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ALESSANDRA YULI TERAZAKI

UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CANOAS, 2007
1

ALESSANDRA YULI TERAZAKI

UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Trabalho de conclusão apresentado à banca


examinadora do curso de Relações Internacionais do
UNILASALLE - Centro Universitário La Salle, como
exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Relações Internacionais, sob orientação da Prof.
Dra. Ana Maria Colling.

CANOAS, 2007
2

TERMO DE APROVAÇÃO

ALESSANDRA YULI TERAZAKI

UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, pela seguinte
banca examinadora:

_________________________________________________________
Prof. Dr.Alfa Oumar Diallo
UNILASALLE

_________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Colling
UNILASALLE

_________________________________________________________
Prof. Maria Cristina Caminha de Castilhos França
UNILASALLE

Canoas, __ de Novembro de 2007.


3

DEDICATÓRIA

A todas as mulheres que conseguiram libertar-se e para as que estão por conseguir.
4

AGRADECIMENTO

A todas as mulheres que viveram por nós. Aquelas que romperam o silêncio e
tornaram-se protagonistas de suas próprias vidas e histórias. Que não tiveram medo de amar.
Aos meus pais por tudo que sou e pelo amor incondicional que me faz superar a
saudade.
5

“Há quem observa a realidade assim como é, e se pergunta por que; e há quem imagina a
realidade como nunca foi, e se pergunta por que não.”

George Bernard Shaw


6

RESUMO

A violência contra a mulher está fundamentada na desigualdade de poder entre os sexos, cuja
causa está vinculada às estruturas políticas, econômicas, culturais, educacionais, religiosas.
Afeta a vida de milhões de mulheres em todo o mundo, em todos os aspectos físicos e
psicológicos. Ultrapassa todas as barreiras culturais e religiosas, impedindo o direito das
mulheres à participação plena na sociedade. Ela engloba uma vasta gama de violações dos
direitos humanos e deve ser encarada como uma questão de grave preocupação para a
sociedade internacional.
Palavras-chaves: gênero, violência, mulheres, relações internacionais.

ABSTRACT

Violence against women is based on the inequality of power between sexes, which cause is
bond to political, economic, cultural, educational and religious structure. It affects the lives of
millions of women around the world, in all physical and psychological aspects. It exceeds all
cultural and religious barriers, impeding the right of women to participate fully in society. It
encompasses a wide range of human rights violations and should be taken as a matter of
serious concern to the international society.
Keys words: gender, violence, women, international relations.

RESUMEN

La violencia contra la mujer esta fundada en la desigualdad de poder entre los sexos, cuya
causa esta vinculada en las estructuras políticas, económicas, educacionales, religiosas.
Afecta la vida de millones de mujeres en todo el mundo, en todos los aspectos físicos y
psicológicos. Pasando todas las barreras culturales y religiosas, impidiendo el derecho de las
mujeres a participar plenamente en la sociedad. Esto engloba una vasta gama de violaciones a
los derechos humanos y debe ser encarada como una cuestión de grave preocupación por la
sociedad internacional.
Palabras claves: género, violencia, mujeres, relaciones internacionales.
7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................09
2 RELAÇÕES DE GÊNERO ................................................................................................12
2.1 Gênero ...............................................................................................................................13
2.2 Sistema de pares binários – dualismo sexual .................................................................15
2.3 A dominação masculina ...................................................................................................18
2.4 Sistema patriarcal ............................................................................................................20
2.5 Feminismo .........................................................................................................................21
3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO ...............................................................................................26
3.1 Causas da violência ..........................................................................................................29
3.2 Tipos de violência .............................................................................................................32
3.2.1 Violência doméstica ........................................................................................................33
3.2.2 Práticas tradicionais ........................................................................................................34
3.2.2.1 Mutilação genital feminina ..........................................................................................35
3.2.2.2 Preferência por filhos homens ......................................................................................35
3.2.2.3 Crimes relacionados ao dote e os casamentos precoces ..............................................36
3.2.3. Estupro ...........................................................................................................................37
3.2.4 Assédio sexual .................................................................................................................38
3.2.5 Prostituição e tráfico .......................................................................................................38
3.2.6 Violência contra a mulher migrante ................................................................................40
3.2.7 Pornografia ......................................................................................................................41
3.2.8 Violência contra a mulher sob custódia ..........................................................................41
3.2.9 Violência contra a mulher em situações de conflitos armados .......................................42
3.2.10 Violência contra a mulher refugiada ou deslocada .......................................................43
3.3 Conseqüências da violência .............................................................................................44
4 VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO PROBLEMÁTICA INTERNACIONAL ...........47
4.1 As Organizações das Nações Unidas e as iniciativas para combater a violência de
gênero ......................................................................................................................................49
4.2 Normas jurídicas internacionais .....................................................................................54
4.3 Responsabilidade do Estado ............................................................................................57
8

5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................60
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................62
ANEXOS..................................................................................................................................65
9

1 INTRODUÇÃO

Utiliza-se o termo gênero para designar as relações entre homens e mulheres, pois
gênero é a construção cultural e social da diferença entre os sexos. Gênero não significa o
mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa,
gênero é um elemento das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos
e é uma forma primária de dar significado às relações de poder.
As relações de poder, dominação e exploração instituídas ao logo dos tempos estão
sob a forma de princípios de divisão que classificam todas as coisas e práticas do mundo
segundo oposições. A questão dos pares binários como entre masculino e feminino, público e
privado, noite e dia, etc. é a hierarquização dos pares, onde sempre um é qualificado
automaticamente desqualificando o outro. Nesta lógica a mulher tem sido colocada no lado
inferior, negativo e dominado nesse sistema de dualismos.
Através das práticas rituais praticadas ao longo do tempo, a dominação masculina
incorporou-se ao coletivo, tornando-se uma construção social naturalizada, excluindo assim
todo questionamento quanto à legitimidade e continuação desta dominação em todas as
culturas.
Esta subordinação internalizada tem-se perpetuado ao longo dos séculos, sendo a
mulher sempre submetida a uma estrutura que coíbe seus desejos e direitos e a delimita ao
que foi considerado como sua natureza feminina: sua função de fêmea, mãe, esposa, dona de
casa, objeto, etc. Em sua vida restrita ao privado a violência é uma constante, pois esta está
intimamente ligada com sua dominação.
A violência contra a mulher é a arma primeira do patriarcado, ela reflete e perpetua a
dominação masculina. Não se restringe a pobreza, ignorância, a determinados países, etc.
senão que ocorre em todas as sociedades, em todos os âmbitos da vida. Apresenta-se em
muitas formas, desde a violência no seio da família e comunidade até a perpetrada pelo
10

Estado. Entretanto, em todas suas formas, a violência contra as mulheres acarreta inúmeras
conseqüências às suas vítimas.
Esta questão tem ganhado visibilidade ao logo da história, a começar com o
surgimento das idéias de igualdade e direitos humanos até o atual florescimento dos
movimentos internacionais de mulheres.
As relações de gênero são um tema que atinge a todos, pois não possuem fronteiras
geográficas, econômicas, ideológicas, religiosas e/ou raciais; estando presentes em todas as
culturas da humanidade. Por este motivo, torna-se imprescindível que a comunidade
internacional crie normativas para promover a igualdade entre os sexos e a eliminação da
violência contra a mulher.
O presente trabalho aborda inicialmente a condição de subordinação da mulher que
está presente nas relações de gênero. A começar com a explanação do significado de gênero
baseando-se no sistema binário de oposições, que cria assim uma dominação masculina. Esta
dominação é internalizada pelas práticas e hábitos humanos perpetrando-se na forma do
sistema patriarcal.
Com o surgimento do movimento feminista, este sistema e as concepções existentes
sobre a natureza da mulher serão contestados. A busca pela igualdade entre os sexos fez com
que a mulher ganhasse mais espaço nas questões públicas, desta forma a violência contra a
mulher ganha visibilidade.
Assim, dando seqüência a este trabalho será abordada tal violência, seu conceito, suas
causas, tipos e conseqüências.
Por fim, considerando que a violência contra a mulher é uma questão internacional,
faz-se fundamental conhecer o desenvolvimento da questão da mulher e da violência
cometida contra ela nas Organizações das Nações Unidas, bem como as normas jurídicas
internacionais pertinentes a este tema e a responsabilidade dos Estados.
Cabe salientar que não serão abordadas as iniciativas das organizações não-
governamentais, por estas formarem um leque muito vasto de atividades. Entretanto, sua
atuação é de fundamental importância para a comunidade internacional, pois é através destas
organizações que muitas vezes se colocam em prática as pesquisas no campo da violência
contra a mulher, bem como são efetivadas as recomendações internacionais e nacionais para o
combate e eliminação desta violência.
Ainda é preciso mencionar a existência de instrumentos regionais de proteção à
mulher, que por tratarem de recomendações já mencionadas nos instrumentos das Nações
11

Unidas e, por vezes, recomendações especificas, não serão citados neste trabalho. Todavia é
interessante salientar que alguns destes instrumentos regionais trazem considerações e
recomendações mais abrangentes que as das Nações Unidas.
Este trabalho traz uma compilação de anexos considerados importantes documentos
referentes à questão dos direitos humanos da mulher, assim como sobre a violência exercida
contra esta. Estes são: Declaração da Mulher e Cidadã de Olympe de Gouges; Declaração
Universal dos Direitos Humanos; Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher; Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher;
Declaração de Pequim; Protocolo Facultativo à CEDAW.
12

2 RELAÇÕES DE GÊNERO

As organizações humanas moldam-se através dos tempos. Nem sempre foram de


dominação de um sexo sobre o outro do modo que vivenciamos hoje na organização patriarcal.
Estudos antropológicos indicam que, no início da história da humanidade, as primeiras
sociedades humanas eram coletivistas, tribais, nômades e matrilineares. Tais sociedades
organizavam-se predominantemente em torno da figura da mãe, a partir da descendência
feminina, uma vez que desconheciam a participação masculina na reprodução. Os papéis
sexuais e sociais de homens e de mulheres não eram definidos de forma rígida e as relações
sexuais não eram monogâmicas. Todos os membros envolviam-se com a coleta de frutas e de
raízes, alimentos dos quais sobreviviam, bem como a todos cabia o cuidado das crianças do
grupo.
Pode-se supor que o domínio masculino remete-se ao paleolítico como resultado da
valorização da caça como atividade fundamental. Com a descoberta da agricultura, as
comunidades passaram a se fixar em um território. Aos homens cabia a caça, e às mulheres o
cultivo da terra e o cuidado das crianças.
Uma vez conhecida a participação do homem na reprodução e, mais tarde,
estabelecida a propriedade privada, as relações passaram a ser predominantemente
monogâmicas, a fim de garantir herança aos filhos legítimos. O corpo e a sexualidade das
mulheres passou a ser controlado, instituindo-se então a família monogâmica, a divisão sexual
e social do trabalho entre homens e mulheres. Instaura-se, assim, o patriarcado, uma nova
ordem social centrada na descendência patrilinear e no controle dos homens sobre as mulheres.
Conforme Muraro e Boff:
Nas sociedades de caça iniciam-se as relações de força, e o masculino, que passa a
ser gênero predominante, vem a se tornar hegemônico no período histórico – há oito
mil anos -, quando destina a si o domínio público e a mulher, o privado. A relação
homem/mulher passa ser de dominação e a violência, doravante, é a base das
relações entre os grupos e entre a espécie e a natureza. Então é o principio do
masculino que governa o mundo sozinho. (2002, p. 13).
13

Deste modo, a mulher passa a ocupar, como regra geral, uma posição subordinada ao
homem, dando início às relações de gênero. O conceito de gênero que em sua formulação
tinha como princípio a diferença de sexo em uma conotação biológica, dividindo o mundo em
feminino e masculino, a partir da década de 1960 começou a ser utilizado nas ciências sociais
com um significado especifico para designar um conjunto de atitudes, comportamentos e
normas que cada cultura atribui a cada um dos sexos de maneira diferenciada. Daí o sistema
de gênero passa a ser uma construção sociocultural dos sexos, de forma binária e de exclusão,
que põe o homem e a mulher em uma relação hierárquica e de poder, especificamente de
dominação de gênero masculino sobre o feminino, sendo a violência arma de coerção e de
imposição de tal dominação.

2.1 Gênero

Utiliza-se o termo gênero para designar as relações sociais entre os sexos. “Gênero não
pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica
de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou
feminino.” (LOURO, 1996, p. 9). Em sua definição conforme Scott (1995, p. 86), gênero é
um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os
sexos e é uma forma primária de dar significado às relações de poder em que suas
representações são apresentadas como naturais e inequivocaveis.
Isto implica que a condição de subordinação da mulher não está determinada pela
natureza, pelo seu sexo, mas é resultante do jogo de poder, da dominação masculina e da
estrutura social e política onde esta dominação já está internalizada. Nas palavras de Joan
Scott:
Por gênero me refiro ao discurso da diferença dos sexos. Ele não se relaciona
simplesmente às idéias, mas também às instituições, às estruturas, as práticas
cotidianas, como aos rituais, e tudo o que constitui as relações sociais. O discurso é
o instrumento de entrada na ordem do mundo, mesmo não sendo anterior à
organização social, é dela inseparável. Segue-se, então, que o gênero é a organização
social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade biológica primeira, mas ele
constrói o sentido desta realidade. A diferença sexual não é causa originária da qual
a organização social poderia derivar: ela é antes, uma estrutura social móvel que
deve ser analisada nos seus diferentes contextos históricos. (1998, p. 15, tradução
nossa)

Deste modo, as relações entre gênero podem ser interpretadas como um fato não natural, mas
uma relação social construída e incessantemente remodelada ao longo dos séculos.
14

Assim, para Scott (1995, p.75) o termo gênero é uma forma de indicar as construções
culturais sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres, sendo o gênero assim, uma
categoria imposta sobre o corpo sexuado à qual concepção é criada pelo próprio gênero, ou
seja, o gênero não é um determinismo a ser inscrito em corpos anatomicamente diferenciados.
Neste sentido Butler afirma que:
O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de
significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar
também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são
estabelecidos. Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a
natureza; ele também é meio discursivo/cultural pelo qual ‘a natureza sexuada’ ou
‘um sexo natural’ é produzido e estabelecido como ‘pré-discursivo’, anterior à
cultura, uma superfície politicamente neutral sobre a qual age a cultura. (2003, p. 25,
grifo do autor).

É certo que se nasce homem ou mulher, biologicamente falando, mas as


representações sociais e culturais que se constituem sobre o sexo são elementos de caráter
ideológico que foram elaborados em um processo histórico de cada cultura e que
configuraram as identidades de gênero. Portanto, pode-se dizer, e Simone de Beauvoir (1970)
já o disse: “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”.
Classificados os gêneros (feminino e masculino), lhes são atribuídos um conjunto de
funções, qualidades, atividades, relações sociais, formas de comportamento, etc. de maneira
distinta, que os diferenciam entre si e que se encontram estreitamente relacionados com as
relações de gênero.
A conseqüência de tais representações sociais dos sexos traz o consenso de que o
homem é a norma, partindo do pressuposto destas construções simbólicas baseadas no
dualismo sexual que colocam os sexos como opostos que se definem um ao outro. É dado que
o que é simbólico avança para o político e passa a ser a realidade objetivada. Assim, a
idealização objetivada torna-se subjetiva por meio das instituições formadoras de consciência
que fornecem o nosso modo de viver a realidade, como se esta fosse formada por uma
unidade de sentindo inquestionável. Desta forma:
A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas
relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo. [...] A mulher
determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a
fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o
Outro. (BEAUVOIR, 1970, p.14).

À luz desta questão, Eagleton afirma:


A mulher é o oposto, o outro do homem: ela é o não-homem, o homem a que falta
algo, a quem é atribuído um valor sobretudo negativo em relação ao princípio
primeiro masculino. […] A mulher não é apenas um outro ser, no sentido de alguma
coisa fora de seu alcance, mas um outro intimamente relacionado com ele, a imagem
15

daquilo que ele não é e, portanto, uma lembrança essencial daquilo que ele é. (1983,
p.143).

Deste modo, o conceito de gênero tem a finalidade de deslocar o foco das relações
entre os homens e mulheres, antes concebidas no âmbito biológico e, por conseguinte tidas
como naturais, para o âmbito social e culturalmente criado, percebendo-se assim que as
realidades históricas são construídas, determinando o social, o cultural e as subjetividades que
definem o que é ser homem e o que é ser mulher.
Para Sayão (2003, p.122), passamos a ser homens ou mulheres e as construções
culturais provenientes dessa diferença são a origem de inúmeras desigualdades e hierarquias
que podem ser presenciadas ao longo da história humana, produzindo significados,
representações, estruturas e meios para que se perpetuem.
Scott nesse sentido afirma:
Gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido,
legitimado e criticado. Ele se refere à oposição homem/mulher e fundamenta ao
mesmo tempo o seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que
parecer segura e fixa, fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem
natural ou divina. Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações
de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do próprio poder. (1995, p.92).

Analisar as relações de gênero é um modo de se compreender a dominação masculina


que por se repetir em quase todas as culturas ao longo da humanidade, encontra-se cristalizada
e quase acima da questionabilidade, não fosse à resistência dos sujeitos dominados que no
último século desdobrou-se em marchas, protestos, reivindicações e teorizações a respeito
desta disposição, até então tida como natural das coisas.

2.2 Sistema de pares binários – dualismo sexual

Nossa percepção do mundo é baseada em dicotomias. Os signos são construídos


binariamente o que nos leva sempre a pensar em uma realidade formada por pares que se opõe
entre si. É baseado nesta conexão que a masculinidade é construída em oposição à
feminilidade. Esta construção se reflete em diferentes comportamentos sociais e reforçam as
desigualdades de gênero.
A oposição binária afirma, de forma categórica e sem equívoco, o sentido do
masculino e do feminino, apresentando-os como dualidades naturalmente opostas e
inconciliáveis. O sistema de oposições binárias é a transposição das diferenças biológicas para
o plano da cultura estabelecendo-se oposições homólogas ancoradas em dicotomias que
16

atribuem características positivas ao masculino/homem e negativas ao feminino/mulher, assim,


são estabelecidos significados ao sexo e à natureza tomando-se o masculino como referência
paradigmática e o feminino como polaridade estigmatizada. Estes conceitos normativos são
estabelecidos e expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou
jurídicas; são internalizados e continuamente reafirmados pelas estruturas que os formam.
Conforme Bourdieu:
Se esta divisão parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz algumas vezes para
falar daquilo que é normal, natural, a ponto de ser inevitável, é porque ela está
presente, em estado objetivado, no mundo social e também, em estado incorporado,
nos habitus1, onde ela funciona como um princípio universal de visão e de divisão,
como um sistema de categorias de percepção, de pensamento e de ação. (1995, p.
137, grifo do autor).

Deste modo:
Pelo fato de estar inscrito tanto nas divisões de mundo social ou, mais precisamente,
nas relações sociais de dominação e de exploração instituídas entre os sexos, como
nos cérebros, sob a forma de princípios de divisão que levam a classificar todas as
coisas do mundo e todas as práticas segundo distinções redutíveis à oposição entre o
masculino e o feminino, o sistema mítico-ritual é continuamente confirmado e
legitimado pelas próprias práticas que ele determina e legitima. Tendo sido
colocadas pela taxonomia oficial, no lado do inferior, do úmido, do baixo, do curvo,
do contínuo, as mulheres vêem atribuir todos os trabalhos domésticos, isto é, os
trabalhos privados e escondidos e até mesmo invisíveis ou vergonhosos, como a
criação das crianças e dos animais, e uma boa parte dos trabalhos exteriores,
principalmente aqueles referente à água, às plantas, ao verde (como a capina e a
jardinagem), ao leite, à madeira, e muito especialmente os mais sujos (como o
transporte do estrume), os mais monótonos, os mais penosos e os mais humildes.
Quanto aos homens, estando situados no lado do exterior, do oficial, do público, do
direito, do seco, do alto, do descontínuo, eles se arrogam todos os atos ao mesmo
tempo breves, perigosos e espetaculares que, como a matança do boi, a lavragem ou
a colheita, sem falar do assassinato ou da guerra, marcam rupturas no curso comum
da vida, e fazem intervir instrumentos fabricados pelo fogo. (BOURDIEU, 1995, p.
138).

Outros tipos de associações entre sexo e fenômenos naturais, como luz e sombra,
reforçam as dualidades. Neste caso o sol está associado ao homem e a lua está associada à
mulher. Identificando o quente com o homem e o frio com a mulher. O quente também está
associado com a vida, a luz, o dia, a claridade e a energia. O frio, ao contrário, está associado
com a morte, a escuridão, a noite, a sombra e a inércia.
Assim, por mecanismos diretos ou tortuosos as diferenças genitais são associadas com
todas estas dicotomias. O pênis, órgão sexual externo e bastante visível penetra a vagina,
órgão sexual interno e quase invisível. Daí existir uma associação da penetração como sendo
1
Surge com o sociólogo Pierre Bourdieu e é considerado como constituindo todas as experiências passadas,
matriz de percepções, apreciações e ações. É uma percepção interacionista da sociedade. O habitus está inerente
a cada actor social e de certa forma define-o, tal como aos seus gostos e estilo de vida, estando associado à
pertença a uma classe social, e tendo de ser ajustado quando existe mobilidade.
17

um ato ativo e o ser penetrado como passivo. Mas ativo é definido como atuante, intenso,
vivo, ágil e enérgico. Mesmo considerando que no ato sexual existe ação de ambas as partes,
o sexismo consiste exatamente em identificar o ativo com a ação masculina e o passivo com a
ação feminina, uma vez que o senso comum associa a ereção do pênis com rigidez, energia,
ação e potência, que são associadas ao ativo e não ao passivo. Assim:
Não é o falo (ou sua ausência) que é o princípio gerador dessa visão de mundo, mas
é essa visão do mundo que, estando organizada [...] segundo a divisão em gêneros
relacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo [...] em princípio da
diferença entre os sexos (no sentido de gêneros), e basear na objetividade de uma
diferença natural entre os corpos biológicos a diferença social entre duas essências
hierarquizadas. (BOURDIEU, 1995, p.149)

Neste sentido, ao se definir a posição superior do ato sexual como naturalmente


masculina, outras situações sociais passam a ser identificadas ao masculino, pois o superior
não quer dizer apenas acima, mas também elevado, grau máximo, de qualidade excelente,
autoridade mais elevada.
Uma forma comum de se relacionar o biológico com o social é através da identificação
do mundo público como um território masculino e ativo e o mundo privado e doméstico como
um território feminino e passivo. Segundo Colling:
Ao feminino caracterizado como natureza, emoção, amor, intuição é destinado o
espaço privado; ao masculino, cultura, política, razão, justiça, poder, o espaço
público. O homem público sempre foi reconhecido pela sua importância,
participando das decisões de poder. Já a mulher pública, sempre foi vista como uma
mulher comum que pertence a todos, não célebre, não ilustre, não investida de poder.
(2004)

O espaço público, por oposição ao privado, designa o conjunto dos direitos e


deveres que definem a cidadania e constrói a política como o centro da decisão e do poder. As
mulheres são excluídas do espaço público, são condenadas aos espaços privados e a uma
censura implacável de todas as formas de expressão pública, verbal ou mesmo corporal,
fazendo da sua entrada em um espaço dito masculino uma prova terrível. Assim, a mulher
incorporou essa espécie de agorafobia 2 socialmente imposta que pode sobreviver muito
tempo à abolição das proibições mais visíveis, e que leva as mulheres a se excluírem a si
mesmas da ágora 3 , perpetuando assim, a concepção do espaço público ser um espaço
exclusivamente masculino.

2
Fobia a ágora, aos espaços públicos.
3
Ágora era a praça principal na constituição cidade grega da Antigüidade clássica. Enquanto elemento de
constituição do espaço urbano, a ágora manifesta-se como a expressão máxima da esfera pública na urbanística
grega, sendo o espaço público por excelência. É nela que o cidadão grego convive com o outro, onde ocorrem as
discussóes políticas e os tribunais populares: é, portanto, o espaço da cidadania.
18

A luta das mulheres pela sua inclusão na categoria de cidadãos, tanto na defesa do
sufrágio universal quanto no ataque à sua menoridade civil, que as transformavam em
propriedade privada de seus maridos é um exemplo concreto da dicotomia entre o público e o
privado.
Os valores femininos são estabelecidos como os avessos dos valores masculinos, estes
tomados como a regra e padrão. O homem é o verso e a mulher o reverso. Em vários casos, a
mulher é definida pelo inverso do homem, como algo menos perfeito. Ser homem é não ser
mulher, diferenciação esta que está vinculada ao dualismo sexual.
Assim, o sistema de pares binários transforma todos os fenômenos em um dualismo
sexuado, legitimando as desigualdades de gênero na sociedade, reforçando o poder e a
dominação masculina e contribuindo para limitar os direitos das mulheres. Deste modo, a
mudança dos comportamentos dos indivíduos dificilmente ocorrerá sem a alteração deste
sistema.

