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CADERNO DE TEXTOS III

Ficha Catalográfica:
Diálogos entre Arte e Público: caderno de textos.
Organizado por Anderson Pinheiro Santos. Recife:
Fundação de Cultura Cidade do Recife, v.3, 2010. 136p.:il.

Bibliografia

ISSN: 1983-9960

1.Arte 2. Diálogos 3. Santos, Anderson Pinheiro. I. Título

CDD- 700

CDU- 70
pg

00 · Apresentação · Luciana Félix | M árcio Almeida | Regina Buccini 05


Editorial - Por que todos os caminhos são da rainha de copas 09
Anderson Pinheiro

AC E SS I B I L I DA D E CU T U R A L : A B R I N D O T R I N C H E I R A S

01 · A acessibilidade de alguns espaços expositivos de Porto Alegre – 11


Ações e Conquistas | Gabriela Bon

02 · Democratização do acesso aos museus - apontamentos sobre 14


ações e políticas públicas para acessibilidade cultural | Flávia Paloma
Cabral Borba

03 · Repensando a acessibilidade em museus - a experiência do 18


Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo
Milene Chiovatto, Gabriela Aidar, Luis Roberto Soares, Danielle A maro

04 · O galo inacessivel - da arte e do dever de agradar | Sonia M arques 22

05 · Acessibilidade e Comunicação Sensorial nos Museus e 26


Espaços Culturais - novos desafios para a mediação cultural
Viviane Panelli Sarraf

C A M I N H O S PA R A I N C LU S ÃO

06 · Audio-descrição - um novo recurso de mediação e acessibilidade 32


cultural | Alexsandra Leite

07 · Uma imagem em mil palavras - audiodescrição de obras de 36


arte a deficientes visuais à luz da gramática do design visual
M arisa Ferreira Aderaldo

08 · Arte, educação e inclusão - orientações para audio-descrição em 40


museus | Francisco José de Lima, Paulo André de Melo Vieira, Ediles Revorêdo
Rodrigues, Simone São M arcos Passos

09 · Como vemos a cegueira ?- algumas respostas: umas boas, outras 50


não | João Vicente Ganzarolli de Oliveira

10 · A Arte e o Perceber- a experiência do Ateliê de Artes para 54


Pessoas com Deficiência Visual | Ana Carmen Franco Nogueira

11 · Aprender para ensinar - a mediação em museus 59


por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)
Cibele Lucena, Joana Zatz Mussi, Daina Leyton
pg

12 · A inclusão de públicos especiais em museus - o Programa 64


Educativo para Públicos Especiais da Pinacoteca do Estado
de São Paulo | A manda Fonseca Tojal, M argarete de Oliveira,
M aria Christina da Silva Costa, Sabrina Denise Ribeiro

13 · Educação profissional de síndrome de down no 71


Instituto Inhotim: fundamentos para
mediação inclusiva em arte contemporânea
L ara Ceres de Carvalho Lopes

14 · Projeto FotoLibras 75

M E D I AÇ ÃO CU LT U R A L P R O M OV E Q U E T I P O D E
AC E S S I B I L I DA D E ?

15 · Arte-educação e as rosas - dialogando com as práticas 77


pedagógicas e a formação dos professores | A mélia Garcia

16 · Arte, cotidiano e cultura visual - perspectivas de uma arte/ 81


educação dialógica | Fernanda Mélo, M aria Juliana Sá

17 · Mecanismos de mediação da obra de arte - possibilitando 85


experiência ou ampliando o acesso à informação?
Simone Ferreira Luizines

18 · Criança pequena e museu - uma relação possível (e desejada) 88


M aria Isabel Leite

19 · Observar e compreender: a mediação cultural 96


enquanto registro de uma presença vitalícia no mundo
Anderson Pinheiro Santos

D I S S E M I N A N D O CU LT U R A

20 · Projeto “Música na Escola” - acesso à educação e à cultura 102


musical | Álvaro Henrique Borges

21 · Digitalización de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires - 108


los migrantes como “archiveros” del arte | M ag. Silvia Benza

AC E S S A N D O A S M E M Ó R I A S D O D I Á LO G O A N T E R I O R
(2 0 0 9)

22 · Sobre o Laboratório Metodológico Arte Público – Recife 2009 112


Rejane Galvão Coutinho

23 · Aprendizes da arte, mediadores e professores - olhares 115


compartilhados? | Mirian Celeste M artins

24 · RESUMOS 121

25 · PERFIL DOS COLABORADORES 127


05

Referência nacional no que se refere a uma política


de democratização do acesso ao fazer artístico e aos
bens culturais, a Prefeitura do Recife tem ampliado, cada
vez mais, seus canais de interlocução com a população.
É com honra e orgulho, portanto, que a Fundação de
Cultura Cidade do Recife lança mais uma edição do caderno
Diálogos entre Arte e Público, consolidando o trabalho
desenvolvido ao longo deste ano pela Gerência de Serviços
de Formação em Artes Visuais.

Em 2010, o Diálogos entre Arte e Público surge sob o tema


da acessibilidade cultural, entendendo que é nosso dever
propor um debate sobre todas as formas de promovê-la e,
mais importante, de irradiá-la, contribuindo para o respeito às
diferenças e para o intercâmbio de experiências.

Não por acaso, a publicação se dá no momento em que a


gestão do prefeito João da Costa soma ao êxito do Orçamento
Participativo a criação da primeira plenária para a pessoa com
deficiência, reafirmando, dessa forma, o compromisso com a
inserção social.

Dentro de sua missão como casa editora, a Fundação


de Cultura valoriza a importância do registro nas ações
formativas e preserva ideias e discussões. Ao reuni-las
neste volume, maximiza, assim, suas possibilidades de
circulação, tornando-as mais acessíveis e abertas às sugestões
enriquecedoras de leitores de todo o país.

Luciana Félix
Fundação de Cultura Cidade do Recife · Prefeitura do Recife
06

A Gerência Operacional de Artes Visuais e Design, através da Gerência


de Formação em Artes Visuais, publica este ano a terceira edição do Caderno
de Textos Diálogos entre Arte e Público, que abordará questões referentes à
acessibilidade cultural, com o tema Acessibilidade cultural: o que é acessível e para
quem?

Nesta terceira edição buscamos agregar, por meio de uma chamada pública, textos
de colaboradores que discutam questões sobre acessibilidade cultural, compreendida em
um horizonte diverso de discursos e práticas, desejos e demandas, políticas públicas e
iniciativas da sociedade civil.

Sugerem-se alguns questionamentos a respeito do tema: quando e como uma


produção cultural torna-se acessível a todos os possíveis públicos? Que estratégias
são ou podem ser utilizadas pelos diversos atores sociais envolvidos na promoção da
acessibilidade cultural? Qual a formação necessária para os profissionais que atuam e
pensam o tema? Que experiências e práticas são desenvolvidas pela iniciativa privada,
pela sociedade civil e pelo poder público?

Assim, reafirmamos nossa meta de uma política pública comprometida com a formação
e o acesso de todos à produção cultural.

M árcio Almeida
Gerente Operacional de Artes Visuais e Design
Fundação de Cultura Cidade do Recife
07

“A existência humana, assim como a arte, encontra


várias formas de desabrochar, valorizando sempre a
heterogeneidade.” 1 (Cláudia Werneck)

Como considerar a diversidade, a heterogeneidade da


existência humana, quando estabelecemos diálogos entre a
arte e o público? Como promover tais interlocuções de forma
inclusiva? No amplo espectro da arte e da cultura, o que é
acessível e para quem?

Estabelecendo-se como importante aglutinador de ideias,


reflexões e experiências relacionadas ao universo abrangente
da mediação cultural, a presente publicação chega a sua
terceira edição debruçando-se sobre as formas e os processos
de inclusão e exclusão presentes nos universos das artes, da
cultura e das políticas socioculturais.

Reunimos aqui artigos, relatos de experiências e


proposições que partem da compreensão e do entendimento
sobre as diversas formas, através das quais, públicos diversos
podem se relacionar com os bens culturais, para descortinar
véus e tirar o foco dos obstáculos nos processos de mediação,
pois tornar acessível é também criar caminhos para as
possibilidades.

Percorrendo, então, as páginas a seguir, percebe-se que


ao evidenciar as potencialidades provenientes da diversidade
das identidades, ampliam-se as formas de percepção do
mundo e, consequentemente, de expressão da humanidade.
E é nessa amplitude que desejamos estabelecer os diálogos
entre a arte, o público e todos os atores envolvidos na
promoção da acessibilidade cultural.

Entendemos que o acesso à cultura, em todas as


suas dimensões, é um direito imanente ao exercício
pleno da cidadania e um importante vetor para o
desenvolvimento social.

1. W E R N EC K , Cl áu dia. S o c i e d ad e
I n clu s i v a. Q u e m c a b e n o s e u
T O D O S ? R i o d e Ja n e iro: W VA , 19 9 9.
Co le ç ã o I n clu s ã o.
08

Nessa perspectiva, o Programa Diálogos entre Arte e Público, em 2010 –


ano em que a Organização das Nações Unidas, através da Resolução 45/91 2,
determina como marco para a conclusão, com êxito, de uma sociedade para TODOS
– toma como desafio levantar questões que revelam um longo caminho, ainda por
trilhar.

No entanto, acreditamos que avançar disseminando ações, ideias, demandas e


desejos de democratização cultural em nossa região e em nosso país é contribuir para
o fortalecimento desse percurso, até a efetivação de uma sociedade verdadeiramente
inclusiva.

Regina Buccini

Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais · Fundação de Cultura Cidade do Recife

2. R e s o lu ç ã o 4 5/91 d e 14 d e d e z e m b ro d e 19 9 0 – A s s e m b le ia G e r al d a O r ga ni z a ç ã o
d a s N a çõ e s U ni d a s – O N U, N ov a Yo r k.
09

EDITOR IAL
Por que todos os caminhos são
da rainha de copas?

Anderson Pinheiro

“Poderia me dizer, por favor, que caminho


devo tomar para ir embora daqui?”
“Depende bastante de para
onde quer ir”, respondeu o Gato.
“Não me importa muito para onde”, disse Alice.
“Então não importa que caminho tome”, disse o Gato.
“Contanto que eu chegue a algum lugar”,
Alice acrescentou à guisa de explicação.
“Oh, isso você certamente vai conseguir”, afirmou o
Gato, “desde que ande bastante.” (Lewis Carroll, 1865)

Parece que o sonho ou o desejo ou a vontade de muitas


pessoas é mesmo poder encontrar algo ou alguém que possa
sempre indicar o caminho de acesso de um canto a outro. Mas,
na verdade, o que gostamos mesmo é de poder locomover e
decidir pelas coisas que queremos absorver do mundo, quando,
como e do modo que desejamos.

E quando isso não é possível? E quando é preciso fazer um


esforço grandioso para estar ou se sentir incluso nos grupos
com os quais transita? Como proceder? Parece fácil ou banal
quando observamos de fora, mas tentem imaginar um pouco
como é estar no lugar do outro.

Queremos muito. Exigimos muito. Mas, o que fazemos


para permitir o acesso dos que estão próximos de nós
a coisas mínimas como estar presente numa conversa
acompanhando a conversa; compreendendo do que se trata;
do que estão observando; do que estão alcançando?

Parece simples, mas como estar na pele de uma


criança que tenta ver a vitrine numa exposição que está
além de sua visão e alcance?

Parece simples, mas como acompanhar os


discursos complexos e truncados de quem tenta
explicar para que servia uma moeda do século
XIX a alguém que mal sabe escrever seu
nome?
10 Parece simples, mas como contar a alguém que não ouve sobre o que os outros estão
rindo devido à graça dita por algum ator durante sua performance?

Parece simples, mas como decifrar uma cena cinematográfica onde o silêncio entre
os personagens impera mais que as dúvidas em sua mente?

Particularmente, sempre é mais difícil pôr, diariamente, na mente que tudo é


possível e que tudo está ao alcance quando essa crença parece uma canção de Lennon.

Sendo assim, o que é preciso para efetuar a acessibilidade cultural para as cerca de
92% das pessoas que nunca foram a um museu ou instituição cultural (IBGE, 2005), já
que cerca de 90% dos municípios brasileiros não possuem sequer salas de cinema, teatro,
museu ou outros espaços culturais públicos? Quais as políticas públicas aplicadas para
melhorar isso? Quais as experiências museais existentes que buscam a redução desse
fosso?

Cabe-nos pensar o que fazemos de concreto no dia a dia (as pequenas ações ou
grandes ações, que seja) que de fato ajuda a consolidar algum tipo de acessibilidade
cultural?

Parece simples e é quando temos tantos profissionais que nos fazem sentir seres
completos, integrantes da grande equipe de seres humanos que transitam, discutem
choram e dialogam sobre os mesmos motivos. Isso sem direcionar o olhar de derrota.

A atual publicação tenta demonstrar algumas experiências e discussões que são


aplicadas ao redor do país, e até fora, como em nossa vizinha Argentina sobre o que
se tem feito para propagar o que temos de mais importante como patrimônio: a nossa
memória.

São mais de 20 textos de várias localidades de nosso país, de estudantes recém-


formados a pesquisadores de longo prazo. Não esquecendo que a grande maioria
concorreu ao edital público levando em conta a temática “Acessibilidade Cultural: o
que é acessível, e para quem?”. Pena que não deu para incluir tantos outros textos
bons principalmente por problemas com a temática da atual publicação. Quem sabe
na próxima? Afinal, como discutir acessibilidade quando alguns são barrados? Seria
acessibilidade então desenvolver qualquer tipo de atividade que envolva essa pessoa dita
excluída de algo? Se assim fosse, seria mais simples escolher qualquer caminho da rainha
de copas e chamá-lo de nosso. O caminho da “verdade”. Porém, creio que mesmo assim
sempre ouviríamos: “Cortem a cabeça!”

“You may say I’m dreamer.


But I’m not the only one.
I hope someday you’ll join us
and the world will be as one.” (John Lennon, 1971)
ACE SSI B I LI DA D E CU T U R A L: A ACESSIBILIDADE 11
DE ALGUNS ESPAÇOS
A B R I N D O T R I N CH EI R A S EXPOSITIVOS DE
PORTO ALEGRE:
AÇÕES E CONQUISTAS

Gabriela Bon 01
om a proximidade de eventos esportivos internacionais que terão o Brasil como
sede, tais como a Copa do Mundo, as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, a questão
da acessibilidade vem se tornando pauta de vários programas de televisão. Mais
recentemente, o assunto virou até tema central de novela. Além disso, encontramos
extensas reportagens em telejornais, em que se discute bastante sobre os acessos a
locais públicos.

O programa Sem Barreiras (exibido em dias e horários irregulares, desde 01/11/2008,


pela SporTV e SporTV2), por exemplo, é dedicado aos esportistas com deficiência e
mostra reportagens sobre diversos atletas paraolímpicos brasileiros. Na novela Viver a
Vida (exibida de segunda a sábado, de 14/09/2009 a 15/05/2010, às 20 h e 55 min, pela
Rede Globo de Televisão – RGT), um dos temas centrais é a paraplegia da personagem
Luciana, interpretada por Alinne Moraes. A acessibilidade, a partir do ensejo da novela,
foi debatida pelo Fantástico (exibido aos domingos, às 20 h e 45 min, pela RGT) em
reportagens como: “Conheça a cadeirante da vida real que inspira a Luciana de Viver
a Vida”, “Teste mostra que motoristas desrespeitam vagas de idosos e deficientes”,
“Cadeirantes testam acessibilidade de ônibus em cinco capitais” (reportagens exibidas
em 07, 14 e 28 de março de 2010, respectivamente). Em pelo menos duas oportunidades,
o quadro Proteste Já (exibido nas segundas-feiras, às 22 h e 15 min, pela Rede
Bandeirantes de Televisão – BAND), do programa CQC (Custe o que Custar), atestou a
dificuldade de locomoção dos cadeirantes na cidade de São Paulo. No dia 24/03/2008,
o mesmo quadro investigou os acessos do metrô da mesma cidade e no dia 02/06/2008,
verificou o uso das vagas destinadas exclusivamente para deficientes físicos em diversos
estacionamentos da capital paulista.

Outro destaque importante ao tema foi dado pelo programa Tele Domingo (exibido
aos domingos, às 23 h e 40 min, pela Rede Brasil Sul de Televisão – RBSTV, emissora
afiliada à RGT) no dia 28/03/2010. Nessa reportagem, o advogado Gilberto Stanieski
Filho examina os acessos a cadeirantes de diversos locais públicos da capital gaúcha.
Entres esses locais, ressalta-se sua visita ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado
Malagoli – MARGS, onde lhe foi indagado por um segurança que se encontrava no alto da
grande escadaria principal, de forma nada amistosa, o que ele estaria fazendo naquele
museu. Diante dessa situação concreta, verifica-se não só a imposição de barreiras
arquitetônicas de acesso ao museu como o total despreparo de seus funcionários.

Presenciei situação semelhante em 2005, durante a 5ª Bienal de Artes Visuais do


Mercosul. Nessa exposição, atuando como Assistente de Supervisão e, pela primeira
vez, recebendo uma cadeirante no MARGS, verifiquei a precariedade da instituição
com relação à acessibilidade. Nessa ocasião, foi possível constatar a dificuldade de
12 acesso com uma cadeira de rodas pela porta lateral do museu, seguida da barreira
imposta pelo elevador extremamente pequeno. Outra peripécia foi localizar a chave
do cadeado do elevador guardada pelos seguranças da casa. Além disso, nessa mesma
oportunidade, verifiquei, ao final da visita, que o banheiro acessível estava interditado e
sem previsão de reabertura, fato que provocou grande constrangimento para a visitante.
Ela necessitou de auxílio de um outro visitante para ser carregada até o banheiro
feminino o qual possui porta estreita. Ressalte-se que a cadeirante informou ter ligado
para o museu antes da visita para assegurar-se de que o prédio dispunha de um banheiro
acessível e ter recebido a anuência de um funcionário da instituição.

Na 6ª Bienal do Mercosul, em 2007, preocupada em promover o acesso universal


aos espaços expositivos, procurei implementar um projeto de inclusão das pessoas
com deficiência. Nesse sentido, o projeto visava fornecer consultoria para a criação
de uma política inclusiva, que não significasse apenas criar dispositivos ou eliminar
barreiras físicas. A ideia era a promoção de uma política inclusiva efetiva que buscasse
a implementação de uma filosofia norteadora de todos os atos da Fundação Bienal.
Infelizmente, devido ao pouco tempo para execução e falta de verba, o projeto pôde
apenas executar algumas de suas ambições. Foi possível discutir algumas questões
relativas ao tema durante o curso de formação dos mediadores e realizar uma
experiência de limitação de sentidos com os mediadores dentro de seu próprio ambiente
de trabalho.

No curso de Formação de Mediadores e Professores-Mediadores da 7ª Bienal, no


dia 13 de agosto de 2009, participei, juntamente com os professores Adilso Corlassoli
e Viviane Loss, de uma aula que abordou as especificidades do trabalho com pessoas
com necessidades especiais. Nesse encontro, os palestrantes procuraram mostrar aos
mediadores algumas dicas para facilitar o trabalho com esse público. Posteriormente,
repetiu-se a experiência de limitação de sentidos nos espaços expositivos. Além disso,
conversou-se com o pessoal responsável pela museografia, no intuito de se evitar
barreiras arquitetônicas em todos os espaços alocados para a Bienal.

Na experiência de limitação de sentidos, os mediadores receberam dispositivos que


bloqueavam ou prejudicavam um dos seus sentidos, como óculos com lentes escuras ou
embaçada, protetores auriculares, caneleiras com cerca de 1 kg cada, cadeira de rodas,
entre outros. Assim, sem poder ver, ouvir, falar ou se locomover da forma habitual,
eles puderam perceber que as obras podiam ser fruídas através dos outros sentidos
e desenvolveram estratégias de mediação mais criativas e inclusivas. As barreiras
arquitetônicas também foram levadas em consideração e eles mesmos deram sugestões
de como vencê-las sem constranger o visitante. O mais interessante da experiência foi
auxiliar o grupo todo a perceber que a acessibilidade não se limita aos cadeirantes,
pois há diversas limitações, definitivas ou temporárias que podem influir em uma visita.
Idosos ou crianças também podem ter dificuldades caso o mediador não se adapte ao seu
ritmo, linguagem ou possibilidade de entendimento, por exemplo.

Com relação à museografia da 7ª Bienal, evitaram-se espaços estreitos de circulação;


providenciaram-se vagas exclusivas para pessoas com deficiência, sinalizadas e com a
largura adequada; todos os espaços tiveram banheiros realmente acessíveis e funcionais;
as rampas seguiram a inclinação adequada.
ALGUMAS CONCLUSÕES 13

Apesar de iniciativas da mídia de divulgar a inclusão das pessoas com deficiência na


agenda cultural, a demanda por locais efetivamente preparados para recebê-los é muito
superior ao número de estabelecimentos adequadamente adaptados. É preciso ressaltar
que a situação é bastante complexa, pois, mesmo quando há disposição dos agentes
culturais de receber todos os públicos, de adaptar fisicamente os estabelecimentos,
de oferecer serviços específicos e de capacitar seu corpo funcional, nem sempre
há competência e/ou destinação de verba para tal. Outra situação comum é a de a
instituição estar fisicamente aparelhada, mas não ter canais de divulgação de seus
serviços para esse público específico. Por vezes, há também a tentativa de promover a
inclusão sem ciência das normas técnicas adequadas, despendendo um alto orçamento
para desempenhar um trabalho ineficiente.

