methia gritou:
– Do que você está rindo?
Lothor piscou para Keleios, atrás dela. Keleios caiu de costas no chão cheia de
cicatrizes e riu até chorar.
FIM