2.3 Dominação masculina

É através do gênero que se constrói e implementa significados para às diferenças


sexuais, por meio de um sistema de pares binários e relações hierarquizadas, bases da
dominação masculina. O gênero “produz e é produzido, organiza e é organizado” (MEYER,
1996, p.49), e é o meio pelo qual os seres humanos aprendem a reconhecer-se e tornar-se
homens e mulheres.
As representações sociais do homem e da mulher não regulam apenas as relações
inter-pessoais entre homens e mulheres, mas também entre homens e homens e mulheres e
mulheres. Todavia não se restringem ao âmbito inter-pessoal, pois são igualmente marcadas
pela dominação de gênero as relações no âmbito econômico, político e religioso. Isso porque
a objetividade da dominação já é objetivação internalizada, pois já está no habitus humano,
traduzido em estruturas, costumes, tradições e normas, assimilados como certos, normais e
naturais.
Deste modo, pode-se dizer que uma vez que o significado do sexo é estabelecido pelo
gênero, o nosso sexo define se seremos dominados ou dominadores.
Sendo o produto da inscrição no corpo de uma relação de dominação, as estruturas
estruturadas e estruturantes do habitus são o princípio de atos de conhecimento e de
reconhecimento práticos da fronteira mágica que produz a diferença entre os
dominantes e os dominados, isto é, sua identidade social, inteiramente contida nesta
relação. Esse conhecimento através do corpo é o que leva aos dominados a construir
19

para a sua própria dominação ao aceitar tacitamente, fora de qualquer decisão da


consciência e de qualquer manifestação da vontade, os limites que lhes são impostos,
ou mesmo produzir ou ao reproduzir por sua prática, limites abolidos na esfera do
direito. (BOURDIEU, 1995, p. 146, grifo do autor).

A lógica interna da dominação só funciona através da violência simbólica4, onde os


dominados utilizam categorias do ponto de vista dos dominantes para reconhecer-se, o que faz
com que o dominado não perceba que aquela é uma relação de forças. Assim:
A violência simbólica impõe uma coerção que se institui por intermédio do
reconhecimento extorquido que o dominado não pode deixar de conceder ao
dominante na medida em que não dispõe, para o pensar e para se pensar, senão de
instrumentos de conhecimento que tem em comum com ele e que não são senão a
forma incorporada da relação de dominação. (BOURDIEU, 1995, p. 142).

Uma vez que dominantes e dominados possuem a mesma percepção de suas relações
de gênero, a dominação masculina é tida como condição verdadeira universal, pois seus
conceitos formadores acham-se inscritos na subjetividade e no habitus humano. Desta forma,
o habitus é um conceito fundamental para entender como a prática da dominação adquire um
caráter natural, dado e quase divino, em outras palavras, é a objetividade das práticas
subjetivas. Pois segundo Bourdieu:
É, com efeito, através dos corpos socializados, isto é dos habitus, e das práticas
rituais parcialmente retiradas do tempo pela estereotipagem e pela repetição
indefinida, que o passado se perpetua na longa duração da mitologia coletiva,
relativamente libertada das intermitências da memória individual. Assim, o princípio
de divisão que organiza esta visão de mundo, não se revela jamais de modo tão
evidente e tão coerente quanto no caso limite e, por isso mesmo paradigmático, de
um universo social onde ele recebe o reforço permanente das estruturas objetivas e
de uma expressão coletiva e pública. (1995, p. 135).

Bourdieu ainda afirma que os agentes específicos, o homem e a mulher, e as


instituições, escolas, igrejas, Estado, família, etc. são estruturadas e estruturantes no processo
de naturalização da dominação, ou seja, estes agentes ao mesmo tempo em que têm poder de
moldar a sociedade são por ela moldados, na medida em que não é possível estabelecer onde
essa reprodução se inicia. Assim faz com que a dominação masculina esteja “suficientemente
assegurada para precisar de justificação: ela pode se contentar em ser e em se dizer nas
práticas e discursos que enunciam o ser como se fosse uma evidência, concorrendo assim para
fazê-lo ser de acordo com o dizer.” (BOURDIEU, 1995, p. 137).
Por fim:
As relações de gênero têm como transversal em sua dinâmica a dominação e o poder.
O poder necessariamente implica numa relação de dominação, no nosso caso

4
Forma invisível de coação que se apóia, muitas vezes, em crenças e preconceitos coletivos. A violência
simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se
enxergar e a avaliar o mundo seguindo critérios e padrões do discurso dominante.
20

específico, de homens sobre mulheres. Entretanto, pensar esta dinâmica como


unilateral, ou seja, como uma barbárie masculina é incorrer no erro da vitimização.
A mulher também é sujeito nesta relação, sujeito dominado, heterônomo, não
autônomo, mas o é. (CHAUÍ, 1985).

2.4 Sistema patriarcal

O patriarcado surgiu da tomada de poder pelos homens, na criação da família


monogâmica. Com o intuito de preservar seus filhos de sangue, apropriaram-se da
sexualidade e reprodução da mulher, para ter garantia de ter filhos legítimos. A imposição de
sua autoridade e descendência criou um simbolismo que através dos tempos perpetuou-se
como a única estrutura possível. Pois, devido à dominação masculina naturalizada e
incorporada ao coletivo, as estruturas sociais patriarcais vêm sendo constantemente
legitimadas e perpetuadas ao longo dos séculos. Assim:
Como categoria de análise, o patriarcado não pode ser entendido apenas como
dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura política
piramidal de dominação e hierarquização, estrutura estratificada por gênero, raça,
classe, religião e outras formas de dominação de uma parte sobre a outra. Essa
dominação plurifacetada construiu relações de gênero altamente conflitativas e
desumanizadoras para o homem e principalmente para a mulher. (MURARO; BOFF,
2002, p. 55).

É através dos sistemas de oposições já naturalizados, onde o masculino é mais


valorizado que o feminino, que se da a dominação masculina que perpetua o patriarcado e se
reafirma através dele. Conforme Bourdieu (2002, p.11) é devido aos instrumentos
estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos
que cumprem uma função de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra. Pois a base da dominação
consiste na internalizarão dos significados das diferenças entre os pares binários e uma vez
naturalizada a dominação, ela passa a estruturar todas as faces da vida humana. Desta forma
Castells define que:
O patriarcado é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades
contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente. Do
homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa
ser exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da
sociedade, da produção e do consumo à política, à legislação e à cultura. Os
relacionamentos inter-pessoais e, consequentemente, a personalidade, também são
marcados pela dominação e violência que têm sua origem na cultura e instituições
do patriarcalismo. (2002 , p. 169).

Assim, o patriarcado já internalizado nas instituições da sociedade e sua estrutura


naturalizada impossibilita pensar a mudança, pois cristaliza a dominação masculina, condena
21

a mulher eternamente a ser o subordinado, o outro. “Ela não é senão o que o homem decide
que seja”. (BEAUVOIR, 1970, p.14). Todas as mulheres são educadas desde a infância na
crença de que o ideal de seu caráter é absolutamente oposto ao homem, que não podem ter
iniciativa e guiar-se segundo sua vontade, que sua natureza às restringe a submissão e ao
consentimento da vontade dos demais.
Na medida em que a família e as relações entre os sexos mudaram, o patriarcado
também se modificou, entretanto a idéia de dominação masculina contida no patriarcado já
cristalizada da dominação masculina perpetua-se, pois a estrutura patriarcal impossibilita
pensar em uma mudança. Conforme Narvaz e Koller:
O patriarcado moderno vigente alterou sua configuração, mas manteve as premissas
do pensamento patriarcal tradicional. O pensamento patriarcal tradicional envolve as
proposições que tomam o poder do pai na família como origem e modelo de todas as
relações de poder e autoridade, o que parece ter vigido nas épocas da Idade Média e
da modernidade até o século XVII. O discurso ideológico e político que anuncia o
declínio do patriarcado, ao final do século XVII, baseia-se na idéia de que não há
mais os direitos de um pai sobre as mulheres na sociedade civil. No entanto, uma
vez mantido o direito natural conjugal dos homens sobre as mulheres, como se cada
homem tivesse o direito natural de poder sobre a esposa, há um patriarcado moderno.
(2006).

A despeito das conquistas sociais e legais das mulheres, papéis e relações assentados
em discriminações e desigualdades de gênero permanecem neste novo século, internalizados
em nossas vidas, tidos ainda por muitos como natural. Fazendo assim que um dos objetivos
dos movimentos feministas seja a busca por uma desconstrução das relações de gênero, o
repensar das estruturas sociais e seus conceitos já tidos como verdades absolutas imutáveis.

2.5 Feminismo

No sistema patriarcal a desigualdade entre os membros da sociedade é a norma, pois


os homens gozam de privilégios negados às mulheres. A ausência de direitos políticos e
liberdades ainda hoje são presenciados em algumas sociedades. Mesmo nas sociedades
democráticas, baseadas nos direitos igualitários, a igualdade de fato ainda não foi alcançada
culturalmente, uma vez que a concepção de uma função social da mulher circunscrita ao
doméstico, aos serviços da casa, da procriação e cuidados dos filhos e sua subordinação ao
homem, pai, irmão ou marido ainda existe.
No século XVIII surge a idéia de igualdade moral e política no mesmo contexto que
surge a de contrato social e de indivíduo. A igualdade é uma das idéias núcleos da
Modernidade.
22

Assim, corria o século XVIII e os revolucionários e iluministas franceses começaram a


defender as idéias de igualdade, liberdade e fraternidade. Pela primeira vez na história se
questionavam politicamente os privilégios de berço e aparecia o princípio da igualdade.
A 4 de julho de 1776, Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, que na realidade consiste na primeira formulação dos direitos do homem:
vida, liberdade e busca da felicidade. Na França, a Revolução Francesa teve como objetivo
central a constituição da igualdade jurídica, das liberdades e direitos políticos. Em pleno
processo revolucionário, em 28 de agosto de 1789, proclama-se a Declaração dos Direitos do
Homem: reconhecimento da propriedade como inviolável e sagrada; direito de resistência a
opressão; segurança e igualdade jurídica e liberdade pessoal garantida. Entretanto, todas as
liberdades e todos os direitos políticos, sociais, econômicos, somente correspondiam aos
homens.
Varcárcel afirma que “o feminismo é um filho não desejado do iluminismo” (2001, p.
8). Uma vez que:
O nascimento do feminismo foi inevitável porque houvesse sido um milagre que
ante o desenvolvimento das novas garantias políticas – todos os cidadãos nascem
livres e iguais perante a lei - e o começo da incipiente democracia, as mulheres não
se houvessem perguntado por que elas eram excluídas da cidadania e de tudo o que
esta significava, desde o direito a receber educação até o direito à propriedade.
(VARELA, 2005, p. 29).

Deste modo, conceitua-se feminismo como:


Um movimento social e político que se inicia formalmente no final do século XVIII
e que supõe a tomada de consciência das mulheres como grupo ou coletivo humano,
da opressão, dominação, e exploração de que têm sido e são objeto por parte do
coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas distintas fases históricas de
modelo de produção, a qual as mobiliza a liberação de seu sexo com todas as
transformações da sociedade que a isto requer (SAU, 2000, p. 121).

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o
indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos
hierarquizados, e onde as qualidades femininas e masculinas sejam atributos do ser
humano em sua globalização. [...] Que as diferenças entre os sexos não se traduzam
em relações de poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas as suas
dimensões: no trabalho, na participação política, na esfera familiar, etc. (ALVES;
PITANGUY, 1991, p. 09-10).

Assim, para Varela (2005, p. 14), o feminismo é um discurso político que se baseia na
justiça, onde as mulheres, depois de analisar a realidade em que vivem, tomam consciência
das discriminações que sofrem pela única razão de serem mulheres e decidem organizar-se
para acabar com elas, para mudar a sociedade.
23

Uma vez que todas as identidades e diferenças sociais foram historicamente


construídas a partir da existência de relações sociais determinadas, a identidade das mulheres
foi determinada pelas relações de dominação patriarcais.
A ideologia patriarcal está tão firmemente internalizada, que seus modos de
socialização são tão perfeitos que a forte coação estrutural em que se desenvolve a vida das
mulheres apresenta-se para grande parte delas a imagem do comportamento livremente
desejado e elegido. Estas razões explicam a crucial importância da desconstrução delas
mesmas em um sistema baseado em sua inferioridade e subordinação aos homens. A teoria
feminista tem como objetivo conceituar adequadamente como conflituosos e produto de
relações de poder determinadas, fatos e relações que se consideram normais ou naturais, em
todo caso, imutáveis.
Os dois últimos séculos presenciaram-se numerosas batalhas políticas para conquistar
a igualdade entre os sexos. Desde os primeiros movimentos de mulheres pós-revoluções
iluministas até as mais recentes lutas, passando pelo sufragismo, as mulheres reclamaram
tenaz e persistentemente os mesmos direitos que possuíam os homens. A aparição do
movimento feminista significou a desconstrução da impugnação da identidade feminina como
construção social patriarcal e o começo da formação de um conceito de identidade a serviço
da emancipação.
É a partir das grandes revoluções que o feminismo incorpora seu cunho reivindicatório
e ganha força de expressão. Buscando ampliar as idéias liberais as feministas defendiam que
os direitos conquistados pelas revoluções deveriam ser iguais para ambos os sexos. Segundo
Olympe de Gouges5 em Os Direitos da Mulher e da Cidadã 6
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos que o homem. [...] Esses direitos são
a liberdade, a propriedade, a seguranca e sobretudo a resistência à opressão. [...] O
exercício dos direitos naturais da mulher só encontra seus limites na tirania que o
homem exerce sobre ela; essas limitações devem ser reformadas pelas leis da
natureza e da razão. (1791).

Como resultado da participação das mulheres na Revolução Francesa, registra-se, por


exemplo, a instauração do casamento civil e a legislação do divórcio. Entretanto, as idéias
segundo a condição da mulher não sofreram alteração, sua natureza continua sendo julgada

5
Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (Montauban, 7 de maio de 1748 — Paris, 3 de novembro de
1793) foi uma feminista, revolucionária, jornalista, escritora e autora de peças de teatro francesa. Devido aos
escritos e atitudes pioneiras, foi acusada como contrarevolucionária e guilhotinada na praça da Revolução em
Paris.
6
Documento proposto à Assembléia Nacional da França em 1791, durante a Revolução Francesa, com o intuito
de igualar-se a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão aprovada pela Assembléia Nacional.
24

como subordinada ao homem. Isso revela-se nas palavras de Rousseau, um dos principais
ideólogos do Iluminismo e suas revoluções subseqüentes:
Toda a educação das mulheres deve ser relacionada ao homem. Agradá-los, ser-lhes
útil, fazer-se amada e honrada por eles, educá-los quando jovens, cuidá-los quando
adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornár-lhes a vida útil e agradável – são esses os
deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes deve ser ensinado desde a
infância. (ROUSSEAU apud ALVES; PITANGUY, 1991, p. 35).

No século XIX, no contexto da Revolução Industrial, o número de mulheres


empregadas aumenta significativamente. Sem com isso diminuir a diferença salarial entre os
sexos, que tinha como justificativa o pressuposto de que as mulheres teriam quem as
sustentasse. Nesse período a análise socialista ganha forma. No contexto desta visão, a
situação da mulher aparece como parte das relações de exploração na sociedade de classes.
Assim, o movimento feminista se fortifica como um aliado do movimento operário. Como
movimento organizado, data da primeira convenção dos direitos da mulher em Seneca Falls7,
Nova Iorque em 1848.
Nas décadas de 1930 e 1940, as reivindicações do movimento haviam sido
formalmente conquistadas na maior parte dos países ocidentais (direito ao voto e
escolarização e acesso ao mercado de trabalho). A possibilidade da mulher trabalhar ganhou
força principalmente no contexto das duas grandes guerras, com grande parte dos homens
envolvidos com a guerra as mulheres ocuparam os postos de trabalho vagos. Ao fim de ambas
as guerras surgiram campanhas para desvalorizar o trabalho feminino, mostrando que os
avanços conseguidos estavam ainda restritos ao âmbito legislativo.
Conforme Alves e Pitanguy (1991, p. 48) uma vez atingido o objetivo do sufragismo,
o direito ao voto, acreditava-se que o feminismo estava fadado a desaparecer, entretanto, o
questionamento da descriminação feminina prossegue, incorporando outros aspectos que
configuram a condição social da mulher.
Na década de 1960, o movimento, influenciado por publicações como O Segundo
Sexo8 de Simone de Beauvoir9, passa a defender que a hierarquia entre os sexos não é uma

7
A Declaração de Sêneca Falls ocorreu de 19 a 20 de julho de 1848 na localidade de Sêneca Falls, no estado de
Nova Iorque, sendo a primeira convenção sobre os Direitos da Mulher nos Estados Unidos. Resultou desse
encontro, pois, a publicação da famosa Declaração de Sêneca Falls ou a Declaração de sentimentos, como elas a
chamaram, que foi um documento baseado na Declaração de Independência dos Estados Unidos e no qual foram
denunciadas as restrições, sobretudo no campo da política, às quais estavam submetidas as mulheres: Não poder
votar, não comparecer a eleições, não poder ocupar cargos públicos, não poder afiliar-se a quaisquer
organizações políticas ou prestar quaisquer assistência em reuniões políticas.
25

fatalidade biológica e sim uma construção social. Assim, além da luta pela igualdade de
direitos, incorpora o questionamento das raízes culturais das desigualdades.
Desta forma, o feminismo afirma que os limites e insuficiências da cidadania feminina
estão estreitamente vinculados a sua própria gênesis. O fato de que o cidadão, na constituição
da democracia moderna, fosse homem, marcou poderosamente a noção de cidadania. Assim
são numerosos os limites, e muitas vezes invisíveis, que restringem esse direito político para
as mulheres, não somente o gênero, também as classes sociais, a sexualidade, as etnias e as
culturas.
A teoria feminista indaga as fontes religiosas, filosóficas, cientificas, históricas,
antropológicas para desarticular as falsidades, preconceitos e contradições que legitimam a
dominação sexual. Pode-se dizer que “o feminismo questiona à ordem estabelecida. E a
ordem estabelecida está muito bem estabelecida para quem a estabeleceu, isto é, para quem se
beneficia dela.” (VARELA, 2005, p. 13).
A medida que a sociedade aceita os princípios feministas, o que antes parecia absurdo
se torna convencional e inquestionável. O feminismo é assim “uma teoria da justiça que está
mudando o mundo e trabalha dia a dia para conseguir que os seres humanos sejam o que
querem ser e que vivam como querem viver, sem um destino marcado pelo sexo com que
nasceram.” (VARELA, 2005, p. 20).

8
O Segundo Sexo (francês: Le Deuxième Sexe, 1949) é uma das mais conhecidas obras da francesa Simone de
Beauvoir. Beauvoir escreveu o livro após a tentativa de escrever sobre si mesma. A primeira coisa que ela
escreveu era que ela era uma mulher, mas ela percebeu que era necessário definir o que era uma mulher, que se
tornou a intenção do livro. Trata - se de um trabalho sobre o tratamento das mulheres ao longo da história e
muitas vezes considerado como um importante trabalho feminista. Nele ela argumenta que as mulheres ao longo
da história têm sido definidas como o "outro" sexo, uma aberração do "normal" sexo masculino.
9
Simone de Beauvoir (9 de janeiro de 1908 - 14 de abril de 1986) foi uma filósofa e escritora francesa. Escreveu
romances, monografias sobre filosofia, política e questões sociais, ensaios, biografias, e uma autobiografia. Mais
conhecida por seu livro O Segundo Sexo, uma análise detalhada da opressão da mulher e um marco fundacional
do feminismo contemporâneo.
26

3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A predisposição inata do homem à violência é facilmente explicável pela necessidade


dessa característica durante a evolução da nossa espécie. Somos todos descendentes de
indivíduos que souberam caçar efetivamente, que venceram a competição sexual, que
sobreviveram a guerras tribais e a todos os aspectos da violência. Considera-se que a violência
é um artifício efetivo da humanidade.
De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de contenda.
Primeira, competição; segunda, difidência; terceira, glória. A primeira leva os
homens a invadir pelo ganho; a segunda, pela insegurança; a terceira, pela reputação.
Os primeiros usam da violência para assenhorar-se da pessoa, da esposa, dos filhos e
do gado de outros homens; os segundos, para defendê-los; os terceiros, por bagatelas,
como uma palavra, um sorriso, uma opinião diferente e qualquer outro sinal de
menosprezo, seja direto em suas pessoas ou, por reflexo, em seus parentes, amigos,
nação, profissão ou nome. (HOBBES, 2007)

Domenach (1981) chama a atenção para o fato de a violência só recentemente ter se


tornado um problema central para a humanidade, apesar de presente em toda a história.
Conforme este autor, tornar certas práticas sociais uma questão de violência, associa-se à
própria modernidade com seus valores de liberdade e felicidade, consolidados na criação da
cidadania e dos direitos humanos para todos. A partir deste momento, ações que eram
percebidas como inevitáveis na ordem do mundo e mesmo desejáveis são combatidas. Assim,
criação humana, a violência, como as demais práticas sociais, pode e deve ser controlada,
senão erradicada.
Já a “violência contra a mulher” foi expressão cunhada pelo movimento feminista há
pouco mais de vinte anos. A expressão refere-se a situações tão diversas como violência física,
sexual e psicológica, o estupro, o abuso sexual de meninas, o assédio sexual no local de
trabalho, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a
mutilação genital feminina, a violência e os assassinatos ligados ao dote, o estupro em massa
nas guerras e conflitos armados.
27

A violência contra a mulher diz respeito ao sofrimento e agressões dirigidos


especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres. E também quer significar a
diferença de estatuto social da condição feminina, diferença esta que cria as situações de
violência experimentadas pelas mulheres.
As raízes da violência baseada no gênero encontram-se nos difusos sistemas de
desigualdade que perpetuam a dominação dos homens e a subordinação das mulheres.
Conforme reconhecida pela Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência
contra a Mulher10:
Violência contra a mulher se entende todo ato de violência baseado no fato da
pessoa pertencer ao sexo feminino, que tenha ou possa ter como resultado um dano
ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças, a
coerção ou privação arbitrária da liberdade, tanto as que se reproduzem na vida
pública ou privada. (DA GUERRA, 1997, p. 117).

A violência contra as mulheres é uma manifestação do poder, historicamente desigual,


das relações entre homens e mulheres, e é um dos mecanismos sociais fundamentais pelos
quais as mulheres são forçadas a uma posição subordinada em relação ao homem.
A violência é a arma por excelência do patriarcado. Nem a religião, nem a educação,
nem as leis, nem os costumes, nem nenhum outro mecanismo havia conseguido a
submissão histórica das mulheres se tudo isso não houvesse sido reforçado com a
violência. A violência exercida contra as mulheres pelo fato de o serem é uma
violência instrumental, que tem por objetivo seu controle. Não é uma violência
passional, nem sentimental, nem genética, nem natural. A violência de gênero é a
máxima expressão do poder que os homens têm ou pretendem manter sobre as
mulheres. (VARELA, 2005, p. 251).

A subordinação da mulher, colocada como ser inferior, segundo a teoria dos dualismos
hierarquizados é a raiz da violência de gênero. Na medida em que se buscam desconstruir os
papéis estabelecidos, encontrando resistência dos que querem manter o “statu quo” 11 , “a
violência de gênero não é mais do que o resultado das relações de dominação masculina e de
subordinação feminina, em que o homem pretende evitar que a mulher lhe escape, pois não
deseja separar-se da mulher, mantendo-a sujeita a uma submissão sem escapatória”.
(CASIQUE; FUREGATO, 2006). Pode-se concluir que a violência de gênero concentra-se em
ações que transcendem o nível social refletindo, sem dúvida, a dominação de um grupo e a
subordinação do outro.