Apesar de se ter boas intenções, sem a consultoria de um profissional ou uma


comprovação empírica não se pode atestar se um espaço é efetivamente acessível.
Diante dessa situação, cabe a todos, tanto aos profissionais envolvidos como aos
cidadãos que visitam uma instituição, a tarefa de fiscalização e exigência de adaptação
e de capacitação dos espaços museais. Saliente-se que nem sempre percebemos se
efetivamente nossa instituição é acessível a todos ou não. Os espaços expositivos,
em geral, possuem rampas e banheiros, mas estes nem sempre são funcionais, como
demonstrado por minha experiência na 5ª Bienal do Mercosul.

Portanto, sem a promoção da habilitação contínua dos profissionais e sem vigilância


constante nas práticas cotidianas de atendimento aos visitantes de qualquer instituição
pública, desrespeito e despreparo, como foram revelados pela reportagem do Tele
Domingo no Margs, continuarão a acontecer rotineiramente. Dessa forma, é preciso
adotar alguns procedimentos com o objetivo tentar solucionar algumas questões, tais
como remover barreiras arquitetônicas, capacitar continuamente as equipes, sinalizar
os espaços e, principalmente, promover o diálogo com as pessoas com deficiência para
verificar a efetividade de nossas práticas inclusivas.v

REFERÊNCIAS
# Ca d eira nte s te sta m a ce s s ibilid a d e d e ô n ib u s e m cin co ca pita is. Fa nt á s t i co.
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# Fu n d a çã o bien a l d e a rte s v is u a is d o m erco s ul. Site i n s t itu c i o n al. D i s p o ní ve l e m:
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# Prote ste já. Cu s te O Q u e Cu s t ar. R e d e B a n d e ir a nte s d e Te le v i s ã o. D i s p o ní ve l e m:
<ht t p://w w w.b a n d.co m.b r/cq c/p rote s te _ ja.a s p >. A ce s s o e m: 11 m ai o 2010.
# S e m b a rreira s. S p o rT V.co m. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://s p o r t v.glo b o.co m/s e m-b ar re ir a s >.
A ce s s o e m: 10 m ai o 2010.
# Tele d o min g o. R e d e B r a s il S u l d e Te le v i s ã o. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://m e dia ce nte r.
cli cr b s.co m.b r/te m p l ate s/p l aye r.a s px ? u f=2&co nte ntI D =10 7 213&c h a n n e l= 4 5 >. A ce s s o e m:
11 m ai o 2010.
# Te ste m o stra q u e m oto r ista s d e s re s p eita m va g a s d e id o s o s e d eficiente s. Fa nt á s t i co.
R e d e G lo b o d e Te le v i s ã o. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://v i d e o.glo b o.co m/ V i d e o s/Pl aye r/
N ot i c ia s/0,,G I M12 29 03 6 -7 8 2 3-T E S T E+ M O S T R A+ Q U E+ M O T O R I S TA S + D E S R E S P EI TA M +VAG A S +
D E+I D O S O S + E+ D E F I CI E N T E S,0 0.ht m l>. A ce s s o e m: 12 m ai o 2010.
# V iver a v id a. R e d e G lo b o d e Te le v i s ã o. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://v i ve r av i d a.glo b o.co m>.
A ce s s o e m: 10 m ai o 2010.
14 ACE SSI B I LI DA D E CU T U R A L: DEMOCRATIZAÇÃO DO
ACESSO AOS MUSEUS:
A B R I N D O T R I N CH EI R A S APONTAMENTOS
SOBRE AÇÕES E
POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA ACESSIBILIDADE
CULTURAL

Flávia Paloma Cabral Borba 02


AS POLÍTICAS PÚBLICAS

formação do povo brasileiro está subordinada aos ditames conjunturais


socioeconômicos que o Brasil enfrentou ao longo de seus mais de quinhentos anos.
Dentre tantos aspectos formadores, a postura diante das políticas culturais evoluiu
com as mudanças sociais. A própria História nos traz como exemplo a política cultural
adotada pelo 2º Império, totalmente absorvido com o propósito de embranquecer
e “europeizar” as terras trópicas, enfraquecendo ainda mais os ideais de soberania
popular. A dinâmica dessa formação reflete diretamente as desigualdades na construção
da cultura brasileira, que dentre suas insuficiências está o não posicionamento cívico
como algo inerente à sua condição de cidadão.

A atual Constituição Brasileira, promulgada em 1988, legitima a importância do povo


nas ações voltadas à resolução de problemas ligados à sociedade na forma de Políticas
Públicas, ou seja, diretrizes adotadas e efetivadas pelo Estado, com o apoio popular,
visando à resolução de problemas ligados a sociedade como um todo. Esse processo
inclui, primeiramente, o esclarecimento de três questões básicas: Política para quem?
Política para quê? Como se sustenta a política? Para tais esclarecimentos, a incorporação
da sociedade civil é vital para a elaboração de estratégias eficientes, já que esses são os
principais interessados e os que mais sofrerão o ônus da aplicação de uma política fora
da realidade dos que dela participa.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO COMO GARANTIA DE ACESSIBILIDADE

Enfim, com a intervenção unilateral do Estado quanto à promoção e proteção dos


bens culturais, faltava-lhe o principal: colocá-los em seu devido lugar, à disposição
da população, que são os detentores desses patrimônios. Porém, não bastava apenas
disponibilizá-los para exposição, tinha que se promover sua interação com o público.
A abordagem atual da gestão museal não mais traz o objeto em si como foco de suas
ações, e sim as ações que alcancem os mais diversos públicos. No entanto, a museologia
percorreu uma considerável caminhada para estabelecer o museu como prática social a
serviço da comunidade e participante de seu desenvolvimento.

Obviamente, houve muitas intervenções para a construção de um vínculo das


instituições museais e o seu entorno, porém, foi com o SPHAN1, construído na
configuração do Estado Novo, que se deu a construção de uma política para o uso do
patrimônio cultural que envolveu uma tímida dinâmica educacional por consequência
da construção de um ideário nacionalista, proposta essa trazida pelos intelectuais
modernistas.
Em novembro de 1937, no governo do Presidente Getúlio Vargas, surge no cenário 15

legislativo brasileiro um marco quanto à proteção e promoção de bens culturais com


a aprovação do Decreto-Lei n° 25 que visa à organização e à proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional. Nesse documento constam as diretrizes e os parâmetros
adotados quanto ao trato do patrimônio cultural material brasileiro, com itens que se
referem principalmente ao tombamento desses bens, sendo esses critérios utilizados até
os dias de hoje. Esse Decreto-Lei foi então complementado com o decreto 3551/2000,
instituindo o registro de bens culturais imateriais. Porém, nenhum parâmetro se refere
ao uso, no sentido educativo da palavra, desses bens tombados que, na sua maioria,
encontravam-se “enterrados” nos museus para o deleite de um seleto grupo privilegiado.
A função desse material cultural era meramente contemplativa, estando as questões
de investigação, pesquisa e educação para os especialistas no assunto. Podemos ainda
afirmar que esse é ainda um traço herdado da política cultural deixada pela Coroa
Portuguesa, que quando se transferiu para o Brasil, em 1808, institucionalizou espaços
culturais onde só aqueles abastados tinham acesso.

A partir de 1946, a dinamização das atividades museais, como também a inserção


dos museus no cotidiano da comunidade, já estava nas mesas de debates por todo
mundo. Nesse mesmo ano, deu-se a criação do Conselho Internacional de Museus (ICOM),
vinculado à UNESCO, responsável por fomentar tais debates. Toda essa movimentação
trouxe uma sensível modificação na configuração estática dos museus da década de 40.
Já a partir da década de 60, devido aos movimentos de democratização da cultura que
o mundo vivenciava, houve críticos debates para a afirmação de uma política pública
de cultura que agregasse os mais diversificados públicos. Desde então, os debates com
relação à participação dos museus na vida cotidiana e o foco em sua função social,
tendo o público como alvo de suas ações, transformaram-se em algo indiscutível na
nova tendência museal sacramentada no Movimento Internacional da Nova Museologia,
lançado no Canadá em meados dos anos 80.

Chegando então ao século XXI, os debates não se atem apenas na importância de se


democratizar a acessibilidade, mas como promover essa democratização. O Código de
Ética dos Museus, elaborado recentemente pelo ICOM, trata da padronização ética, além
dos princípios adotados pela comunidade internacional de museus. Dentre suas normas,
constam propostas que se referem diretamente à funcionalidade de um museu e seu
atrelamento com a sociedade, esclarecendo o dever dos museus em manter seus acervos
a serviço da comunidade, desenvolvendo o seu papel educativo e promovendo o seu
patrimônio.

Em tentativa nacional de estabelecer os critérios para institucionalização do


setor, o poder público, na pessoa jurídica do IPHAN, em 2006, através de uma portaria
normativa, apresentou as diretrizes para a elaboração do Plano Museológico, onde
consta o cumprimento de dez programas de atuação nos museus, estando entre eles
um programa específico para o cumprimento das ações voltadas ao setor educativo e
cultural. A elaboração do Plano Museológico ganhou mais respaldo com a instituição do
Estatuto dos Museus, legislação específica de orientação de gestão museal e primeira da
América Latina, que coloca como obrigatório a elaboração do plano para os museus da
esfera federal, além de dar outras providências.

Essas ações estão intimamente ligadas à Política Nacional de Museus que, dado o
novo desenho museológico e sua função social, legitima novas perspectivas que ampliam
as possibilidades de interação com a sociedade. Então, a comunidade museológica
debateu o texto-base necessário para a efetivação sistemática de uma política pública
16 que contemplasse exclusivamente o campo museológico brasileiro. Esse processo
foi articulado pelo Ministério da Cultura e envolveu muitos profissionais além de
instituições que colaborou para a construção dessa política. Essa construção resultou
na implantação, em maio de 2003, da Política Nacional de Museus (PNM). O texto-base
para a construção da PNM levou em consideração a Carta de Rio Grande e o documento
elaborado pelo Conselho Federal de Museologia chamado “A imaginação museal a serviço
do Brasil”.

Todas as ações da Política Nacional de Museus estão norteadas pelos parâmetros


atuais da museologia, como também o incentivo a multiculturalidade com a
democratização dos meios para a produção de bens culturais nos mais diversos grupos
étnicos, além de uma gestão democrática e participativa. Essas ações têm como
principal objetivo o trato com o patrimônio cultural brasileiro, usando-o como meio de
inclusão social e cidadania.

A Configuração da PNM se estrutura em sete eixos, sendo eles os seguintes: Gestão


e Configuração do Campo museológico, Democratização e acesso aos bens culturais,
Formação e Capacitação de Recursos Humanos, Informatização de Museus, Modernização
de Infra-estruturas Museológicas, Financiamento e Fomento para Museus, Aquisição e
Gerenciamento de Acervos Culturais. Desses, destaco o eixo referente à acessibilidade,
que não só abrange ações quanto à aproximação do público, mas também o estimulo à
criação de redes de informação com as instituições museais do país, à promoção de uma
gestão participativa e à produção intelectual.

Outras ações vinculadas à Política foram estabelecidas, como a criação do Sistema


Brasileiro de museus (SBM), que promove a criação dos sistemas regionais com a
finalidade de somar esforços para construção de ações estratégicas de desenvolvimento
e inclusão social do setor. A composição do sistema se dá através de um termo de adesão
firmado entre a instituição interessada e o Ministério da Cultura. O Cadastro Nacional de
Museus também é um instrumento do SBM e está relacionado ao caráter censitário a fim
de levantar informações e integrar o cenário museal nacional.

Em consequência das inovações no setor museológico, surgiu a necessidade da


criação de uma entidade pública que se responsabilizasse única e exclusivamente
pela gestão da política museológica. Para isso, foram desvinculadas do IPHAN essas
responsabilidades, antes executada pelo Departamento de Museus, e, em 2009, criou-
se o Instituo Brasileiro de Museus (IBRAM) que dá um tratamento diferenciado aos
museus brasileiros, desafogando o IPHAN e concentrando-o no patrimônio material,
imaterial e arqueológico. A justificativa dessa ação veio também do êxito de iniciativas
internacionais que instituíram órgãos específicos para o setor e melhoraram os serviços
para a população. As atividades do IBRAM não se limitam aos museus federais já que
articula as políticas públicas em todas as esferas governamentais além de fomentar a
participação de museus e centros culturais nas políticas públicas.

Dado todo o respaldo legislativo, confere-se nesse recorte histórico um considerável


crescimento de ações voltadas à acessibilidade cultural, principalmente aquelas
atreladas às questões educativas. Porém, no cotidiano do profissional de museus,
percebe-se que muitas instituições estão alheias a essas novas configurações, onde
muitas vezes sequer tem acesso a essas informações. Com isso, faz-se necessário não
só romper as barreiras físicas e sociais para agregar a comunidade a seus museus,
mas também esclarecer e capacitar seus profissionais quanto às possibilidades que as
políticas públicas de inclusão trazem. Sendo assim, com a iniciativa das instituições
museais essas informações chegarão à comunidade, sendo instrumento de inclusão.
Por isso, a institucionalização das normas para os museus propõe a formação de 17

uma estrutura unificada, a fim de agregar o máximo de instituições culturais, nivelando


suas ações de acordo com o princípio da isonomia e da fruição coletiva do patrimônio
cultural, onde todos os cidadãos devem ter iguais condições de conhecer, visitar e obter
informações sobre os bens integrantes do patrimônio cultural nacional.v

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1.S e r v i ço d o P at r i m ô ni o H i s tó r i co e A r t í s t i co N a c i o n al. E m 1970 p a s s a a s e r o I n s t itu to
d o P at r i m ô ni o H i s tó r i co e A r t í s t i co N a c i o n al (I P H A N)

# B O T E L H O, I s au r a. A s D i m e n s õ e s d a Cu ltu r a e o L u gar d a s P o lít i c a s P ú b li c a s I n: S ã o


P a ulo e m P er s p ectiva. S ã o P au lo: Edito r a Fu n d a ç ã o S E A D E, vo l. 15, n. 2, a b r il/ju n h o
20 01. Ta m b é m di s p o ní ve l n o s ite: ht t p://w w w.ce nt ro d a m e t ro p o le.o r g.b r
# G R I N S P U M , D e ni s e. Ed u ca çã o p a ra o P atr im ô n io: M u s e u e e s co l a – re s p o n s a bili d ad e
co m p ar t ilh ad a n a fo r m a ç ã o d e p ú b li co s. S ã o P au lo: [s.n.], 20 0 0. Te s e d e d o u to r ad o –
Fa c u ld ad e d e Ed u c a ç ã o/U ni ve r s i d ad e d e S ã o P au lo.
# G R U N B E R G, Eve li n a. Ed u ca çã o P atr im o n ia l: u t ili z a ç ã o d o s b e n s c u ltu r ai s co m o
re c u r s o s e d u c a c i o n ai s. D i s p o ní ve l e m: ht t p://w w w.p ead.fa ce d.u fr g s.b r/s ite s/p u b li co/
e i xo 4/e s tu d o s _ s o c iai s/e d u c a c a o _ p at r i m o nial.p d f A ce s s ad o e m: 0 5 m ai o 2010.
#J U L I ÃO, L e t í c ia. A p o nta m ento s s o b re a H istó r ia d o s M u s e u s. D i s p o ní ve l e m ht t p://
w w w.c u ltu r a.m g.g ov.b r/arq u i vo s/M u s e u s/File/c ad e r n o - dire t r i z e s/c ad e r n o dire t r i z e s _
s e g u n d a p ar te.p d f A ce s s o e m: 10 m ai o 2010.
# D ireito d e a ce s s ibilid a d e a o s b en s cultu ra is. D i s p o ní ve l e m: ht t p://ju s 2.u o l.co m.b r/
d o u t r i n a/tex to.a s p? i d =116 8 4
# O Siste m a B ra s ileiro d e M u s e u s. A u di ê n c ia p ú b li c a reali z ad a n a Co mi s s ã o d e Ed u c a ç ã o
e Cu ltu r a, n o dia 3 ju n 20 0 4. Ce nt ro d e D o c u m e nt a ç ã o e I nfo r m a ç ã o Co o rd e n a ç ã o d e
P u b li c a çõ e s. B r a s ília, 20 0 4.
18 ACE SSI B I LI DA D E CU T U R A L: REPENSANDO A
ACESSIBILIDADE EM
A B R I N D O T R I N CH EI R A S
MUSEUS:
A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO
Milene Chiovatto DE AÇÃO EDUCATIVA
DA PINACOTECA DO
Gabriela Aidar ESTADO DE SÃO PAULO

Luís Roberto Soares


Danielle Amaro 03
que queremos dizer quando falamos em acessibilidade? Nos últimos anos, o termo
tem ganhado relevância no panorama museológico no país, sendo mais comumente usado
para se referir às reflexões e práticas relativas à promoção de acesso de pessoas com
deficiência aos museus. Essa correspondência não está circunscrita apenas aos museus.
Ao contrário, encontra-se disseminada a tal ponto que um dos significados do termo,
encontrado no Dicionário Aurélio, é “condição de acesso aos serviços de informação,
documentação e comunicação, por parte de portador de necessidades especiais”.1

No mesmo dicionário, no verbete acessível, temos como definição algo de “fácil


acesso”, “inteligível, compreensível”, o que indica um aspecto diretamente associado à
transposição de barreiras não apenas físicas, mas também de caráter mais impalpável.
Em nossa prática no Núcleo de Ação Educativa (NAE) da Pinacoteca utilizamos o termo
acessibilidade no que consideramos uma acepção mais ampla, envolvendo não apenas
as questões ligadas à promoção de acesso físico, por meio da garantia de circulação e
afluxo de público às instituições (com a utilização de rampas, elevadores e mesmo com a
gratuidade nos ingressos), mas também – e especialmente – no que se refere a aspectos
intangíveis do contato com os museus, como aqueles relacionados ao acesso cognitivo, ou
seja, ao desenvolvimento da compreensão dos discursos expositivos, e ao que podemos
chamar de acesso atitudinal, por meio do desenvolvimento da identificação com sistemas
de produção e fruição, e da confiança e prazer pela inserção no espaço do museu. Com
a ampliação da compreensão e uso do termo, os museus podem desenvolver ações de
acessibilidade que incluam não apenas públicos com deficiências, mas outros igualmente
excluídos dos processos e sistemas oficiais de cultura.

Segundo recente pesquisa de consumo cultural feita pelo Instituto de Pesquisa


Econômica Aplicada (IPEA), 78% dos brasileiros não vão a museus. Entre esses, uma
percentagem maior, 83% de pessoas das classes D/E, não frequenta esse tipo de
instituição cultural.2 Na mesma direção, as pesquisas de perfil de público de museus
realizadas pelo Observatório de Museus e Centros Culturais (OMCC), nos estados do
Rio de Janeiro e São Paulo entre 2005 e 2007, concluem que os visitantes dos museus
paulistas e fluminenses têm alto nível de escolaridade e renda domiciliar mensal
elevada.3 A pesquisa do OMCC, realizada especificamente na Pinacoteca, reforça essa
situação indicando um perfil sociocultural de visitantes com alta escolaridade (66,5% com
Ensino Superior completo ou incompleto) e renda entre média e alta.4

Complementando esses dados, podemos mencionar a pesquisa de público do entorno


–Expectativas e Percepções em Relação à Pinacoteca, realizada entre 2007 e 2008 pelo
NAE. Nesse caso, os resultados apontaram que o perfil do público do entorno do museu
possui baixa escolaridade (25% dos respondentes nem sequer concluíram o Ensino
Fundamental), com alta frequência à região, e, entre eles, 19% afirmaram já ter visitado 19

a Pinacoteca.

A partir desses resultados podemos afirmar que, tratando-se da participação cultural


em nossa realidade, os excluídos são a grande maioria da população, em particular os
de baixa renda e escolaridade. É, portanto, a partir dessas situações que o conceito
de acessibilidade se alarga para congregar, em nosso entender, tanto as pessoas com
necessidades especiais quanto a variedade de grupos socialmente vulnerabilizados.

Assim, levando em conta os pressupostos citados, desenvolvemos ações continuadas


com grupos que possuem poucas oportunidades de acesso ao museu: professores e
estudantes do Ensino Médio da rede pública; pessoas com deficiências; ou os próprios
trabalhadores do museu.

Ainda nesse sentido, implantamos e mantemos em funcionamento, há oito anos, o


Programa de Inclusão Sociocultural (PISC), que visa promover o acesso qualificado aos
bens culturais presentes na Pinacoteca a grupos em situação de vulnerabilidade social,
com pouco ou nenhum contato com instituições oficiais da cultura, como museus5.
Nesse ponto, faz-se relevante esclarecer o uso que fazemos do conceito de inclusão
social, pois, da mesma forma que o da acessibilidade, ele tem sido usado nos últimos
anos para diferentes fins e com propósitos os mais variados, inclusive para referir-se
especificamente aos processos educativos realizados junto a grupos de pessoas com
deficiências.