10
Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Declaração sobre a Eliminação da Violência
contra as Mulheres é o primeiro instrumento internacional de direitos humanos que explicitamente
exclusivamente trata a questão da violência contra as mulheres. Ele afirma que o fenômeno viola, afeta ou
impede a mulher de exercer os seus direitos humanos e liberdades fundamentais.
11
O conceito de "statu quo" origina-se do termo diplomático "statu quo ante bellum", que significa "estado
actual antes da guerra". Emprega-se esta expressão, geralmente, para definir o estado atual das coisas ou
situações.
28

O patriarcado está formado por uma série de características que definem a dicotomia
de inferioridade e superioridade entre os sexos. A crença de “ter direito” a utilizar a violência
contra as mulheres é uma característica patriarcal com uma larga história onde o fato do
direito à violência foi considerado legítimo por parte dos homens, especialmente para os que
tiveram papel de maridos ou pais.
A lógica patriarcal gerou uma grande quantidade de mitos que dão legitimidade a
violência contra a mulher, desde a violência cultural ou simbólica até a violência física que
leva a morte da mulher. Assim, por internalizarem a dominação masculina e o patriarcado,
muitas mulheres vítimas da violência assumem a responsabilidade desta, culpando-se e
consideram-se as responsáveis por sofrerem tais atos, por não terem sido capazes de evitá-los
ou sair da situação que os originou.
A violência é um mecanismo de controle, vingança e poder. Não se restringe a pobreza,
ignorância, países subdesenvolvidos, etc. senão que se dá em todos os âmbitos sociais,
educativos e em todos os países já que sua base sustenta-se no patriarcado. A violência contra
a mulher está fundamentada na desigualdade de poder entre os sexos, cuja causa está
vinculada às estruturas políticas, econômicas, culturais, educacionais, religiosas etc. Afeta a
vida de milhões de mulheres em todo o mundo, em todos os aspectos físicos e psicológicos.
Ela ultrapassa todas as barreiras culturais e religiosas, impedindo o direito das mulheres à
participação plena na sociedade.
Na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres 12 , realizada em Pequim em
Setembro de 1995, o “Secretário - Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, disse que
“a violência contra as mulheres é um problema que continua a crescer e tem de ser
universalmente condenado.” (ONU13, 1996).
Na Plataforma de Ação de Pequim14, Governos declararam que a violência contra as
mulheres representa uma violação dos direitos humanos fundamentais e é um obstáculo à
realização dos objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz.

12
A Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (FWCW/QCMM ou Conferência de
Pequim), realizada em Pequim, China, de 4 a 15 de setembro de 1995, foi a maior e a mais influente de todas as
conferências mundiais sobre a mulher. Cerca de 180 delegações governamentais e 2.500 organizações não-
governamentais reuniram-se para discutir uma ampla série de questões relacionadas com a mulher. Em Pequim,
pela primeira vez na história declarou-se que os direitos da mulher são direitos humanos.
13
ONU, abreviação para Organizações das Nações Unidas.
14
O Plano de Ação que resultou ao final da Convenção de Pequim afirma os direitos básicos das mulheres de
todo o mundo a controlar sua própria sexualidade e o processo reprodutivo, e considera delitivos a mutilação
genital e os maus tratos infligidos às mulheres no âmbito público ou privado.
29

A questão da promoção dos direitos das mulheres tem preocupado as Nações Unidas
desde a fundação da Organização. No entanto, as alarmantes dimensões globais da violência
feminina não foram expressamente reconhecidas pela comunidade internacional até dezembro
de 1993, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a
Eliminação da Violência contra as Mulheres. Até então, a maioria dos governos tendiam a
considerar que a violência contra as mulheres em grande parte como um assunto privado entre
indivíduos, e não como uma questão de direitos humanos que exigem a intervenção do Estado.

3.1 Causas da violência contra a mulher

A violência entre os seres humanos foi um dos principais fatores para a violação dos
direitos humanos no século XX. A guerra, a repressão e a insensibilização da vida pública e
privada eliminaram toda a possibilidade de dar um caráter universal ao desfrute dos direitos
humanos. Em particular, a violência de que as mulheres são vítimas, as impediu como grupo
desfrutar plenamente de seus direitos humanos.
Como se afirma no preâmbulo da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a
Mulher da ONU (DA GUERRA, 1997, p. 116), este fenômeno constitui uma manifestação de
relações de poder historicamente desiguais entre o homem e a mulher. A violência forma
parte de um processo histórico que não é natural e nem nasce do determinismo biológico. O
sistema de domínio masculino tem raízes históricas e suas funções e manifestações variam
com o tempo. Conseqüentemente, a opressão da mulher é uma questão política e é necessário
analisar as instituições do Estado e a sociedade, o condicionamento e a socialização dos
indivíduos e o caráter de exploração econômica e social. O uso da força contra a mulher é
somente um dos aspectos deste fenômeno, que a submete pela intimidação e medo.
Segundo conclusões do Relatório Especial da ONU 15 (1994), a mulher é vítima de
algumas formas universais de abuso, como o estupro e a violência do lar. Como também de
algumas formas culturais específicas de determinados países e regiões. Deste modo, toda
tentativa de universalizar a violência contra a mulher servirá somente para esconder outras

15
Em vista do alarmante crescimento no número de casos de violência contra as mulheres em todo o mundo, a
Comissão de Direitos Humanos aprovou resolução 1994/45, de 4 de Março de 1994, na qual se decidiu nomear
um Relatório Especial sobre a violência contra as mulheres, incluindo a sua causas e conseqüências. O Relatório
Especial tem um mandato para recolher e analisar dados completos e de recomendar medidas destinadas a
eliminar a violência ao nível internacional, nacional e regional.
30

formas de opressão, como as baseadas na raça, classe, nacionalidade. Entretanto, algumas


modalidades de domínio patriarcal são universais, ainda que dito domínio adote diferentes
formas.
As raízes da subordinação feminina encontram-se nas relações de poder históricas no
seio da sociedade e nas estruturas do Estado e da sociedade civil. O Estado tem por princípio
a responsabilidade não somente de abster-se de alentar todo ato de violência contra a mulher
senão também de intervir ativamente para impedir tais atos. A passividade do Estado neste
tipo de situação é um dos fatos mais importantes que fazem possível sua continuidade.
Entre as relações de poder históricas responsáveis pela violência cabe mencionar as
forças econômicas e sociais que exploram a mão-de-obra e o corpo feminino. As mulheres em
situação de desvantagem econômica estão mais expostas às difamações, ao abuso sexual e a
escravidão sexual. Também são vítimas da servidão e do trabalho mal remunerado em muitas
partes do mundo.
Quando se nega à mulher poder e independência econômica se gera uma das causas
mais importantes da violência porque se prolonga sua vulnerabilidade e dependência. A
menos que as relações econômicas da sociedade sejam mais eqüitativas para a mulher, seguirá
existindo o problema da violência de que ela é vítima.
A instituição da família também é cenário em que com freqüência se observam relações
históricas de poder. Por uma parte, a família pode ser fonte de valores positivos e afeto porque
as pessoas estão unidas pelo respeito e o amor mútuo. Por outra, pode ser uma instituição
social em que se explora o trabalho feminino, o poder sexual masculino se expressa com
violência e gera um tipo de relação que nega o poder à mulher. Por conseguinte, ainda que a
família seja fonte de valores humanos positivos, em alguns casos é um lugar onde se exerce a
violência contra a mulher e se produz um processo de socialização que pode acabar
justificando a violência.
De especial importância para o problema da violência contra a mulher no contexto
histórico é a questão doa avanços na reprodução. Esta tecnologia deu a mulher mais liberdade
e maiores opções a respeito da importante função da maternidade, mas também, por outro
lado, a tecnologia na área da reprodução permite saber de antemão o sexo da criança,
propiciando a prática de abortos seletivos.
O Relatório Especial (ONU, 1994) também reconhece que no contexto das relações
históricas de poder entre homens e mulheres, as mulheres também devem enfrentar o
problema de que os homens dominam os sistemas de conhecimento do mundo. O homem é
31

quem domina os princípios que regem a ciência, a cultura, a religião, a linguagem e excluiu a
mulher após criar sistemas simbólicos ou interpretar experiências históricas baseadas na sua
dominação. Por falta de influência sobre os sistemas de conhecimento, a mulher, não só é
vítima da violência, senão também é parte de um ciclo que freqüentemente à legitima. A
capacidade de minimizar a experiência contra a violência da mulher impede que o Estado ou a
sociedade civil adotem medidas corretivas.
Além das relações históricas de poder, a questão da sexualidade feminina é outra causa
da violência contra a mulher, utiliza-se a violência geralmente como instrumento para regular
sua conduta sexual e por essa razão, não é raro que essa violência se expresse sexualmente. A
violação, a difamação, o abuso sexual, a mutilação genital feminina são todas formas de
violência que representam uma agressão à sexualidade feminina.
A regulação da conduta sexual feminina tem por fim assegurar a castidade da mulher,
para que somente tenha filhos de seu conjugue, e evitar alem disso que os bens sejam
herdados por quem não pertença à mesma linha de parentesco. Esse desejo de garantir a
castidade pode adotar distintas formas, das quais a mutilação genital feminina é a
manifestação mais extrema, pois esta forma de violência contra a mulher reduz sua expressão
sexual para que siga sendo casta e fiel ao esposo. Em muitas tradições, os conceitos sobre a
honra vinculam-se com a sexualidade feminina, assim, a violência contra a mulher se justifica
freqüentemente pelo argumento de que sua conduta sexual atentou contra a honra.
Sendo a sexualidade feminina, freqüentemente, a causa da violência contra a mulher, é
importante que a sociedade “proteja” a suas mulheres da violência “dos outros”. Esta proteção
com freqüência acarreta restrições para a mulher, seja em forma de código social sobre sua
conduta ou indumentária ou sua liberdade de circulação. Também implica que a mulher que
respeita estas normas esteja protegida, enquanto que a que defende a igualdade e a
independência está mais exposta à violência. A mulher que questiona estes códigos é com
freqüência alvo da violência masculina.
No Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), afirma-se que o medo à violência e a
agressão sexual masculina segue sendo o aspecto mais importante da vida da mulher em todas
as sociedades. Considera-se que as atitudes com respeito à sexualidade feminina são os
principais fatores responsáveis de violência contra a mulher. Estas atitudes não somente
condicionam a conduta de homens e mulheres na sociedade, senão que terminam justificando
a violência. Temas como a reivindicação da honra, os conceitos de vingança familiar e a
necessidade de “proteger” mulheres “decentes” ao tempo que se castiga às outras, são alguns
32

dos fatores que condicionaram as atitudes masculinas com respeito à sexualidade feminina e o
uso da violência contra a mulher.
Aparte da história e da sexualidade, a existência de ideologias que justificam a posição
subordinada da mulher é outra causa da violência da qual ela é objeto. Em muitas ideologias
tradicionalmente, autoriza-se o uso da violência contra a mulher. Estas ideologias baseiam
seus argumentos em uma interpretação especial da identidade sexual. A interpretação da
masculinidade exige a capacidade de exercer poder sobre terceiros, especialmente mediante o
uso da força, a masculinidade dá ao homem o poder de dirigir as vidas de quem o rodeia, em
especial as mulheres. A interpretação da feminilidade nessas ideologias impõe a mulher uma
atitude passiva e submissa que deve aceitar a violência como parte de sua condição de mulher.
Conforme o artigo 4 da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher
(DA GUERRA, 1997, p. 118) “os Estados devem condenar a violência contra a mulher e não
invocar nenhum costume, tradição ou consideração religiosa para evitar sua obrigação de
procurar eliminar-la.” Lamentavelmente, a experiência internacional sinala uma realidade
diferente. Freqüentemente invocam-se os costumes, a tradição e a religião para justificar o uso
da violência.
Algumas práticas tradicionais e aspectos da tradição são freqüentemente causa dessa
violência. Uma adesão cega a estas práticas e a passividade do Estado com respeito a estes
costumes e tradições há possibilitado uma violência contra a mulher em grande escala. Apesar
de que os Estados estão promulgando novas leis e disposições, a esfera dos direitos das
mulheres demora em aceitar a mudança, pois, por mais que as leis sejam fundamentais para a
punição da violência, esta não é apenas uma questão jurídica, trata-se de um problema amplo
que envolve todas as esferas da vida humana, culturais, educacionais, econômicas, políticas,
etc.

3.2 Tipos de violência contra as mulheres

A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres é o primeiro


instrumento internacional de direitos humanos que explicitamente e exclusivamente trata a
questão da violência contra as mulheres.
A definição de violência de gênero é ampliada no artigo 2 da Declaração (DA
GUERRA, 1997, p. 117-8), que identifica três domínios em que a violência normalmente
ocorre:
33

1) Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da família, incluindo os


ataques; abuso sexual de crianças do sexo feminino no lar; violência relacionada ao
dote da mulher; estupro conjugal; mutilação genital feminina e outras práticas
tradicionais nocivas para as mulheres; violência extraconjugal; e violência relacionada
com a exploração;
2) Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da comunidade geral,
incluindo estupro; abuso sexual; intimidação e assédio sexual no local de trabalho, nas
instituições educativas e em outras partes; tráfico de mulheres; e prostituição forçada;
3) Violência perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra.

3.2.1 A violência doméstica

Para muitas mulheres e crianças, o lar é uma local de violência. A violência doméstica
constitui a forma mais comum de violência contra as mulheres em todo o mundo, sem
exceção de região. Outras formas de violência na família incluem o abuso sexual de mulheres
e crianças, violência relacionada ao dote das noivas, violência física e sexual que comumente
são acompanhadas de abuso emocional, humilhação, intimidação e controle sobre a vítima.
Segundo Vlachovd e Biason (2005) entre 16 a 41% das mulheres foram agredidas
fisicamente por um parceiro masculino em uma relação intima, de acordo com estudos
realizados entre 1986-1997, no Camboja, Índia, Correia, Tailândia, Egito, Israel, Quênia,
Canadá, Nova Zelândia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Uganda. E 40 a 70% das
mulheres vítimas de assassinato são mortas pelos maridos ou namorados, frequentemente no
contexto de uma relação abusiva.
A violência contra as mulheres no seio da família ocorre em países desenvolvidos e
em desenvolvimento também. Ela tem sido há muito tempo considerada um assunto privado
por observadores, incluindo vizinhos, a comunidade e o governo. Mas esses assuntos privados
têm uma tendência de se tornar tragédias públicas.
Os ordenamentos jurídicos tradicionais sancionavam a violência na família ao
reconhecer ao marido o “direito ao castigo”. Este direito era reconhecido pelos tribunais de
muitos países, além de, muitos ordenamentos jurídicos permitirem que os homens
recorressem à força para exigir o cumprimento dos “deveres conjugais”. Portanto, nos
ordenamentos jurídicos fazia-se a omissão dos casos das mulheres maltratadas a menos que
34

existisse lesão grave ou escândalo público. Em alguns países a defesa da “honra” permitia a
fácil absolvição dos homens que matavam suas esposas.
De acordo com o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), muitos governos já
reconhecem a importância de proteger as vítimas de abuso doméstico e tomar medidas para
punir os culpados. A criação de estruturas que permitam funcionários para lidar com casos de
violência doméstica e suas conseqüências é um passo significativo no sentido da eliminação
da violência contra as mulheres no seio da família.
O Relatório (op. cit.) ainda sublinha a importância da adoção de legislação que prevê a
punição do agressor. Sublinha também a importância de um treinamento especializado de
autoridades policiais, bem como médicos e profissionais forenses, e a instauração de uma
comunidade de serviços de apoio às vítimas, inclusive o acesso à informação e abrigos.

3.2.2 Práticas tradicionais

Em muitos países, as mulheres são vítimas de práticas tradicionais que violam os seus
direitos humanos. A persistência do problema tem muito a ver com o fato de a maioria destes
costumes estarem profundamente enraizados na tradição e na cultura da sociedade.
Segundo o Relatório Especial (op. cit.), o delicado de por em foco o julgamento da
existência destas práticas, profundamente enraizadas na tradição, na cultura e nas
desigualdades de poder das sociedades, é que frequentemente elas servem de ritos de
iniciação para a integração e a aceitação das jovens em uma comunidade, assim como a falta
de informação e educação em muitas regiões em que existem estas praticas, são todos fatores
que contribuem para a sua perpetuação.
Vários países ainda se praticam crimes para “limpar a honra”. Segundo Vlachovd e
Biason (2005), na Índia e Paquistão, milhares de mulheres são mortas porque seu dote é
considerado insuficiente pela família do noivo; em um estudo no Egito, 47% das mulheres
foram assassinadas por um parente após terem sido vítimas de um estupro por terceiros; os
ataques são, na maioria das vezes, realizados com fogo ou ácido, se deixam a mulher viva, ela
fica desfigurada ou cega.
Estes crimes não são punidos, nem sequer julgados, uma vez que não são entendidos
pelas autoridades locais como um crime e sim como o direito do homem de ter sua honra
limpa e restaurada.
35

3.2.2.1 Mutilação genital feminina

A mutilação feminina não está restrita a uma religião ou classe social. Sua prática está
ligada à restrição da sexualidade feminina e ritos de passagem da puberdade e casamento. Em
algumas comunidades, meninas que não foram submetidas à mutilação são consideradas
impuras ou incapazes de casar.
Segundo o Relatório Especial (ONU, 1994), a mutilação feminina possui diversas
modalidades que vão desde remoção parcial do clitóris e a excisão total do clitóris e lábios
menores que constituem aproximadamente 85% das mutilações genitais femininas, até a sua
forma mais extrema, a remoção total do clitóris e dos lábios menores, assim como a da
superfície interior dos lábios maiores e ao final a saturação a vulva, mantendo apenas uma
pequena abertura para a urina e o fluxo menstrual.
Ainda conforme o Relatório da ONU (op. cit.), tais operações são realizadas por
parteiras tradicionais ou anciãs designadas para esta tarefa; usam-se facas especiais, tesouras,
navalhas, pedaços de vidro ou laminas de barbear. Em geral não se utilizam anestésicos, nem
anti-sépticos, a utilização de materiais rudimentares e a falta de higiene causam uma grande
incidência de infecções e complicações à saúde da mulher.
A mutilação genital causa duradouros traumas psicológicos, dor extrema, infecções
crônicas, sangramento, tumores, infecções do trato urinário, infertilidade e pode até levar a
morte da mulher. Em alguns casos, a mulher não pode dar a luz sem ter sua vulva cortada
novamente.
Conforme Vlachovd e Biason (2005) programas de erradicação da mutilação genital
feminina precisam ser estreitamente ligados às comunidades relevantes, em vez de serem
impostos. Existe um consenso crescente de que a melhor forma de eliminar essas práticas é
através de campanhas educativas que enfatizam as suas perigosas conseqüências à saúde.

3.2.2.2 Preferência por filhos homens

A preferência por filhos homens atinge as mulheres em vários países, especialmente


na Ásia. Suas conseqüências pode ser infanticídio fetal ou feminino; a negligência da menina
sobre seu irmão em termos de necessidades básicas, tais como alimentação, cuidados básicos
de saúde e educação.
36

Segundo o Relatório Especial (ONU, 1994), todo ciclo vital feminino pode ver-se
afetado por esta prática, desde suas formas mais extremas de feticídio16 ou infanticídio até o
descuido das meninas e mulheres por seus irmãos e maridos no que concerne a uma nutrição
adequada, atenção básica da saúde, acesso a educação e informação, recreação e recursos
econômicos.
Na China e na Índia, algumas mulheres optam por encerrar as suas gravidezes quando
esperam filhas, mas continuam com gravidez ate o fim quando esperam filhos. Segundo os
relatórios da ONU (ONU, 1996), na Índia, testes genéticos para seleção sexual tornou-se um
negócio florescente, especialmente nas regiões do norte do país. Clínicas indianas de
identificação de sexo atraíram protestos de grupos de mulheres após o aparecimento das
propagandas sugerindo que era melhor gastar $38 17 agora para abortar um feto do sexo
feminino do que $3.800 mais tarde pelo seu dote.
É pouco provável que as estratégicas jurídicas tenham eficácia a este respeito, já que
esta prática está enraizada culturalmente nestas sociedades, mais efetivos são os programas
especiais de educação e saúde para evitar estas práticas discriminatórias.

3.2.2.3 Crimes relacionados ao dote e os casamentos precoces

Conforme relata o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), em muitas sociedades, o


pagamento de um dote pela noiva é um requisito para o casamento, como o pagamento dos
gastos deste. A incapacidade da família da noiva de arrecadar o montante necessário também
pode ser a causa da violência contra a mulher. Esta pode ser insultada, torturada mental e
fisicamente, privada de alimentos e, em algumas comunidades, queimada viva pelo marido e
familiares deste.
Segundo relatório da ONU sobre direitos humanos (ONU, 1996) na Índia, uma média
de cinco mulheres por dia são queimados em disputas ligadas ao dote, e muitos mais casos
nunca são relatados.
Outra forma de violência são os casamentos precoces, especialmente, sem o
consentimento da menina, o que é uma outra forma de violação dos direitos humanos. O
matrimonio precoce tem por objetivo garantir a virgindade da mulher, livrar sua família de
mais uma pessoa para alimentar e garantir que ela comece suas gestações rapidamente para ter

16
Termo utilizado para designar a mortandade de fetos.
17
Não é citada a espécie da moeda.
37

um maior número de filhos, desejando-se especialmente os filhos homens. Casamento precoce


seguido de gravidez múltiplas podem afetar a saúde das mulheres para toda vida.
O Relatório Especial (ONU, 1994) tem documentado os efeitos destrutivos do
casamento de crianças do sexo feminino menores de 18 anos e mostra a urgência de governos
adotarem uma legislação pertinente.

3.2.3. Estupro

Estupros podem ocorrer em qualquer lugar, mesmo no seio da família, onde se pode
tomar a forma de estupro conjugal ou incesto. Ocorre na comunidade, onde a mulher pode ser
vítima de qualquer agressor. Ele também ocorre em situações de conflito armado e em
campos de refugiados.
Na legislação penal da maioria dos países considera-se que o acesso carnal constitui
violação somente quando existe penetração do pênis na vagina. Entretanto, frequentemente, o
violador prefere não fazê-lo, e em troca obriga sua vítima a realizar atos de sexo oral, a
penetra em outras partes do corpo e com outros objetos, ou a agride de outra maneira.
Entretanto, em alguns países, considera-se inadequado limitar-se o estupro a penetração do
pênis. Em algumas leis a definição de acesso carnal inclui os atos sexuais anais e orais. Outras
vão mais além e compreendem a introdução de objetos em determinados orifícios, enquanto
que outras incluem o sexo oral praticado pelo homem na mulher. Esta ampliação da noção de
estupro é fundamental para se destacar todos os aspectos humilhantes e violentos em que as
vítimas são submetidas.
Todavia, em muitos países agressões sexuais de um marido sobre sua esposa não é
considerado um crime: pois é da natureza da mulher “submeter-se”. Assim, é muito difícil na
prática para uma mulher provar que têm sofrido agressões sexuais, a menos que ela possa
demonstrar lesões graves.
O Relatório Especial (op. cit.) sublinha a importância da educação para sensibilizar o
público sobre os horrores especiais de estupro, e de sensibilizar a formação da polícia e do
pessoal hospitalar que trabalham com as vítimas.
38

3.2.4 Assédio sexual

Segundo o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), o abuso sexual no trabalho e


outras partes converteu-se em um tema de crescente importância no programa de direitos
humanos da mulher, assim que, informes recentes indicam uma generalização do fenômeno e
de seus efeitos graves e perturbadores. Ao elaborar as estratégias para combater-lo, o primeiro
a ser feito é chegar a uma definição adequada do que significa abuso sexual. O
comportamento que ficará entendido nesta definição certamente será muito variado e incluirá
uma conduta que no contexto atual considera-se normal, assim como uma conduta que fica
dentro da definição de muitos delitos sexuais reconhecidos pela lei. Provavelmente a busca
por uma definição adequada para o abuso sexual será difícil e variará segundo os valores e
normas culturais. Entretanto, o abuso sexual tem duas características essenciais: primeiro, é
uma conduta não desejada pela pessoa que o recebe; segundo, é uma conduta ofensiva e
ameaçadora para a pessoa que o recebe.
O assédio sexual no local de trabalho é uma realidade para as mulheres.
Empregadores abusam da sua autoridade para obter favores sexuais de suas colegas de
trabalho ou subordinadas, por vezes prometendo promoções ou outras formas de carreira ou
simplesmente criando um insustentável e hostil ambiente de trabalho. Mulheres que se
recusam a submeter-se a tais atos indesejados muitas vezes correm o risco de ter seu cargo
rebaixado ou de serem demitidas. Entretanto, nos últimos anos as mulheres têm denunciado
mais tais práticas, em casos chegando aos tribunais.
O assédio sexual constitui uma forma de discriminação sexual. Ele não só degrada a
mulher, mas reforça e reflete a idéia do não-profissionalismo por parte das mulheres
trabalhadoras, que são assim consideradas menos capazes de exercer as suas funções do que
os seus colegas do sexo masculino.