Em nossa prática, ao usarmos o conceito de exclusão social nos referimos aos


processos pelos quais um indivíduo ou grupo tem acesso limitado às ações, sistemas e
instituições tidas como referenciais e consideradas padrão da vida social, e, por isso,
encontram-se privados da possibilidade de uma participação plena na sociedade em que
vivem. Esses indivíduos ou grupos, quando se encontram socialmente vulnerabilizados,
podem enfrentar diversas e simultâneas situações de exclusão: a perda de direitos
pela exclusão de sistemas políticos, a perda de recursos pela exclusão dos mercados
de trabalho e a deterioração das relações pessoais pelo enfraquecimento de laços
familiares e comunitários, ficando, consequentemente, sujeitos a um contexto de
privação múltipla.6 A essa situação podemos acrescentar, ainda, o enfraquecimento de
sentimentos de pertencimento e reconhecimento cultural pela exclusão dos circuitos
e instituições da cultura oficialmente instituída. Para combater esse complexo quadro
de exclusões, é necessária uma atuação em rede que integre serviços sociais civis e
governamentais, e meios que possibilitem a participação política, econômica e cultural
dos grupos em questão.7

O Programa desenvolve ações educativas continuadas junto a grupos de diversas


faixas etárias, como aqueles em situação de rua; moradores de habitações precárias,
como cortiços e ocupações; cooperativas e grupos de artesãos voltados à geração de
renda; jovens e crianças de setores populares participantes de projetos socioeducativos;
educadores sociais, entre outros. Atualmente, desenvolvemos diferentes frentes de
trabalho a partir das seguintes ações:

Parcerias e visitas educativas aos grupos: estabelecemos parcerias com


organizações que desenvolvam projetos socioeducativos a fim de realizar visitas
educativas continuadas à Pinacoteca. Definimos conjuntamente os objetivos da parceria
e planejamos o encadeamento de visitas que respondam às demandas de cada grupo
e se somem às atividades já desenvolvidas pelas instituições de origem, pois, assim, o
20 contato com o museu não será desvinculado do trabalho ou processo educativo que se
realiza na instituição de origem. Como defende a teórica inglesa da educação em museus
Eilean Hooper-Greenhill, é necessário considerar as comunidades interpretativas a que
pertencem os grupos na proposição das ações educativas, a fim de gerar experiências
que sejam de fato significativas.8

Curso para educadores sociais: consiste em uma série de encontros de formação


para educadores atuantes em ONGs e serviços de assistência e desenvolvimento
social públicos ou privados que desenvolvam programas socioeducativos. Tem como
objetivo dar subsídios para a elaboração, execução e avaliação de projetos educativos
socioinclusivos a partir da cultura, arte e patrimônio, tendo como base o potencial
educativo da Pinacoteca.

Arte+: publicação para educadores sociais, elaborada para ampliar a abrangência e


penetração dos mesmos conteúdos tratados no curso, com foco na educação em arte e
na educação patrimonial, com distribuição gratuita entre organizações sociais de todo o
país.

Ação educativa extramuros: acontece junto a duas casas de convivência para


adultos em situação de rua do entorno do museu, com a participação de 15 adultos em
cada uma delas. A ação se estrutura a partir de oficinas de arte semanais desenvolvidas
nas organizações parceiras e de visitas educativas regulares à Pinacoteca, conjugando
prática e reflexão sobre a arte e estimulando uma maior familiaridade com o museu.
Além das visitas educativas, ocorrem oficinas específicas para relacionar a criação
de imagens e textos, propondo um diálogo entre ambas as linguagens. Alguns de seus
resultados foram as exposições educativas desses processos realizadas na Pinacoteca e
nas organizações de origem dos grupos, incluindo ainda um catálogo e uma publicação
de caráter avaliativo.

A compreensão dos termos acessibilidade e inclusão como conceitos amplos e


abrangentes se concretiza ao se promoverem experiências significativas com o público
no encontro com o patrimônio e com o museu. Isso pode envolver desde a aquisição
de conhecimento formal e ampliação de repertórios até contemplar aspectos relativos
à melhoria da sociabilidade, das habilidades de comunicação, ao fortalecimento de
identidades, à criação de vínculos com o museu e à melhoria da autopercepção e da
autoafirmação dos indivíduos e grupos envolvidos. Essa tarefa ultrapassa os limites das
ações educativas e depende de uma disponibilidade da instituição como um todo.

Acessibilidade ampla implica ainda na atenção constante às necessidades e


adequação dos discursos do museu aos grupos de visitantes, não hierarquizando as
distintas formas de conhecimento e incorporando as expectativas e histórias de vida dos
diferentes públicos, num espaço repleto de possibilidades.v
21

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. F E R R EI R A , A u ré li o B u arq u e d e H o l a n d a. N ovo d icio n á r io A u rélio d a lín g u a p o rtug u e s a. 3.
e d. Cu r it i b a: P o s it i vo, 20 0 4.
2. Eco n o mia e p o lít i c a c u ltu r al: a ce s s o, e m p re g o e fi n a n c ia m e nto. Co leçã o Ca d er n o s d e
P o lítica s Cultu ra is. B r a s ília: M i n C/I P E A , 20 0 7. v. 3.
3. O B S E RVAT Ó R I O d e M u s e u s e Ce nt ro s Cu ltu r ai s – Pe s q u i s a Pe r fil – O pi niã o 20 0 6 -20 0 7.
M u s e u s e v is ita nte s d e S ã o P a ulo. D E M U/I P H A N/Fi o cr u z/M A S T.
4. E m 20 0 2, o N A E reali z o u u m a p e s q u i s a d e p e r fil d e p ú b li co v i s it a nte d a P i n a cote c a,
i nt itu l ad a Vo cê e o m u s e u, q u e o bte ve re s u lt ad o s s e m e lh a nte s a o s d a p e s q u i s a d o O M CC.
5. A p e s ar d a e n o r m e v ar i e d ad e q u e o te r m o s itu a çã o d e v uln era bilid a d e s o cia l i m p li c a,
e s p e c ialm e nte n a s o c i e d ad e b r a s ile ir a, o s gr u p o s ate n di d o s p e lo Pro gr a m a tê m e m co m u m,
alé m d o fato d e e s t are m v u ln e r a bili z ad o s, e m s u a gr a n d e m ai o r ia, p o r co n di çõ e s d e
p o b re z a, o fato d e e s t are m v i n c u l ad o s a i ni c iat i v a s d a e d u c a ç ã o n ã o fo r m al. E m b o r a s eja
ad ot ad o p e lo G ove r n o Fe d e r al, o te r m o s itu a çã o d e v uln era bilid a d e s o cia l n ã o é co n s e n s u al
n e m p o d e s e r e nte n di d o co m o s i n ô ni m o d e c arê n c ia d e re n d a. A d ot a m o s n o Pro gr a m a s u a
co m p re e n s ã o co m o u m a s itu a çã o d e v io la çã o d e d ireito s, co nfo r m e ex p re s s o n a “ P o lít i c a
N a c i o n al d e A s s i s tê n c ia S o c ial – ve r s ã o ofi c ial” (I n: Rev ista S er v iço S o cia l & S o cied a d e,
n. 8 0, n ov. 20 0 4. E n c ar te.), e n o ar t i g o d e Fr a n c i s co d e O li ve ir a, A q u e stã o d o e sta d o:
v uln era bilid a d e s o cia l e ca rên cia d e d ireito s (I n: Ca d er n o s A b o n g. 1 ju n. 19 95. S é r i e A s
O N G s e a reali d ad e b r a s ile ir a.).
6. D E H A A N, A r ja n e M A X W E L L, Si m o n. (e d s.). P ove r t y a n d s o c ial exclu s i o n i n N o r t h a n d
S o u t h. I n: I nte r n at i o n al D e ve lo p m e nt Stu di e s B u lle t i n, 19 9 8. V.29, n.1, p.3. A p u d A I DA R ,
G a b r i e l a. M u s e u s e i n clu s ã o s o c ial. I n: P atr im ô n io e Ed u ca çã o, Ciên cia s & Letra s - Rev ista
d a Fa culd a d e P o rto -Ale g ren s e d e Ed u ca çã o, Ciên cia s e Letra s, n. 31. P o r to A le gre: ja n/ju n,
20 0 2. p. 5 4.
7. C H I OVAT T O, M ile n e e A I DA R , G a b r i e l a. A rte +. S ã o P au lo: P i n a cote c a d o E s t ad o, 20 0 9. p3.
8. S e g u n d o a au to r a, a s co m u ni d ad e s i nte r p re t at i v a s p o d e m s e r i d e nt ifi c ad a s p o r gr u p o s
q u e co m p ar t ilh a m a s m e s m a s e s t r até g ia s i nte r p re t at i v a s, o u s eja, p o r gr u p o s q u e at r i b u e m
s e nt i d o s u t ili z a n d o -s e d e e s t r até g ia s i nte r p re t at i v a s co m u n s. “ É d e nt ro d a s co m u ni d ad e s
i nte r p re t at i v a s q u e a co n s t r u ç ã o d e s i g nifi c ad o s d e u m i n di v íd u o é te s t ad a, a p oiad a
e d e s e nvo lv i d a. A co m u ni d ad e i nte r p re t at i v a i m p õ e li mite s a o m e s m o te m p o e m q u e
p o s s i bilit a a co n s t r u ç ã o d e s i g nifi c ad o s.” H O O P E R- G R E E N H I L L, Eilea n (e d.). T h e ed u catio n a l
ro le of th e m u s e u m. L o n d re s e N ov a Yo r k: R o u tle d g e, 19 9 4. p. 13; 5 0.
22 ACE SSI B I LI DA D E CU T U R A L: O GALO INACESSÍVEL:
DA ARTE E DO DEVER
A B R I N D O T R I N CH EI R A S DE AGRADAR

Sonia M arques 04
INTRODUçÃO: DA REIJEIçÃO do galo

escultura do Galo da Madrugada para o carnaval recifense de 2010 provocou


inúmeras reações de descontentamento: apelidada de Frango do Meio-Dia, foi acusada
de precariedade estética. Questionada a propriedade do gasto público com tal obra,
abriu-se o debate sobre a acessibilidade cultural e os problemas de recepção. A
jornalista Tereza Halliday (2010), entre outros, comentou o despautério de uma escultura
que decepcionara o imaginário de muitos foliões. Desenvolvendo o raciocínio, afirmou a
jornalista que esse desencontro entre expectativas de artista e público ocorreria mesmo
quando o artista tem fama de bom. Exemplificou com as edificações de Oscar Niemeyer
no Parque Dona Lindu, recomendou cuidado nas encomendas a artistas, arquitetos
e ambientadores uma vez que, não raro, eles ignorariam gostos e necessidades do
contratante, concluindo que “o contratado tem a missão de usar sua genialidade para
amarrar o burro onde o dono sonha. Do contrário, pode dar zebra”. (HALLIDAY, 2010-A5).

Encaminhando o artigo a vários amigos, professores em universidades e ateliês, a


jornalista sugeriu que fosse utilizado como matéria para reflexão com nossos alunos.
Acolhendo a sugestão, o presente texto discute a relação entre gosto, qualidade
arquitetônica e acessibilidade à obra de arte. Esta implicaria o dever de agradar ao
público? Na obrigatoriedade da aceitação generalizada? A má acolhida invalidaria o
valor de uma obra? Ou antes a acessibilidade tem a ver com a oferta, com o acesso
democratizado, reconhecendo-se os limites de uma recepção consensualmente favorável?

Da distinção entre gostar e reconhecer a importância da arte

Ao avistar, de passagem, a escultura do Galo, na ponte Duarte Coelho, achei-a menos


imponente que em anos anteriores. Procurei perceber qual seria o material utilizado, o
suporte, eventualmente, o novo processo de execução. São aspectos muito importantes
para educadores e críticos que buscam olhar objetos e coisas do mundo, sobretudo
aqueles ditos de criação artística, sem ter por objetivo a afirmação do próprio gosto,
evitando um critério estético pré-concebido, questionando os valores hegemônicos.

Indagado sobre suas predileções, um dos maiores críticos de arte da atualidade, o


professor de filosofia Arthur Danto afirmou ser muito conservador e adorar arte francesa
do século XVIII, acrescentando: “Mas nem toda arte importante é necessariamente
fácil de gostar. Não posso dizer que gosto do trabalho de Jeff Koons – mas o considero
importante. Quem consegue realmente gostar do trabalho de Duchamp?”
Pergunto: Quantos conseguem realmente gostar de 23

Marcel Proust? Ler e apreciar Ulysses de James Joyce?


Ou Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa? Ou O
homem sem qualidades de Robert Musil? Impopulares
junto ao grande público, a importância desses autores
parece incontestável. A ideia é, no entanto, difícil de
ser aceita em tempos de populismo. A ditadura do
populismo cultural não é nova na História, que se repete
como farsa, na expressão de um grande autor. Tenho
medo dessa tendência ao plebiscito que está a instalar-
se recentemente. Não gostaria de Robespierres na nossa
paisagem cultural. Imaginem se começarmos a queimar,
vandalizar, destruir objetos artísticos considerados
divergentes das novas afirmações identitárias?

Quando Milton Nascimento canta que todo artista tem


que ir aonde o povo vai, não creio que queira dizer que
agradar a multidões seja o imperativo da criação. Nem
tampouco que a sanção popular seja garantia de melhor
qualidade. Se fosse, Paulo Coelho teria mais méritos do
que Machado de Assis. Telemann, ao que parece, foi mais
popular e querido a sua época que Vivaldi. Certamente a
arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, prêmio Pritzker
2006 de Arquitetura, não agrada às grandes massas.

Artistas e Arquitetos: a serviço do contrato?

Desde Vitruvius, questiona-se se arquitetura é arte,


ato de criação que depende exclusivamente do indivíduo
que concebe ou um serviço profissional que deve render-se
aos ditames do contrato. Toda definição é em si arbitrária.
Admitir que arte e arquitetura sejam ambas serviços a
serem prestados como manda o cliente ou, pelo contrário,
atividades autônomas é privilégio apenas do raciocínio que
se queira seguir. Na maior parte das vezes, esse raciocínio
é baseado em um desejo de como tais atividades deveriam
ser. Tomo a História como referência, para não entrar no
wishful thinking.

Até o mundo moderno era possível fazer uma certa


distinção do grau de autonomia entre arquitetos e artistas:
em parte porque as obras de arte eram, via de regra,
menos caras que as de arquitetura. Van Gogh fez como quis
sua pintura, sustentado pelo irmão Theo que vendia coisas
mais palatáveis à burguesia endinheirada e pouco exigente.
Já a maior parte da arquitetura de Le Corbusier ficou no
papel.

Atualmente, contudo, os novos suportes artísticos,


como instalações e vídeos, entre outros, custam muitas
vezes mais caros que as edificações, diminuindo a
possibilidade da realização da obra sem o poder da grana 1. Cantando de Galo por Pablo Sousa,
que “ergue e destrói coisas belas”. Donde o relativo menor 2010.
24
grau de autonomia do artista.

A relação entre contratante e contratado é uma relação de força, de natureza


completamente instável. O autoritário Barão Haussmann ficou conhecido por considerar
os arquitetos como perdulários e por impor seus gostos e princípios àqueles que
contratava. Mas esse era o populismo do segundo império. Hélàs! Próximo ao Sarkozismo
atual.

Desencontros entre expectativas e obra recebida não fazem sentido quando se trata
de artistas com obra consagrada e conhecida. Contratados, espera-se que deles saia um
determinado produto: um Brennand, um Niemeyer. Se, uma vez expostas ao público,
as esculturas de Brennand escandalizam senhoras pernambucanas pudicas, é fato que
escapa às questões da acessibilidade. Realizações de Niemeyer como o Espaço Ciência
em João Pessoa ou como o parque Dona Lindu, podem, sem dúvida, ser criticadas sob
aspectos diversos. Formalmente, no entanto, umas melhores, outras piores, no conjunto,
as obras recentes de Niemeyer só podem decepcionar aqueles que não conhecem a sua
obra precedente.

O que muda finalmente, ao longo da História, é a clientela da arte e da arquitetura e


os demais membros do sistema de crença de bens simbólicos, como bem definiu Bourdieu
(2006), que movem a produção do mercado artístico e definem as regras do gosto.

Da decadência da qualidade arquitetônica ou da cumplicidade entre


clientes e incorporadores

Emergentes endinheirados, celebridades recentes são a essência da clientela de


arquitetos, via especulação imobiliária. Todos buscam originalidade: o resultado é um
festival de mesmice e mau gosto. Em Natal, João Pessoa ou Recife é dificílimo encontrar
alguma edificação recente de qualidade. Como dizia Lucio Costa: Muita construção,
alguma arquitetura e um milagre. Este último, quando ocorre, é geralmente inacessível
ao bolso da maioria. Os corretores louvam as virtudes (sic!) do que é novo, ainda
“na planta”: a nobreza do bairro, a quantidade de banheiros e garagens, os incríveis
aparatos de segurança, salões de festas, piscina, áreas de lazer, etc. Quando se trata
de apartamentos usados, elogiam aqueles “completamente reformados, na cerâmica e
gradeado”. “Embanheiradas”1 e engaioladas nossas edificações são. Basta por a cabeça
na janela para ver. Iguais em sua maioria. Que não se condenem os arquitetos. Fazem
uma arquitetura à altura do visual dos contratantes: galpões decorados, casas de
recepção e igrejas universais já o atestam. Considero legítimo e legal oferecer a uma
clientela sem educação do gosto serviços e espaços a sua imagem e semelhança. Porém,
como parte dos atores do sistema de crença de bens simbólicos, acredito na educação do
gosto, bem como no ímpeto que move uma sensibilidade criadora, necessário à produção
artística. Wittgenstein disse que abandonou arquitetura e se tornou filósofo porque
achava que era dotado de um gosto muito educado, muito elevado, mas faltava-lhe esse
impulso autônomo, essa ousadia criativa que é de outra ordem. Sigo Wittgenstein nesse
raciocínio que diferencia a sensibilidade analítica da sensibilidade criativa.

Acho, pois, desejável que, mesmo ao artista que se diz obrigado “a vender-se para
poder comer” – palavras recentes de um aluno –, sobrasse algum tempo, a fim de que,
uma vez nutrido, pudesse entregar-se aos desmandos de sua capacidade criadora, sem
a tirania de uma encomenda de uma celebridade qualquer, sem render-se ao populismo
dominante.
Temos uma geração ainda com sólida formação em arquitetura e mesmo alguns 25

novos profissionais bastante competentes. Mas como enfrentar o mercado e o padrão


das incorporadoras que definem a regra do jogo? Ninguém liga para a qualidade do
projeto. Aliás, poucos sabem o que é qualidade de projeto. Senão, não contratariam
imediatamente um decorador, perdão, arquiteto de interior, para reformar. Ou será
“customizar”?

Não temos, na minha opinião, uma cultura de qualidade. Nem em arquitetura, nem
em arte, nem em outros domínios. Perdemos aquela que foi de uma geração elitista: os
modernistas. Muitos eram, sem dúvida, voltados para os valores ocidentais, colonizados
e pouco atentos às nossas minorias e às diversidades populares. Mas tinham “senso de
noção”. O que se perdeu na mobilidade social inclusiva em curso.

Conclusão

O vaticínio não me parece, contudo, negativo. Quando a poeira da revolução


populista que assola grande parte do mundo passar – se passar –, mais milagres
acontecerão. Até lá, em vez de pedir aos artistas que amarrem o burro onde o dono do
burro manda, eu diria que é preciso encorajá-los. Parafraseando o poeta português Jorge
de Senna, é preciso deixar florescer todas as flores, as que nos espinham, aquelas cujo
odor nos incomoda, como todos os saberes; todos necessários e complementares em sua
diversidade. Como disse o sábio crítico:

Mas há ainda um longo caminho que se relaciona à educação, para que finalmente
consigamos convencer os cidadãos a aceitarem de bom grado que seu dinheiro
seja aplicado a um patrocínio num tipo de arte que eles muitas vezes acham
repugnante. A educação pode diminuir esta rejeição, mas não a eliminar. Não há
nenhuma regra a priori que determine que qualquer tipo de arte será apreciado
por todas as pessoas. (DANTO, 2005:131)v

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. E x p re s s ã o u t ili z ad a p e l a p rofe s s o r a Edja Tr i g u e iro (U F R N) re fe r i n d o -s e à e pi d e mia
d e re ve s t i m e nto s ce r â mi co s q u e d ã o à s fa c h ad a s d e n o s s o s e difí c i o s a s p e c to d e
b a n h e iro.

# H A L L I DAY, Te re z a. Co nt r at a n d o A r t i s t a s e A rq u ite to s. I n: D ia r io d e P er n a m b u co,


01/03/2010, p. A-5.  
# DA N T O, A r t h u r. E nt re v i s t a co n ce di d a a o T h e N atio n, t r ad u z i d a e p u b li c ad a e m N ovo s
E s tu d o s Ce p ra b 7 3, n ov. 20 0 5. p.127-132.
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Si m b ó li co s. 3. e d. [ S.l.]: Edito r a Zo u k, 20 0 6.
26 ACE SSI B I LI DA D E CU T U R A L: ACESSIBILIDADE
E COMUNICAÇÃO
A B R I N D O T R I N CH EI R A S SENSORIAL NOS MUSEUS
E ESPAÇOS CULTURAIS:
NOVOS DESAFIOS PARA
A MEDIAÇÃO CULTURAL

Viviane Panelli Sarraf 05


artindo do pressuposto de que o museu é um equipamento social deficiente em
relação à acessibilidade para a diversidade de públicos existentes, é possível afirmar
que o mesmo precisa repensar sua atuação, buscando maneiras de aproximação que
respeitem as diferentes formas de alcance, comunicação e relacionamento da população,
que em número significativo possui alguma deficiência ou dificuldade temporária.

Para que isso ocorra é necessário conhecer um dos principais focos do problema que
é a estrutura de funcionamento dos museus. No aspecto físico de edifícios, após mais de
20 anos de redação da Norma Brasileira de Acessibilidade, NBR 9050, é possível afirmar
que existe legislação e fiscalização das autoridades competentes e da sociedade civil
para que as adequações de acessibilidade sejam implantadas. No aspecto de acesso à
informação, apesar de existirem referências teóricas favoráveis ao uso dos sentidos nas
estratégias de mediação, ainda são raros os casos de projetos e programas que coloquem
esse aspecto em prática e que, consequentemente, tornem a linguagem dos museus mais
acessível a indivíduos com diferentes níveis intelectuais e cognitivos.

A acessibilidade é uma forma de concepção de ambientes que considera o uso de


todos os indivíduos independente de suas limitações físicas e sensoriais, desenvolvida a
partir dos conceitos do movimento de Inclusão Social. O conceito influencia a melhoria
da qualidade de vida da população com e sem deficiência.