3.2.5 Prostituição e tráfico

Muitas mulheres são forçadas à prostituição, por seus pais, maridos ou namorados, ou
como resultado das difíceis condições econômicas e sociais em que se encontram. Elas
também são atraídas para a prostituição, muitas vezes por agências que prometem encontrar-
lhes um marido ou um posto de trabalho em um país estrangeiro. Como resultado, muitas
39

vezes se encontram ilegalmente confinadas em bordéis, em escravidão, em condições em que


são fisicamente abusadas e têm seus passaportes retidos.
Segundo Vlachovd e Biason (2005), mulheres na prostituição sofrem enormes custos à
saúde física e psíquica, são documentados estupros, espancamentos, prisões, abuso sexual,
servidão e doenças. Prostitutas têm uma elevada probabilidade de adquirir doenças
sexualmente transmissíveis, incluindo HIV/AIDS. Elas normalmente sofrem de gravidez
indesejada, infertilidade e aborto, experiências graves pós-traumáticas e estresse. Muitas ainda
fazem uso de drogas e álcool frequentemente e suas taxas de suicídio são elevadas.
Ainda segundo Vlachovd e Biason (2005) as prostitutas são frequentemente
maltratadas pelas autoridades policiais. Elas são propensas a prisões arbitrárias, agressões
físicas, e assédio sexual. Em alguns casos, os policiais fazem parte do negócio da prostituição,
recebendo suborno ou somas de dinheiro de todas as transações realizadas.
Uma vez que a prostituição é ilegal em muitos países, é difícil para as prostitutas
apresentarem-se e pedirem proteção quando se tornaram vítimas de violação ou querem
escapar de prostíbulos. Os clientes, por outro lado, raramente são objeto de leis penais.
Apensar das condições em que as prostitutas são submetidas, segundo o Relatório
Especial (ONU, 1994), a prostituta ou acompanhante está em melhor situação e é mais
independente que a moça que é enviada como mercadoria ao estrangeiro onde não conta com
nenhum respaldo econômico nem vínculos culturais ou familiares. Geralmente as mulheres
vítimas não são conscientes da real situação que será vivida no exterior; a maior porcentagem
das mulheres vítimas desta forma de tráfico são vendidas por seus pais, maridos ou irmãos.
Estas mulheres, levadas a outros países para prostituir-se geralmente trabalham nos bordéis,
bares e salões mais abusivos, suas condições de vida são penosas.
Muitas mulheres e meninas são traficadas através das fronteiras, muitas vezes com a
cumplicidade dos guardas de fronteiras. Ao mesmo tempo, o turismo sexual em muitos países
é uma indústria bem organizada e muito rentável.
O Relatório Especial da ONU (op. cit.) pediu aos governos que tomem medidas para
proteger as jovens de serem recrutados como prostitutas e acompanhar de perto as agências de
recrutamento.
Para Vlachovd e Biason (2005), são necessárias sérias atenções, recursos e verdadeira
vontade política para implementar medidas anti-tráfico. Meras ratificações sobre o anti-tráfico,
convenções dos principais países de origem do tráfico, a fim de amenizar tal comercialização,
sem aplicações eficazes, é um exercício infrutífero. Os países fontes deveriam ser plenamente
40

integrados nos esforços preventivos, tanto no nível governamental quanto na sociedade civil.
Nos países de destino, a procura pelo trafico também necessita de atenção urgente.
O tráfico afeta desproporcionalmente as mulheres, políticas sexuais devem constituir a
base das estratégias anti-tráfico, assim como políticas de longo prazo devem abordar
necessariamente a pobreza e a discriminação sexual como suas causas profundas.

3.2.6 A violência contra as mulheres migrantes

As trabalhadoras migrantes costumam deixar os seus países para melhorar as


condições de vida e buscar melhores salários, mas os benefícios reais revertem-se para ambos
os países, o de acolhimento e o país de origem. Para os países de origem, o dinheiro enviado
pelos trabalhadores migrantes é uma importante fonte de divisas, enquanto os países de
acolhida são capazes de encontrar trabalhadores de mão-de-obra barata.
Segundo o Relatório da ONU (ONU, 1994) o perfil das trabalhadoras migrantes varia
muito, desde a trabalhadora especializada (enfermeiras, secretárias, professoras...) até a
trabalhadora não qualificada (empregadas domesticas, camareiras, operárias de indústria...) a
mão-de-obra especializada está mais instruída e melhor remunerada, ainda que o trabalhador
nacional tende a receber um melhor pagamento que o estrangeiro. Todavia, as trabalhadoras
não especializadas, especialmente as empregadas domésticas, são as vítimas em maior grau da
violência.
As trabalhadoras migrantes muitas vezes se tornam escravas, sujeitas a abusos e
violações por seus empregadores. As condições de trabalho, não raramente, são terríveis, os
empregadores impedem as mulheres de escapar pela apreensão de seus passaportes ou
documentos de identidade.
Geralmente, quanto se tratam de migrantes ilegais, os casos de violência não são
relatados a policia, por receio da trabalhadora sofrer sanções por sua situação ilegal no país,
isso acarreta sérias conseqüências para a mulher, como o abuso desta situação pelo
empregador. Entretanto, muitas vezes, os policiais são frequentemente de pequena ajuda. Em
muitos casos, as mulheres que relatam ser violadas pelos seus patrões são enviadas de volta
para o empregador, ou ainda são mesmo agredidas na delegacia.
Conforme cita o Relatório (op. cit.) tanto os governos dos países de origem como os
receptores têm enfrentado dificuldades para regular as correntes migratórias de trabalhadores.
A grande maioria dos trabalhadores migrantes é contratada por agencias privadas, não
41

registradas, que driblam facilmente as leis trabalhistas e de imigração. O relatório ainda


chama a atenção para o fato de que existem muitos instrumentos internacionais que podem ser
usados para evitar abusos contra mulheres migrantes.

3.2.7 Pornografia

O tema da pornografia tem tido muita importância nos movimentos feminista de todo
o mundo. Muitas feministas consideram a pornografia como a essência do patriarcado. A
pornografia erotiza o domínio masculino e a diferenciação de atribuições entre os sexos. Ou
seja, a pornografia dá um caráter sexual ao poder, e também converte a subordinação da
mulher em um fenômeno natural. A pornografia sexualiza a violação, a agressão física, o
abuso sexual, a prostituição e o abuso de menores. Deste modo, exalta, promove, autoriza e
legitima a dominação masculina e a violência contra a mulher.
Deste modo define-se pornografia como:
A subordinação sexualmente explícita da mulher mediante imagens ou palavras que
também incluem a desumanização das mulheres como objetos sexuais, coisas ou
mercadorias, que gozam com a dor, a humilhação ou violência, atadas, cortadas,
mutiladas, machucada ou lesionadas fisicamente, em posturas de submissão,
servilismo ou exibição sexual, reduzidas a partes corporais, penetradas por objetos
ou animais, ou apresentadas em cenários de degradação, torturas, lesões; mostradas
como imundas ou inferiores, sangrentas, quebradas ou feridas, em contexto que
confere a todas estas circunstancias um caráter sexual. (DWORKIN; MACKINNON
apud ONU, 1994, tradução nossa).

Apesar de esta questão tocar importantes aspectos do direito da liberdade de expressão,


a pornografia onde se apresentam mulheres atadas, golpeadas, torturadas, humilhadas e
degradadas é um meio incentivador da violência e por isso deve ser combatida.

3.2.8 Violência contra as mulheres sob custódia

A violência contra as mulheres pelas próprias pessoas que estão supostamente


encarregadas de protegê-las, membros da aplicação da lei e da justiça penal sistemas, é
generalizada. Segundo o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), o abuso de poder por
parte de agentes governamentais, policiais ou militares, em condições pouco claras,
juntamente com a impunidade que gozam esses agentes constitui a base deste tipo de
violência.
42

Ainda segundo o Relatório (ONU, 1994), a violência durante a detenção não tem
relação com o delito cometido pela mulher. As mulheres são vulneráveis a abusos, tanto se
estão acusadas de furto como de desvio sexual ou formação de quadrilha.
As mulheres são violentadas física ou verbalmente; elas também sofrem tortura física
e sexual. Milhares de mulheres detidas sob custódia são rotineiramente violadas nos centros
de detenção policial em todo o mundo. O Relatório Especial (op. cit.) salienta a necessidade
de Estados julgarem os acusados de abuso sobre as mulheres, enquanto estas estão em
detenção.
Conforme Vlachovd e Biason (2005), as mulheres que são abusadas ou exploradas
pelos agentes custodiais têm pouca oportunidade de fugir de seu agressor. Aquelas que
apresentam queixa ou tomam ações jurídicas sofrem o risco de sofrer retaliação. A violência
contra a mulher sob custódia é uma agressão particular aos direitos humanos da mulher, pois
essas pessoas estão privadas de sua liberdade pela autoridade pública e é função do Estado
proteger os indivíduos da violência.

3.2.9 A violência contra as mulheres em situações de conflito armado

Conflitos armados afetam a vida de milhares de pessoas em todo o mundo, em


especial as mulheres, que se tornam vítimas de inúmeras formas de violências durante e
depois de ditos conflitos.
Durante os conflitos armados, as mulheres são suscetíveis à marginalização, a
pobreza e ao sofrimento com as desigualdades existentes e os padrões de
discriminação que tendem a crescer de forma exacerbada. Embora o impacto dos
conflitos armados sobre as mulheres diferir consideravelmente entre contextos e
entre os indivíduos, é possível identificar características comuns entre eles: violência
sexual generalizada, o estremo encargo da guerra faz com que as mulheres tenham
que assegurar a sua própria sobrevivência e os cuidados com as crianças e idosos,
bem como os desafios que a guerra traz para as mulheres que decidem pegar em
armas. (VLACHOVD; BIASON, 2005, tradução nossa).

Segundo relatório da ONU (ONU, 1996), o estupro tem sido amplamente utilizado
como arma de guerra, sempre que surgem conflitos armados entre diferentes partes. Mulheres
e meninas são frequentemente vítimas de estupro cometidos por soldados de todos os lados de
um conflito. Tais atos são feitos principalmente para ferir a dignidade das vítimas e são
utilizados ainda como uma arma de limpeza étnica. Ele tem sido usado em todo o mundo: em
Chiapas, no México, no Ruanda, no Kuwait, no Haiti, na Colômbia.
43

Os conflitos armados podem ser acompanhados pelo aumento do tráfico de mulheres


para serem recrutadas como combatentes, para a prostituição forçada, e para a escravidão. As
moças são a categoria mais vulnerável a serem recrutadas como soldados entre as mulheres e
também para serem seqüestradas por grupos armados para atuarem como escravas domésticas
e sexuais. Exemplo claro são:
As chamadas "mulheres de conforto", meninas de países colonizados ou ocupados,
que se tornaram escravas sexuais de soldados japoneses durante a Segunda Guerra
Mundial, têm dramatizado o problema da violência neste contexto histórico. Muitas
destas mulheres agora exigem uma indenização das autoridades japonesas pelos seus
sofrimentos. (ONU, 1996, grifo do autor, tradução nossa).

Segundo o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), a violação de mulheres e


meninas em situações de conflito armado, seja civil ou internacional, constitui uma grave
violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional. Na Quarta Convenção
de Genebra18 de 1949 se estabelece que as mulheres serão especialmente protegidas contra
todo atentado a sua honra e , em particular, a prostituição forçada e todo atentado ao seu
pudor. Além disso, o direito humanitário internacional proíbe as agressões sexuais das
mulheres mediante normativas que condenam os atentados contra a integridade física, a
dignidade e a segurança da pessoa.

3.2.10 Violência contra mulheres refugiadas e deslocadas

Segundo o Relatório da ONU (op. cit.), calcula-se que existam, em todo o mundo,
algo como 20 milhões de refugiados e 24 milhões de pessoas deslocadas internamente. Os
refugiados e deslocados internos são vitimas de perseguições, violações dos direitos humanos,
e de conflitos étnicos ou bélicos. Vivem fora da cultura e da comunidade que lhes é familiar,
frequentemente em países muitos diferentes dos de sua origem. Também podem vir a sofrer
descriminações lingüísticas, raciais e legais e em muitos casos não têm sua segurança física e
psicológica garantida. Em geral também é muito difícil conseguir alimentos, medicamentos,
alojamentos e água, em parte devido às circunstâncias dos conflitos armados e hostilidades. A
questão da proteção dos refugiados possui problemas muito especiais; em particular, devem

18
As Convenções de Genebra são uma série de tratados formulados em Genebra, na Suíça, definindo as normas
para as leis internacionais relativas aos Direitos Humanos. Esses tratados definem os direitos e os deveres de
pessoas, combatentes ou não, em tempo de guerra. Tais tratados são consistituem a base dos direitos
humanitários internacionais. A quarta Convenção foi escrita em 1949. Ela revisou as três Convenções anteriores
e acrescentou uma quarta, relativa à proteção dos civis em período de guerra.
44

ser protegidos de repatriações forçadas, agressões violentas, detenções não justificadas e


prolongadas e exploração por parte dos agentes do Governo.
Ainda segundo o Relatório (ONU, 1994), as mulheres e as crianças representam cerca
de 80% da maioria das populações de refugiados. Além dos temores e problemas que
compartem com os demais refugiados, as mulheres e as meninas estão expostas à
descriminação, à violência e à exploração sexual. Correm perigo nas comunidades de que
fogem, durante a fuga e nos acampamentos de refugiados onde buscam proteção. Entre os
homens que exploram e agridem as mulheres refugiadas cabe mencionar militares,
funcionários de imigração, delinqüentes e piratas, outros refugiados do sexo masculino e os
grupos étnicos rivais.
A proteção da mulher refugiada é regida pelo direito internacional e as leis dos países
de asilo. O instrumento internacional básico para a proteção das refugiadas é a Convenção
sobre o estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 196719. O Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados 20 tem por mandato brindar proteção internacional aos
refugiados e encontrar soluções duradouras para seus problemas.
O Relatório Especial (op. cit.) propõe as seguintes medidas a serem tomadas para a
proteção das mulheres e moças nos campos de refugiados: melhoria da segurança, a
implantação de funcionárias treinadas em todos os pontos de viagem dos refugiados, a
participação das mulheres nas estruturas organizacionais dos acampamentos e repressão de
governos e militares responsáveis por abusos contra mulheres refugiadas.

3.3 Conseqüências da violência

As conseqüências da violência contra a mulher são difíceis de determinar porque


freqüentemente os delitos são invisíveis e se conta com poucos dados a respeito. Não obstante,
resulta-se obvio que o temor é a mais importante das conseqüências O temor à violência
impede muitas mulheres de levar uma vida independente. O medo limita seus movimentos, e

19
Em 1951, foi adotada a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados que estabeleceu o status de refugiados
e a documentação legal para que assim o fosse considerado um refugiado, definindo sua obrigação legal em
relação ao Estado. Em 1967 foi removida as restrições geográficas e temporal que haviam, esse protocolo
unificou diversas resoluções a respeito.
20
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, com a sigla em português ACNUR e UNHCR em
inglês, é um órgão das Nacoes Unidas, criado por uma Resolução em 14 de Dezembro de 1950, tem como
missão dar apoio e protecção a refugiados de todo o mundo. Possui um mandato para proteger os refugiados e
buscar soluções duradouras para os seus problemas. As principais soluções duradouras são repatriação voluntária,
integração local e reassentamento em um terceiro país.
45

por ele muitas mulheres de todas as partes do mundo não se atrevem a sair sozinhas. O medo
as obriga a vestirem-se de forma “não provocativa”, para que ninguém possa dizer que
“deram motivos” se sofrem uma agressão violenta. O medo da violência as leva a buscar a
proteção do homem para evitar serem vítimas da violência. Esta proteção pode trazer consigo
uma situação de vulnerabilidade e dependência que não é propícia para a realização da mulher.
Não se aproveitam suas possibilidades e com freqüência se reprime uma energia que poderia
utilizar-se para melhorar a sociedade.
Para Casique e Furegato (2006), a violência contra a mulher provoca conseqüências
com impactos à sua saúde física e emocional da mulher. Tais como:
a. Conseqüências físicas: lesões abdominais, toráxicas, contusões, edemas e hematomas,
síndrome de dor crônica, invalidez, fibromialgias, fraturas, distúrbios gastrintestinais,
cefaléias, dor abdominal, síndrome de intestino irritável, queimaduras, lacerações e
escoriações, dano ocular, funcionamento físico reduzido, fadiga crônica, mudanças
bruscas de peso;
b. Conseqüências sexuais e reprodutivas: distúrbios ginecológicos, fluxo vaginal
persistente, sangramento genital, infertilidade, doença inflamatória pélvica crônica,
complicações na gravidez, aborto espontâneo, disfunção sexual, doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive HIV/AIDS, aborto sem segurança, gravidez indesejada,
retardo no desenvolvimento intra-uterino, morte fetal e materna;
c. Conseqüências psicológicas e comportamentais: abuso de álcool e drogas, depressão,
ansiedade, distúrbios da alimentação e do sono, sentimentos de vergonha e culpa,
fobias e síndrome de pânico, inatividade física, baixa auto-estima, distúrbios de
estresse pós-traumático, tabagismo, comportamentos suicidas e autoflagelo,
comportamento sexual inseguro.
Em alguns contextos culturais, especialmente naqueles em que se prática a mutilação
genital feminina, se nega a existência da mulher como ser sexual que tem necessidades e
expectativas. Esta negação da sexualidade feminina mediante a mutilação do corpo também
deve considerar-se violação de um direito humano fundamental.
Segundo o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), a violência na família em
particular, tem graves conseqüências para a mulher e o filho. Os filhos com freqüência
apresentam sintomas de esgotamento pós-traumático e transtornos de conduta e emocionais.
Além disso, em um estudo canadense demonstrou-se que os homens proveniente de lares em
que um conjugue exercia violência sobre o outro tem 1.000% mais de probabilidade de
46

agredir a sua própria esposa que os que provêem de famílias em que ditas agressões não
existiam. A principal conseqüência de tolerar a violência é que se perpetua o ciclo de
violência na família e na sociedade.
Enquanto o desenvolvimento da violência impede a mulher de participar plenamente
na vida da família, da comunidade e da sociedade. Inibe-se a energia que a ela cabia utilizar
para o beneficio e desenvolvimento da sociedade. As possibilidades da mulher e sua
contribuição ao crescimento são aspectos importantes do processo de desenvolvimento. A
violência contra a mulher impede que ela e também a sociedade realizem todas as suas
possibilidades.
Contudo, nada se compara ao custo individual que a violência acarreta para cada
mulher, este é um custo intangível que tem a ver com a qualidade de vida, a supressão dos
direitos humanos e a negação dos direitos da mulher a participar plenamente na sociedade em
que vive.
47

4 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO PROBLEMA INTERNACIONAL

A violência afeta a vida de milhões de mulheres em todo o mundo, em todas as classes


sócio-econômicas e educacionais. Ela ultrapassa todas as barreiras culturais e religiosas,
impedindo o direito das mulheres à participação plena na sociedade. De acordo com a
Conferência de Pequim (DA GUERRA, 1997, p. 129), “em todas as sociedades, em maior ou
menor incidência, as mulheres e as meninas estão sujeitas a maus tratos de natureza física,
sexual e psicológica, sem distinção quanto a seu nível de renda, classe ou cultura.”
A violência de gênero tanto reflete quanto reforça as desigualdades entre homens e
mulheres e compromete a saúde, a dignidade, a segurança e a autonomia de suas vítimas. Ela
engloba uma vasta gama de violações dos direitos humanos, incluindo o abuso sexual de
crianças, estupro, violência doméstica, assédio sexual, tráfico de mulheres e meninas e várias
práticas tradicionais nocivas. Qualquer um destes abusos pode deixar profundas cicatrizes
psicológicas, danos à saúde das mulheres e das meninas em geral, incluindo a saúde
reprodutiva e sexual e, em muitos casos, resulta em morte.
Esta violência serve também, por intenção ou efeito, para perpetuar o poder masculino
e seu controle sobre as mulheres. É sustentado por uma cultura de silêncio e negação da
gravidade de seus abusos e conseqüências.
De acordo com as estimativas das Nações Unidas (ONU apud VLACHOVD;
BIASON, 2005), mais de 200 milhões de mulheres e meninas estão “desaparecidas”. A
utilização do termo “desaparecidas” esconde um dos mais chocantes crimes contra a
humanidade. Se não estão entre nós, se estão “desaparecidas”, então elas foram mortas, ou
morreram por negligência e maus tratos.
Muitas são vítimas de aborto seletivo e infanticídio (meninos sendo preferidos a
meninas). Outras não recebem a mesma quantidade de alimentos e cuidados médicos como os
seus irmãos, pais e maridos. Outras são vítimas de delitos sexuais, assassinatos em nome da
honra ou ainda atacadas com fogo e ácido. É chocante o número de mulheres que são mortas
48

dentro de suas próprias paredes através da violência doméstica, neste contexto, estima-se que
milhares de mulheres são queimadas até a morte todos os anos em “acidentes domésticos".
Índices sucumbem aos horrores especiais e dificuldades que conflitos, guerras e situações pós-
conflitos reservam para meninas e mulheres. O estupro e a exploração sexual continuam
sendo uma realidade para inúmeras mulheres.
A plena magnitude do problema só se apresenta quando se colocam os números em
perspectiva. Assim, o número de mulheres "desaparecidas", mortas por motivos relacionados
ao gênero, é da mesma ordem de grandeza que os estimados 191 milhões de seres humanos
que perderam suas vidas, direta ou indiretamente, em resultado de todos os conflitos e guerras
do Século 20.
Segundo Vlachovd e Biason (2005), globalmente, as mulheres com idades
compreendidas entre os quinze e quarenta e quatro anos têm mais probabilidade de ser feridas
ou morrerem em decorrência da violência masculina do que através de câncer, acidentes de
transito, malária ou por causa da guerra. Para cada menina ou mulher morta pela humanidade,
existem outras mais que estão física ou psicologicamente feridas, se não mutiladas para toda a
vida.
A lista de horrores é interminável. Somos confrontados com um sistemático genocídio
de proporções trágicas. Embora os fatos sejam conhecidos e os números facilmente
disponíveis pelas Nações Unidas e outras publicações dedicadas a questão, não lhes são dada
a atenção que merecem. Deste modo, a violência contra as mulheres pode ser considerada a
maior perpetuação ainda menos reconhecido abuso dos direitos humanos no mundo.
Entretanto, não se pode negar, que devido ao florescimento do movimento
internacional de mulheres, a visibilidade da violência de gênero tem aumentado. Desta forma,
atualmente, tornou-se politicamente correto analisar questões por uma perspectiva de gênero,
trata-se, evidentemente, um passo na direção certa, mas é claramente insuficiente. A violência
contra as mulheres deve ser reconhecida como uma questão-chave que deve ser analisada,
discutida e combatida, como uma das maiores causas de mortes em nosso planeta, comparável
em importância apenas com a guerra, da fome e da doença.
A luz desta questão, nos últimos anos, a comunidade mundial tem tomado algumas
tentativas importante, instando passos em direção a uma maior atenção para a questão do
gênero. Vários organismos das Nações Unidas, incluindo a Assembléia Geral, o Conselho
Econômico e Social, bem como à Comissão do Crime Prevenção e Controle e outros órgãos,
49

aprovaram resoluções reconhecendo a violência contra as mulheres como uma questão de


grave preocupação.

4.1 As Organizações das Nações Unidas e as iniciativas para combater a violência de


gênero.

O compromisso das Nações Unidas para a promoção das mulheres iniciou-se com a
assinatura da Carta das Nações Unidas em São Francisco em 1945. Dos 160 países signatários,
apenas quatro tinham mulheres como representantes: Minerva Bernardino (República
Dominicana), Virginia Gildersleeve (Estados Unidos), Bertha Lutz (Brasil) e Wu Yi - Fang
(China). Entretanto, elas conseguiram inscrição dos direitos da mulher na fundação
Documento da ONU, que reafirma em seu preâmbulo "fé nos direitos humanos fundamentais,
na dignidade do ser humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e das
Nações grandes e pequenas." (ONU, 1945).
Já em 1946, uma Sub-comissão dedicada ao Status da Mulher foi estabelecida no
âmbito da Comissão dos Direitos Humanos. Muitas mulheres delegadas e representantes de
organizações não-governamentais (ONGs), no entanto, acreditam que um organismo
especificamente dedicado às questões da mulher era necessário.
Assim, em junho de 1946, a Sub-Comissão formalmente tornou-se a Comissão sobre o
Status da Mulher (CSW), dedicado a garantir a igualdade das mulheres e a promoção de seus
direitos. Seu mandato era para preparar recomendações e relatórios ao Conselho Econômico e
Social sobre a promoção dos direitos da mulher na política, econômica, sociedade civil e
educação e fazer recomendações sobre problemas urgentes que requerem atenção imediata no
domínio dos direitos da mulher.
O primeiro encontro da Comissão sobre o Status da Mulher realizou-se em Lake
Success, Nova Iorque, em Fevereiro de 1947. Desde o início, a CSW forjou uma relação
estreita com as organizações não governamentais, sua abertura à sociedade civil tem
continuado até o presente momento, o que permitiu que muitas ONGs contribuíssem com as
conclusões e resoluções das Nações Unidas.
Os membros da Comissão também construíram estreitas relações com os organismos
internacionais de direitos humanos, a Comissão dos Direitos Humanos, a Comissão de
Desenvolvimento Social e da Sub-Comissão sobre a Prevenção da Discriminação e Proteção
das Minorias, e agências especializadas, como a UNESCO e a UNICEF.
50

Durante a primeira sessão do projeto da Declaração dos Direitos Humanos, a


Comissão declarou como um dos seus princípios orientadores:
Elevar o status das mulheres, independentemente da sua nacionalidade, raça, língua
ou religião, à igualdade com os homens em todos os domínios da atividade humana,
e para eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as disposições
estatutárias da lei, em juízo ou regras, ou na interpretação do direito consuetudinário.
(ONU apud ONU, 2007, tradução nossa).