Segundo a ABNT-NBR 9050 – Norma Brasileira de Acessibilidade da Associação


Brasileira de Normas Técnicas –, acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance,
percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações,
espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos.

Seguindo os parâmetros da norma citada, acessível é o espaço, edificação, mobiliário,


equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e
vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida. O termo
acessível implica acessibilidade física, intelectual, cognitiva e atitudinal.

Portanto, acessibilidade em museus significa que as exposições, espaços de


convivência, serviços de informação, programas de formação e todos os demais serviços
básicos e especiais oferecidos por esses espaços devem estar ao alcance de todos os
indivíduos, perceptíveis a todas as formas de comunicação e com sua utilização de forma
clara, permitindo a autonomia dos usuários. Os museus para serem acessíveis, portanto,
precisam que seus serviços estejam adequados para serem alcançados, acionados,
utilizados e vivenciados por qualquer pessoa, independentemente de sua condição física
ou comunicacional.
Para que os princípios da acessibilidade e da inclusão social das pessoas com 27

deficiência nas instituições culturais sejam viabilizados de fato, além do cumprimento


dos parâmetros expressos nas normas, é necessário desenvolver novas estratégias
de mediação, nas quais todos os sentidos inerentes à percepção sejam envolvidos. A
linguagem dos museus é regida pela cultura ocidental, em que predomina a exploração
visual, o que leva as pessoas ali presentes a uma relação superficial com o conteúdo das
exposições.

É possível afirmar que apesar da predominância do sentido da visão na cultura


ocidental, berço dos museus e espaços culturais, os outros sentidos se mostram
presentes em manifestações artísticas e culturais. A arte se manifestou multissensorial
ao longo da história. Desde movimentos estéticos neoclássicos até a arte
contemporânea, artistas emblemáticos propuseram experiências sensoriais. A história
não é documentada apenas por suas imagens. Os sons, os sabores, os odores e as
sensações também são contemplados pelos historiadores e pesquisadores em seus relatos
e textos críticos. As ciências estudam fenômenos e formas de vida que não podem ser
resumidos ao aspecto visual. As técnicas e tecnologias precisam ser perpetuadas e
experimentadas em sua totalidade e não apenas contempladas como criações divinas.

O apelo visual na cultura contemporânea já não possui o caráter de sentido da


razão e sabedoria presente no pensamento moderno. O paradoxo da visão e não visão é
questionado por filósofos, artistas, cineastas, escritores e outros profissionais criativos
que tentam de diferentes formas despertar outros sentidos nas relações culturais e
humanas.

Talvez essa ‘insensibilidade’ na maior parte das vezes inconsciente, seja


fruto de vários fatores pertinentes ao mundo contemporâneo, que vivemos
regido principalmente pelo sentido da visão. O que temos é uma avassaladora
pluralidade de informações visuais, bombardeadas pelos mais diversos tipos de
mídia (televisão, cinema, revistas, jornais, outdoors, entre tantos outros) que
para pessoas de maior sensibilidade, se tornam uma ‘massa’ indistinta de forte
poluição visual, dificultando a percepção visual de simples elementos visuais do
cotidiano. (RESENDE, 2002, texto curatorial da exposição “Vistas Táteis”)

No âmbito patrimonial também é possível identificar alguns motivos para uma


nova forma de concepção da linguagem expográfica. Um deles é a existência de uma
pluralidade de bens patrimoniais envolvendo desde objetos da cultura material até
patrimônio imaterial e intangível. Essas novas categorias de coleção e acervo têm feito
com que profissionais e teóricos da área de patrimônio problematizem constantemente
os parâmetros e procedimentos de tombamento, conservação e documentação ligada a
essa nova condição.

Os caminhos possíveis para preservação e difusão desses diferentes patrimônios


podem ser a acessibilidade aos sistemas de informação e as propostas de mediação
cultural, já que uma tradição ou indícios de saberes populares só são devidamente
preservados na criação de sentido para o indivíduo.

Tomemos como exemplo as receitas tradicionais de alimentos. O que deve ser


tombado: o fazer ou o paladar?

Uma receita resulta em um alimento de sabor único que, por sua vez, precisa ser
preservado, já que é aquele sabor que informa as influências de uma ou mais culturas
28 na combinação de ingredientes ou no tipo de utensílio
utilizado para o preparo. Um autêntico “Baião de Dois”
é reconhecido por seu aspecto visual, pelos ingredientes
utilizados no preparo ou por seu sabor peculiar?

As exposições dedicadas a hábitos alimentares de uma


comunidade ou região, por exemplo, geralmente articulam
imagens bidimensionais, objetos expostos em vitrines e
textos relacionados ao tema; nesse sentido a proposta de
mediação pode ser comparada à leitura de um livro com a
mesma temática; a única diferença é o espaço físico.

Outro exemplo favorável para incentivar a mudança


de estratégias de mediação são as propostas de imersão
em exposições de artistas contemporâneos, museus de
ciências e expografias de mostras temáticas que começam
a utilizar os recursos tecnológicos com a intenção de
transpor as pessoas para situações inusitadas. Essa nova
tecnologia pode ser utilizada também em programas
museológicos e exposições de coleções permanentes com o
intuito de proporcionar experiências sensoriais em relação
ao patrimônio. Por exemplo, é possível proporcionar uma
experiência de um ritual da religião Candomblé transpondo
o visitante de um museu a um terreiro típico, por meio
do uso dos sons, odores, iluminação e esfumaçamento do
local. Tudo isso bem planejado e sincronizado oferece uma
experiência de fruição da temática, que por sua natureza é
multissensorial.

Mesmo sabendo que nós, seres humanos, percebemos


o mundo através de todos os nossos sentidos, os espaços
culturais e museus permanecem explorando excessivamente
a visão, deixando de lado toda a riqueza de relações que
podem ser estabelecidas de maneira mais holística e menos
racional.

O desenvolvimento do pertencimento cultural, que é


um dos principais objetivos dos museus na atualidade, pode
ter a mediação sensorial como estratégia lançando mão de
recursos olfativos, de apelo ao paladar, sonoros e táteis,
além, é claro, do recorrente apelo visual. A percepção
sensorial não pressupõe conhecimentos intelectuais,
domínio de linguagem ou idioma e familiaridade com
ofertas culturais; ela é livre das barreiras inerentes à
origem elitizada e acadêmica dos museus e tem o poder
de envolver e cativar toda a diversidade de público dos
museus.

A visão é o sentido mais explorado nas exposições e


esse fato contribui para a formação de uma barreira de
1. Audiodescrição no Museu Tiflológico comunicação com o visitante que impede a interatividade,
ONCE – Madrid uma das principais demandas das pessoas em relação aos
museus. É possível observar as pessoas visitando as exposições 29

sem se envolverem com o conteúdo apresentado, como


consumidores em frente à vitrine de uma loja: tudo o que veem
parece igual e distante de sua realidade.

O som é um recurso extremamente explorado e vital no


cinema, nas telenovelas e até mesmo em mostras temporárias
que utilizam abordagens intimistas, já que esse recurso envolve
o indivíduo para influenciar sua percepção da mensagem.
Durante a redação da “Declaração de Caracas”, em 1995,
no encontro dos membros do ICOM – International Council
of Museums, conselho que norteia a atuação dos museus e
instituições culturais do mundo todo, o debate acerca do som
como recurso de mediação já acontecia, como é possível
constatar na citação:

Um caso em que a sonorização não constitui uma música


ambiente, senão de certo modo, um elemento concreto
da exposição: o som, no momento da visita do novo
Museu da Bocha em Bayone (França). Uma montagem
musical ilustra com precisão e com formas variadas
a intervenção da música no desenvolvimento de uma
partida de bola – o guia põe em funcionamento o som no
momento preciso e à distância. (ARAÚJO E BRUNO apud
RIVIÉRE, 1995 p. 14)

O tato é considerado pelos museus como um vilão, pelos


prejuízos à conservação de acervos materiais. Essa afirmação
é comprovada por importantes pesquisas, as quais também
apontam que alguns materiais apresentam bastante resistência
ao manuseio. As conclusões e considerações dessas pesquisas
poderiam nortear a criação de programas de acesso tátil às
obras e objetos de alta resistência física, como já acontece
em museus que seguem políticas públicas ou institucionais de
acesso.

A abordagem corpo-a-corpo com uma escultura, por


exemplo, me deixa muito feliz, significa olhar não só
com minhas mãos, mas com minha presença corporal, e
um cego não olha somente com as mãos, mas também
com todo o corpo, esta é a diferença. (BAVCAR, 2007,
entrevista cedida para pesquisa de mestrado Reabilitação
do Museu: políticas de inclusão cultural por meio da
acessibilidade da autora)

O olfato ainda aparece de forma tímida, salvo em alguns


museus de história natural, para complementar a interação 2. Toque na obra “Máscara de
Voltaire” do artista Houdon
dos visitantes com habitats e ecossistemas distantes e em
Museu Histórico Nacional – RJ
estratégias de comunicação ligadas a acervos olfativos como 3. Visitante cega no Jardim Sensorial
museus de essências, perfumes e parques botânicos. do Jardim Botânico de SP
30 O paladar também é pouco utilizado, a não ser pelas cafeterias anexas que raras
vezes oferecem cardápios ligados aos eixos curatoriais dos museus que as abrigam. Esse
tipo de ação é mais constante em propostas de ação cultural em formatos mais populares
como feiras e festivais. Nesses casos são criados espaços para propostas de mediação
que extrapolam o espaço expositivo das instituições culturais. Alguns exemplos: “feiras
étnicas”, “festivais de cultura popular”, “festas das nações”, geralmente promovidas por
museus históricos e centros culturais ligados às manifestações populares.

Além dos cinco sentidos exemplificados no texto, os indivíduos possuem outros pouco
conhecidos e explorados, mas essenciais para aqueles que perdem um ou mais sentidos.
Como os golfinhos, possuímos a ecolocalização que é a capacidade de identificar a
localização de um corpo ou objeto pelo eco de seu som. A percepção sinestésica permite
decodificar espaços por meio do movimento do vento e da densidade do ar, mesmo em
ambientes fechados.

O cotidiano das metrópoles e da dinâmica da vida contemporânea não incentiva


as pessoas a desenvolverem os sentidos em sua plenitude; por essa razão podemos
considerar que temos deficiências sensoriais, por nossa dificuldade em traduzir
conteúdos e conceitos de diferentes linguagens, além da representação visual. O
computador – ferramenta e a internet – , meio de relacionamento predominante na
sociedade, não consegue estabelecer vínculos que não sejam visuais com seus usuários.

Dessa forma, os museus, como agentes de desenvolvimento social, responsabilidade,


têm o desafio de cativar visitantes e desenvolver o pertencimento. Para ter sucesso
nessas atribuições e se diferenciar dos meios de comunicação em massa precisa quebrar
a dinâmica visual dos relacionamentos contemporâneos, fazendo uso de propostas
de mediação multissensoriais para estabelecer vínculos sensíveis com seus visitantes,
podendo, então, afirmar sua validade na dinâmica social e tornar-se acessível em sua
natureza comunicativa.v
31

R E F E R Ê N CI A S:
#AC K E R M A N, D ia n e. U m a histó r ia n atu ra l d o s s entid o s. 1. e d. R i o d e Ja n e iro: B e r t r a n d
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a To d o s lo s S entid o s: a co g er m ejo r a la s p er s o n a s min u s va lid a s . Tr ad. C ar m e n Pé re z
A n d ré s e A nto nia R a m o s Fu e nte s. O N C E. S al a m a n c a, 19 9 4. p. 27 3.
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P au lo: Ed u s p.
# R E S E N D E, R i c ard o. Proje to A ex p re s s ã o foto g ráfica e o s ce g o s. Fo ld e r d a ex p o s i ç ã o
“ V i s t a s Táte i s”. S e cre t ar ia d e Cu ltu r a d a Ci d ad e d e L o n d r i n a, 20 0 2.
# S A R R A F, V i v ia n e P a n e lli. A in clu s ã o d o s d eficiente s v is u a is e m m u s e u s : u m a a n áli s e
reali z ad a co m b a s e e m av alia çõ e s s o b re a ce s s i bili d ad e. 95 p., il., 1 a n exo. M o n o gr afia
(E s p e c iali z a ç ã o) – M u s e u d e A rq u e o lo g ia e Et n o lo g ia, U ni ve r s i d ad e d e S ã o P au lo, 20 0 4.
_ _ _ _ _ _ . Re a bilita çã o d o M u s e u: p o lít i c a s d e i n clu s ã o c u ltu r al p o r m e i o d a
a ce s s i bili d ad e. 18 0 p., il., 3 a n exo s. D i s s e r t a ç ã o (M e s t r ad o) – E s co l a d e Co m u ni c a çõ e s
e A r te s, U ni ve r s i d ad e d e S ã o P au lo, 20 0 8.
# S A S S A K I, R o m e u K a z u mi. In clu s ã o: Co n s t r u i n d o u m a s o c i e d ad e p ar a to d o s. 2. e d. R i o
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# S H A PI R O, J o s e p h P. N o pit y : p e o p le w it h di s a bilit i e s fo r g i n g a n e w c i v il r i g ht s
m ove m e nt. N e w Yo r k: T h re e R i ve r s Pre s s, 19 93.
# I P H A N – I n s t r u ç ã o N o r m at i v a nº 1. 20 03. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.i p h a n.g ov.b r >.
A ce s s o e m a b r. 20 0 6
# I CO M (I nte r n at i o n al Co u n c il of M u s e u m s) Có di g o d e Ét i c a, 20 0 4. D i s p o ní ve l e m:
<ht t p://w w w.i co m.o r g.b r >. A ce s s o e m: a g o. 20 0 6.
# O N U – D e cl ar a ç ã o I nte r n a c i o n al d e D ire ito s H u m a n o s, 19 4 8. D i s p o ní ve l e m: < ht t p://
w w w.o n u-b r a s il.o r g.b r/d o c u m e nto s _ dire ito s h u m a n o s.p h p >. A ce s s o e m: m ai o 20 0 6.
#A B N T- N B R 9 0 5 0 – N o r m a B r a s ile ir a d e A ce s s i bili d ad e. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.
a ce s s i bili d ad e.o r g.b r >. A ce s s o e m: m ai o 20 0 6.
32 C A M I N H O S PA R A AUDIO-DESCRIÇÃO1:
UM NOVO RECURSO
I N CLUS ÃO DE MEDIAÇÃO E
ACESSIBILIDADE
CULTURAL

Alexsandra Leite 06
udio-descrição é um recurso de acessibilidade direcionado às pessoas com
deficiência visual, é a tradução de qualquer imagem transformada em palavras. A audio-
descrição integra o campo da Tradução Visual e é executada com aparato técnico pré-
estabelecido, surgindo como recurso importante em ações de responsabilidade social,
junto às pessoas cegas e com baixa visão. Direito adquirido, a audio-descrição se adapta
às exigências legais como a Lei 10.098/2000 e o Decreto 5.296/2004, que, como outros
dispositivos legais, visam a acessibilidade comunicacional às pessoas com deficiência
visual, em todas as áreas de convívio social.

No âmbito cultural, proporcionar acesso aos cegos e pessoas com baixa visão ao
cinema, teatro, espetáculos de dança, circo, TV e exposições de arte é o principal
objetivo das pesquisas em audio-descrição, buscando modelos de acessibilidade
audiovisual que atendam às necessidades desse público e formando profissionais
competentes em nível de graduação e pós-graduação para atuarem no mercado de
trabalho. Sendo assim, a formação profissional em audio-descrição está atrelada à
formação de público, no sentido de desenvolver uma prática de integração sociocultural,
conscientizando a sociedade a construir uma aprendizagem cooperante que avance na
eliminação das barreiras pragmáticas e atitudinais, garantindo o acesso das pessoas com
necessidades especiais aos serviços que promovem a convivência saudável no tocante à
diversidade.

COMO SE DÁ A FORMAÇÃO EM AUDIO-DESCRIÇÃO

A formação de audio-descritores, profissionais que realizam a audio-descrição, é


realizada no Brasil pelas instituições de ensino superior, uma vez que a audio-descrição
é considerada um modo de tradução audiovisual pouco conhecida. Especialistas na área,
com formação no exterior, produzem e pesquisam a audio-descrição junto a seu público-
alvo e, atualmente, são esses especialistas responsáveis pelos 160 audio-descritores
formados a cada ano, a partir do que a legislação exige.

No Nordeste, Pernambuco, Ceará e Bahia têm-se destacado nos estudos e difusão


da audio-descrição. Na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, o Prof. Dr.
Francisco Lima tem suas pesquisas datadas de 1997, implementando o curso de
extensão Tradução Visual – Imagens que Falam, em 2008, como culminância dos anos
de estudo. Iniciando suas pesquisas em 2005 a professora Vera Lúcia Santiago Araújo,
da Universidade Estadual do Ceará – UECE, implementou a disciplina de tradução
audiovisual na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, onde a audio-descrição
passou a ter destaque como módulo na pós-graduação em Linguística e atualmente
como possibilidade de vir a ser um curso de especialização, assim como na Pontíficia
Universidade Católica – PUC-Minas e na Universidade Estadual do Rio Grande do 33

Norte – UERN. Junto com a CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de


Nível Superior, um projeto de cooperação acadêmica coordenado pelas professoras
Célia Magalhães (UFMG) e Vera Santiago (UECE) visa à formação de pesquisadores
e profissionais na área de audio-descrição. Já as professoras Eliana Franco e Vera
Santiago formaram, em 2008, 120 audio-descritores certificados por essas instituições.
Também nesse ano, as duas professoras e o especialista Rodrigo Campos, da UFMG,
formaram a primeira associação de audio-descritores do Brasil, a MIDIACE – Associação
Mídia Acessível – que tem promovido a audio-descrição de várias formas, além de
ter estabelecido padrões de normas e roteiros. Assim como a MIDIACE, a TRAMADAN
– Tradução, Mídia, Audiodescrição e Dança –, ligada à UFBA, e a LEAD – Legendagem
e Audiodescrição –, vinculada à UECE, são associações e grupos que atuam com
competência na difusão e prestação de serviços em audio-descrição.

Vale salientar a participação das agências de fomento à pesquisa (CAPES, CNPq,


FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – e FUNCAP –
Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico) e das instituições financeiras
(BNB – Banco do Nordeste do Brasil) nesse processo de consolidação da audio-descrição
em nosso país, pois o custo médio de sua produção depende de muitas variáveis: de
acordo com o conteúdo audiovisual, as necessidades técnicas de entrega e recebimento
do material audio-descrito, o tipo de audio-descrição a ser produzida (gravada, ao vivo
roteirizada ou ao vivo simultânea), os prazos de produção e o volume de trabalho a ser
realizado, entre outros aspectos.

Quanto ao capital intelectual, são necessárias competências variadas de acordo


com as diferentes etapas do processo de produção da audio-descrição. Todas essas
etapas, com exceção do técnico de mixagem, são exploradas nos cursos das instituições
mencionadas. Os audio-descritores precisam inicialmente ter acesso a um conhecimento
específico sobre o conceito, as diretrizes nos variados países para, numa segunda etapa,
ajustá-las ao Brasil por meio da prática da audio-descrição e revisão, que constitui o foco
central dos cursos. As habilidades necessárias para a roteirização são apreendidas nos
cursos: domínio do português, domínio do software para marcação de tempo, seleção de
o quê e como audio-descrever, sintaxe-chave do texto, percepção audiovisual  em TV,
cinema e teatro etc. Na prática, é enfatizado o modelo de roteiro adotado e o processo
de gravação, da gravação da audio-descrição ou da audio-descrição ao vivo (roteirizada
e simultânea); é enfocada a familiarização com o estúdio, com o aparelho fonador e com
o ritmo do produto audiovisual. Apesar de o audio-descritor ser um elemento à parte do
enredo, sua entonação tem que seguir um pouco o ritmo da obra. Um filme de ação, por
exemplo, exige uma audio-descrição que acompanhe seu ritmo, ou o suspense, e não
combina com uma narração suave e lenta. Para a mixagem dos sons e ajustes de volumes
é necessário que o profissional editor de som esteja a par das técnicas de ajustes
específicos para a audio-descrição. Numa situação ideal, é recomendável que um audio-
descritor acompanhe a gravação e mixagem, no sentido de evitar inadequações.