A contribuição para a elaboração da lei internacional de direitos tornou-se uma das


primeiras tarefas da CSW. Ao rever os artigos que lhes foram enviados para comentários, os
membros da Comissão argumentaram contra o uso da palavra "homens" como um sinônimo
para a humanidade.
Durante o período 1946-1962, a CSW centrou sua atenção sobre a promoção dos
direitos e igualdade da mulher, estabelecendo normas e formulando convenções internacionais
destinadas a mudança de legislações discriminatórias e fomentando a conscientização das
questões da mulher. No entanto, a codificação dos direitos das mulheres precisavam ser
apoiada por dados e análises da medida em que a discriminação contra as mulheres existe não
só na lei, mas também na prática. Assim, a Comissão deu início a um grande esforço de
investigação e sondagens para avaliar a situação das mulheres em todo o mundo.
A Comissão sobre o Status da Mulher fez dos direitos políticos da mulher uma alta
prioridade, nos primeiros anos da sua obra. Deste modo, depois de um amplo debate, a
Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, elaborada pela CSW, foi adotada pela
Assembléia Geral em 20 de Dezembro de 1952. Foi o primeiro instrumento do direito
internacional a reconhecer e proteger os direitos políticos das mulheres em todos os lugares
por enunciar que mulheres, numa base de igualdade com os homens, tinham o direito de voto
em qualquer eleição, candidatar-se para qualquer cargo, e exercer qualquer cargo público ou
exercer qualquer função pública ao abrigo da legislação nacional.
Os anos 1960 e 1970 foram de profunda mudança no seio das Nações Unidas, cuja
composição havia começado a aumentar drasticamente com a emergência de novas nações
independentes. A Organização começou a alargar o seu foco para incluir as preocupações dos
países em desenvolvimento. Nos anos 1960 e início dos anos 1970 também se viu o
surgimento de uma maior conscientização da discriminação contra as mulheres, e um aumento
do número de organismos empenhados na luta contra ele. O florescimento do movimento
internacional da mulher influenciou abordagens para seu desenvolvimento.
Em um esforço para consolidar normas sobre os direitos da mulher, que tinham sido
desenvolvidas desde 1945, a Assembléia Geral solicitou à CSW a elaborar uma Declaração
51

sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. A Assembléia notou que, embora


tivessem havido progressos mensuráveis na perspectiva da igualdade de direitos, em diversos
domínios a discriminação contra a mulher ainda continuava de fato e muitas vezes na forma
da lei. Em 7 de Novembro de 1967, a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra
as Mulheres foi finalmente aprovado pela Assembléia Geral.
Embora a Declaração fora um passo importante para garantir o fundamento legal da
igualdade da mulher, o seu impacto foi limitado, os processos para sua implementação foram
voluntários e o nível de resposta dos Governos foi baixo. Assim, a necessidade de uma
convenção juridicamente vinculativa para definir os direitos femininos em grande parte
nasceu a partir desta limitação.
Em 1972, para marcar seu 25º Aniversário, a CSW recomendou que 1975 fosse
designado Ano Internacional da Mulher. Sua celebração destinava-se a lembrar à comunidade
internacional que a discriminação contra as mulheres, enraizada na lei nas crenças culturais,
era um problema persistente na maior parte do mundo; e igualmente incentivar os governos,
ONGs e pessoas a aumentar os seus esforços para promover a igualdade entre homens e
mulheres, bem como para reforçar o reconhecimento das contribuições da mulher para o
desenvolvimento. A Assembléia Geral aprovou a recomendação sobre Ano Internacional da
Mulher e acrescentou um terceiro tema aos de igualdade e desenvolvimento proposto pela
Comissão, o reconhecimento da contribuição da mulher para o reforço da paz mundial.
A Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher foi posteriormente realizada
na Cidade do México em 1975. Nesta definiu-se um Plano de Ação para a Implementação dos
Objetivos do Ano Internacional da Mulher, que ofereceu um conjunto abrangente de diretrizes
para a promoção das mulheres até 1985.
Ao dar seguimento às políticas para as mulheres, a ONU declarou 1976-1985 a
Década das Nações Unidas para a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, isso contribuiu
para trazer legitimidade ao movimento internacional da mulher e colocar os assuntos
relacionados a mulher na agenda global. Assim, ao longo da década, a crença de que o
desenvolvimento servia para o progresso das mulheres, adquiriu o reconhecimento de que o
desenvolvimento não seria possível sem as mulheres.
A elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres (CEDAW) foi aprovada pela Assembléia Geral em 1979, como o primeiro
instrumento internacional para definir a discriminação contra as mulheres.
52

Os 30 artigos reunidos trazem os princípios internacionalmente aceitos sobre os


direitos das mulheres, e ainda comprometem os governos a tomar: “todas as medidas
necessárias, incluindo a legislação, para garantir o pleno desenvolvimento e promoção das
mulheres, com o fim de lhes assegurar o exercício e gozo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais numa base de igualdade com os homens.” (DA GUERRA, 1997, p.
59).
Em Julho de 1980, 145 Estados-Membros reuniram-se em Copenhagem para celebrar
meados da Década das Nações Unidas para as Mulheres. Além de reafirmar a importância da
CEDAW, a conferência teve como objetivo a avaliação dos progressos realizados na
implementação dos objetivos da Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, assim
como a atualização do seu Plano de Ação.
A Conferência Mundial de Revisão e Avaliação da concretização da Década das
Nações Unidas para a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz realizou-se em Nairobe em
1985, com um mandato para estabelecer medidas concretas para ultrapassar os obstáculos à
realização dos objetivos da Década. Deste modo, após duas semanas de negociações
complexas, Governos concordaram em adotar por consenso as Estratégias para a Promoção da
Mulher de Nairobe, um projeto que propunha uma série de medidas de aplicação da igualdade
entre os sexos, a nível nacional, e para a promoção da participação das mulheres nos esforços
de paz.
No final dos anos 1980 e início de 1990, a CSW, o Comitê da CEDAW e a Comissão
dos Direitos Humanos trouxe para o primeiro plano da agenda internacional a questão da
violência contra as mulheres, o que até então tinha sido considerado como um assunto privado,
e não como uma questão pública ou uma questão de direitos humanos que exige uma ação de
governo ou uma ação internacional.
Deste modo, em 1992, o Comitê CEDAW elaborou a Recomendação Geral n° 19
sobre a violência contra a mulher. Esta Recomendação afirma o entendimento de que os
artigos 1 e 2 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
Mulher, que definem a discriminação contra a mulher, incluem a violência de gênero, isto é, a
violência dirigida à mulher pelo fato de ser mulher.
Na Conferencia das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em
1993, reconheceu-se formalmente a violência contra a mulher como uma violação dos direitos
humanos.
53

Em Março de 1994, foi nomeado o Relatório Especial sobre a violência contra as


mulheres, as suas causas e conseqüências, com um mandato para investigar e informar sobre
todos os aspectos da violência contra as mulheres. O Relatório é um estudo da Comissão dos
Direitos Humanos, bem como da Comissão sobre o Status da Mulher, do Comitê CEDAW e
outros órgãos pertinentes da ONU. Este Relatório Especial contribuiu para o reforço das
relações entre a Comissão sobre o Status da Mulher e da Comissão dos Direitos Humanos.
Uma das maiores conquistas da Comissão sobre o Status da Mulher foi a Quarta
Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Pequim em 1995, que avançou
significativamente na agenda mundial para os direitos humanos da mulher e da igualdade
entre os sexos. A CSW e o seu secretariado conduziu o processo preparatório coordenando as
negociações sobre o projeto de plataforma de ação de uma forma muito participativa e
abrangente, incluindo cinco reuniões regionais preparatórias em 1994, bem como diversas
reuniões com ONGs. Os relatórios foram apresentados à Comissão e serviram de base para as
recomendações feitas na Plataforma de Ação. Os delegados na Conferência chegaram a um
documento consensual significativo para os direitos das mulheres, e definiram novos
parâmetros para a promoção das mulheres e para alcançar a igualdade dos gêneros.
Sobre a recomendação da Comissão sobre o Status da Mulher, a Assembléia Geral,
decidiu realizar uma vigésima terceira sessão especial em 2000 para uma revisão e avaliação
da implementação da Plataforma de Ação no período de cinco anos, bem como para
considerar futuras ações e iniciativas.
A sessão especial, intitulada: Mulheres 2000: igualdade entre homens e mulheres,
desenvolvimento e paz para o século XXI, teve lugar na sede da ONU em Nova Iorque de 5 a
9 de Junho de 2000. A declaração adotada pela CSW reafirmou a Declaração de Pequim e sua
Plataforma de Ação e os resultados da vigésima terceira especial Sessão da Assembléia Geral
e enfatizou que sua implementação plena e eficaz é essencial para alcançar os objetivos
acordados internacionalmente, incluindo os contidos na Declaração do Milênio.
Desta forma, a Declaração de Nova Iorque convocou o sistema das Nações Unidas,
organizações internacionais e regionais, todos os setores da sociedade civil, incluindo
organizações não-governamentais, bem como todos os homens e mulheres, a comprometer-se
plenamente e intensificar sua contribuição para a implementação da Declaração de Pequim e
Plataforma de Ação e os resultados da vigésima terceira sessão especial da Assembléia Geral.
Depois da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres a ONU exortou os Estados-
Membros a apoiarem a elaboração de um Protocolo Facultativo à CEDAW, assim a CSW
54

estabeleceu um grupo de trabalho sobre o Protocolo Facultativo em 1996, que discutiu


projetos ao longo de um período de quatro anos. Em 6 de Outubro de 1999, a Assembléia
Geral aprovou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres. Ao ratificar o Protocolo Facultativo, o Estado
reconhece a competência do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher
para receber e examinar queixas de indivíduos ou grupos dentro da sua jurisdição. O
Protocolo Facultativo entrou em vigor em 22 de Dezembro de 2000, após a ratificação do
décimo Membro parte na Convenção.
Em 31 de Outubro de 2000, foi adotada pela ONU a Resolução 1325 sobre as
mulheres, as paz e a segurança, que apela aos Estados-Membros que atribuam um papel mais
importante às mulheres nos processos de paz e condena, mais uma vez, a violência sexual em
situações de conflitos armados.

4.2 Normas Jurídicas Internacionais

A questão da mulher não esteve muito presente no desenvolvimento do direito


internacional moderno. Essa situação começou a mudar, especialmente no que diz respeito às
normas internacionais de direitos humanos. A comunidade internacional tem reconhecido
cada vez mais os problemas relacionados com a desigualdade sexual e a violência contra a
mulher.
Muitos instrumentos jurídicos internacionais de direitos humanos constituem
disposições destinadas a proteger a mulher contra a violência. A Declaração Universal de
Direitos humanos estabelece que:
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. [...] toda
pessoa tem capacidade de gozar os direitos e liberdades proclamados nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opinião política ou de outra natureza, ou qualquer outra condição. [...] que
todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança. [...] que ninguém será
submetido a torturas nem tratamento ou castigo cruel, desumanos ou degradante.
(DA GUERRA, 1997, p. 10-11).

A não discriminação implica que toda forma de violência contra a mulher que possa
interpretar-se como uma ameaça à vida, à liberdade e à seguridade da pessoa, ou constitua um
ato de tortura ou um trato cruel, desumano ou degradante, é incompatível com a Declaração
Universal de Direitos Humanos, e que constituem uma violação das obrigações internacionais
dos Estados-Membros.
55

Outros instrumentos, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto


Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também proíbem a violência contra
a mulher. Em seu artigo 26, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (DA GUERRA,
1997, p. 40-43) estabelece que todas as pessoas são iguais ante a lei e tem direito sem
discriminação a igual proteção da lei. A este respeito, a lei proibirá toda discriminação e
garantirá a todas as pessoas proteção igual e efetiva contra qualquer discriminação por
motivos de raça, cor, sexo.
Já o artigo 3 do Pacto internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (op. cit.,
p. 48-49) garante a igualdade de homens e mulheres para gozar de todos os direitos
consagrados no pacto.
O artigo 27 da Convenção de Genebra (1949) relativo à proteção das pessoas civis em
tempos de Guerra prevê claramente que as mulheres devem ser especialmente protegidas
contra todo atentado a sua honra, em particular contra a violação, prostituição forçada e
atentado ao seu pudor.
Todavia, o instrumento mais amplo que trata exclusivamente dos direitos da mulher é a
Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Trata-
se de uma carta internacional de direitos fundamentais da mulher, já que detalha tanto o que
se deve considerar como discriminação contra a mulher como as medidas que devem ser
adotadas para eliminar-la. Esta Declaração considera que os direitos da mulher são direitos
humanos e adota um modelo de não discriminação, de maneira que se considera que existe
violação dos direitos da mulher quando se negam a ela os direitos que tem o homem. Diz o
seguinte: “a discriminação contra a mulher, por negar ou limitar sua igualdade de direitos com
o homem, é fundamentalmente injusta e constitui uma ofensa à dignidade humana.” (op. cit.,
p. 52).
Entretanto, quando da definição de discriminação, a violência não se menciona
expressamente, mas uma interpretação adequada permite considerar que ela está implícita
nesta definição.
A Recomendação Geral 19, formulada em 1992, trata exclusivamente da violência
contra a mulher e estabelece explicitamente que este tipo de violência é uma forma de
discriminação que inibe a mulher de gozar de direitos e liberdades em pé de igualdade com o
homem e sugere aos Estados-Partes que levem em consideração essa caracterização ao
examinar suas leis e políticas.
56

A Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher se trata de uma ampla


exposição de normas internacionais sobre a proteção da mulher contra a violência. Mesmo
não tendo força coercitiva, a Declaração contém normas internacionais que todos os Estados
reconheceram como fundamentais na luta para eliminar todas as formas de violência contra a
mulher. É o primeiro conjunto verdadeiro de normas internacionais que tratam
especificamente deste tema.
Desta forma, o preâmbulo da Declaração (DA GUERRA, 1997, p. 116) estabelece
claramente que a violência contra a mulher origina-se em relações de poder historicamente
desiguais entre os sexos, que regulou a dominação da mulher e a sua discriminação pelo
homem, impedindo seu progresso pleno; ainda reconhece que a violência contra a mulher é
um mecanismo social fundamental que mantém a mulher em situação subordinada perante o
homem.
A violência contra a mulher é definida na Declaração de modo a incluir, mas não
limitando-se a eles, os atos de violência física, sexual e psicológica que ocorrem na família.
Essa violência inclui ataques, abuso sexual de mulheres e meninas no lar, a violência
relacionada ao dote, estupro, mutilação genital feminina e outras práticas tradicionais nocivas
para as mulheres, os atos de violência perpetrados por outros membros da família e a
violência relacionada com a exploração. A Declaração também chama a atenção para a
prevalência da violência na comunidade em geral, incluindo estupro, abuso sexual, assédio
sexual e intimidação no trabalho, nos institutos de educação, o tráfico de mulheres e a
prostituição forçada, que ocorrem em todas as partes do mundo. Por último, reconhece a
violência que é perpetrada ou tolerada pelo Estado.
A definição de violência contida na Declaração aparece com um sentido amplo que
não é estritamente interpretado como significando apenas a efetiva utilização de força física,
mas implica o direito a investigar todas as formas de ação que debilite as mulheres por causa
do medo a violência, seja este o medo imposto pelo Estado, atores da comunidade ou
membros da família.
Em 1999, foi adotado pelas Nações Unidas o Protocolo Facultativo à Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que garante às mulheres
o acesso à justiça internacional, de forma mais direta e eficaz, nos momentos em que o
sistema nacional se mostrar falho ou omisso na proteção de seus direitos humanos.
O protocolo institui dois mecanismos de monitoramento: o da petição, que permite o
encaminhamento de denúncias de violações de direitos à apreciação do Comitê CEDAW, e
57

um procedimento investigativo, que habilita o comitê a investigar a existência de violação aos


direitos humanos das mulheres.
Com o protocolo, são asseguradas garantias para a efetiva proteção a estes direitos, o
que permite a qualquer pessoa ou grupos de pessoas submeter casos de violação de direitos ao
Comitê CEDAW. Entretanto, para acionar os mecanismos de monitoramento, é necessário
que o Estado tenha ratificado o Protocolo Facultativo.
A Resolução 1325 sobre Mulheres, Paz e Segurança que insta os Estados-Membros e
outros atores a que garantam a perspectiva de gênero e a participação das mulheres na
prevenção de conflitos e nos processos de paz. Entre outras recomendações, a Resolução
encoraja os Estados a adotarem medidas especiais para proteger as mulheres e as meninas da
violência de gênero e a pôr fim à impunidade, especialmente nos crimes relacionados com a
violência sexual.
A Resolução, tal como o fizeram as Convenções de Genebra e o Estatuto do Tribunal
Penal Internacional, evidenciou a situação específica à que estão submetidas às mulheres nos
conflitos armados. Elas são vítimas da violência baseada em gênero e comprovou-se que o
estupro tem sido utilizado como arma de guerra, seja para limpeza étnica ou como objetivo de
humilhação e símbolo de vitória.

4.3 Responsabilidade e obrigações do Estado

No passado uma interpretação jurídica estrita considerava que o Estado era


responsável unicamente pelos atos que colocavam em jogo sua responsabilidade direta ou a
responsabilidade direta de seus agentes. Questões como a violência doméstica, a violação e o
abuso sexual eram consideradas como atos de particulares que, como tais, não comprometiam
a responsabilidade do Estado em matéria de direitos humanos.
Reconhece-se como norma internacional geral de direitos humanos que os Estados
devem encarregar-se de proteger o direito dos particulares a exercer seus direitos humanos,
investigar as violações, punir os autores de tais violações, assim como proporcionar recursos
eficazes às vitimas de violações de direitos humanos. Entretanto, é raro que se considere que
os Estados devem responder por fazer omissão das suas obrigações em matéria de direitos da
mulher. Em primeiro lugar porque muitos Estados não consideram que os direitos humanos da
mulher sejam direitos humanos, especialmente sobre as violações que se exercem no lar e na
comunidade, nem que estas violações constituam atos ilícitos puníveis internacionalmente
58

reconhecidos. Em segundo lugar, os Estados não se consideram responsáveis das violações


dos direitos da mulher cometidas por sujeitos de direito privado.
Salvo em casos como os de piratas e criminosos de guerra internacionais, em geral os
cidadãos e as entidades privadas não são regidas pelas normas internacionais de direitos
humanos. Contudo, através das ratificações das convenções internacionais de direitos
humanos, estes direitos são internalizados na forma da legislação nacional e desta forma rege
os direitos do cidadão.
Os direitos das mulheres converteram-se em normas internacionais de direitos
humanos e a violência contra a mulher constitui uma violação desses direitos que, uma vez
ratificados pelo Estado, este consequentemente tem a obrigação de protegê-los.
Assim, os Estados podem ser responsáveis por não cumprir obrigações internacionais,
inclusive quando as violações são provocadas pelo comportamento de particulares. A
responsabilidade do Estado pela violação dos direitos humanos da mulher por sujeitos de
direito privado está prevista no direito internacional consuetudinário. Considera-se que o
Estado são juridicamente responsáveis dos atos ou omissões dos sujeitos de direito privado
nos seguintes casos:
a. Quando a pessoa é um agente do Estado;
b.Quando os atos privados ficam compreendidos em uma obrigação dimanante de um
tratado;
c. Quando o Estado é cúmplice de atos ilícitos perpetrados por sujeitos de direito
privado;
d.Quando o Estado não vigia com a devida diligencia os atos dos sujeitos de direito
privado.
As normas elaboradas pelo direito internacional consuetudinário foram ampliadas
pelas convenções internacionais e regionais de direitos humanos. Também se considerou que
é responsabilidade dos Estados organizar o aparato estatal e as estruturas de poder público em
forma tal que pudesse garantir juridicamente o gozo livre e pleno dos direitos humanos, além
de cumprir a devida atenção para a proteção dos direitos humanos. Os Estados são obrigados
pelos instrumentos internacionais de direitos humanos a assegurar a igualdade de proteção da
lei para os seus cidadãos.
Esta tendência emergente a considerar os Estados responsáveis por ações de certos
atores privados se reflete tanto na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e na Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as
59

Mulheres. Segundo a Convenção, a discriminação não se limita aos atos cometidos pelo
Estado ou em seu nome; com respeito à violência esta noção está expressamente reconhecida
na Recomendação 19:
É importante ressaltar que, de acordo com a Convenção, a discriminação não inclui
somente a ações cometidas pelos governos ou em nome deles, (ver artigo 2.e, 2.f e
5). Por exemplo, em conseqüência do inciso e) do artigo 2 da Convenção, os Estados
comprometem-se a adotar todas as medidas adequadas a fim de eliminar a
discriminação contra a mulher praticadas por quaisquer pessoas, organizações ou
empresas. Como resultado do direito internacional e dos pactos específicos dos
direitos humanos, os Estados podem também ser considerados responsáveis pelas
ações de índole particular caso não adotarem medidas com a devida prontidão a fim
de impedir a violação dos direitos ou de investigar e punir os atos de violência e
proporcionar indenização. (DA GUERRA, 1997, p. 74).

Esta disposição abrange expressamente ao Estado a responsabilidade por violações por


agentes privados.
A Declaração resume as normas em vigor relacionadas especificamente com a questão
da violência contra as mulheres. O artigo 4 da Declaração (op. cit., p. 118) afirma que “os
Estados devem aplicar por todos os meios apropriados e sem demora uma política destinada a
eliminar a violência contra a mulher.” Assim, estabelece que os Estados devem proceder às
devidas atividades para prevenir, investigar e punir os atos de violência contra as mulheres,
tratando-se de atos perpetrados pelo Estado ou por pessoas privadas. Todos os Estados, não só
são responsáveis pela sua própria conduta ou a conduta de seus agentes, mas são agora
também responsáveis por sua incapacidade de tomar medidas necessárias para processar
cidadãos privados por seu comportamento e estar em observância com as normas
internacionais. A nova responsabilidade do Estado com a violência na sociedade desempenha
um papel absolutamente crucial nos esforços para erradicar a violência baseada no gênero e é
talvez uma das mais importantes contribuições do movimento de mulheres para a questão dos
direitos humanos.
60

5 CONCLUSÃO

O silêncio foi quebrado. Isso se deve às vozes de todas as mulheres que clamaram por
seus direitos e liberdades. Todavia a dominação ainda persiste, impregnada nas nossas vidas e
nos contextos sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos que regem as estruturas da
sociedade. E com ela persiste a violência contra a mulher.
Tal violência que possui proporções alarmantes e globais, está presente em todas as
sociedades e culturas e restringe a nenhuma religião, país, política, condição econômica, grau
de instrução, raça, cor ou nacionalidade.
Entretanto, por muitos ela ainda é negada ou reduzida, o que faz com que se perpetue
e assim também prossiga o sofrimento de milhares de mulheres em todo o mundo. Essa
violência nega à mulher seu direito de gozo pleno da vida, a restringe e limita.
Deste modo, esta questão é de fundamental importância para a sociedade internacional,
uma vez que cerca de metade de seus cidadãos estão à mercê desta violação de seus direitos
fundamentais. Assim, são observadas com satisfação as considerações internacionais de
igualdade entre os sexos, bem como os avanços das normas jurídicas para proteger as
mulheres e no combate a violência exercida contra elas.
Contudo, o ordenamento jurídico, por mais que seja um passo adiante no processo de
igualdade, não pode mudar os costumes e práticas já enraizadas pela dominação masculina. É
extremante necessário que a sociedade internacional crie uma cultura de igualdade e essa
cultura seja difundida por todo o mundo.
De vital importância neste processo está a responsabilidade do Estado, em primeiro
lugar ao reconhecer os direitos da mulher, em combater a violência contra esta e punir seus
agressores. Em segundo, cabe a ele por em prática as resoluções internacionais e difundir uma
cultura igualitária entre os cidadãos.
É importante destacar que a comunidade internacional não tem poder coercitivo sobre
a soberania dos Estados e que não pode obrigá-los a impor normativas de direitos humanos a
61

seus cidadãos, entretanto é de responsabilidade do Estado o bem estar e a segurança de sua


população e esta também é formada por mulheres e meninas que diariamente sofrem
violações de seus direitos.
Deste modo, uma vez assumida a responsabilidade de promover e proteger os direitos
humanos, na ratificação de normas internacionais, é sim dever do Estado também proteger os
direitos humanos das mulheres. Para isso faz-se necessária a eliminação da violência contra a
mulher, através de todas as formas e meios disponíveis, assim como também é dever do
Estado mostrar-se e ser igualitário antes seus cidadãos, sejam eles homens ou mulheres.
Assim, conforme o cenário atual, muito ainda há de ser feito para que as mulheres
possam realmente alcançar sua igualdade de direitos, na lei e de fato, em todas as sociedades.
O primeiro passo foi dado, o silêncio foi quebrado, a violência contra a mulher saiu do
confinamento do privado e tornou-se questão de preocupação internacional. Mesmo assim,
ainda são precisas muitas mudanças, principalmente culturais, para que esta violência seja
erradicada e com ela a dominação masculina, para que assim haja uma sociedade justa,
igualitária e plena para todos.
62

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65

ANEXO A – Declaração de Direitos da Mulher e Cidadã (Olympe de Gouges – 1791).