Torna-se relevante destacarmos que as ações supracitadas têm-se desenvolvido


para a formação de uma mão de obra qualificada, atendendo ao acordo firmado entre
o Ministério das Comunicações, representantes do setor de radiodifusão, do setor de
produção de audio-descrição, do Comitê Brasileiro de Acessibilidade e da União Brasileira
de Cegos, em reunião realizada em 23 de julho de 2008, focada na Portaria 466/08.
34 DUAS EXPERIÊNCIAS CULTURAIS COM A AUDIO-DESCRIÇÃO

Atuando na Torre Malakoff, equipamento cultural administrado pela Fundação do


Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, como arte/educadora
no Programa de Aperfeiçoamento em Gestão Pública de Cultura, uma das minhas
atribuições era orientar, como colaboradora do referido equipamento, por meio do
Educativo Malakoff, o Estágio de Aprendizagem dos jovens do Projeto Desenhando
Culturas. Esses jovens haviam participado do curso de Cinema de Animação, numa
proposta de ação articulada entre a FUNDARPE e a Secretaria de Ação Social, dentro
do Programa Pacto pela Vida. Minha tarefa, ao lado do colega e igualmente arte/
educador Carlito Person, era oferecer a esses jovens possibilidades de complementação
e aplicação de conhecimentos. Contudo, tendo em vista a nossa formação em arte/
educação, havia a necessidade de agregar valores relacionados à acessibilidade para
a produção de material audiovisual, produto final de conclusão do curso e do estágio.
Sendo assim, planejamos um corpo de atividades, visando ampliar o repertório cultural
dos estagiários, colocando-os em contato direto com o universo das artes visuais,
ambientes profissionais de cultura, artistas, designers e equipes de produção. Como
havia iniciado as pesquisas em torno da audio-descrição no Centro de Estudos Inclusivos
da UFPE sob orientação do Professor Francisco Lima, pensei na possibilidade de inserir
os jovens estagiários no universo da audio-descrição. Nesse período, a Fundação
Joaquim Nabuco promovia através do Cinema da Fundação, a programação do Dia
Internacional da Animação, que contemplou a mostra oficial com curtas de animação
nacionais e internacionais, além de mostras paralelas para pessoas com necessidades
especiais auditivas e visuais. Os estagiários participaram, enquanto público específico
de profissionais em processo de formação. Seria um primeiro contato no sentido de
apresentar aos jovens mais uma possibilidade de ampliação das suas competências não
somente como produtores culturais, mas como cidadãos, já que, entre eles havia um
colega de curso, o estudante Clodomir Barbosa, de 21 anos, que desenvolve atividades
em artes plásticas desde os 7 anos, e que, mesmo possuindo apenas 5% de uma visão,
foi um dos contemplados no projeto Desenhando Culturas. A experiência foi muito
proveitosa para todos, principalmente para Clodomir que compreendeu como a audio-
descrição é importante para quem, como ele, sente na pele a exclusão. Após a mostra, o
estudante, de modo descontraído e muito alegre, declarou: “Foi muito diferente assistir
filmes com esse recurso, bem melhor para mim! Me senti bem mais independente!”,
disse Clodomir. A partir dessa vivência, surgiu a proposta dos estagiários utilizarem o
recurso na elaboração das produções audiovisuais subsequentes numa parceria com o
CEI/UFPE.

Com o objetivo de dar a conhecer o que é audio-descrição, divulgar sua


aplicabilidade e sua potencialidade na educação, no trabalho e no lazer, como recurso
de acessibilidade comunicacional para as pessoas com deficiência, principalmente para
as pessoas cegas ou com baixa visão, foi realizada no dia 04 de dezembro de 2009 a
II Mostra de Áudio-descrição da UFPE. O Centro de Estudos Inclusivos preparou audio-
descritores, pessoas de diversas áreas interessadas em acessibilidade comunicacional,
por meio do Curso de Tradução Visual com Ênfase na Áudio-descrição Imagens que
Falam para produzirem roteiros de audio-descrição para gravação em cinema, teatro ou
televisão, bem como para fazer audio-descrição simultânea nesses ambientes e outros,
como em museus, exposições de arte, congressos, conferências etc. Como aluna do
curso fiz a audio-descrição do curta-metragem de conclusão do módulo II do projeto
Desenhando Culturas, AS HEROÍNAS DE TEJUCUPAPO, a célebre história da resistência
dos habitantes da Zona da Mata pernambucana aos holandeses. O vídeo foi produzido
e dirigido pelos estagiários do projeto Desenhando Culturas, sob orientação de Damaris 35

Flor, Ivanildo Aquino, Matheus Calafange, Natália França, Raquel Lacerda e Paulo
Leonardo, com pós–produção e edição de áudio de Natália França. A apresentação do
curta foi realizada na mostra com o recurso voice over, tradução simultânea com estudo
do objeto audiovisual e composição de roteiro feito por mim com o código de marcação
do tempo.

Essas duas ações contribuíram para uma reavaliação na minha prática enquanto arte/
educadora, atuando como mediadora, entre outras funções, num equipamento cultural
envolto em limitações institucionais. Sendo a audio-descrição uma nova ferramenta
de mediação cultural e de acessibilidade, convém dar continuidade às pesquisas,
articulando encontros de reflexão e sensibilização da comunidade cultural e trabalhando
na disponibilidade da audio-descrição na recepção do público específico a ser
beneficiado nas exposições promovidas pela instituição, democratizando esse recurso.v

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. A u t ili z a ç ã o d a gr afia áu di o - d e s cr i ç ã o e n co nt r a ju s t ifi c at i v a n o tex to “Em D efe s a
d a Á u d io - d e s cr içã o: Ver s o s e Co ntrovér s ia s ” d o Profe s s o r d o Ce nt ro d e E s tu d o s
I n clu s i vo s d a U F P E Fr a n c i s co Li m a, co m co l a b o r a ç ã o d e P au lo V i e ir a: “A o di z e r m o s
áu di o - d e s cr i ç ã o, e s t a m o s di z e n d o d e áu di o e e s t a m o s di z e n d o d e d e s cr i ç ã o. O s te r m o s
m a nté m i n di v i d u alm e nte s e u s e nt i d o o r i g i n al, p o ré m, co n s t itu i n d o n ovo s e nt i d o n u m a
n ov a u ni d ad e s e m â nt i c a. Q u a nto à p ro s ó dia e à gr afia d a s p al av r a s e m s e p ar ad o, e l a s
s ã o m a nt i d a s, lo g o n ã o h ave n d o r a z ã o q u e ju s t ifi c a s s e a s u nir n a gr afia o u a s e s cre ve r
e m s e p ar ad o, s e m hífe n. I s to é, a ju n ç ã o d o s te r m o s áu di o e d e s cr i ç ã o p e lo hífe n le v a
a o e nte n di m e nto d e u m a n ov a co n s t r u ç ã o s e m â nt i c a, co m s e nt i d o p ró p r i o, s e m q u e
c ad a te r m o s e d e s t itu a p o r co m p le to d e s e u s e nt i d o o r i g i n al.”

#A R AÚ J O, Ve r a L ú c ia S a nt ia g o. A ce s s i bili d ad e n a U EC E. O P OVO O n lin e, Cear á, 2 5 a b r.


20 0 9. O pi niã o.
D i s p o ní ve l e m: <ht t p://o p ovo.u o l.co m.b r/o p ovo/o pi nia o/8 7 2 8 8 9.ht m l>. A ce s s o e m: 21
n ov. 20 0 9.
# C A M P O S, R o d r i g o. A u d io d e s cr ito re s : i nfo r m a çõ e s a ce rc a d a au di o d e s cr i ç ã o n o B r a s il.
D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.au di o d e s cr ito re s.co m/p a g e _ 3.ht m l>.
_ _ _ _ _ _ . M id ia ce: a s s o c ia ç ã o mídia e a ce s s i bili d ad e (fo r m ad a p o r R o d r i g o C a m p o s,
Ed n a M o r ato e D a ni e le G au d ê n c i o). D i s p o ní ve l e m: < ht t p://w w w.mi dia ce.co m.b r/i n d ex.
p h p?co nte u d o = n ot i c ia s &co d = 6>.
# F R A N CO, E lia n a. A u d io d e s cr içã o: o q u e é au di o d e s cr i ç ã o (A D)? D i s p o ní ve l e m: <ht t p://
w w w.au di o d e s cr i c a o.co m/cle n d o.ht m>.
# L AVO R O P R O D U ÇÕ E S A R T Í S T I C A S LT DA .; P OZ ZO B O N, G r a c i e l a. A u di o d e s cr i ç ã o: co m o
fa z e m o s. Re p o s ito r io - ed u c s.co m. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.re p o s ito r i o - e d u c s.co m/
b lo g/>.
# L I M A , Fr a n c i s co. E m d e fe s a d a áu di o - d e s cr i ç ã o. Vo l. 1, N o 1 ( 20 0 9): Edi ç ã o E s p e c ial
d e L a n ç a m e nto).
# M AC H A D O, F l áv ia O li ve ir a; J E S U S, A ntô ni o C ar lo s. O u v i n d o i m a g e n s: i n clu s ã o s o c ial
at r avé s d a au di o d e s cr i ç ã o. I n: CO N G R E S S O B R A SI L EI R O D E CI Ê N CI A S DA CO M U N I C AÇ ÃO,
32., 20 0 9, Cu r it i b a. A n a is. S ã o P au lo: U N E S P, p. 01-15. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.
i nte rco m.o r g.b r/p a p e r s/n a c i o n ai s/20 0 9/re s u m o s/R4 -18 61-1.p d f>.
36 C A M I N H O S PA R A UMA IMAGEM EM 30
MIL PALAVRAS:
I N CLUS ÃO AUDIODESCRIÇÃO DE
OBRAS DE ARTE A
DEFICIENTES VISUAIS À
LUZ DA GRAMÁTICA DO
DESIGN VISUAL

M arisa Ferreira Aderaldo 07


INTRODUÇÃO

República Federativa do Brasil se fundamenta constitucionalmente no princípio


da dignidade humana e tem como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária, e a redução das desigualdades sociais e regionais. Em 1998, a Assembleia
Constituinte livre, soberana e democrática escreveu no caput do Capítulo I (Dos direitos
e deveres individuais e coletivos) no bloco dos Direitos e Garantias Fundamentais, artigo
5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. Entretanto,
conforme a análise de Cabral (2005), “quando o objeto de análise são as pessoas
portadoras de deficiência, fica clara a desproporção de acesso aos direitos individuais e
sociais ao exercício das suas cidadanias...”. (grifos nossos)

Estudos revelam que mais de 94% da informação que recebem o homem e mulher
contemporâneos entram no cérebro através da visão e da audição e mais de 80%,
especificamente, através da percepção visual; vivemos, pois, na sociedade da imagem:
“uma obra audiovisual pode supor, além do desfrute das emoções, uma experiência
estética, intelectual ou política. Uma série de imagens pode fazer-nos refletir, recordar
algo, mudar de ideia e inclusive tomar decisões”. (PAYÁ, 2007:81, grifos nossos)

Os dados revelados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – no


Censo de 2000 sobre os portadores de algum tipo de deficiência no Brasil são alarmantes
e revelam que a deficiência caminha lado a lado com a exclusão econômica. Os
resultados mostram que cerca de 24,6 milhões de pessoas apresentaram algum tipo de
incapacidade ou dificuldade para enxergar, ouvir, locomover-se, ou alguma deficiência
física ou mental, o que significa 14,5% da população total brasileira.

Em 01.06.1999, Fernando Henrique Cardoso, o então Presidente da República,


decretou a criação do CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora
de Deficiência (Decreto nº 3076) –, constituído por representantes de instituições
governamentais e da sociedade civil, cuja função incluía, conforme o artigo 2º do
referido decreto, a proposição de medidas e a constante fiscalização do cumprimento
da política nacional para as pessoas deficientes. O Anexo dessa Portaria – Norma
Complementar nº 01/2006, artigo 5º, alínea “b” prescreve “Audiodescrição, em Língua
Portuguesa” em mídias. A audiodescrição é, pois, uma possibilidade de conferir
acessibilidade aos deficientes visuais que têm o direito de exercer sua cidadania e
frequentar espaços culturais com mobilidade e segurança.

No Brasil, onde é tímida a audiodescrição aplicada a filmes e teatros, ainda menos


comum é a tradução de imagens e obras de arte, e a grande maioria de nossos museus
e galerias de arte sequer incorporou a acessibilidade em seus espaços. “Se pensarmos
que o Brasil tem mais de dois mil museus e que pouco mais que vinte deles estão 37

promovendo acessibilidade gradualmente, ainda é uma minoria”, diz Viviane Sarraf,


especialista em museus acessíveis (disponível em internet, 2009).

A Lei 11904, de 14.01.2009, que regulamenta a atuação dos museus, estabelece em


seu artigo 29 que “os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no
respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar
o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da
Nação”.

Diante desse cenário, considera-se importante buscar respostas para as seguintes


questões: a) é possível narrar imagens artísticas (pinturas) a deficientes visuais? b) como
deve ser feita a narrativa das pinturas a deficientes visuais? c) é possível criar um modelo
teórico de tradução de multimídia aplicável à audiodescrição?

GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL APLICADA À AUDIODESCRIÇÃO

De acordo com os autores Kress e Van Leeuwen (1996), a linguagem visual se constitui
em um sistema simbólico de representação influenciado pelos princípios organizadores
da significação em dadas culturas. Para compreendê-la, fundamentaram uma gramática
visual, que se propõe a fornecer ferramentas técnicas para analisar de que forma as
imagens representam as relações entre os elementos que nela encontramos: pessoas,
lugares e objetos.

Essas relações nos alertam no sentido de que, para compreender toda a


complexidade composicional de um texto visual, devemos observar cada recurso, por
exemplo, a localização dos elementos entre si (esquerda, direita, parte superior, inferior,
centro ou margem); a saliência, que se traduz no destaque realizado pelo recurso de
posicionamento em primeiro ou segundo plano, contraste, nitidez, e a estruturação,
conseguida pelos elementos que dividem ou enquadram o texto. (KRESS E VAN LEEUWEN,
1996:183)

“NU, FOLHAS VERDES E BUSTO”: AUDIODESCRIÇÃO À LUZ DA GRAMÁTICA DO


DESENHO VISUAL

Recentemente todas as mídias, falada e escrita, divulgaram a notícia de um leilão na


elegante galeria Christie’s de Nova Iorque na qual se negociou uma fabulosa quantia por
um quadro: 81 milhões de euros na compra de Nu, folhas verdes e busto (Desnudo, hojas
verdes y busto, Pablo Picasso, 1932).

Esse quadro, que foi exposto em público uma única vez, em 1961, durante a
comemoração dos 80 anos do pintor, foi comprado na década de 50 pela colecionadora
californiana Frances Lasker Brody, que o conservou em sua família até sua morte, em
novembro de 2009.

“O quadro que descreveremos se chama Nu, folhas verdes e busto. Foi pintado por
Pablo Picasso em 1932, em óleo e mede 162 cm x 130 cm. Apenas como recurso
descritivo, dividiremos o quadro em duas metades, uma superior e uma inferior.
Na metade superior, cobrindo todo o fundo do quadro, uma cortina em tons de
azul cobre uma parede em tons de amarelo e vermelho. À frente do cortinado, ao
lado direito do quadro, um pedestal sustenta uma cabeça ligeiramente inclinada:
é o perfil de um homem meio calvo. Sua cor é levemente amarelada. O olhar do
homem se dirige a um ramo com quatro folhas verdes que ocupa quase toda a
38 metade superior esquerda do quadro. Entre a cabeça
no pedestal e as quatro folhas verdes, projeta-se um
perfil semelhante ao do busto, embora um pouco
maior. É azul como a cor da cortina e seus lábios
entreabertos tocam uma das folhas verdes. Na
metade inferior do quadro, um corpo nu e de formas
arredondadas estende-se em posição horizontal,
de ponta a ponta. Do colo às coxas, o corpo se
apresenta em posição frontal e deixa à mostra os
seios e a genitália feminina, quase oculta pela coxa
esquerda que se superpõe à coxa direita. O restante
do corpo não aparece.O corpo tem matiz rosa, da
cabeça aos seios, e a parte corresponde ao ventre e
púbis é levemente mais clara. A cabeça da mulher
está voltada para cima e pende para trás. Seus
olhos estão cerrados e os lábios estão levemente
entreabertos. Uma mancha em tom lilás se estende
desde a nuca à orelha direita. Os cabelos lisos e em
tons de amarelo se espalham na altura do pescoço
e do ombro direito. Os braços, relaxados atrás da
cabeça, encontram-se em semicírculo. A palma da
mão esquerda está aberta, próxima aos cabelos.
Dois traços oblíquos dividem o corpo da mulher. Um
dos traços estabelece uma linha que vai dos seios à
cabeça no pedestal, como se fosse uma sombra. O
segundo traço oblíquo sobe do pescoço até o galho
de uma das folhas verdes. No extremo inferior
esquerdo do quadro, próximo à mão esquerda e aos
cabelos, uma metade de prato redondo, sem cor,
ostenta três frutas inteiras em tons de vermelho e
laranja.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que olhar, educado à luz da gramática


do desenho visual, proporciona uma percepção semiótica
que permite compartilhar uma obra de arte com um
público portador de deficiência visual, de modo que o
possível receptor perceba a referida mensagem como um
todo harmônico, e da forma mais parecida como o faz uma
pessoa que vê.

Nem sempre é possível tocar em uma obra e


mesmo a confecção de réplicas não dá conta de detalhes
como a cor que, ao contrário do que muitos pensam, é
uma importante informação que não deve ser sonegada ao
deficiente visual. As cores fazem parte do inventário social
da humanidade, estão associadas a representações de
1. Nu, folhas verdes e busto
conhecimento coletivo como bandeiras, brasões, uniformes
(Desnudo, hojas verdes y busto, Pablo de agremiações esportivas, aparecem em construções
Picasso, 1932) linguísticas como metáforas, refrãos etc.
A tradução de uma imagem, facilitada pela gramática do desenho visual, torna 39

possível compartilhar o modo pelo qual seus recursos topológicos se estruturam e dão coesão
a uma obra de arte. Outros elementos como a saliência e a saturação de uma cor, podem
constituir pistas para a apreciação de uma obra de arte. E esse é o principal objetivo deste
trabalho, qual seja, compartilhar com os deficientes visuais uma experiência estética que, de
outro modo, lhe é inacessível.v

R E F E R Ê N CI A S
# B R A SI L . P e s q u is a s o b re d eficiente s n o B ra s il. R i o d e Ja n e iro: I B G E, 20 0 0.
# B R AU N, S. ( 20 0 7 ) A u di o D e s cr i pt i o n fro m a di s co u r s e p e r s p e c t i ve: a s o c ially re le v a nt
fr a m e w o r k fo r re s earc h a n d t r ai ni n g. Lin g u istica A nt ver pien s ia N S 6, A u d iov is u a l
Tra n slatio n: A To o l fo r S o c ial I nte gr at i o n, J o s é lia N e ve s & A li n e R e m a e l (Ed s.).
D i s p o ní ve l e m <ht t p://e p u b s.s u r re y.a c.u k /t r a n s l at i o n/1/>. A ce s s o e m 5 s e t. 20 0 8.
# CI N TA S, D. J. Tr ad u cc i ó n au di ov i s u al y a cce s i bili d ad. I n: Tra d u cció n y a ce s s ibilid a d :
s u bt itu l a c i ó n p ar a s o rd o s y au di o d e s cr i p c i ó n p ar a c i e g o s: n u e v a s m o d ali d ad e s d e
Tr ad u cc i ó n A u di ov i s u al. Fr a n k fu r t: Pe te r L a n g G m b H, 20 0 7.
# K R E S S, G. & VA N L E E U W E N, T. Re a d in g im a g e s : t h e gr a m m ar of t h e d e s i g n v i s u al.
L o n d o n: R o u tle d g e, 19 9 6.
_ _ _ _ _ _ . M ultim o d a l D is co u r s e: t h e m o d e s a n d m e dia of co nte m p o r ar y co m m u ni c at i o n.
N e w Yo r k: O x fo rd U ni ve r s it y Pre s s I n c, 20 01.
# PAYÁ , P. M . L a au di o d e s cr i p c i ó n: t r ad u cc i e n d o e l le n g u aje d e l a s c á m ar a s. I n:
Tra d u cció n y a ce s s ibilid a d: s u bt itu l a c i ó n p ar a s o rd o s y au di o d e s cr i p c i ó n p ar a c i e g o s:
n u e v a s m o d ali d ad e s d e Tr ad u cc i ó n A u di ov i s u al. Fr a n k fu r t: Pe te r L a n g G m b H, 20 0 7.
#<ht t p://s e n ad o.g ov.b r/s f/le g i s l a c a o/co n s t>. A ce s s o e m 2 2 a g o. 20 0 8.
#<ht t p: //ht t p://s e nt i d o s.u o l.co m.b r/c a n ai s/m ate r ia.a s p?co d p a g =1333 6 &co d _ c a n al=15 >.
A ce s s o e m 12 m ai o 2010.
#<ht t p://w w w.c h r i s t i e s.co m/featu re s/P a b lo - P i c a s s o s- N u d e - G re e n- L eave s-a n d-
B u s t- 632-3.a s px >
40 C A M I N H O S PA R A ARTE, EDUCAÇÃO
E INCLUSÃO:
I N CLUS ÃO ORIENTAÇÕES PARA
AUDIO-DESCRIÇÃO EM
Francisco José de Lima MUSEUS

Paulo André de Melo Vieira


Ediles Revorêdo Rodrigues
Simone São M arcos Passos 08
INTRODUÇÃO

acesso à arte não pode ficar dissociado do processo de desenvolvimento e


conscientização dos sujeitos cognoscentes, pois lhes traz informações que ampliam o
saber acerca de sua própria identidade e inserção no mundo da história, ainda que,
enquanto história, ela, a arte, vinha sendo excludente, fato contra qual os sujeitos com
deficiência vêm agora lutar para transformar.

A arte é, sem sombra de dúvida, cultura, educação, lazer e via de socialização


humana. Por conseguinte, tal possibilidade humanizante não pode continuar a ser negada
à pessoa humana com deficiência visual num mundo que se queira justo e inclusivo.

Um meio de minimizar a exclusão cultural a que as pessoas com deficiência têm sido
submetidas está na oferta de um recurso tradutório da imagem em palavras, conhecido
como audio-descrição. Esse recurso não só é de direito constitucional da pessoa com
deficiência visual, uma vez que a todos é devido o direito à informação, à educação e ao
lazer, quanto é viável, empregando recursos econômicos razoáveis na forma da lei.

A RELEVÂNCIA DA ARTE NO CENÁRIO EDUCACIONAL

Conforme se pode conferir, os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino


fundamental afirmam que o exercício da cidadania se dá pelo acesso de todos a todas
as riquezas culturais apresentadas na vida social. Esse acesso às riquezas culturais,
na maioria das vezes, se dá por meio das instituições de ensino. Segundo se lê nesse
documento, esse recurso cultural vai desde o domínio da língua falada e escrita,
reflexão matemática, percepção de mundo, explicações científicas até a capacidade de
compreender obras de artes e mensagens estéticas.

A arte como educação:

A arte está presente na vida do homem desde o início da história da humanidade.


Porém, o valor científico e cultural atribuído a essa área é recente, tendo acontecido no
século XX (junto com as transformações educacionais ocorridas na época), quando se
passou a preocupar com o processo de aprendizagem do aluno.

Foi assim que, inicialmente, a arte foi compreendida como manifestação espontânea
e autoexpressiva do sujeito, o que trouxe contribuições significativas para formação de
um indivíduo valorizado em sua plenitude. Isso se deu mais visivelmente com a reflexão,
iniciada na década de 60, pois, com ela, a arte volta a ganhar reconhecimento como
construtora do desenvolvimento cognitivo e intelectual do cidadão. Atualmente, tem- 41

se desenvolvido pesquisas sobre o ensino da arte, resgatando a arte crítica e reflexiva;


buscando compreender o modo de aprender dos artistas; analisando os conteúdos a
serem ensinados e visando a conhecer o processo de aprendizagem dos alunos quando da
relação com essa área de conhecimento.

Arte enquanto conhecimento:

A arte comunga com as áreas científicas, técnicas e filosóficas quanto ao caráter de


criação e inovação, ambas significam a representação das diversidades culturais que
permeiam raças e povos.

Assim como cada frase ganha sentido no conjunto do texto, realizando o todo da
forma literária, na arte, cada elemento visual, musical, dramático ou de movimento tem
seu lugar e se relaciona com os demais daquela forma artística específica. E, como cada
elemento artístico “relaciona-se com os demais”, entende-se que quando não se tem
acesso a ele, seja qual for a razão, há prejuízos na compreensão do todo de determinada
construção criativa; daí o esforço de restauradores que empenham-se em recuperar o
que os séculos fizeram esvair, para que se possa ter de volta, por pesquisa e esmerado
trabalho, a íntegra do que nos legou um dado artista, ou grupo deles. A preocupação
em garantir a todos o acesso à totalidade do que nos comunica uma dada obra de arte,
prova de seu valor, também deve ser assegurado ao indivíduo com deficiência visual,
pois se hoje são investidas grandes quantias financeiras para que muitos cidadãos, graças
ao trabalho de restauração, não percam o acesso ao testemunho histórico presente
numa dada forma de arte, não seria razoável permitir que vários outros, por questão de
deficiência, permaneçam alheios ao que lhes pode comunicar uma vasta quantidade de
obras artísticas.

Portanto, se investimos em restauração, devemos investir também em acessibilidade,


pois ambos os esforços visam igualmente a assegurar o contato do indivíduo com a
informação.

AUDIO-DESCRIÇÃO: UMA FUSÃO PERFEITA ENTRE ARTE E LINGUAGEM

A importância e a relação da linguagem e da arte na formação do sujeito crítico e


participativo são claras e notórias, assim como de todas as outras áreas do conhecimento
que não podem ser negadas às pessoas com deficiência visual. Portanto, o recurso audio-
descritivo precisa ser valorizado e aproveitado para que a existência dessas pessoas seja
cada vez mais produtiva e significativa enquanto cidadãos.

A audio-descrição é um recurso de tecnologia assistiva que permite a inclusão


de pessoas com deficiência visual, junto ao público de produtos audiovisuais.
O recurso consiste na tradução de imagens em palavras. É, portanto, também
definido como um modo de tradução audiovisual intersemiótico, onde o signo
visual é transposto para o signo verbal. Essa transposição caracteriza-se pela
descrição objetiva de imagens que, paralelamente e em conjunto com as falas
originais, permite a compreensão integral da narrativa audiovisual. Como o
próprio nome diz, um conteúdo audiovisual é formado pelo som e pela imagem,
que se completam. A audio-descrição vem então preencher uma lacuna para o
público com deficiência visual.1
42 Alhures, ao escrevermos a respeito da audio-descrição, assim nos expressamos:

Uma técnica de tradução visual surge na década de 1980 e vem se mostrando eficaz
na comunicação dos elementos visuais às pessoas com deficiência visual, já sendo a sua
utilização prevista em lei no Brasil. Trata-se da audio-descrição, serviço de tecnologia
assistiva que consiste na identificação e elocução de elementos visuais essenciais à
compreensão e apreciação das imagens presentes nas obras teatrais, cinematográficas,
televisivas, literárias, jornalísticas, científicas, artístico-culturais, entre outras,
destinada principalmente às pessoas com deficiência visual, com dislexia, pessoas
analfabetas, ou que não saibam o idioma em que um filme ou programa está sendo
exibido.

O foco da audio-descrição é oferecer ferramentas para tornar o mundo das imagens


acessível àqueles que não as veem, tornando tais imagens significativas, portanto,
igualmente relevantes para as pessoas com deficiência visual, tanto quanto para os
indivíduos que enxergam. Na audio-descrição, as imagens falam aos sujeitos que não
as veem (com a mesma magnitude e beleza), agora, por meio da voz ou da escrita do
audio-descritor. A audio-descrição faz parte do campo da tradução visual e é produzida
segundo diretrizes técnicas pré-estabelecidas, dentre as quais a da oferta de narração
dos elementos visualmente observados, nos intervalos/pausas entre as falas dos
personagens, nas imagens contidas em livros e em legendas descritivas.

O propósito da audio-descrição é propiciar às pessoas com deficiência visual, cegas


ou com baixa visão, um quadro mais completo do que está sendo mostrado, viabilizando-
as a participar de uma dada apresentação com a qualidade permitida a uma pessoa sem
deficiência visual.

Utilizando-se técnicas de audio-descrição de imagens estáticas, é possível aplicar


o recurso no ambiente dos museus onde podem ser encontradas esculturas, pinturas e
demais obras de arte para a apreciação de todos. Para a aplicação da audio-descrição
nesses ambientes será necessária a aplicação das técnicas de audio-descrição de imagens
estáticas. Este artigo se propõe também a colaborar na divulgação de orientações que
auxiliem os audio-descritores na feitura da descrição de elementos visuais encontrados
nos museus.

Para que se empreendam audio-descrições que sejam, não apenas padronizadas, mas
também fiéis ao conteúdo da obra, algumas diretrizes de caráter geral têm sido aceitas
pelo público com deficiência como sendo razoáveis na comunicação dos elementos
essenciais à sua compreensão.

Expandindo as orientações de que na audio-descrição se deve atentar para o que


descrever e o como descrever, elencamos aqui cinco diretrizes na elaboração de
descrições de imagens estáticas:2

1. Ser objetivo – conforme (Audio Description Coalition, 2009, p. 2; LARRS3, s.d.;


ACB4, 2009, p. 9) não trazer inferências em termos de intenções de personagens, ou
juízos a respeito da imagem que possam sobrepor-se à capacidade do espectador de tirar
suas próprias ilações.

2.Ser breve – deve-se tomar como referência o tempo que os visitantes videntes
passam na observação de uma dada obra de arte; as imagens presentes nos catálogos e
folders disponíveis nos museus vêm acompanhadas de textos, então o espaço disponível
para a audio-descrição fica fisicamente reduzido, mais uma razão para ser conciso no
trabalho descritivo;
3. Ser descritivo – lançar mão de um vocabulário variado e fiel às diferentes nuances 43

dentro de uma mesma determinada categoria de coisas;

A textura pode ser descrita como lisa, acetinada, grossa, granulada, áspera,
usada, desbotada, coçada, gretada, rota, ondulada, canelada, padronizada,
listrada, às pintas e picotada. A cor pode ser descrita como intensa, nítida,
brilhante, clara, escura, apagada, pálida, desmaiada, sólida ou mesclada. Não há
necessidade em evitar referenciar cores, no pressuposto que não tem sentido para
os visitantes cegos. Em primeiro lugar, as descrições serão usadas por pessoas sem
dificuldades visuais. Segundo, muitas das pessoas que agora são cegas já viram
e conseguem recordar cores. Terceiro, por vezes as cores têm um significado
simbólico nas obras de arte (apesar de frases interpretativas como “warm gold”
ou “red angry” não deverem ser utilizadas). A técnica artística pode ser descrita
como realista, abstracta, não natural, simplificada, detalhada, precisa, imprecisa,
mal definida, borrada, salpicada, pincelada ou marcada.5

4. Ser lógico – várias diretrizes na literatura que vem sendo construída acerca de
audio-descrição sugerem um sequenciamento padronizado nas informações que são
comunicadas. Ir do todo para as partes (ADP Standards, 2009, p. 5); do primeiro plano
passando pelo plano intermediário até ao plano de fundo; ir da esquerda para a direita;
de cima para baixo são algumas delas (Audio Description Coalition, 2009, p. 19-20).

5. Ser rigoroso – uma das exigências de uma audio-descrição de qualidade é que


seja feita uma pesquisa detalhada para que não se caia o descritor em descrédito ao
compartilhar o seu trabalho globalmente.

Uma vez que as descrições fazem parte de uma experiência de um saber


global das artes, deverão ser concretas e consistentes com outras fontes de
informação referentes à peça de arte em questão. Poderá ser necessário recorrer
a investigação já realizada para identificar correctamente imagens históricas,
personalidades, localizações geográficas, tipos de vestuário, género  de animais,
elementos arquitectónicos, etc. No entanto, as descrições deverão evitar
terminologia hermética (própria das artes) ou terminologia especializada que não
seja familiar à maioria dos visitantes. Por exemplo, termos sobre estilos como
sejam “abstracto”  e “realista” serão facilmente compreensíveis o que já não
acontece com “Geometric Abstractionist” e “French Academic”.6

Na linha de oferecer diretrizes para uma boa audio-descrição, ao treinar audio-


descritores, Snyder (2010) costuma ensinar os seguintes fundamentos7:

1.Observação – a capacidade de ver o mundo de uma forma diferente,


percebendo aquilo que num primeiro olhar costuma nos escapar;

2.Edição – selecionar o que vai ser descrito para que o essencial seja separado do que
não é relevante;

3.Linguagem – utilização de um vocabulário rico para traduzir diferentes ações dentro


de uma mesma categoria; sabendo, todavia ajustá-lo ao universo vocabular do cliente
do serviço;

4.Habilidades vocais – a entonação correta com as pausas bem-marcadas na produção


de sentidos.
44 Das experiências com teatro e cinema, aproveitamos
um conjunto de diretrizes, técnicas para a elaboração de
audio-descrições que possam traduzir uma determinada
obra de arte, colaborando definitivamente na sua
compreensão por parte de uma vasta gama de cidadãos
com deficiência.

A seguir, compilamos mais algumas dessas orientações


bastante úteis e aplicáveis ao se empreender a audio-
descrição em museus e mostras de Arte. São elas:

O total de áudio-descrição para uma dada mostra


de objetos e imagens triviais deve ter a duração
de duas vezes a quantidade de tempo que um
visitante vidente típico pode passar explorando o
trabalho. Por outro lado, a áudio-descrição de uma
casa de época de grande importância histórica ou
uma mostra que contenha artefatos de uma época
ou cultura que não sejam familiares à maioria dos
visitantes iria provavelmente durar, ao todo, três ou
quatro vezes a quantidade de tempo que um vidente
típico poderia passar visitando a exposição.8

O audio-descritor que acompanhe um grupo de alunos


em determinada mostra artística ou histórica não necessita
passar tempo em demasia alongando-se em detalhes de
objetos de importância trivial. Poderá o descritor estender-
se um pouco mais em seu trabalho tanto quanto maior
destaque merecer o conteúdo que está sendo exibido. Um
referencial fornecido é quanto tempo em média o visitante
vidente passa em contato com um dado objeto na mostra.

Em sua série Museum of the Mind, Robert Sutter


empreende a descrição de imagens de pinturas veiculadas
através do rádio. Como nesta descrição da pintura a
seguir9:

Nessa pintura, uma luz avermelhada se difunde na


cena de outono e nos diz que cai à tardinha. O baixo
ângulo do sol da tarde faz as encrespações sobre
a água da embarcação que se desloca levemente,
grandes no primeiro plano, contrastarem com a
superfície espelhada do rio. Umas poucas árvores
cobertas de cores do outono sobressaem-se de uma
projeção de terra à margem esquerda do rio no
fluxo por trás do barco de Schimitt e lançam os seus
reflexos numa simetria perfeita sobre o espelho da
superfície quieta do rio.

Detalhes que seguramente não são percebidos num


1. Thomas Eakins. Max Schimitt num primeiro olhar, nos são trazidos pela percepção do audio-
Barco Solitário, 1871 descritor, a exemplo do que ele expressa ao usar os termos
encrespações, projeção, simetria. Contudo, a descrição 45

acima é formal, veiculada por rádio o que requereu fazer


uso de um registro linguístico igualmente mais formal.

No exemplo ao lado, retirado da Revista Brasileira de


Tradução visual, podemos aquilatar a leveza da audio-
descrição, de sua clareza linguística e da acessibilidade que
dá à arte da fotografia.

Fotografia em preto e branco nas dimensões 15 cm x


21 cm e formato retrato, onde se veem, em primeiro
plano, duas figuras humanas – um homem e uma
mulher – em um flagrante de carnaval. No segundo
plano, mais ao longe, há pessoas desfocadas, em
frente a uma construção de tijolos aparentes, com
duas janelas. Vê-se, em parte, o lado esquerdo
de uma mulher jovem, de rosto arredondado, de
olhos escuros, a qual fita um ponto à esquerda
além da foto. Ela usa chapéu de tonalidade clara
e aba circular com laço de fita sobre a copa. A
mulher tem a pele morena e traja uma fantasia
carnavalesca com mangas volumosas, formadas
em parte por tecido e em parte por lantejoulas
circulares e brilhantes. Seus lábios, em um suave
sorriso, deixam-lhe à mostra os dentes. Ela abraça
um rapaz por trás, recostando-lhe a face direita no
braço esquerdo, pouco abaixo do ombro. O homem
é jovem, tem rosto alongado, cabelos curtos e
crespos e a pele morena. Está com a face voltada
para o rosto da mulher que o abraça. Os lábios do
homem são grossos e estão levemente abertos. Ele
traja uma camisa clara com desenhos de coqueiros
no lado inferior esquerdo e usa um cordão escuro
com pingente. Na mão direita, segura um pano à
altura do abdômen.10

A audio-descrição pode, de fato deve estar presente em


todas as imagens. Um exemplo cotidiano em que a falta de
acessibilidade comunicacional pode ser percebida está no
uso de logotipos sem descrição; no entanto, basta que se
faça uma vez a audio-descrição para que a acessibilidade
esteja presente em toda apresentação em que se fizer uso
de uma dada marca ou logotipo, semelhantemente ao que
se dará com um filme audio-descrito onde se poderá fazer
quantas cópias forem necessárias. O trabalho será um,
o custo será baixo e a acessibilidade será de muitos; por
vezes, de dezenas de milhares. Como exemplo da audio-
descrição aplicada a logotipos, tomemos a descrição do
logotipo da Universidade Federal de Pernambuco elaborada 2.Fotografia Roberto Rômulo
por LIMA e VIEIRA (2008):
46 Numa moldura trapezoide de base curva, cuja
linha de cima revela a extremidade superior de
três tochas flamejantes, encontra-se a silhueta
estilizada de um leão de perfil. Rugindo, ele ergue
verticalmente uma tocha acesa. Tangenciando a
parte inferior da moldura há uma fita ondulada,
trazendo a epígrafe “VIRTUS IMPAVIDA”. Na parte
inferior da fita, percebem-se as extremidades
das tochas.

BARREIRAS ATITUDINAIS NA AUDIO-DESCRIÇÃO

O recurso audio-descritivo possibilita a todos a


apreciação das imagens na televisão, no cinema, no
teatro, em museus. Permite maior socialização a todos dos
conteúdos presentes nas diversas formas de expressões
culturais.

Pessoas com alguma deficiência, seja visual, auditiva,


intelectual ou mesmo física, enfrentam barreiras para
sua inserção social, muitas vezes, chegando a situações
de marginalização ou mesmo de desconsideração total de
sua existência. E essa realidade tão cruel e desrespeitosa,
com pessoas tão capazes quanto qualquer outra, se dá,
principalmente, pelos obstáculos criados, ou mesmo não
dizimados pelo próprio homem. Na esfera da inclusão
cultural, por exemplo, as barreiras atitudinais podem ser
vistas na falta de acessibilidade física aos ambientes como
cinemas, teatros ou museus; na falta de acessibilidade
comunicacional nos produtos desses ambientes e na falta
de acessibilidade programática, tecnológica e metodológica
para o atendimento de pessoas com deficiência.

De outra maneira posta, as barreiras atitudinais


impedem o acesso das pessoas com deficiência a diversas
instâncias da convivência social, isto é, elas fazem oposição
ao conceito de acessibilidade atitudinal definido por Sassaki
(2007) nos seguintes termos: “Sem preconceitos, estigmas,
estereótipo e discriminações, como resultado de programas
e práticas de sensibilização e de conscientização das
pessoas em geral e da convivência na diversidade humana.”

As barreiras sociais podem se manifestar em diversas


etapas do processo de feitura da audio-descrição das
imagens presentes no mundo das artes como Lima et al
discorre no artigo intitulado Áudio-descrição: orientações
para uma prática sem barreiras atitudinais:

Barreira Atitudinal de Generalização: acreditar que


pelo fato de uma determinada pessoa com deficiência
preferir determinado tipo de audio-descrição, todas as
3. Logotipo da Universidade outras pessoas com a mesma deficiência irão desejá-lo
Federal de Pernambuco igualmente.
Barreira Atitudinal de Ignorância: está arraigada no desconhecimento do audio- 47

descritor a respeito das características do público-alvo.

Barreira Atitudinal de Medo: deixar de utilizar durante as descrições palavras como


“cegueira” ou “surdez” por medo de ofender um grupo de espectadores com deficiência.

Barreira Atitudinal de Rejeição: recusar-se a interagir com os usuários do serviço


de audio-descrição e seus acompanhantes, adotando comportamentos hesitantes diante
da possibilidade de ter o seu trabalho avaliado ou de se ter um contato mais aproximado
com esse público.

Barreira Atitudinal de Propagação da deficiência: relacionar uma deficiência com


uma outra, julgando, por exemplo, que uma pessoa com deficiência visual precisa de
mais explicações de uma cena por não poder compreendê-la satisfatoriamente; ou falar
mais alto para ela pelo simples fato de ser cega.

Barreira Atitudinal de Inferioridade: basicamente é subestimar a capacidade da


pessoa com deficiência.

Barreira Atitudinal de Comparação: comparar os espectadores com deficiência com


aqueles que não têm deficiência, julgando que os primeiros têm como única motivação
para ir ao cinema, teatro etc., a oferta de audiodescrição.

Barreira Atitudinal de Piedade: leva a um tratamento infantilizante para com


espectadores com deficiência visual.

Barreira Atitudinal de Adoração do Herói: não encarar como natural o fato de uma
pessoa com deficiência poder assistir a um filme no cinema ou ir ao teatro, encarando
isso como espetacular o fato em si e não o evento artístico. Deve-se lembrar aqui que
o espetáculo continua sendo o espetáculo e não a pessoa com deficiência que o está
assistindo.

Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa: crer que pessoas com deficiência visual
não se interessam por eventos artísticos.

Barreira Atitudinal de Compensação: diz respeito a qualquer tipo de exagero na


descrição visando compensar a deficiência visual.

Barreira Atitudinal de Exaltação do modelo: usar a imagem do espectador com


deficiência, usuário do serviço de audio-descrição, como modelo de persistência,
coragem e superação diante dos demais espectadores.

Barreira Atitudinal de Negação: considerar os espectadores com deficiência da


mesma forma que os demais espectadores, não levando em consideração as necessidades
reais e específicas advindas de sua deficiência.

Barreira Atitudinal de Substantivação da deficiência: denominar uma pessoa com


base em uma de suas características, o “cego”; “o surdo”; etc.

Barreira Atitudinal de Segregação: obrigar as pessoas com deficiência, usuárias


do serviço de audio-descrição, a ocupar determinados assentos no auditório, agindo
de modo a segregá-las, não lhes permitindo a tomada de decisão sobre onde desejam
sentar-se.
48 Barreira Atitudinal de Adjetivação: adotar adjetivos para designar as pessoas
com deficiência, atribuindo-lhes classificações pejorativas como “lentas”, “distraídas”,
“desmemoriadas” etc.

CONCLUSÃO

A arte, via de inclusão social nas mais diversas vertentes, precisa estar disponível a
todos, em todas suas formas.

O museu, casa do conhecimento, da educação e do lazer, é morada da cultura, da


arte e da mais verdadeira forma de registro do conhecimento humano. Não pode, assim,
estar inacessível às pessoas com deficiência, nem por ser fisicamente inacessível, menos
ainda, por estar inacessível por barreiras comunicacionais ou por barreiras atitudinais de
seus curadores, de seus monitores e demais operadores do sistema.

Logo, propiciar meios com os quais as pessoas com deficiência possam desfrutar do
que oferece o museu é meta que devemos perseguir, mormente derrubando as barreiras
atitudinais, grandes responsáveis por toda sorte de obstáculo à inclusão dessas pessoas
no seio social, cultural, educacional e de lazer.

Afastando as barreiras atitudinais no processo tradutório da oferta do serviço, a


audio-descrição nos museus, teatros, cinema irá possibilitar a interação do indivíduo
com o conteúdo e o mundo a sua volta, pois lhe garantirá o acesso ao mundo da arte,
traduzido com palavras que, por si só eliciam imagens na mente de quem as ouvem.

Destarte, a reflexão a respeito dessas barreiras é pertinente para remoção de


entraves à construção de uma sociedade justa, que não desperdice tantos potenciais
individuais com base em crenças equivocadas historicamente construídas e baseadas em
puro preconceito.