Preâmbulo

As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, reivindicam constituir-se em


Assembléia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento, ou o desprezo da
mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governantes,
resolverem expor em uma Declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis, e sagrados da
mulher, a fim de que esta Declaração, constantemente, apresente todos os membros do corpo
social seu chamamento, sem cessar, sobre seus direitos e seus deveres, a fim de que os atos do
poder das mulheres e aqueles do poder dos homens, podendo ser a cada instante comparados
com a finalidade de toda instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as
reclamações das cidadãs, fundadas doravante sobre princípios simples e incontestáveis,
estejam voltados à manutenção da Constituição, dos bons costumes e à felicidade de todos.

Em conseqüência, o sexo superior tanto na beleza quanto na coragem, em meio aos


sofrimentos maternais, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser superior, os
Direitos seguintes da Mulher e da Cidadã:

ARTIGO PRIMEIRO
A mulher nasce e vive igual ao homem em direitos. As distinções sociais não podem ser
fundadas a não ser no bem comum.

II
A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis
da mulher e do homem: estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e sobretudo
a resistência a opressão.

III
O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação, que não é nada mais do que a
reunião do homem e da mulher: nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade
que deles não emane expressamente.

IV
A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence a outrem; assim, os
exercícios dos direitos naturais da mulher não encontra outros limites senão na tirania
perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser reformados pelas leis da natureza e
da razão.

V
As leis da natureza e da razão protegem a sociedade de todas as ações nocivas: tudo o que não
for resguardado por essas leis sábias e divinas, não pode ser impedido e, ninguém pode ser
constrangido a fazer aquilo a que elas não obriguem.

VI
A lei dever ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem contribuir
pessoalmente ou através de seus representantes; à sua formação: todas as cidadãs e todos os
cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as dignidade,
66

lugares e empregos públicos, segundo suas capacidades e sem outras distinções, a não ser
aquelas decorrentes de suas virtudes e de seus talentos.

VII
Não cabe exceção a nenhuma mulher; ela será acusada, presa e detida nos casos determinados
pela Lei. As mulheres obedecem tanto quanto os homens a esta lei rigorosa.

VIII
A lei não deve estabelecer senão apenas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode
ser punido a não ser em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito
e legalmente aplicada as mulheres.

IX
Toda mulher, sendo declarada culpada, deve submeter-se ao rigor exercido pela lei.

X
Ninguém deve ser hostilizado por suas opiniões, mesmo as fundamentais; a mulher tem o
direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna; contanto
que suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XI
A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos os mais preciosos da
mulher, pois esta liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda
cidadã pode, portanto, dizer livremente, eu sou a mãe de uma criança que vos pertence, sem
que um prejulgado bárbaro a force a dissular a verdade; cabe a ela responder pelo abuso a esta
liberdade nos casos determinados pela Lei.

XII
A garantia dos Direitos da mulher e da cidadã necessita uma maior abrangência; esta garantia
deve ser instituída para o benefício de todos e não para o interesse particular daquelas a que
tal garantia é confiada.

XIII
Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração, as contribuições da
mulher e do homem são iguais; ela participa de todos os trabalhos enfadonhos, de todas as
tarefas penosas; ela deve, portanto, ter a mesma participação na distribuição dos lugares, dos
empregos, dos encargos, das dignidades e da indústria.

XIV
As Cidadãs e os Cidadãos têm o direito de contestar, por eles próprios e seus representantes, a
necessidade da contribuição pública. As cidadãs podem aderir a isto através da admissão em
uma divisão igual, não somente em relação à adiministração pública, e de determinar a quota,
a repartição, a cobrança e a duração do imposto.

XV
A massa das mulheres integrada, pela contribuição, à massa dos homens, tem o direito de
exigir a todo agente público prestação de contas de sua administração.
67

XVI
Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não e assegurada, nem a separação dos
poderes determinada, não tem qualquer constituição; a constituição é nula, se a maioria dos
indivíduos que compõem a Nação não cooperam à sua redação.

XVII
As propriedades pertencem a todos os sexos, reunidos ou separados; constituem para cada um,
um direito inviolável e sagrado; ninguém disto pode ser privado, pois representa verdadeiro
patrimônio da natureza, a não ser nos casos de necessidade pública, legalmente constatada,
em que se exige uma justa e prévia indenização.

Conclusão
Mulher, desperta-te; a força da razão se faz escutar em todo o universo; reconhece teus
direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de fanatismo,
de superstição e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da tolice e da
usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas,
para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação a sua companheira.

Oh mulheres.
68

ANEXO B – Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU - 1947).

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família


humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homen conduziram a actos


de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que
os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi
proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de


direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania
e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as


nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos
direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de
direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e
a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a


Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do Homem e das
liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta
importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como
ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos
e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e
pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por
medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua
aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros
como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão
e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2°
69

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente


Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento
ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no
estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa,
seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação
de soberania.

Artigo 3°
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos,
sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5°
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes.

Artigo 6°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua
personalidade jurídica.

Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm
direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°
Toda a pessoa direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os
actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Artigo 9°
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10°
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e
obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

Artigo 11°
1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que
todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não
constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo,
não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o
acto delituoso foi cometido.
70

Artigo 12°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio
ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou
ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.

Artigo 13°
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no
interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e
o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14°
1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo
em outros países.
2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente
por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das
Nações Unidas.

Artigo 15°
1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de
mudar de nacionalidade.

Artigo 16°
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir
família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento
e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros
esposos.
3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção
desta e do Estado.

Artigo 17°
1. Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18°
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito
implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em
privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de
não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração
de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.
71

Artigo 20°
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21°
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios, públicos do seu
país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas
do seu país.
3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve
exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio
universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a
liberdade de voto.

Artigo 22°
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode
legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis,
graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os
recursos de cada país.

Artigo 23°
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições
equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe
permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e
completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social.
4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em
sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável
da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25°
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem
direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou
noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da
sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as
crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social.

Artigo 26°
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O
72

ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores
deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos,
bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção
da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos
filhos.

Artigo 27°
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade,
de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste
resultam.
2. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria.

Artigo 28°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem
capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente
Declaração.

Artigo 29°
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e
pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer
as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática.
3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos
fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30°
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para
qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma actividade ou de
praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.
73

ANEXO C – Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (ONU –


1967).

A Assembléia Geral,

Considerando que os povos das Nações Unidas têm reafirmado, na Carta, sua fé nos Direitos
Humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos entre
homens e mulheres;

Considerando que a Declaração Universal de Direitos Humanos afirma o princípio de não


discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos
e que toda pessoa tem todos os direitos e liberdades proclamados na citada Declaração, sem
distinção alguma, incluindo a distinção por sexo;

Tendo em conta as resoluções, declarações, convenções e recomendações das Nações Unidas e


dos organismos especializados cujo objetivo é eliminar todas as formas de discriminação e promover
a igualdade de direitos entre homens e mulheres;

Preocupada porque, apesar da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal de Direitos
Humanos, dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos e de outros instrumentos das Nações
Unidas e dos organismos especializados e apesar dos progressos realizados em matéria de
igualdade de direitos, continua existindo considerável discriminação contra a mulher;

Considerando que a discriminação contra a mulher é incompatível com a dignidade humana e com o
bem-estar da família e da sociedade, impede sua participação na vida política, social, econômica e
cultural de seus países, em condições de igualdade com os homens, e constituiu um obstáculo ao
desenvolvimento completo das potencialidades da mulher no serviço aos seus países e à
humanidade;

Tendo em mente a grande contribuição da mulher na vida social, política, econômica e cultural, assim
como sua função na família e especialmente na educação das crianças;

Convencida de que a máxima participação tanto das mulheres como dos homens em todos os
campos é indispensável para o desenvolvimento completo de um país, o bem-estar do mundo e a
causa da paz;

Considerando que é necessário assegurar na lei e na realidade o reconhecimento universal do


princípio de igualdade de homens e mulheres;

Proclama solenemente a presente Declaração:

Artigo 1º
A discriminação contra a mulher, porque nega ou limita sua igualdade de direitos com o homem, é
fundamentalmente injusta e constitui uma ofensa à dignidade humana.

Artigo 2º
Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para abolir leis, costumes, regras e práticas
existentes que constituam discriminação contra a mulher, e para estabelecer a adequada proteção
legal à igualdade de direitos entre homens e mulheres, em particular:
a) O princípio de igualdade de direitos constará na Constituição ou será garantido por lei;
b) Os instrumentos internacionais das Nações Unidas e os organismos especializados relativos à
eliminação da discriminação contra a mulher serão ratificados ou aceitos e completamente
implementados assim que possível.
74

Artigo 3º
Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para educar a opinião pública e dirigir as
aspirações nacionais para a erradicação do preconceito e abolição dos costumes e de todas as
outras práticas que estejam baseadas na idéia de inferioridade da mulher.

Artigo 4º
Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para assegurar às mulheres a igualdade de
condições com os homens, sem qualquer discriminação:
a) O direito de votar em todas as eleições e ser elegível para integrar qualquer organismo constituído
mediante eleições públicas;
b) O direito de votar em todos os referendos públicos;
c) O direito de ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas.
Estes direitos deverão ser garantidos pela legislação.

Artigo 5º
A mulher terá os mesmos direitos do homem para adquirir, mudar ou manter sua nacionalidade. O
matrimônio com um estrangeiro, não afetará automaticamente a nacionalidade da esposa, tornando-
a apátrida ou impondo-lhe a nacionalidade do seu marido.

Artigo 6º
§1. Sem prejuízo da proteção da unidade e da harmonia da família que permanece a unidade básica
de qualquer sociedade, serão tomadas todas as medidas apropriadas, particularmente medidas
legislativas, para assegurar à mulher, casada ou solteira, igualdade de direitos com o homem, no
campo do direito civil, e em particular:
a) O direito de adquirir, administrar e herdar bens e a desfrutar e dispor deles, incluindo os adquiridos
no matrimônio;
b) O direito de igualdade de capacidade legal e de seu exercício;
c) Os mesmos direitos do homem na legislação sobre a circulação de pessoas.
§2. Deverão ser tomadas todas as medidas necessárias para assegurar o princípio de igualdade de
condição do marido e da esposa, e em particular:
a) A mulher terá o mesmo direito do homem de escolher livremente um cônjuge e contrair matrimônio
somente mediante seu pleno e livre consentimento;
b) A mulher terá os mesmos direitos do homem durante o matrimônio e após sua dissolução. Em
todos os casos o interesse das crianças deverá ser prioritário;
c) Os pais terão direitos e deveres iguais em relação aos seus filhos.
Em todos os casos o interesse das crianças deverá ser prioritário.
§3. Deverão ser proibidos o casamento de crianças e o noivado de meninas jovens antes da
puberdade, e deverão ser tomadas medidas eficazes, inclusive legislativas, para especificar uma
idade mínima para contrair o matrimônio e tornar obrigatória a inscrição do matrimônio em registro
oficial.

Artigo 7º
Todas as disposições dos códigos penais que constituam discriminação contra a mulher serão
revogadas.

Artigo 8º
Deverão ser tomadas todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para combater todas as
formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição de mulheres.

Artigo 9º
Deverão ser tomadas todas as medidas necessárias para assegurar às jovens e às mulheres,
casadas ou não, igualdade de direitos com os homens em relação à educação, em todos os níveis, e
em particular:
a) Iguais condições de acesso a instituições educacionais de todos os tipos, inclusive universidades e
escolas técnicas e profissionais, e iguais condições de estudo nessas instituições;
b) A mesma seleção de programas de curso, os mesmos exames, pessoal docente do mesmo nível
pedagógico, locais e equipamentos da mesma qualidade, seja em instituições educacionais mistas,
ou não;
c) Iguais oportunidades na obtenção de bolsas de estudos e outras subvenções de estudo;
75

d) Iguais oportunidades de acesso aos programas de educação complementar, incluindo os


programas de alfabetização de adultos;
e) Acesso a material informativo para ajudá-la a assegurar a saúde e o bem-estar da família.

Artigo 10º
§1. Deverão ser tomadas todas as medidas necessárias para assegurar à mulher, casada ou não, os
mesmos direitos que ao homem, na esfera da vida econômica e social, e em particular:
a) O direito, sem discriminação alguma por seu estado civil ou qualquer outro motivo, de receber
formação profissional, trabalhar, escolher livremente emprego e profissão e de progredir no emprego
e na profissão;
b) O direito a igual remuneração que o homem e a igualdade de remuneração em relação a um
trabalho de igual valor;
c) O direito a férias remuneradas, à aposentadoria e às medidas que lhes dêem garantias contra o
desemprego, a doença, a velhice ou qualquer outro tipo de incapacidade para o trabalho;
d) O direito de receber pensões familiares em condições de igualdade com o homem.
§2. A fim de prevenir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e
assegurar o direito efetivo ao trabalho, deverão ser tomadas medidas para evitar sua demissão no
caso de casamento ou maternidade, proporcionando licença maternidade remunerada, com a
garantia de retorno ao seu emprego, e para que lhe prestem os serviços sociais necessários,
incluindo os destinados ao cuidado das crianças.
§3. As medidas tomadas para proteger a mulher em certos tipos de trabalho, por razões inerentes à
sua natureza física, não serão consideradas discriminatórias.

Artigo 11
§1. O princípio de igualdade de direitos do homem e da mulher exige que todos os Estados o
apliquem em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal
dos Direitos Humanos.
§2. Em conseqüência, se solicita aos governos, às organizações não-governamentais e aos
indivíduos que façam tudo que estiver ao seu alcance para promover a aplicação dos princípios
contidos nesta Declaração.
76

ANEXO D – Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a


Mulher (ONU – 1979).

Os Estados Partes na presente Convenção,

Considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos fundamentais do
homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e
das mulheres;

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma o princípio da não
discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
em direitos e que cada pessoa pode prevalecer-se de todos os direitos e de todas as liberdades
aí enunciados, sem distinção alguma, nomeadamente de sexo;

Considerando que os Estados Partes nos pactos internacionais sobre direitos do homem têm a
obrigação de assegurar a igualdade de direitos dos homens e das mulheres no exercício de
todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos;

Considerando as convenções internacionais concluídas sob a égide da Organização das


Nações Unidas e das instituições especializadas com vista a promover a igualdade de direitos
dos homens e das mulheres;

Considerando igualmente as resoluções, declarações e recomendações adotadas pela


Organização das Nações Unidas e pelas instituições especializadas com vista a promover a
igualdade de direitos dos homens e das mulheres;

Preocupados, no entanto, por constatarem que, apesar destes diversos instrumentos, as


mulheres continuam a ser objeto de importantes discriminações;

Lembrando que a discriminação contra as mulheres viola os princípios da igualdade de


direitos e do respeito da dignidade humana, que dificulta a participação das mulheres, nas
mesmas condições que os homens, na vida política, social, econômica e cultural do seu país,
que cria obstáculos ao crescimento do bem-estar da sociedade e da família e que impede as
mulheres de servirem o seu país e a Humanidade em toda a medida das suas possibilidades;

Preocupados pelo fato de que em situações de pobreza as mulheres têm um acesso mínimo à
alimentação, aos serviços médicos, à educação, à formação e às possibilidades de emprego e à
satisfação de outras necessidades;

Convencidos de que a instauração da nova ordem econômica internacional baseada na


equidade e na justiça contribuirá de forma significativa para promover a igualdade entre os
homens e as mulheres;

Sublinhando que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, de discriminação


racial, de colonialismo, de neocolonialismo, de agressão, de ocupação e dominação
estrangeiras e de ingerência nos assuntos internos dos Estados é indispensável ao pleno gozo
dos seus direitos pelos homens e pelas mulheres;
77

Afirmando que o reforço da paz e da segurança internacionais, o abrandamento da tensão


internacional, a cooperação entre todos os Estados, sejam quais forem os seus sistemas sociais
e econômicos, o desarmamento geral e completo, em particular o desarmamento nuclear sob
controle internacional estrito e eficaz, a afirmação dos princípios da justiça, da igualdade e da
vantagem mútua nas relações entre países e a realização do direito dos povos sujeitos a
dominação estrangeira e colonial e a ocupação estrangeira à autodeterminação e à
independência, assim como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial,
favorecerão o progresso social e o desenvolvimento e contribuirão em conseqüência para a
realização da plena igualdade entre os homens e as mulheres;

Convencidos de que o desenvolvimento pleno de um país, o bem-estar do mundo e a causa da


paz necessitam da máxima participação das mulheres, em igualdade com os homens, em todos
os domínios;

Tomando em consideração a importância da contribuição das mulheres para o bem-estar da


família e o progresso da sociedade, que até agora não foi plenamente reconhecida, a
importância social da maternidade e do papel de ambos os pais na família e na educação das
crianças, e conscientes de que o papel das mulheres na procriação não deve ser uma causa de
discriminação, mas de que a educação das crianças exige a partilha das responsabilidades
entre os homens, as mulheres e a sociedade no seu conjunto;

Conscientes de que é necessária uma mudança no papel tradicional dos homens, tal como no
papel das mulheres na família e na sociedade, se se quer alcançar uma real igualdade dos
homens e das mulheres;

Resolvidos a pôr em prática os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da


Discriminação contra as Mulheres e, com tal objetivo, a adotar as medidas necessárias à
supressão desta discriminação sob todas as suas formas e em todas as suas manifestações.

Acordam no seguinte:

PARTE I

Artigo 1.º
Para os fins da presente Convenção, a expressão «discriminação contra as mulheres» significa
qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como efeito ou como
objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres,
seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos
direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios, político, econômico, social,
cultural e civil ou em qualquer outro domínio.

Artigo 2.º
Os Estados Partes condenam a discriminação contra as mulheres sob todas as suas formas,
acordam em prosseguir, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política tendente
a eliminar a discriminação contra as mulheres e, com este fim, comprometem-se a:
a) Inscrever na sua constituição nacional ou em qualquer outra lei apropriada o princípio da
igualdade dos homens e das mulheres, se o mesmo não tiver já sido feito, e assegurar por via
legislativa ou por outros meios apropriados a aplicação efetiva do mesmo princípio;
78

b) Adotar medidas legislativas e outras medidas apropriadas, incluindo a determinação de


sanções em caso de necessidade, proibindo toda a discriminação contra as mulheres;
c) Instaurar uma proteção jurisdicional dos direitos das mulheres em pé de igualdade com os
homens e garantir, por intermédio dos tribunais nacionais competentes e outras instituições
públicas, a proteção efetiva das mulheres contra qualquer ato discriminatório;
d) Abster-se ,de qualquer ato ou prática discriminatórios contra as mulheres e atuar por forma
que as autoridades e instituições públicas se conformem com esta obrigação;
e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação praticada contra as
mulheres por uma pessoa, uma organização ou uma empresa qualquer;
f) Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo disposições legislativas, para modificar ou
revogar qualquer lei, disposição regulamentar, costume ou prática que constitua discriminação
contra as mulheres;
g) Revogar todas as disposições penais que constituam discriminação contra as mulheres.

Artigo 3.º
Os Estados Partes tomam em todos os domínios, nomeadamente nos domínios político, social,
econômico e cultural, todas as medidas apropriadas, incluindo disposições legislativas, pana
assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso das mulheres, com vista a garantir-lhes o
exercício e o gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, com base na
igualdade com os homens.

Artigo 4.º
1 - A adoção pelos Estados Partes de medidas temporárias especiais visando acelerar a
instauração de uma igualdade de fato entre os homens e as mulheres não é considerada como
um ato de discriminação, tal como definido na presente Convenção, mas não deve por
nenhuma forma ter como conseqüência a manutenção de normas desiguais ou distintas; estas
medidas devem ser postas de parte quando os objetivos em matéria de igualdade de
oportunidades e de tratamento tiverem sido atingidos.
2 - A adoção pelos Estados Partes de medidas especiais, incluindo as medidas previstas na
presente Convenção que visem proteger a maternidade, não é considerada como um ato
discriminatório.

Artigo 5.º
Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para:
a) Modificar os esquemas e modelos de comportamento sócio-cultural dos homens e das
mulheres com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e das práticas costumeiras, ou de
qualquer outro tipo, que se fundem na idéia de inferioridade ou de superioridade de um ou de
outro sexo ou de um papel estereotipado dos homens e das mulheres;
b) Assegurar que a educação familiar contribua para um entendimento carreto da maternidade
como função social e para o reconhecimento da responsabilidade comum dos homens e das
mulheres na educação e desenvolvimento dos filhos, devendo entender-se que o interesse das
crianças é consideração primordial em todos os casos.

Artigo 6.º
Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas, incluindo disposições legislativas,
para suprimir todas as formas de tráfico das mulheres e de exploração da prostituição das
mulheres.

PARTE II
79

Artigo 7.º
Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra
as mulheres na vida política e pública do país e, em particular, asseguram-lhes, em condições
de igualdade com os homens, o direito:
a) De votar em todas as eleições e em todos os referendos públicos e de ser elegíveis para
todos os organismos publicamente eleitos;
b) De tomar parte na formulação da política do Estado e na sua execução, de ocupar empregos
públicos e de exercer todos os cargos públicos a todos os níveis do governo;
c) De participar nas organizações e associações não governamentais que se ocupem dia vida
pública e política do país.

Artigo 8.º
Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para que as mulheres, em condições
de igualdade com os homens e sem nenhuma discriminação, tenham a possibilidade de
representar os seus governos à escala internacional e de participar nos trabalhos das
organizações internacionais.

Artigo 9.º
1 - Os Estados Partes concedem às mulheres direitos iguais aos dos homens no que respeita à
aquisição, mudança e conservação da nacionalidade. Garantem, em particular, que nem o
casamento com um estrangeiro nem a mudança de nacionalidade do marido na constância do
casamento produzem automaticamente a mudança de nacionalidade da mulher, a tornam
apátrida ou a obrigam a adquirir a nacionalidade do marido.
2 - Os Estados Partes concedem às mulheres direitos iguais aos dos homens no que respeita à
nacionalidade dos filhos.

PARTE III

Artigo 10.º
Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra
as mulheres com o fim de lhes assegurar direitos iguais aos dos homens no domínio da
educação e, em particular, para assegurar, com base na igualdade dos homens e das mulheres:
a) As mesmas condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de
diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias, nas zonas rurais como nas
zonas urbanas, devendo esta igualdade ser assegurada no ensino pré-escolar, geral, técnico,
profissional e técnico superior, assim como em qualquer outro meio de formação profissional;
b) O acesso aos mesmos programas, aos mesmos exames, a um pessoal de ensino possuindo
qualificações do mesmo nível, a locais escolares e a equipamento da mesma qualidade;
c) A eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis dos homens e das mulheres e
a todos os níveis e em todas as formas de ensino, encorajando a co-educação e outros tipos de
educação que ajudarão a realizar este objetivo, em particular revendo os livros e programas
escolares e adaptando os métodos pedagógicos,
d) As mesmas possibilidades no que respeita à concessão de bolsas e outros subsídios para os
estudos;
e) As mesmas possibilidades de acesso aos programas de educação permanente, incluindo os
programas de alfabetização para adultos e de alfabetização funcional, com vista,
nomeadamente, a reduzir o mais cedo possível qualquer desnível de instrução que exista entre
os homens e as mulheres;
80

f) A redução das taxas de abandono feminino dos estudos e a organização de programas para
as raparigas e as mulheres que abandonarem prematuramente a escola;
g) As mesmas possibilidades de participar ativamente nos desportos e na educação física;
h) O acesso a informações especificas de caráter educativo tendentes a assegurar a saúde e o
bem-estar das famílias, incluindo a informação e o aconselhamento relativos ao planeamento
da família.