Quando, então, isso se der, teremos construído a maior das artes, a arte das artes, a
primeira arte:

Uma sociedade humana em que basta ser humano para dela fazer parte, desfrutar,
ser respeitado e respeitar. A pintura estará feita; a escultura, finalizada a obra-prima,
será a mãe de todas as obras, será o sol que ilumina, esquenta e faz viver a vida.v
49

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.au di o d e s cr i c a o.co m/h o m e.ht m>. A ce s s o e m: 0 8 ju n.
2010.
2. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.a ce s s o.u mi c.pt/m u s e u s/i m g m u s e u s.ht m>. A ce s s o e m: 0 2
ju n. 2010.
3. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.l ar r s.o r g/g u i d e li n e s.ht m l>. A ce s s o e m: 0 7 ju n. 2010.
4. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.a c b.o r g/ad p/d o c s/A D P_ St a n d ard s.d o c >. A ce s s o e m: 0 7
ju n. 2010.
5. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.a ce s s o.u mi c.pt/m u s e u s/i m g m u s e u s.ht m>. A ce s s o e m: 0 2
ju n. 2010.
6. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.a ce s s o.u mi c.pt/m u s e u s/i m g m u s e u s.ht m>. A ce s s o e m: 0 2
ju n. 2010.
7. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.au di o d e s cr i b e.co m/a b o u t/ar t i cle s/fu n d a m e nt al s _ of_
ad.p d f>. A ce s s o e m: 01 ju n. 2010.
8. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.au di o d e s cr i pt i o n s o lu t i o n s.co m/au d d e s c m u s e u m.ht m>.
A ce s s o e m: 10 ju n. 2010.
9. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.a c b.o r g/ad p/m u s e u m p ai nt i n g.ht m l>. A ce s s o e m: 01 ju n.
2010.
10. D e s cr i ç ã o d e Er n a ni R i b e iro e Lí v ia G u e d e s. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.r bt v.
a s s o c iad o s d ai n clu s a o.co m.b r/i n d ex.p h p/p r i n c i p al/i s s u e/v i e w/2>

# L I M A , Fr a n c i s co J o s é d e; G U E D E S, Lí v ia Co u to; G U E D E S, M arce lo Co u to. Á u d io -


d e s cr içã o: o r i e nt a çõ e s p ar a u m a p r át i c a s e m b ar re ir a s at itu di n ai s. D i s p o ní ve l
e m: <ht t p://w w w.r bt v.a s s o c iad o s d ai n clu s a o.co m.b r/i n d ex.p h p/p r i n c i p al/ar t i cle/
d o w n lo ad/2 8/2 2>. A ce s s o e m: 0 2 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.a ce s s o.u mi c.pt/m u s e u s/i m g m u s e u s.ht m>. A ce s s o e m: 0 2 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.a c b.o r g/ad p/d o c s/A D P_ St a n d ard s.d o c >. A ce s s o e m: 0 7 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.au di o d e s cr i b e.co m/a b o u t/ar t i cle s/fu n d a m e nt al s _ of_ ad.p d f>. A ce s s o e m:
01 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.au di o d e s cr i c a o.co m/h o m e.ht m>. A ce s s o e m: 0 8 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.au di o d e s cr i pt i o n s o lu t i o n s.co m/au d d e s c m u s e u m.ht m>. A ce s s o e m: 10 ju n.
2010.
<ht t p://w w w.cear t.u d e s c.b r/re v i s t a _ d a p e s q u i s a/vo lu m e3/n u m e ro1/p l a s t i c a s/ad r ia n e -
m ar ia cr i s t i n a.p d f >. A ce s s o e m: 24 n ov. 20 0 9.
<ht t p://w w w.l ar r s.o r g/g u i d e li n e s.ht m l>. A ce s s o e m: 0 7 ju n. 2010.
<ht t p://w w w.r bt v.a s s o c iad o s d ai n clu s a o.co m.b r/i n d ex.p h p/p r i n c i p al/i s s u e/v i e w/2>.
A ce s s o e m: 0 8 ju n. 2010.
50 C A M I N H O S PA R A COMO VEMOS A
CEGUEIRA?
I N CLUS ÃO ALGUMAS
RESPOSTAS:
UMAS BOAS,
OUTRAS NÃO

João Vicente Ganzarolli de Oliveira 09


Perder a visão é uma fatalidade; mas perder a
esperança é o maior crime que se pode cometer
contra a vida.
Sor Gabriel, personagem de
A noite é o meu reino

m filme precisa ser terminado, ainda que às cegas”, diz o protagonista cego de
Los abrazos rotos (Abraços partidos, 2009). Será verdade? Pouco importa; não é esse
o tema dessas linhas e a cegueira não é o foco central naquele filme recente de Pedro
Almodóvar. O ator Lluis Homar vê normalmente na vida real, mas desempenha com
eficácia o papel do personagem cego Harry Cane. Isso, em si, já é motivo de destaque,
pois nem sempre a deficiência é representada com a devida fidelidade nas telas do
cinema. City Lights (Luzes da cidade, 1931), estrelado e dirigido por Charles Chaplin
e com Virginia Cherrill no papel da florista cega, é uma das maiores obras-primas da
história do cinema. Muito menos conhecido, mas também uma obra-prima, é La nuit est
mon royaume (A noite é meu reino, 1951), dirigido por Georges Lacombe. Um acidente
traz a cegueira ao ferroviário Raymond Pinsard, interpretado por Jean Gabin, premiado
na Bienal de Veneza daquele mesmo ano, devido à sua atuação magistral. O apoio da
família, de outros cegos e, principalmente, o de sua professora de Braille, por quem
se apaixona e é retribuído, dá novo sentido à vida de Raymond. Gabin levou a sério a
tarefa de interpretar um cego: treinou durante meses, sob a orientação de especialistas.
Estamos longe dos clichês, da demagogia, das caricaturas e da inverossimilhança que
marcam alguns personagens cegos no cinema, tais como a protagonista de Dancer in the
Dark (Dançando no escuro), de Lars von Trier. Isso para não falar no oportunismo e no
desrespeito, beirando o sadismo, que servem de diapasão ao documentário A pessoa é
para o que nasce (2004), do brasileiro Roberto Berliner.

Profumo di donna (Perfume de mulher, 1975), do cineasta Dino Risi e com Vittorio
Gassman no papel principal, inspirado no livro Il buio e il miele (A escuridão e o mel)
de Giovanni Arpino (vencedor do prêmio Moretti d’Oro em 1969), é um filme excelente.
Em essência, Profumo di donna difere muito do posterior Scent of a Woman (Perfume
de mulher, 1992), de Martin Brest, que teve sua fonte inspiradora no mesmo livro
de Giovanni Arpino. O filme de Brest é comprometido pela inverossimilhança. O que
pretendia Brest com a proposta de dar ao cego poderes que ele não é capaz de ter? Se
a intenção era meramente fabulatória – e a arte tem esse poder (que até certo ponto é
dever) de transfigurar a realidade –, o resultado foi negativo, pois foge da clave realista
na qual a história é pautada; o cego “vidente” de Brest soa quase a um deus ex machina,
já condenado por Aristóteles no teatro, o que indica a validade da mesma condenação
para o cinema, arte representativa ele também.
Se Brest queria exaltar o cego perante a sociedade em geral, é provável que tenha 51

obtido o resultado contrário. Em grande parte, o cego “paciniano” mostra-se admirável


por ter poderes que não condizem com a cegueira e nem com a fisiologia humana: cegos
na vida real não dirigem carros (menos ainda em disparada) e tampouco percebem cores
mediante o olfato – o que, aliás, também é vetado ao olfato de quem vê. Das duas uma:
ou a personagem exaltada não é cega de fato, ou então trata-se de uma noção errada
de cegueira1. Embora deixe muito a desejar, o desempenho de Al Pacino como cego
rendeu-lhe um Oscar. Em contrapartida, o ótimo Profumo di donna, de Dino Risi, foi
esquecido pela mídia. Tornou-se raro; atualmente, seu acesso restringe-se a meia dúzia
de colecionadores ou iniciados. Isso apenas confirma um fenômeno tão grave quanto
evidente: cada vez mais, os critérios de aferição da qualidade artística se veem sujeitos
a fatores externos que nada têm a ver com a qualidade do que se apresenta como arte.

Mais: nas duas alternativas há pouco referidas no filme de Brest (o protagonista na


verdade não é cego, ou então trata-se de um conceito falso de cegueira), o homem cego
na vida real nada tem a ganhar, mas muito a perder. O filme traz a informação implícita
de que o cego não merece louvores, a não ser que deixe de ser o que ele realmente
é. Não obstante, a história universal está repleta de personagens cegos interessantes
devido ao seu caráter e as suas conquistas pessoais2. É plenamente possível fazer um
filme bom sobre a vida dos cegos, mostrando as coisas tais como são. The Miracle Worker
(O milagre de Anna Sullivan), de Arthur Penn (1962), é um filme primoroso, sob todos
os ângulos. Conta a história real de Anna Sullivan e do seu empenho bem-sucedido para
tirar Helen Keller da reclusão causada pela cegueira e pela surdez quase congênitas.
Mais do que merecida foi a premiação dupla com o Oscar de 1963 para as atrizes Anne
Bancroft e a então estreante Patty Duke. Tampouco há o que discordar do que disse a
revista Time, na ocasião: “possivelmente será a mais comovente performance em dupla
já gravada em filme”.

A deficiência define-se a partir de uma ausência. O deficiente carece de uma ou mais


faculdades importantes; trata-se de uma carência que compromete as atividades do
ser humano normal. Seria difícil encontrarmos uma sociedade que, ao menos em algum
período da sua história, não discriminou os deficientes de alguma forma. Na Grécia
Antiga existiram leis recomendando a sua eliminação. A deficiência revelava-se como
uma das faces do não ser, categoria metafísica negativa combatida por Parmênides,
Platão e Aristóteles, para citar apenas três gigantes do pensamento ocidental.

Há poucos anos, o Museu Nacional de Belas Artes da cidade do Rio de Janeiro


começou a pôr em prática uma iniciativa louvável, inspirada no que já vem ocorrendo
em diversos lugares do mundo: viabilizar o acesso dos deficientes à parte do seu acervo
que se revela mais acessível a eles. O seminário Ver e sentir por meio do toque foi o
marco zero de um projeto cujos benefícios são fundamentais para os deficientes e a
própria sociedade em geral. Sendo um museu dedicado às artes visuais, é natural que a
atenção se volte inicialmente para os cegos. É uma característica dos museus o acervo
de caráter visual. E nisso nada há de arbitrário. Pelo menos 80% das nossas informações
acerca do mundo chegam a nós por intermédio dos olhos; é inevitável que as artes sejam
prioritariamente visuais.

A deficiência é um tema difícil. Seu estudo requer objetividade e determinação. A


bibliografia relativa ao assunto é escassa e, muitas vezes, errada. O terreno é fértil para
a demagogia e o oportunismo. Proliferam hoje em dia as ONGs e instituições diversas
supostamente destinadas a defender os interesses dos deficientes. Contudo, muitas
vezes os maiores beneficiados não são eles, mas sim os dirigentes e demais membros
52 dessas instituições. Feito com verba pública, o filme referido de Berliner retrata bem
esse contexto. Também é preciso ter cautela com a tirania dadaísta: apoiando-se no
slogan falacioso segundo o qual “tudo é arte”, oportunistas diversos vêm impondo a
aceitação de obras muitas vezes medíocres nas galerias, nos museus e na mídia em
geral. Contraditório é que essas pessoas defendam a “liberdade de opinião”; em regra,
recusam e atacam veementemente a qualquer um que apresente opinião diferente da
sua. Cabe impedir que a deficiência seja mais um trampolim para aumentar o prestígio e
o poder desses mesmos oportunistas.

Veio a calhar, naquele seminário recente, a exposição da professora Valeria Conde


Aljan, do Instituto Benjamin Constant. Discorreu com precisão acerca da necessidade de
que a população seja instruída sobre o modo correto de lidar com os cegos no dia a dia:
desde a forma apropriada de auxiliá-los a cruzar uma rua até o vocabulário relativo à
cegueira, sua palestra foi muito instrutiva. Falou também da inutilidade (e, em muitos
casos, da nocividade) do linguajar politicamente correto (“portador de deficiência”, “não
andante” e assim por diante) que se criou para tratar da deficiência. É mais do que hora
de deixarmos de discutir palavras; os cegos e os outros deficientes precisam da aceitação
devida no corpo social, do apoio dos órgãos competentes, bem como de medidas de
alcance jurídico que garantam os seus direitos em todos os níveis da sociedade.

A pesquisadora Beatriz Pavão demonstrou conhecimento de causa ao tratar do acesso


dos cegos aos museus e das condições específicas que a situação exige. Em sintonia com
Beatriz, o coordenador da Seção Educativa do Museu Nacional de Belas Artes, Rossano
Antenuzzi, expôs, juntamente com sua equipe, as linhas gerais do projeto em tela. De
fato, é preciso que haja uma seleção das obras a serem apreciadas pelos cegos. O tema
concentra-se na escultura, uma vez que as cores da pintura não se revelam a outro
sentido que não sejam os olhos. Certas pinturas poderão ser “traduzidas” por meio de
relevos a serem tocados pelos visitantes cegos. Estátuas relativamente pequenas e de
formas simples são as mais adequadas ao tato.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, ensina a sabedoria popular. É um radicalismo
negar sistematicamente ao cego a possibilidade de tocar as esculturas, conforme
apontou a artista plástica Virginia Vendramini na sua palestra. Mas o extremo oposto
também é nocivo, como ela mesma destacou: se todos os visitantes passarem a tocar
as esculturas, muitas delas se desgastarão num espaço curto de tempo. Encontrar o
meio-termo adequado é um dos desafios que se apresentam aos museólogos e demais
responsáveis por projetos dessa envergadura.

Esperemos que a iniciativa do Museu encontre o devido reconhecimento e respaldo


por parte da sociedade; e que os benefícios aos cegos sejam estendidos aos outros
deficientes. Naturalmente, isso precisará contar com a colaboração das artes não
especificamente visuais. É preciso que os cinemas, as salas de concerto, os teatros
e demais casas de espetáculos abram as suas portas ao deficiente. Claro está que
isso inclui adaptação adequada dos projetos de arquitetura e engenharia civil,
particularmente no caso dos paraplégicos; os deficientes mentais precisarão contar
com acompanhantes especializados; na medida do possível, os surdos deverão ser
assessorados por conhecedores da linguagem de sinais. Sabemos que Roma não foi feita
num dia só. O caminho é longo e árduo. Mas é preciso começar a percorrê-lo. Em vez de
nos perguntarmos por que devemos tornar os filmes, as músicas, as esculturas e demais
obras de arte acessíveis aos deficientes, é hora de insistir na pergunta oposta: por que
não? O que estamos esperando? Mão à obra!v
53

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. Fale i d e s s e m e s m o p ro b le m a a nte r i o r m e nte (c f. G A NZ A R O L L I D E O L I V EI R A . 20 0 0: 10;
_ _ _ _ _ _ . 20 0 2: 15 6 a 161; _ _ _ _ _ _ . 20 0 7: 162 e 163).
2.Ve r, p o r exe m p lo, o exce le nte li v ro d o e s p a n h o l J e s ú s M o nto s o M ar t í n e z: L o s cie g o s
en la histo r ia, M ad r i, O N C E, 19 9 2; e t a m b é m o d o fr a n cê s L o u i s Ci cco n e: Le s m u s icien s
a ve ugle s d a n s l’histo ire, P ar i s, L’H ar m at t a n, 20 01.

# CI CCO N E, L o u i s. Le s m u s icien s a ve ugle s d a n s l’histo ire. P ar i s: L’H ar m at t a n, 20 01.


# G A NZ A R O L L I D E O L I V EI R A , J o ã o V i ce nte. Cé c ité: ni le p réju g é ni le my t h e. I n: Le
Va lentin H a ü y. P ar i s: 20 0 0, 4 º t r i m e s t re, nº 6 0.
_ _ _ _ _ _ . D o e s s en cia l inv is ível: ar te e b e le z a e nt re o s ce g o s. R i o d e Ja n e iro: R e v a n/
FA P E R J, 20 0 2.
_ _ _ _ _ _ . P o r q u e n ã o ele s? ar te e nt re o s d e fi c i e nte s. S ã o P au lo: Ci d ad e N ov a, 20 0 7.
# M O N T O S O M A R T Í N E Z, J e s ú s. L o s c i e g o s e n l a hi s to r ia. M ad r i: O N C E, 19 9 2.
54 C A M I N H O S PA R A A ARTE E O PERCEBER:
A EXPERIÊNCIA DO
I N CLUS ÃO ATELIÊ DE ARTES
PARA PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA VISUAL

Ana Carmen Franco Nogueira 10


Ateliê de Artes para Pessoas com Deficiência Visual iniciou seus trabalhos em
2004, em parceria com o Projeto Acesso do Centro Brasileiro Educacional de Apoio
Pedagógico Especializado ao Deficiente Visual na cidade de São Paulo. Hoje o Ateliê não
é ligado a nenhuma instituição, mas mantém a busca do acesso às expressões artísticas
de pessoas com deficiência visual.

O interesse em trabalhar com pessoa com deficiência visual surgiu através da


convivência com uma colega de classe em um curso de Direito que, por sinal, nunca
terminamos. Na época, nos chamava muito a atenção o fato de que a capacidade de ver
ou não ver era muito variável e, justamente por isso, causava muitos conflitos e total
falta de compreensão por parte dos colegas e professores.

O mundo da deficiência visual nos era totalmente desconhecido. O ver e o não ver
apresentavam um grande desafio. E foi exatamente esse desafio que nos levou a procurar
compreender como a pessoa com deficiência visual percebe o mundo e como dar a ela
acesso à cultura e à arte.

O início do século XXI trouxe uma série de esperanças e expectativas de como


a humanidade pretendia construir o milênio que se iniciava. A Carta para o Terceiro
Milênio de 1999, da REHABILITATION INTERNATIONAL, continha uma proposta inovadora
em relação à temática da inclusão.

A Carta falava como o progresso científico do século XX aumentou nossa compreensão


sobre o valor inviolável da vida de cada ser humano. E, embora tenha havido essa
valoração da vida, a ignorância, o preconceito, a superstição e o medo ainda dominam
grande parte das respostas da sociedade em relação à deficiência. Está cada vez mais
claro que precisamos aceitar a deficiência como parte da vida humana, visto que pelo
menos 10% das pessoas já nascem ou adquirem, durante a vida, uma deficiência em
qualquer sociedade.

A Carta para o Terceiro Milênio propunha a profunda compreensão sobre o acesso


a todos os recursos da comunidade, “eliminando barreiras ambientais, eletrônicas
e atitudinais que, ainda hoje, se oponham à plena inclusão do deficiente na vida
comunitária”.

Segundo Vigotsky (1997: 19 - 27) o que realmente decide o destino de uma pessoa
não é a deficiência em si mesma, mas sim as consequências sociais, suas realizações
psicossociais. Uma criança com alguma imperfeição não é inevitavelmente uma criança
deficiente. O grau da sua imperfeição e da sua normalidade irá depender do equilíbrio
social (la compensación social). Somente a cegueira ou outros defeitos parciais não 55

transforma o indivíduo em deficiente. A deficiência perturba o curso normal do contato


da criança com a cultura de seu meio e essa cultura, por sua vez, está adaptada a uma
pessoa sem defeitos ou problemas físicos ou mentais. O que torna uma pessoa cega
ou com baixa visão um deficiente, é sua exclusão da sociedade, do mundo cultural, do
universo do vidente.

A nossa cultura muitas vezes faz com que a exploração do mundo por outros sentidos
que não o da visão seja dificultado. Quantos “não toque”, “não cheire”, “não pise” ou
“não sinta”, nos são impostos sem que percebamos?

[...] Olha teu corpo compreende e é o sentido, o assunto principal, e contém e é a


alma. (WHITMAN apud LEHRER, 2009: 17)

Será o corpo uma grande razão?

Pensar o corpo como uma grande razão é o modo que encontramos para desenvolver
os trabalhos dentro do ateliê.

Nossa grande questão era como dar acesso às poéticas artísticas, às experiências do
mundo, tendo como referencial não a percepção da pessoa com visão, mas sim, o não
vidente.

Estar diante de uma pessoa cega ou com baixa visão é estar diante de experiências
conflitantes, diferentes das nossas, e este contato nos coloca diante de diferentes
percepções, diferentes maneiras de perceber o mundo.

Por meio dos estudos feito pela professora Elcie Masini compreendemos que “para
poder saber do DV, é pois necessário aproximar-se de seu corpo e da experiência que ele
tem através dos sentidos de que dispõe, de maneira total e não fragmentada”. (MASINI,
1994: 91)

Ao pensarmos em pessoas cegas nos vem à mente a sua capacidade de conhecer e


saber do mundo.

Por ser a visão o sentido que mais nos coloca em contato com as coisas,
principalmente à distancia e em detalhes, parece no mínimo intrigante pensar
como o cego estrutura seu mundo mental e como se apropria do conhecimento
das coisas que não pode vivenciar pelo tato, olfato e audição – como o conceito de
lua e nuvem, por exemplo. (ORMELEZI 2000: 37)

A pessoa com deficiência visual parece ser alvo constante de interrogação por parte
daquele que possui o sentido da visão.

Como ela consegue? Como ela entende? Como ela aprende?

Para que uma pessoa com deficiência visual se organize no mundo é preciso fornecer
oportunidades para a exploração de todas as experiências perceptivas. Precisamos
derrubar as placas do “Não toque”, e levar em conta os outros sentidos e relembrar
que existem muitos receptores sensoriais para conhecermos o mundo em que vivemos,
uma vez que “Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria.” (NIETZSCHE
2009: 44)
56 Então, qual é a chave de acesso para tornar visível o invisível, dizível o indizível,
pensável o impensável? Como afirmar a potência criadora da arte para todas as pessoas?

Cada um percebe o mundo de acordo com o seu conhecimento. É através de nosso


corpo que percebemos o mundo.