Artigo 11.º
1 - Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a
discriminação contra as mulheres no domínio do emprego com o fim de assegurar, com base
na igualdade dos homens e das mulheres. os mesmos direitos, em particular:
a) O direito ao trabalho, enquanto direito inalienável de todos os seres humanos;
b) O direito às mesmas possibilidades & emprego, incluindo a aplicação dos mesmos critérios
de seleção em matéria de emprego;
c) O direito à livre escolha da profissão e do emprego, o direito à promoção, à estabilidade do
emprego e a todas as prestações e condições de trabalho e o direito à formação profissional e a
reciclagem, incluindo a aprendizagem, o aperfeiçoamento profissional e a formação
permanente;
d) O direito à igualdade de remuneração, incluindo prestações, e à igualdade de tratamento
para um trabalho de igual valor, assim coma à igualdade de tratamento no que respeita à
avaliação da qualidade do trabalho;
e) O direito à segurança social, nomeadamente às prestações de reforma, desemprego, doença,
invalidez e velhice ou relativas a qualquer outra perda de capacidade de trabalho, assim como
o direito a férias pagas;
f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, incluindo a
salvaguarda da função de reprodução.
2 - Com o fim de evitar a discriminação contra as mulheres por causa do casamento ou da
maternidade e de garantir o seu direito efetivo ao trabalho, os Estados Partes comprometem-se
a tomar medidas apropriadas para:
a) Proibir, sob pena de sanções, o despedimento por causa da gravidez ou de gozo do direito a
um período de dispensa do trabalho por ocasião da maternidade, bem como a discriminação
nos despedimentos fundada no estado matrimonial;
b) Instituir a concessão do direito a um período de dispensa do trabalho por ocasião da
maternidade pago ou conferindo direito a prestações sociais comparáveis, com a garantia da
manutenção do emprego anterior, dos direitos de antiguidade e das vantagens sociais;
c) Encorajar o fornecimento dos serviços sociais de apoio necessários para permitir aos pais
conciliar as obrigações familiares com as responsabilidades profissionais e a participação na
vida pública, em particular favorecendo a criação e o desenvolvimento de uma rede de
estabelecimentos de guarda de crianças;
d) Assegurar uma proteção especial às mulheres grávidas cujo trabalho é comprovadamente
nocivo.
3 - A legislação que visa proteger as mulheres nos domínios abrangidos pelo presente artigo
será revista periodicamente em função dos conhecimentos científicos e técnicos e será
modificada, revogada ou alargada segundo as necessidades.

Artigo 12.º
1 - Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação
contra as mulheres no domínio dos cuidados de saúde, com vista a assegurar-lhes, com base
81

na igualdade dos homens e das mulheres, o acesso aos serviços médicos, incluindo os
relativos ao planeamento da família.
2 - Não obstante as disposições do parágrafo 1 deste artigo, os Estados Partes fornecerão às
mulheres durante a gravidez, durante o parto e depois do parto serviços apropriados e, se
necessário, gratuitos, assim como uma nutrição adequada durante a gravidez e o aleitamento.

Artigo 13.º
Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a
discriminação contra as mulheres em outros domínios da vida econômica e social, com o fim
de assegurar, com base na igualdade dos homens e das mulheres, os mesmos direitos, em
particular:
a) O direito a prestações familiares;
b) O direito a empréstimos bancários, empréstimos hipotecários e outras formas de crédito
financeiro;
c) O direito de participar nas atividades recreativas, nos desportos e em todos os aspectos da
vida cultural.

Artigo 14.º
1 - Os Estados Partes têm em conta os problemas particulares das mulheres rurais e o papel
importante que estas mulheres desempenham para a sobrevivência econômica das suas
famílias, nomeadamente pelo seu trabalho nos sectores não monetários da economia, e tomam
todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação das disposições da presente
Convenção às mulheres das zonas rurais.
2 - Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação
contra as mulheres nas zonas rurais, com o fim de assegurar, com base na igualdade dos
homens e das mulheres, a sua participação no desenvolvimento rural e nas suas vantagens e,
em particular, assegurando-lhes o direito:
a) De participar plenamente na elaboração e na execução dos planos do desenvolvimento a
todos os níveis;
b) De ter acesso aos serviços adequados no domínio da saúde, incluindo a informação,
aconselhamento e serviços em matéria de planeamento da família;
c) De beneficiar diretamente dos programas de segurança social;
d) De receber qualquer tipo de formação e de educação, escolares ou não, incluindo em
matéria de alfabetização funcional, e de poder beneficiar de todos os serviços comunitários e
de extensão, nomeadamente para melhorar a sua competência técnica;
e) De organizar grupos de ajuda e cooperativas com o fim de permitir a igualdade de
oportunidades no plano econômico, quer se trate de trabalho assalariado ou de trabalho
independente;
f) De participar em todas as atividades da comunidade;
g) De ter acesso ao crédito e aos empréstimos agrícolas, assim como aos serviços de
comercialização e às tecnologias apropriadas e de receber um tratamento igual nas reformas
fundiárias e agrárias e nos projetos de re-ordenamento rural;
h) De beneficiar de condições de vida convenientes, nomeadamente no que diz respeito a
alojamento, saneamento, fornecimento de eletricidade e de água, transportes e comunicações.

PARTE IV

Artigo 15.º
1 - Os Estados Partes reconhecem às mulheres a igualdade com os homens perante a lei.
82

2 - Os Estados Partes reconhecem às mulheres em matéria civil, capacidade jurídica idêntica à


dos homens e as mesmas possibilidades de exercício dessa capacidade. Reconhecem-lhes, em
particular, direitos iguais no que respeita à celebração de contratos e à administração dos bens
e concedem-lhes o mesmo tratamento em todos os estádios do processo judicial.
3 - Os Estados Partes acordam em que qualquer contrato e qualquer outro instrumento privado,
seja de que tipo for, que vise limitar a capacidade jurídica da mulher deve ser considerado
como nulo.
4 - Os Estados Partes reconhecem aos homens e às mulheres os mesmos direitos no que
respeita à legislação relativa à livre circulação das pessoas e à liberdade de escolha de
residência e domicílio.

Artigo 16.º
1 - Os Estados Partes tomam todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação
contra as mulheres em todas as questões relativas ao casamento e às relações familiares e, em
particular, asseguram, com base na igualdade dos homens e das mulheres:
a) O mesmo direito de contrair casamento;
b) O mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de só contrair casamento de livre e
plena vontade;
c) Os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades na constância do casamento e quando
da sua dissolução;
d) Os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades enquanto pais, seja qual for o estado
civil, para as questões relativas aos seus filhos; em todos os casos, o interesse das crianças
será a consideração primordial;
e) Os mesmos direitos de decidir livremente e com todo o conhecimento de causa do número
e do espaçamento dos nascimentos e de ter acesso à informação, à educação e aos meios
necessários para permitir o exercício destes direitos;
f) Os mesmos direitos e responsabilidades em matéria de tutela, curatela, guarda e adoção das
crianças, ou instituições similares, quando estes institutos existam na legislação nacional; em
todos os casos, o interesse das crianças será a consideração primordial;
g) Os mesmos direitos pessoais ao marido e à mulher, incluindo o que respeita à escolha do
nome de família, de uma profissão e de uma ocupação;
h) Os mesmos direitos a cada um dos cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão,
administração, gozo e disposição dos bens, tanto a titulo gratuito como a título oneroso.
2 - A promessa de casamento e o casamento de crianças não terão efeitos jurídicos e todas as
medidas necessárias, incluindo disposições legislativas, serão tomadas com o fim de fixar
uma idade mínima para o casamento e de tornar obrigatório o registro do casamento num
registro oficial.

PARTE V

Artigo 17.º
1 - Com o fim de examinar os progressos realizados na aplicação da presente Convenção, é
constituído um Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (em seguida
denominado Comitê), que se compõe, no momento da entrada em vigor da Convenção, de
dezoito e, depois da sua ratificação ou da adesão do 35° Estado Parte, de vinte e três peritos
de uma alta autoridade moral e de grande competência no, domínio abrangido pela presente
Convenção. Os peritos são eleitos pelos Estados Partes de entre os seus nacionais e exercem
as suas funções a titulo pessoal, devendo ter-se em conta o principio de uma repartição
83

geográfica eqüitativa e de representação das diferentes formas de civilização, assim como dos
principais sistemas jurídicos.
2 - Os membros do Comitê são eleitos por escrutínio secreto de entre uma lista de candidatos
designados pelos Estados Partes. Cada Estado Parte pode designar um candidato escolhido de
entre os seus nacionais.
3 - A primeira eleição tem lugar seis meses depois da data da entrada em vigor da presente
Convenção. Pelo menos três meses antes da data de cada eleição, o Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas dirige uma carta aos Estados Partes para os convidar a
submeter as suas candidaturas num prazo de dois meses. O Secretário-Geral elabora uma lista
alfabética de todos os candidatos, indicando por que Estado foram designados, lista que
comunica aos Estados Partes.
4 - Os membros do Comitê são eleitos no decurso de uma reunião dos Estados Partes
convocada pelo Secretário-Geral para a sede da Organização das Nações Unidas. Nesta
reunião, em que o quorum é constituído por dois terços dos Estados Partes, são eleitos
membros do Comitê os candidatos que tenham obtido o maior número de votos e a maioria
absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes.
5 - Os membros do Comitê são eleitos para um período de quatro anos. No entanto, o
mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição termina ao fim de dois anos; o
presidente do Comitê tira à sorte os nomes destes nove membros imediatamente depois da
primeira eleição.
6 - A eleição dos cinco membros adicionais do Comitê realiza-se nos termos das disposições
dos parágrafos 2, 3 e 4 do presente artigo, a seguir à 35.ª ratificação ou adesão. O mandato de
dois dos membros adicionais eleitos nesta ocasião termina ao fim de dois anos; o nome destes
dois membros é tirado à sorte pelo presidente do Comitê.
7 - Para suprir eventuais vagas, o Estado Parte cujo perito tenha cessado de exercer as suas
funções de membro do Comitê nomeia um outro perito de entre os seus nacionais, sob reserva
da aprovação do Comitê.
8 - Os membros do Comitê recebem, com a aprovação da Assembléia Geral, emolumentos
retirados dos fundos da Organização das Nações Unidas, nas condições fixadas pela
Assembléia, tendo em conta a importância das funções do Comitê.
9 - O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas põe à disposição do Comitê o
pessoal e os meios materiais que lhe são necessários para o desempenho eficaz das funções
que lhe são confiadas pela presente Convenção.

Artigo 18.º
1 - Os Estados Partes comprometem-se a apresentar ao Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas, para exame pelo Comitê, um relatório sobre as medidas de ordem legislativa,
judiciária, administrativa ou outra que tenham adotado para dar aplicação às disposições da
presente Convenção e sobre os progressos realizados a este respeito:
a) No ano seguinte à entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado;
b) Em seguida, de quatro em quatro anos, e sempre que o Comitê o pedir.
2 - Os relatórios podem indicar os fatores e dificuldades que afetam a medida em que são
cumpridas as obrigações previstas pela presente Convenção.

Artigo 19.º
1 - O Comitê adota o seu próprio regulamento interior.
2 - O Comitê elege o seu secretariado para um período de dois anos.

Artigo 20.º
84

1 - O Comitê reúne normalmente durante um período de duas semanas no máximo em cada


ano para examinar os relatórios apresentados nos termos do artigo 18.· da presente Convenção.
2 - As sessões do Comitê têm lugar normalmente na sede da Organização das Nações Unidas
ou em qualquer outro lugar adequado determinado pelo Comitê.

Artigo 21.º
1 - O Comitê presta contas todos os anos à Assembléia Geral da Organização das Nações
Unidas, por intermédio do Conselho Econômico e Social, das suas atividades e pode formular
sugestões e recomendações gerais fundadas no exame dos relatórios e das informações
recebidas dos Estados Partes. Estas sugestões e recomendações são incluídas no relatório do
Comitê, acompanhadas, sendo caso disso, das observações dos Estados Partes.
2 - O Secretário-Geral transmite os relatórios do Comitê à Comissão do Estatuto das Mulheres
para informação.

Artigo 22.º
As instituições especializadas têm o direito de estar representadas quando do exame da
aplicação de qualquer disposição da presente Convenção que entre no âmbito das suas
atividades. O Comitê pode convidar as instituições especializadas a submeter relatórios sobre
a aplicação da Convenção nos domínios que entram no âmbito das suas atividades.

PARTE VI

Artigo 23.º
Nenhuma das disposições da presente Convenção põe em causa as disposições mais propícias
à realização da igualdade entre os homens e as mulheres que possam conter-se:
a) Na legislação de um Estado Parte;
b) Em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional em vigor nesse Estado.

Artigo 24.º
Os Estados Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias ao nível nacional
para assegurar o pleno exercício dos direitos reconhecidos pela presente Convenção.

Artigo 25.º
1 - A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados.
2 - O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas é designado como depositário da
presente Convenção.
3 - A presente Convenção está sujeita a ratificação e os instrumentos de ratificação são
depositados junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
4 - A presente Convenção está aberta à adesão de todos os Estados. A adesão efetua-se pelo
depósito de um instrumento de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações
Unidas.

Artigo 26.º
1 - Qualquer Estado Parte pode pedir em qualquer momento a revisão da presente Convenção,
dirigindo uma comunicação escrita para este efeito ao Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas.
2 - A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas decide das medidas a tomar,
sendo caso disso, em relação a um pedido desta natureza.
85

Artigo 27.º
1 - A presente Convenção entra em vigor no 30.· dia a seguir à data do depósito junto do
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas do 20.º instrumento de ratificação ou de
adesão.
2 - Para cada um dos Estados que ratifiquem a presente Convenção ou a ela adiram depois do
depósito do 20.· instrumento de ratificação ou de adesão, a mesma Convenção entra em vigor
no 30.º dia a seguir à data do depósito por esse Estado do seu instrumento de ratificação ou de
adesão.

Artigo 28.º
1 - O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas recebe e comunica a todos os
Estados o texto das reservas que forem feitas no momento da ratificação ou da adesão.
2 - Não é autorizada nenhuma reserva incompatível com o objeto e o fim da presente
Convenção.
3 - As reservas podem ser retiradas em qualquer momento por via de notificação dirigida ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, o qual informa todos os Estados Partes
na Convenção. A notificação tem efeitos na data da recepção.

Artigo 29.º
1 - Qualquer diferindo entre dois ou mais Estados Partes relativamente à interpretação ou à
aplicação da presente Convenção que não seja resolvido por via de negociação é submetido a
arbitragem, a pedido de um de entre eles. Se nos seis meses a seguir à data do pedido de
arbitragem as Partes não chegarem a acordo sobre a organização da arbitragem, qualquer
delas pode submeter o diferindo ao Tribunal Internacional de Justiça, mediante um
requerimento nos termos do Estatuto do Tribunal.
2 - Qualquer Estado Parte pode, no momento em que assinar a presente Convenção, a ratificar
ou a ela aderir, declarar que não se considera vinculado pelas disposições do parágrafo 1 do
presente artigo. Os outros Estados Partes não estão vinculados pelas mesmas disposições nas
suas relações com um Estado Parte que tiver formulado uma tal reserva.
3 - Qualquer Estado Parte que tenha formulado uma reserva conformemente às disposições do
parágrafo 2 do presente artigo pode em qualquer momento retirar essa reserva por uma
notificação dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

Artigo 30.º
A presente Convenção, cujos textos em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês e russo fazem
igualmente fé, é depositada junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
O Vice-Presidente da Assembléia da República, em exercício, Nuno Aires Rodrigues dos
Santos.
86

ANEXO E – Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher
(ONU, 1993).

A Assembléia Geral

Reconhecendo a urgente necessidade de estender às mulheres a aplicação universal dos


princípios e direitos relativos a igualdade, segurança, liberdade, integridade e dignidade de
todos os seres humanos.

Observando que estes direitos e princípios estão consagrados em instrumentos internacionais,


dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes.

Reconhecendo que a efetiva aplicação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas


de Discriminação contra a Mulher contribuiria para eliminar a violência contra a mulher e que
a presente Declaração sobre a Eliminação de Violência reforçaria e complementaria este
processo.

Preocupada porque a violência contra a mulher constitui um obstáculo não só para a conquista
da igualdade, do desenvolvimento e da paz, tal como se reconhece nas estratégias de Nairobe
orientadas para o futuro com vistas ao avanço da mulher, onde se recomendaram um conjunto
de medidas voltadas para o combate à violência contra a mulher, mas também para a plena
aplicação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher.

Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais e impede total ou parcialmente a mulher de gozar de ditos direitos e
liberdades e preocupada pelo descuido, desde há muito, da proteção e fomento destes direitos
e liberdades frente à violência contra a mulher.

Reconhecendo que a violência contra a mulher constitui uma manifestação de relações de


poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que implicaram na dominação da
mulher e em sua discriminação, impedindo a sua realização plena e que a violência contra a
mulher é um dos mecanismos sociais fundamentais por meio do qual força a mulher a uma
situação de subordinação ao homem.

Preocupada pelo fato de alguns grupos de mulheres, como por exemplo, as indígenas, as
refugiadas, as migrantes, as que habitam regiões rurais, as indigentes, as detentas, as menores,
as deficientes, as idosas e as mulheres em situação de conflito armado, são particularmente
vulneráveis a violência.

Recordando a Resolução 1990/15 do Conselho Econômico e Social de 24 de maio de 1990,


em cujo anexo se reconhece que a violência contra a mulher na família e na sociedade tem se
generalizado e transcende as diferenças de poder aquisitivo, classes sociais e culturais e deve
ser combatida com medidas urgentes e eficazes para eliminar sua incidência.
87

Recordando ainda a Resolução 1990/18 Conselho Econômico e Social de 30 de maio de 1991


na qual o Conselho recomendou a preparação de uma referencia geral para um instrumento
internacional que abordará explicitamente a questão da violência contra a mulher.

Observando com satisfação as funções desempenhadas pelos movimentos de mulheres para


que se reste mais atenção à natureza, gravidade e magnitude do problema da violência contra
a mulher.

Alarmada pelo fato de que as oportunidades de que dispõe a mulher para alcançar sua
igualdade jurídica, social, política e econômica na sociedade, se vêem limitadas, ente outras
coisas, por uma violência continua e endêmica.

Convencida de que, à luz das considerações anteriores se requerem uma definição clara e
completa da violência contra a mulher, uma formulação clara dos direitos que deverão ser
aplicados para se alcançar a eliminação da violência contra a mulher em todas as suas formas,
um compromisso dos Estados com vistas a eliminar a violência contra a mulher.

Proclama solenemente a seguinte declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher


e insta a que se façam todos os esforços possíveis para que seja conhecida e respeitada.

Artigo I
Para efeito da presente Declaração por “Violência contra a mulher” se entende todo ato de
violência baseado no fato da pessoa pertencer ao sexo feminino, que tenha ou possa ter como
resultado um dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as
ameaças, a coação ou privação arbitraria da liberdade, tanto as que se produzem na vida
pública quanto na privada.

Artigo II
Entender-se-á que a violência contra a mulher abarca os seguintes atos, ainda que nao se
limitem a eles:

a. Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da família, incluindo os ataques;
abuso sexual de crianças do sexo feminino no lar; violência relacionada ao dote da mulher;
estupro conjugal; mutilação genital feminina e outras práticas tradicionais nocivas para as
mulheres; violência extraconjugal; e violência relacionada com a exploração;
b. Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da comunidade geral, incluindo
estupro; abuso sexual; intimidação e assédio sexual no local de trabalho, nas instituições
educativas e em outras partes; tráfico de mulheres; e prostituição forçada;
c. Violência perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra.

Artigo III
A mulher tem direito, em condições de igualdade, ao gozo e a proteção de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, nas esferas política, econômica, social, cultural, civil ou
qualquer outro campo.
Estes direitos incluem inter alia
a. Direito à vida;
b. Direito à igualdade;
c. Direito à liberdade e segurança pessoal;
d. Direito a igual proteção diante a lei;
88

e. Direito a liberdade diante de todas as formas de discriminação;


f. Direito ao maior grau de saúde física e mental que se possa alcançar;
g. Direito a condições de trabalho justas e favoráveis;
h. Direito de não ser submetida a tortura, nem a outros maus tratos ou penas cruéis,
desumanas ou degradantes;

Artigo IV
Os Estados devem condenar a violência contra a mulher e não invocar nenhum costume,
tradição ou consideração religiosa para evitar sua obrigação de procurar eliminá-la. Os
Estados devem aplicar por todos os meios e sem demora uma política destinada a eliminar a
violência contra a mulher.

a. Considerar a possibilidade, quando ainda não o tenha feito, de ratificar a Convenção


sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de aderir a
ela, ou aceitá-la sem reservas;
b. Abster-se de praticar violências contra a mulher;
c. Proceder com a devida diligencia a fim de prevenir, investigar e, de acordo com a
legislação nacional, punir todo ato de violência contra a mulher, quer se trate de ato
perpetrado pelo Estado ou por particulares.
d. Estabelecer na legislação nacional, penal, civil, trabalhista e administrativa, sanções
para a punição e reparação dos agravos infligidos às mulheres que sejam objeto da
violência, deve permitir-se a elas o acesso aos mecanismos de justiça e, observando o
disposto na legislação nacional, o direito a um ressarcimento justo e eficaz por
qualquer dano que tenha sofrido, os Estados devem, alem disso, informar às mulheres
sobre os seus direitos de pedir reparação.
e. Considerar a possibilidade de elaborar planos de ação nacionais para promover a
proteção da mulher contra toda forma de violência ou incluir dispositivos com este fim
nos planos existentes, levando em conta, se for o caso, as cooperação, que possam
proporcionar as organizações não-governamentais especialmente as que se ocupam do
tema;
f. Elaborar, com caráter geral enfoque de tipo preventivo e medidas de ordem jurídica,
política, administrativa e cultural que possam fomentar a proteção à mulher contra
toda forma de violência e evitar eficazmente a reincidência da vitimizacao da mulher
como conseqüência de leis, práticas de aplicação da lei e outra intervenção que não
levem em conta a discriminação da mulher;
g. Esforçar-se para garantir, na maior medida possível, à luz dos recursos de que
disponha e, quando seja necessário, dentro do marco da cooperação internacional, que
as mulheres objeto da violência e, quando corresponde, seus filhos, disponham de
assistência especializada, como serviços de reabilitação, ajuda para o cuidado e
manutenção das crianças, tratamento, aconselhamento, serviços, instalações e
programas sociais e de saúde, assim como estruturas de apoio e, ainda adotar todas as
demais medidas apropriadas para fomentar sua segurança e reabilitação física e
psicológica;
h. Incluir nos orçamentos do Estado os recursos necessários para as atividades
relacionadas com a eliminação da violência contra a mulher;
i. Adotar medidas para que as autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei e os
funcionários que deverão aplicar as pesquisas, as políticas de prevenção, e a punir da
violência contra a mulher recebam uma formação que os sensibilize com relação às
necessidades da mulher;
89

j. Adotar todas as medidas, especialmente no campo da educação, para modificar os


comportamento sociais e culturais do homem e da mulher e eliminar os preconceitos
consuetudinários ou de outra índole, baseados na idéia de inferioridade ou de
superioridade de um dos sexos e a atribuição de papeis estereotipados ao homem e a
mulher;
k. Promover a pesquisa, recolher informações e compilar estatísticas, especialmente
aquelas concernentes a violência doméstica, relacionadas com a prevalência das
diferentes formas de violência contra a mulher e estimular pesquisas sobre as causas, a
natureza, a gravidade, e as conseqüências desta, bem como sobre a eficácia das
medidas aplicadas para impedir e reparar seus efeitos, devendo publicar estas
estatísticas e as conclusões das pesquisas;
l. Adotar medidas destinadas a eliminar a violência contra as mulheres especialmente
vulneráveis;
m. Incluir nos informes da Nações Unidas relativos aos direitos humanos, informações
acerca de violência contra mulher e de medidas adotadas para por em pratica a
presente declaração;
n. Promover a elaboração de diretrizes adequadas que propiciem a aplicação dos
princípios enunciados na presente declaração;
o. Reconhecer o importante papel que desempenham em todo o mundo os movimentos
em defesa da mulher, as ONGs na tarefa de despertar a consciência sobre o problema
da violência contra a mulher.
p. Facilitar e promover a ação dos movimentos de mulheres e ONGs e cooperar com eles
nos planos local, regional e nacional;
q. Incentivar as organizações intergovernamentais regionais às quais pertençam, a incluir
em seus programas, conforme a conveniência, a eliminação da violência contra a
mulher.

Artigo V
Os órgãos e organismos especializados do sistema das Nações Unidas deverão contribuir, em
suas respectivas esferas de competência, para o reconhecimento e exercício dos direitos e para
a aplicação dos princípios estabelecidos na presente declaração e, para este fim, deverão, inter
alia:

a. Fomentar a cooperação internacional e regional com o objetivo de definir estratégias


regionais para combater a violência, permutar experiências e financiar programas
relacionados com a eliminação da violência contra a mulher;
b. Promover reuniões e seminários destinados a despertar e intensificar a consciência de
toda a população sobre a questão da violência contra a mulher;
c. Fomentar, dentro do sistema das Nações Unidas, a coordenação e o intercambio entre
os órgãos criados em decorrência de tratados de direitos humanos, a fim de abordar
com eficácia a questão;
d. Incluir nas analises efetuadas pelas organizações e órgãos do sistema das nações
Unidas sobre as tendências e problemas sociais, por exemplo, nos informes periódicos
sobre a situação social no mundo, um exame das tendências da violência contra a
mulher;
e. Incentivar a coordenação entre as organizações e os órgãos do sistema das Nações
Unidas a incluir a questão da violência contra a mulher nos programas em curso,
fazendo referencia especial aos grupos de mulheres especialmente vulneráveis a
violência;
90

f. Promover a formulação de diretrizes ou manuais relacionados com a violência contra a


mulher, tomando em consideração as medidas mencionadas na presente declaração;
g. Considerar a questão da eliminação da violência contra a mulher, quando procedente,
no cumprimento de seus mandatos relativos à aplicação dos instrumentos de direitos
humanos;
h. Cooperar com as organizações não-governamentais em tudo que se refira a violência
contra a mulher.

Artigo VI
Nada do que foi enunciado na presente declaração afetará qualquer disposição que possa fazer
parte da legislação de um Estado e de qualquer convenção, tratado ou instrumento
internacional vigente nesse Estado e seja mais efetiva para a eliminação da violência contra a
mulher.
91

ANEXO F – Declaração de Pequim (ONU – 1995).

1. Nós, os Governos, participantes da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres,

2. Reunidos aqui em Pequim, em setembro de 1995, o ano do 50o aniversário de fundação


das Nações Unidas,

3. Determinados a promover os objetivos da igualdade, desenvolvimento e paz para todas as


mulheres, em todos os lugares do mundo, no interesse de toda a humanidade,

4. Reconhecendo as aspirações de todas as mulheres do mundo inteiro e levando em


consideração a diversidade das mulheres, suas funções e circunstâncias, honrando as mulheres
que têm aberto e construído um caminho e inspirados pela esperança presente na juventude do
mundo,

5. Reconhecemos que o status das mulheres tem avançado em alguns aspectos importantes
desde a década passada; no entanto, este progresso tem sido heterogêneo, desigualdades entre
homens e mulheres têm persistido e sérios obstáculos também, com consequências
prejudiciais para o bem-estar de todos os povos,

6. Reconhecemos ainda que esta situação é agravada pelo crescimento da pobreza que afeta a
vida da maioria da população mundial, em particular das mulheres e crianças, tendo origem
tanto na esfera nacional, como na esfera internacional,

7. Comprometemo-nos, sem qualquer reserva, a combater estas limitações e obstáculos e a


promover o avanço e o fortalecimento das mulheres em todo o mundo e concordamos que isto
requer medidas e ações urgentes, com espírito de determinação, esperança, cooperação e
solidariedade, agora e ao longo do próximo século.

Nós reafirmamos o nosso compromisso relativo:

8. À igualdade de direitos e à dignidade humana inerente a mulheres e homens e aos demais


propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos, em particular
na Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
na Convenção sobre os Direitos da Criança, como também na Declaração sobre a Eliminação
da Violência contra as Mulheres e na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento;

9. Assegurar a plena implementação dos direitos humanos das mulheres e das meninas como
parte inalienável, integral e indivisível de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;

10. Impulsionar o consenso e o progresso alcançados nas anteriores Conferências das Nações
Unidas - sobre as Mulheres em Nairóbi em 1985, sobre as Crianças em Nova York em 1990,
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992, sobre Direitos
Humanos em Viena em 1993, sobre População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 e sobre
Desenvolvimento Social em Copenhagem em 1995, com os objetivos de atingir a igualdade, o
desenvolvimento e a paz;
92

11. Alcançar a plena e efetiva implementação das Estratégias de Nairóbi para o


fortalecimento das Mulheres;

12. O fortalecimento e o avanço das mulheres, incluindo o direito à liberdade de pensamento,


consciência, religião e crença, o que contribui para a satisfação das necessidades morais,
éticas, espirituais e intelectuais de mulheres e homens, individualmente ou em comunidade,
de forma a garantir-lhes a possibilidade de realizar seu pleno potencial na sociedade e
organizar suas vidas de acordo com as suas próprias aspirações.

Nós estamos convencidos de que:

13. O fortalecimento das mulheres e sua plena participação, em condições de igualdade, em


todas as esferas sociais, incluindo a participação nos processos de decisão e acesso ao poder,
são fundamentais para o alcance da igualdade, desenvolvimento e paz;

14. Os direitos das mulheres são direitos humanos;

15. A igualdade de direitos, oportunidades e acesso aos recursos, a distribuição equitativa das
responsabilidades familiares entre homens e mulheres e a harmônica associação entre eles são
fundamentais para seu próprio bem-estar e de suas famílias, como também para a
consolidação da democracia;

16. A erradicação da pobreza baseada no crescimento econômico sustentado, no


desenvolvimento social, na proteção do meio ambiente e na justiça social, requer a
participação das mulheres no desenvolvimento econômico e social, a igualdade de
oportunidades e a plena e equânime participação de mulheres e homens como agentes
beneficiários de um desenvolvimento sustentado centrado na pessoa;

17. O reconhecimento explícito e a reafirmação do direito de todas as mulheres de controlar


todos os aspectos de sua saúde, em particular sua própria fertilidade, é básico para seu
fortalecimento;

18. A paz local, nacional, regional e global é alcançável e está necessariamente relacionada
com os avanços das mulheres, que constituem uma força fundamental para a liderança, a
solução de conflitos e a promoção de uma paz duradoura em todos os níveis;

19. É indispensável formular, implementar e monitorar, com a plena participação das


mulheres, políticas e programas efetivos, eficientes e reforçadores do enfoque de gênero,
incluindo políticas de desenvolvimento e programas que em todos os níveis busquem o
fortalecimento e o avanço das mulheres;

20. A participação e contribuição de todos os atores da sociedade civil, particularmente de


grupos e redes de mulheres e demais organizações não governamentais e organizações
comunitárias de base, com o pleno respeito de sua autonomia, em cooperação com os
Governos, é fundamental para a efetiva implementação e monitoramento da Plataforma de
Ação;

21. A implementação da Plataforma de Ação exige o compromisso dos Governos e da


comunidade internacional. Ao assumir compromissos de ação, no plano nacional e
93

internacional, incluídos os compromissos firmados na Conferência, os Governos e a


comunidade internacional reconhecem a necessidade de priorizar a ação para o alcance do
fortalecimento e do avanço das mulheres.

Nós estamos determinados a:

22. Intensificar esforços e ações para alcançar, até o final deste século, os objetivos e
estratégias de Nairobe orientados para os avanços das mulheres,

23. Garantir o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais às


mulheres e meninas e adotar medidas efetivas contra a violação destes direitos e liberdades;

24. Adotar todas as medidas necessárias para eliminar todas as formas de discriminação
contra mulheres e meninas e remover todos os obstáculos à igualdade de gênero e aos avanços
e fortalecimento das mulheres;

25. Encorajar os homens a participar plenamente de todas as ações orientadas à busca da


igualdade;

26. Promover a independência econômica das mulheres, incluindo o emprego, e erradicar a


persistente e crescente pobreza que recai sobre as mulheres, combatendo as causas estruturais
da pobreza através de transformações nas estruturas econômicas, assegurando acesso
igualitário a todas as mulheres, incluindo as mulheres da área rural, como agentes vitais do
desenvolvimento, dos recursos produtivos, oportunidades e dos serviços públicos;

27. Promover um desenvolvimento sustentado centrado na pessoa, incluindo o crescimento


econômico sustentado através da educação básica, educação durante toda a vida, alfabetização
e capacitação, e, atenção primária à saúde das meninas e das mulheres;

28. Adotar as medidas positivas para assegurar a paz para os avanços das mulheres e,
reconhecendo o papel de liderança que as mulheres têm apresentado no movimento pela paz,
trabalhar ativamente para o desarmamento geral e completo, sob o estrito e efetivo controle
internacional, e apoiar as negociações para a conclusão, sem demora, de tratado universal e
multilateral de proibição de testes nucleares, que efetivamente contribua para o desarmamento
nuclear e para a prevenção da proliferação de armas nucleares em todos os seus aspectos;

29. Prevenir e eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas;

30. Assegurar a igualdade de acesso e a igualdade de tratamento de mulheres e homens na


educação e saúde e promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e sua educação;

31. Promover e proteger todos os direitos humanos das mulheres e das meninas;

32. Intensificar os esforços para garantir o exercício, em igualdade de condições, de todos os


direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as mulheres e meninas que enfrentam
múltiplas barreiras para seu fortalecimento e avanços, em virtude de fatores como raça, idade,
língua, origem étnica, cultura, religião, incapacidade/deficiência, ou por integrar comunidades
indígenas;
94

33. Assegurar o respeito ao Direito Internacional, incluído o Direito Humanitário, no sentido


de proteger as mulheres e as meninas em particular;
34. Desenvolver o pleno potencial de meninas e mulheres de todas as idades, garantir sua
plena participação, em condições de igualdade, na construção de um mundo melhor para
todos, e promover seu papel no processo de desenvolvimento;

Nós estamos determinados a:

35. Assegurar às mulheres a igualdade de acesso aos recursos econômicos, incluindo a terra,
o crédito, a ciência, a tecnologia, a capacitação profissional, a informação, a comunicação e os
mercados, como meio de promover o avanço e o fortalecimento das mulheres e meninas,
inclusive através da promoção de sua capacidade de exercer os benefícios do acesso
igualitário a estes recursos, para o que se recorre, dentre outras coisas, à cooperação
internacional;

36. Assegurar o sucesso da Plataforma de Ação que exigirá o sólido compromisso dos
Governos, organizações e instituições internacionais de todos os níveis. Nós estamos
firmemente convencidos de que o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a
proteção do meio ambiente são interdependentes e componentes mutuamente enfatizadores do
desenvolvimento sustentável, que é o marco de nossos esforços para o alcance de uma melhor
qualidade de vida para todos os povos. Um desenvolvimento social equitativo que reconheça
a importância do fortalecimento dos pobres, particularmente das mulheres que vivem na
pobreza, na utilização dos recursos ambientais sustentáveis, é uma base necessária ao
desenvolvimento sustentável. Nós também reconhecemos que um crescimento econômico
sustentado, com ampla base, no contexto do desenvolvimento sustentável, é necessário para
estimular o desenvolvimento social e a justiça social. O sucesso da Plataforma de Ação ainda
exigirá uma adequada mobilização de recursos nos âmbitos nacional e internacional, como
também novos e adicionais recursos para os países em desenvolvimento, provenientes de
todos os mecanismos de financiamento disponíveis, incluídas as fontes multilaterais, bilaterais
e privadas, a fim de que se promova o fortalecimento das mulheres; recursos financeiros para
aumentar a capacidade de instituições nacionais, sub-regionais, regionais e internacionais; o
compromisso de garantir a igualdade de direitos, a igualdade de responsabilidades, a
igualdade de oportunidades e a igualdade de participação de mulheres e homens em todos os
órgãos e processos de formulação de políticas públicas no âmbito nacional, regional e
internacional; o estabelecimento ou o fortalecimento de mecanismos em todos os níveis para
prestar contas às mulheres de todo mundo;

37. Garantir também o êxito da Plataforma de Ação em países cujas economias estejam em
transição, o que requer contínua cooperação e assistência internacional;

38. Pela presente nos comprometemos, na qualidade de Governos, a implementar a seguinte


Plataforma de Ação, de modo a garantir que uma perspectiva de gênero esteja presente em
todas as nossas políticas e programas. Nós insistimos ao sistema das Nações Unidas, às
instituições financeiras regionais e internacionais e às demais relevantes instituições regionais
e internacionais e a todas as mulheres e homens, como também às organizações não
governamentais, com pleno respeito à sua autonomia, e a todos os setores da sociedade civil
que, em cooperação com os Governos, se comprometam plenamente e contribuam para a
implementação desta Plataforma de Ação.
95

ANEXO G – Protocolo Facultativo à CEDAW (ONU – 1999).


Os Estados Partes do presente Protocolo,

Observando que na Carta das Nações Unidas se reafirma a fé nos direitos humanos
fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos entre
homens e mulheres,

Observando, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que cada pessoa tem todos os
direitos e liberdades nela proclamados, sem qualquer tipo de distinção, incluindo distinção
baseada em sexo,

Lembrando que as Convenções Internacionais de Direitos Humanos e outros instrumentos


internacionais de direitos humanos proíbem a discriminação baseada em sexo,

Lembrando, ainda, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


Contra a Mulher (doravante denominada "a Convenção"), na qual os Estados Partes
condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas e concordam em buscar,
de todas as maneiras apropriadas e sem demora, uma política de eliminação da discriminação
contra a mulher,

Reafirmando sua determinação de assegurar o pleno e equitativo gozo pelas mulheres de


todos os direitos e liberdades fundamentais e de agir de forma efetiva para evitar violações
desses direitos e liberdades,

Concordaram com o que se segue:

Artigo 1
Cada Estado Parte do presente Protocolo (doravante denominado "Estado Parte") reconhece a
competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (doravante
denominado " o Comitê") para receber e considerar comunicações apresentadas de acordo
com o Artigo 2 deste Protocolo.

Artigo 2
As comunicações podem ser apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos, que se
encontrem sob a jurisdição do Estado Parte e aleguem ser vítimas de violação de quaisquer
dos direitos estabelecidos na Convenção por aquele Estado Parte, ou em nome desses
indivíduos ou grupos de indivíduos. Sempre que for apresentada em nome de indivíduos ou
grupos de indivíduos, a comunicação deverá contar com seu consentimento, a menos que o
autor possa justificar estar agindo em nome deles sem o seu consentimento.

Artigo 3
As comunicações deverão ser feitas por escrito e não poderão ser anônimas. Nenhuma
comunicação relacionada a um Estado Parte da Convenção que não seja parte do presente
Protocolo será recebida pelo Comitê.

Artigo 4
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1. O Comitê não considerará a comunicação, exceto se tiver reconhecido que todos os


recursos da jurisdição interna foram esgotados ou que a utilização desses recursos estaria
sendo protelada além do razoável ou deixaria dúvida quanto a produzir o efetivo amparo.
2. O Comitê declarará inadmissível toda comunicação que:
(a) se referir a assunto que já tiver sido examinado pelo Comitê ou tiver sido ou estiver sendo
examinado sob outro procedimento internacional de investigação ou solução de controvérsias;
(b) for incompatível com as disposições da Convenção;
(c) estiver manifestamente mal fundamentada ou não suficientemente consubstanciada;
(d) constituir abuso do direito de submeter comunicação;
(e) tiver como objeto fatos que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do presente
Protocolo para o Estado Parte em questão, a não ser no caso de tais fatos terem tido
continuidade após aquela data.

Artigo 5
1. A qualquer momento após o recebimento de comunicação e antes que tenha sido alcançada
determinação sobre o mérito da questão, o Comitê poderá transmitir ao Estado Parte em
questão, para urgente consideração, solicitação no sentido de que o Estado Parte tome as
medidas antecipatórias necessárias para evitar possíveis danos irreparáveis à vítima ou vítimas
da alegada violação.
2. Sempre que o Comitê exercer seu arbítrio segundo o parágrafo 1 deste Artigo, tal fato não
implica determinação sobre a admissibilidade ou mérito da comunicação.

Artigo 6
1. A menos que o Comitê considere que a comunicação seja inadmissível sem referência ou
Estado Parte em questão, e desde que o indivíduo ou indivíduos consintam na divulgação de
sua identidade ao Estado Parte, o Comitê levará confidencialmente à atenção do Estado Parte
em questão a comunicação por ele recebida no âmbito do presente Protocolo.
2. Dentro de seis meses, o Estado Parte que receber a comunicação apresentará ao Comitê
explicações ou declarações por escrito esclarecendo o assunto e o remédio, se houver, que
possa ter sido aplicado pelo Estado Parte.

Artigo 7
1. O Comitê considerará as comunicações recebidas segundo o presente Protocolo à luz das
informações que vier a receber de indivíduos ou grupos de indivíduos, ou em nome destes, ou
do Estado Parte em questão, desde que essa informação seja transmitida às partes em questão.
2. O Comitê realizará reuniões fechadas ao examinar as comunicações no âmbito do presente
Protocolo.
3. Após examinar a comunicação, o Comitê transmitirá suas opiniões a respeito, juntamente
com sua recomendação, se houver, às partes em questão.
4. O Estado Parte dará a devida consideração às opiniões do Comitê, juntamente com as
recomendações deste último, se houver, e apresentará ao Comitê, dentro de seis meses,
resposta por escrito incluindo informações sobre quaisquer ações realizadas à luz das opiniões
e recomendações do Comitê.
5. O Comitê poderá convidar o Estado Parte a apresentar informações adicionais sobre
quaisquer medidas que o Estado Parte tenha tomado em resposta às opiniões e recomendações
do Comitê, se houver, incluindo, quando o Comitê julgar apropriado, informações que passem
a constar de relatórios subseqüentes do Estado Parte segundo o Artigo 18 da Convenção.

Artigo 8
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1. Caso o Comitê receba informação fidedigna indicando graves ou sistemáticas violações por
um Estado Parte dos direitos estabelecidos na Convenção, o Comitê convidará o Estado Parte
a cooperar no exame da informação e, para esse fim, a apresentar observações quanto à
informação em questão.
2. Levando em conta quaisquer observações que possam ter sido apresentadas pelo Estado
Parte em questão, bem como outras informações fidedignas das quais disponha, o Comitê
poderá designar um ou mais de seus membros para conduzir uma investigação e apresentar
relatório urgentemente ao Comitê. Sempre que justificado, e com o consentimento do Estado
Parte, a investigação poderá incluir visita ao território deste último.
3. Após examinar os resultados da investigação, o Comitê os transmitirá ao Estado Parte em
questão juntamente com quaisquer comentários e recomendações.
4. O Estado Parte em questão deverá, dentro de seis meses do recebimento dos resultados,
comentários e recomendações do Comitê, apresentar suas observações ao Comitê.
5. Tal investigação será conduzida em caráter confidencial e a cooperação do Estado Parte
será buscada em todos os estágios dos procedimentos.

Artigo 9
1. O Comitê poderá convidar o Estado Parte em questão a incluir em seu relatório, segundo o
Artigo 18 da Convenção, pormenores de qualquer medida tomada em resposta à investigação
conduzida segundo o Artigo 18 deste Protocolo.
2. O Comitê poderá, caso necessário, após o término do período de seis meses mencionado no
Artigo 8.4 deste Protocolo, convidar o Estado Parte a informá-lo das medidas tomadas em
resposta à mencionada investigação.

Artigo 10
1. Cada Estado Parte poderá, no momento da assinatura ou ratificação do presente Protocolo
ou no momento em que a este aderir, declarar que não reconhece a competência do Comitê
disposta nos Artigos 8 e 9 deste Protocolo.
2. O Estado Parte que fizer a declaração de acordo com o Parágrafo 1 deste Artigo 10 poderá,
a qualquer momento, retirar essa declaração através de notificação ao Secretário-Geral.

Artigo 11
Os Estados Partes devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar que os
indivíduos sob sua jurisdição não fiquem sujeitos a maus tratos ou intimidação como
conseqüência de sua comunicação com o Comitê nos termos do presente Protocolo.

Artigo 12
O Comitê incluirá em seu relatório anual, segundo o Artigo 21 da Convenção, um resumo de
suas atividades nos termos do presente Protocolo.

Artigo 13
Cada Estado Parte compromete-se a tornar públicos e amplamente conhecidos a Convenção e
o presente Protocolo e a facilitar o acesso à informação acerca das opiniões e recomendações
do Comitê, em particular sobre as questões que digam respeito ao próprio Estado Parte.
Artigo 14
O Comitê elaborará suas próprias regras de procedimento a serem seguidas no exercício das
funções que lhe são conferidas no presente Protocolo.

Artigo 15
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1. O presente Protocolo estará aberto à assinatura por qualquer Estado que tenha ratificado ou
aderido à Convenção.
2. O presente Protocolo estará sujeito à ratificação por qualquer Estado que tenha ratificado
ou aderido à Convenção. Os instrumentos de ratificação deverão ser depositados junto ao
Secretário-Geral das Nações Unidas.
3. O presente Protocolo estará aberto à adesão por qualquer Estado que tenha ratificado ou
aderido à Convenção.
4. A adesão será efetivada pelo depósito de instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral
das Nações Unidas.

Artigo 16
1. O presente Protocolo entrará em vigor três meses após a data do depósito junto ao
Secretário-Geral das Nações Unidas do décimo instrumento de ratificação ou adesão.
2. Para cada Estado que ratifique o presente Protocolo ou a ele venha a aderir após sua entrada
em vigor, o presente Protocolo entrará em vigor três meses após a data do depósito de seu
próprio instrumento de ratificação ou adesão.

Artigo 17
Não serão permitidas reservas ao presente Protocolo.

Artigo 18
1. Qualquer Estado Parte poderá propor emendas ao presente Protocolo e dar entrada a
proposta de emendas junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas. O Secretário-Geral deverá,
nessa ocasião, comunicar as emendas propostas aos Estados Partes juntamente com
solicitação de que o notifiquem caso sejam favoráveis a uma conferência de Estados Partes
com o propósito de avaliar e votar a proposta. Se ao menos um terço dos Estados Partes for
favorável à conferência, o Secretário-Geral deverá convocá-la sob os auspícios das Nações
Unidas. Qualquer emenda adotada pela maioria dos Estados Partes presentes e votantes na
conferência será submetida à Assembléia-Geral das Nações Unidas para aprovação.
2. As emendas entrarão em vigor tão logo tenham sido aprovadas pela Assembléia-Geral das
Nações Unidas e aceitas por maioria de dois terços dos Estados Partes do presente Protocolo,
de acordo com seus respectivos processos constitucionais.
3. Sempre que as emendas entrarem em vigor, obrigarão os Estados Partes que as tenham
aceitado, ficando os outros Estados Partes obrigados pelas disposições do presente Protocolo
e quaisquer emendas anteriores que tiverem aceitado.

Artigo 19
1. Qualquer Estado Parte poderá denunciar o presente Protocolo a qualquer momento por
meio de notificação por escrito endereçada ao Secretário-Geral das Nações Unidas. A
denúncia terá efeito seis meses após a data do recebimento da notificação pelo Secretário-
Geral.
2. A denúncia não prejudicará a continuidade da aplicação das disposições do presente
Protocolo em relação a qualquer comunicação apresentada segundo o Artigo 2 deste
Protocolo e a qualquer investigação iniciada segundo o Artigo 8 deste Protocolo antes da data
de vigência da denúncia.

Artigo 20
O Secretário-Geral das Nações Unidas informará a todos os Estados sobre:
(a) Assinaturas, ratificações e adesões ao presente Protocolo;
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(b) Data de entrada em vigor do presente Protocolo e de qualquer emenda feita nos termos do
Artigo 18 deste Protocolo;
(c) Qualquer denúncia feita segundo o Artigo 19 deste Protocolo.

Artigo 21
1. O presente Protocolo, do qual as versões em árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol
são igualmente autênticas, será depositado junto aos arquivos das Nações Unidas.
2. O Secretário-Geral das Nações Unidas transmitirá cópias autenticadas do presente
Protocolo a todos os estados mencionados no Artigo 25 da Convenção.

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