A cada momento, meu corpo perceptivo é preenchido de reflexos, de estalidos,


de impressões táteis fugazes que não posso ligar de maneira precisa ao contexto
percebido e que, todavia, eu situo imediatamente no mundo, sem confundi-los
nunca com minhas divagações. (MERLEAU-PONTY 2006:5 -6)

Devemos oferecer oportunidade de aprender a perceber. Lembrando Merleau-


Ponty(2004:20), é preciso deixar que as coisas entrarem em nós ou que o espírito saia
pelos nossos sentidos para passear nas coisas.

O fazer artístico é um reflexo da interpretação de um objeto de estudo. Do interno


para o externo, é uma realidade interpretada.

Masini (2008: 74), de acordo Merleau-Ponty (2006), considera que para compreender
a complexidade do aprender destes sujeitos é preciso ter conhecimento de suas
experiências perceptivas. É preciso acompanhar suas manifestações e sua relação com os
objetos no uso de seu corpo como fonte de sentidos. É preciso ouvi-lo sobre o que faz e
como percebe o que o cerca e como é para ele essa experiência, ou seja, ouvi-lo sobre
sua experiência perceptiva.

Não se poderia, pois pensar no aprender senão pelo seu viver factualmente. Isso
torna claro que é preciso partilhar com o aprendiz do conjunto dos caminhos de
seu corpo, no fazer do dia-a-dia, para saber da sua experiência perceptiva (Ibid.
: 79).

Repetindo Merleau-Ponty (2004: 16), assim como o artista empresta seu corpo ao
mundo para tornar visível o que passou por ele, a pessoa com deficiência visual pode
fazer uma descrição de sua experiência perceptiva de situações vividas e encontrar
novas formas de linguagem e expressão. O deficiente visual irá compreender a obra
de arte por meio de distintas fontes de informação (cinestésica, háptica, auditiva e
proprioceptiva).

Desfrutar do processo criativo, é oferecer a oportunidade de reconstrução da


personalidade, é dar autonomia e oferecer possibilidades de novas vivências e novos
sentimentos, fazendo com que cada indivíduo tenha maior consciência para enfrentar
suas escolhas. Possibilitar ao deficiente visual o fazer e o compreender arte, é uma
maneira de ampliar o seu mundo e oferecer uma melhora na sua organização espacial e,
consequentemente, uma melhora em todos os processos de aprendizagem, favorecendo
sua socialização junto aos videntes.

Em nossa experiência dentro do Ateliê pudemos acompanhar o desenvolvimento e


enriquecimento da capacidade criativa de cada um dos indivíduos que atendemos. O que
nos fez observar a evolução de cada um não foi uma única obra criadora, mas o processo
que se estabeleceu, através de realizações contínuas de decisões, da nova postura
diante do aprender e da disponibilidade para um re-fazer transformador.

Ao planejarmos nossas aulas, pensamos em como assinalar os caminhos da


aprendizagem, como incentivar o aluno a percorrer este caminho desperto para o novo
e para o desconhecido, como, enfim, aguçar a curiosidade. 57

Por meio da arte podemos decifrar o mundo e a nós


mesmos. A obra de arte e o fazer artístico proporcionam
a experiência criadora onde nos diferenciamos e nos
encontramos, “o pintor traz seu corpo para ver o que não
é ele, o músico traz seu corpo para ouvir o que ainda não
tem som, o escritor traz a volubilidade de seu espírito para
cercar aquilo que se diz sem ele”. (CHAUI, 2002: 163)

A cada semestre apresentamos um projeto a ser


desenvolvido pelos alunos baseado nas suas necessidades.
O projeto para se tornar válido deve ter a aprovação de
todos. Ao apresentarmos um artista, temos a intenção de
apresentar a sua poética. Para desenvolver um trabalho
de compreensão de diferentes poéticas, acreditamos ser
preciso compreender o artista, o seu mundo, a sua busca
e as suas faltas. Acreditamos que é preciso valorizar
a bagagem de cada um e compartilhar conhecimentos
que engrandeçam o grupo. Mesmo que os trabalhos
sejam elaborados em encontros individuais, as dúvidas,
descobertas e experiências são sempre compartilhadas.
Acreditamos que para a compreensão do ato criativo a
pessoa com deficiência visual deve compreender aquilo
que está percebendo e ter capacidade de externar. É muito
importante saber explorar, experimentar e compartilhar
seu conhecimento.

O deficiente visual, assim como o vidente, quer utilizar


a obra de arte como uma maneira de expressar algo,
entender as relações humanas e refletir sobre o mundo.

A experiência concreta do fazer criativo, de dar


“corpo” ao que estava em sua imaginação, de executar
uma idéia, ofereceu a esses indivíduos a possibilidade de
representar o seu mundo e de tornar visível o invisível. “Na
arte, o ver não é tão importante quanto o tornar visível.”
(KLEE, 2001: 31)v

1. e 2. Ateliê de Artes.
(Foto AC. Nogueira)
58

R E F E R Ê N CI A S
# Ca rta p a ra o Terceiro M ilên io. D i s p o ní ve l e m: ht t p://w w2.p re fe itu r a.s p.g ov.b r//
arq u i vo s/s e cre t ar ia s/s au d e/d e fi c i e n c ia/0 0 0 8/C ar t a _ p ar a _Te rce iro _ M ile ni o.p d f. A ce s s o
e m: 2 3 s e t 20 03.
# C H AU I, M ar ile n a. O b r a d e A r te e Filo s ofia. I n: C H AU I, M ar ile n a. E x p er iên cia d o
P en s a m ento: E n s ai o s s o b re a o b r a d e M e r leau- P o nt y. 1. e d. S ã o P au lo: M ar t i n s Fo nte s,
20 0 2. p. 151-195. Co le ç ã o tó pi co s.
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# M A SI N I, E lc i e; F. S al z a n o.  O P erce b er e o Rela cio n a r-s e d o D eficiente
V is u a l: o r i e nt a n d o p ro fe s s o re s e s p e c iali z ad o s. B r a s ília: Co o rd e n ad o r ia N a c i o n al p ar a
I nte gr a ç ã o d a Pe s s o a P o r t ad o r a d e D e fi c i ê n c ia, 19 9 4. P. 159.
# M E R L E AU - P O N T Y, M au r i ce. O o lh o e o e s p ír ito: s e g u i d o d e A li n g u a g e m i n dire t a e a s
vo z e s d o s ilê n c i o e A d ú v i d a d e Cé z a n n e. S ã o P au lo: Co s a c & N aif y, 20 0 4. P. 16 6.
# M E R L E AU - P O N T Y, M au r i ce. Fen o m en o lo g ia d a P erce p çã o. 3. e d. S ã o P au lo: M ar t i n s
Fo nte s, 20 0 6.
# N I E T Z S C H E, Fr i e d r i c h.   A s s im Fa lo u Za ratu stra. 4. e d. S ã o P au lo: M ar t i n Cl are t, 20 0 9.
p. 27 2. 2ª R e i m p re s s ã o.
# O R M E L IZI, E lia n a M ar ia.  O s Ca min h o s d a A q u is içã o d o Co n h ecim ento e a Ce g u eira :  d o
u ni ve r s o d o co r p o a o u ni ve r s o s i m b ó li co. 20 0 0. f. 27 3. D i s s e r t a ç ã o (M e s t r ad o) – Cu r s o
d e Ed u c a ç ã o, D e p ar t a m e nto d e P s i co lo g ia e Ed u c a ç ã o, U ni ve r s i d ad e d e S ã o P au lo, S ã o
P au lo, 20 0 0.
# V YG O T S K I, L e v S e m e n ov itc h. O b ra s e s co g id a s V: fu n d a m e nto s d e d e fe c to lo g ia.
M ad r i d: V i s o r, 19 97.
C A M I N H O S PA R A 59
PROJETO APRENDER PARA
I N CLUS ÃO
ENSINAR: A MEDIAÇÃO
EM MUSEUS POR MEIO DA
LÍNGUA BRASILEIRA DE
SINAIS (LIBRAS)
Cibele Lucena
Joana Zatz Mussi
Daina Leyton 11
“Aprender para Ensinar” e a cultura surda

O projeto “Aprender para Ensinar” , idealizado em 2002, consiste na formação de


1

jovens surdos como educadores, para que eles possam receber o público surdo no museu
em “língua primeira” 2.

Para o linguista Élie Bajard, que observou o projeto “Aprender para Ensinar” entre
2005 e 2006, é um desafio para o MAM e seus professores-artistas (PA), que conduzem
o processo de formação, orientar os jovens que não partilham sua língua. Uma vez que
não existe, entre os PAs e os alunos Surdos, uma intercompreensão linguística, a situação
requer a presença de professores-intérpretes (PI) que dominem ambas as línguas. Nessa
singular situação de formação artística, a questão da diversidade das linguagens (com
uso considerável de fotografias, vídeos, esquemas e filmes) se torna um ponto crucial.
Por duas razões: a primeira, porque a imagem é uma linguagem que não pressupõe
alfabetização prévia para ser compreendida; a segunda, porque o objeto de estudo é a
própria arte (Bajard, 2005).

O espaço expandido de um curso continuado com jovens Surdos que se desdobra no


atendimento de um grande público Surdo, traz aos frequentadores do museu a reflexão e
compreensão de que a Libras não é um simples emaranhado de códigos visuais, mas uma
língua de semiologia complexa, cujo aprendizado dá acesso a inesgotáveis dimensões de
pensamentos e significados.

Antes de iniciado o trabalho contínuo com o público Surdo, desconhecíamos os


desafios linguísticos que ele enfrenta para se comunicar. Durante muitos anos, os surdos
foram considerados legalmente “incapazes”, e as escolas e centros de educação de
diferentes partes do mundo proibiam a Língua de Sinais, obrigando os surdos a falarem a
“língua dos ouvintes”. Todas as comunicações deviam ser orais 3.

Segundo Oliver Sacks (1998), o fato dos surdos não disporem de uma “língua
primeira” os deixavam privados da capacidade de se comunicar, prejudicando a
apreensão do conhecimento.

A existência milenar de línguas puramente escritas não foi suficiente para que se
difundisse a noção de que a compreensão das ideias independe do som das palavras.
Essa ainda é uma noção estranha para a maioria, porém sua compreensão é fundamental
para o desenvolvimento da comunicação dos surdos.

O linguista Élie Bajard, ao contrário da concepção que vigorou até o final do século
19, considera que a língua utilizada pela comunidade surda
60 é uma verdadeira língua, com um léxico e uma
gramática singulares. [...] Ela é natural, isto é, um
instrumento construído por um lento processo de
elaboração, através da experiência comunicativa de
várias gerações de uma mesma comunidade, e não
por um inventor único, como é o caso do esperanto,
por exemplo. Realizada por gestos, é uma língua
que possibilita pensamento e comunicação. É um
lugar-comum atribuir aos surdos uma capacidade
de abstração baixa, sob o argumento das limitações
dos sinais abstratos. Podemos fazer duas ressalvas
a esse tipo de comentário. Primeiramente, muitas
dificuldades de comunicação podem ser atribuídas
à conquista tardia da língua. Em segundo lugar,
limitações da Língua de Sinais podem encontrar sua
origem num uso conjuntural por uma comunidade,
e não na pretendida insuficiência de uma língua
gestual.” (Bajard, 2005:16)

No Brasil, apesar de utilizada e ensinada há bastante


tempo, a Libras só foi reconhecida como meio legal de
comunicação em 2002 4. Isso nos mostra que, apesar de a
questão da língua dos surdos ser antiga, sua regularização é
bastante recente. Esse fato aponta para a dimensão pública
do nosso trabalho, bem como para a relevância social de se
preparar educadores Surdos.

Acreditamos que a arte desempenha um papel


fundamental para a transformação do olhar em relação
ao mundo. Através dela, podemos estabelecer relações
significativas entre conteúdos teóricos e a cultura
contemporânea, aprimorando a capacidade crítica do
indivíduo ao estimular um olhar criador, procurando
perceber os diversos significados culturais implicados na
imensa quantidade de imagens com que temos contato
diariamente.

Sobre a arte-educação contemporânea, Michael Parsons


diz:

Obras de arte são poderosas encarnações de


interesses comuns, pedem uma interpretação
ativa, podem unir diversos meios de pensamento,
relacionam-se a vários contextos e são suscetíveis a
múltiplas interpretações. Por essas razões, o estudo
da arte promove, em sua mais alta sofisticação, o
1. Educadores aprendizes formados tipo de entendimento exigido por uma sociedade
pelo “Aprender Para Ensinar”. pluralista, na qual grupos podem coexistir com
2. Sistematização cartográfica dos diferentes histórias, valores e pontos de vista. Isto,
aprendizados do curso. creio, estabelece a tarefa do ensino e da pesquisa
3. Grupo de surdos conversando sobre
em arte-educação. (Parsons, 1998:9)
a exposição com educador aprendiz.
(fotos Karina Bacci)
Museus e espaços culturais são locais privilegiados para 61

o desenvolvimento de processos crítico-interpretativos.


O aspecto inovador nas relações sociais que podem ser
estabelecidas entre um museu ou espaço cultural e a
comunidade é a elaboração de estratégias de mediação
que permitam romper a distância espectador-obra,
espectador-artista, espectador-museu ou espaço cultural,
desmistificando papéis e criando um tipo de vínculo a
partir do qual ocorra a apropriação dos conhecimentos
gerados na relação com a arte.

Há várias maneiras de construir a mediação resultante


da interação do educador com o grupo que visita a
exposição. Uma delas é pedir ao grupo que faça perguntas
sobre aquilo que está vendo. Assim, a curiosidade dos
visitantes dará subsídio para que o percurso se desenvolva.
As perguntas se tornam a base do aprendizado.

No caso de um curso de formação continuada como o


“Aprender para Ensinar”, as perguntas dos alunos Surdos
que dele participam podem se tornar futuramente as
mesmas que eles farão aos grupos de visitantes Surdos que
irão atender. Nesse caso, atuando como mediadores, os
educadores-aprendizes se apropriam da dimensão criativa
e significativa de sua própria experiência, na medida
em que suas indagações se tornam as mesmas feitas
para envolver o outro. Esse educador-aprendiz propõe
posicionamentos e sentidos, constrói significados. Ele tem
consciência de que a relação com a arte passa em primeiro
lugar pela dimensão da experiência (o que implica levar em
conta lugares sociais, culturais, políticos, histórias de vida
etc.).

Ao passar por experiências significativas como


conversas com artistas, curadores e outras diversas
personagens que compõem o universo da arte e do
museu (educadores, pessoas do acervo, seguranças,
montadores), as perguntas dos alunos e as respostas que
vão encontrando permanecem como eixos conceituais e
problematizações ao longo de todo o ano. Assim, quando
atendem como “educadores-aprendizes” os outros grupos,
os alunos do “Aprender para Ensinar” estabelecem diversas
conexões entre o que estão vendo ou “ensinando a ver”
e as experiências de troca originadas das conversas que
viveram no projeto, expandindo o próprio caráter da
mediação.

Quando a articulação entre conteúdos e estratégias


de aproximação com a arte e o museu ocorre, a mediação 4 e 5. Ao visitar uma exposição sobre
é bem-sucedida, e a proliferação de conhecimentos em o modernismo brasileiro e o conceito
de antropofagia os alunos criaram um
ambas as direções (do museu para a sociedade e desta
sinal para essa palavra.
para o museu) acontece. Portanto, discutir a mediação (foto Daina Leyton)
62 é crucial, pois nela reside a possibilidade de o museu ser modificado pelas pessoas e
comunidades que o frequentam, configurando-o efetivamente como um espaço público.

Para Élie Bajard (2005), sendo a Língua de Sinais espacial-visual, a apreensão do


mundo dos surdos é nitidamente diferenciada: sua diferença cultural não se manifesta
apenas pela falta de audição, mas por uma apreensão a partir de uma configuração de
sentidos específica, pelo domínio de uma língua gestual singular e pelo acesso precoce a
uma segunda língua (português).

Se a língua é o instrumento do homem para ver e apreender o mundo e se,


reciprocamente, esse instrumento é modelado pela experiência humana, cultura e língua
estão intrinsecamente ligadas entre si. A relação sensível com o universo, com o corpo
e com as pessoas é profundamente distinta em um mundo de sons e em um mundo de
“silêncio”. É importante considerar que a relação do surdo com o mundo é, em primeiro
lugar, diferente, não mutilada. O uso de uma língua com significantes gestuais cria uma
sensibilidade específica, distinta da sensibilidade dos ouvintes que partilham a mesma
vida cotidiana. Essa cultura específica, reivindicada pela comunidade Surda, requer
reconhecimento por parte dos ouvintes.

Sendo o “Aprender para Ensinar” um curso de formação de formadores, não


mediamos apenas a relação entre o aluno e a “arte”, mas sua relação com a “educação”.
Isso significa que, ao longo do processo de ensino-aprendizagem, experienciar e
compreender a “arte” (como forma e conteúdo) são atividades tão importantes quanto
a apreensão consciente das estratégias e princípios utilizados pelas PAs. Por isso, nesse
projeto, a possibilidade de interpretar as obras assume uma radicalidade singular: o
que se produz no percurso entre as línguas e na relação desse percurso com a arte
é o enriquecimento da própria Libras. Isso acontece quando apresentamos palavras,
noções e conceitos para os quais não existe tradução, tornando necessária a invenção
de sinais para que os alunos possam compartilhar com os grupos que recebem os novos
aprendizados 5. Com isso, não são apenas novos sinais que estão sendo criados, mas uma
nova cartografia de afetos, desejos e conhecimentos que se abrem e podem ser vividos,
já que esses sinais se proliferam rapidamente, enriquecendo não só a língua, mas o
próprio território por onde circula e se inscreve a cultura Surda.

O que o projeto “Aprender para Ensinar” evidencia que o ato de mediar deve ser
entendido de forma ampla, abarcando aspectos não apenas relacionados à educação
e, nesse caso, à arte, mas também às transformações culturais que os encontros entre
diferentes agentes e espaços sociais provocam.v
N O TA S E R E F E R Ê N C I A S 63
1. O p roje to “A p re n d e r p ar a E n s i n ar ” é p ar te d o p ro gr a m a I g u al D ife re nte d o S e to r
Ed u c at i vo d o M A M -S P. D e 20 0 2 a 20 0 7, o p roje to foi reali z ad o e m p arce r ia co m a e s co l a
d e e d u c a ç ã o i nfa nt il e e n s i n o fu n d a m e nt al p ar a cr ia n ç a s e jove n s S u rd o s D E R D I C
(D i v i s ã o d e Ed u c a ç ã o e R ea bilit a ç ã o d o s D i s tú r bi o s d a Co m u ni c a ç ã o d a P U C-S P). E m
20 0 8, o “A p re n d e r p ar a E n s i n ar ” a m p li o u s u a s p arce r ia s. Atu alm e nte, i nte gr a m o
c u r s o alu n o s e p rofi s s i o n ai s d a D E R D I C, d a E s co l a p ar a Cr ia n ç a s S u rd a s R i o B r a n co, d a
Fu n d a ç ã o B r ad e s co, d o Co lé g i o R adial e I n s t itu to S a nt a Te re z i n h a.
2 . D e a co rd o co m o li n g u i s t a É li e B ajard ( 20 0 5, p. 6), “(...) o s u rd o n a s c i d o d e p ai s
o u v i nte s d e fro nt a-s e co m a difí c il s itu a ç ã o d e n ã o h e rd ar u m a lí n g u a d e s u a fa mília.
P ar a co n q u i s t ar a Lí n g u a d e Si n ai s, a cr ia n ç a s u rd a p re c i s a, i m p e r at i v a m e nte, co nv i ve r
d e nt ro d e u m a co m u ni d ad e d e cr ia n ç a s s u rd a s. A s s i m, a nte s d o dia g n ó s t i co e d o
co nt ato co m e s s a co m u ni d ad e, n ã o p o s s u i u m a lí n g u a m ate r n a. Fre q u e nt a n d o u m a
co m u ni d ad e S u rd a d e u m a i n s t itu i ç ã o e d u c at i v a, a p re n d e u m a ‘p r i m e ir a lí n g u a’.
D e p oi s, e m s u a fa s e d e alfa b e t i z a ç ã o, d e s co b re a lí n g u a p o r tu g u e s a, co m o ‘s e g u n d a
lí n g u a’.” P o r t a nto, u t ili z are m o s o s co n ce ito s d e “lí n g u a p r i m e ir a” e “lí n g u a s e g u n d a”,
q u e s e a p li c a m m e lh o r a o s s u rd o s d o q u e o s co n ce ito s d e lí n g u a m ate r n a e lí n g u a
e s t r a n g e ir a.
3. E m u m i m p o r t a nte Co n gre s s o I nte r n a c i o n al d e Ed u c ad o re s d e S u rd o s, reali z ad o e m
18 8 0, e m M il ã o, o o r ali s m o s aiu ve n ce d o r e o u s o d a Lí n g u a d e Si n ai s, n a s e s co l a s, foi
“ofi c ialm e nte” a b o li d o (ve r S a c k s, 19 9 8, p.4 0).
4.Co nfo r m e a le i nº. 10.43 6, cr iad a e m 20 0 2 e re g u l a m e nt ad a e m 20 0 5, e nte n d e -
s e co m o Lí n g u a B r a s ile ir a d e Si n ai s (Li b r a s) a fo r m a d e co m u ni c a ç ã o e ex p re s s ã o,
e m q u e o s i s te m a li n g u í s t i co d e n atu re z a v i s u al-m oto r a, co m e s t r u tu r a gr a m at i c al
p ró p r ia, co n s t itu i u m s i s te m a li n g u í s t i co d e t r a n s mi s s ã o d e i d é ia s e fato s, o r iu n d o s d e
co m u ni d ad e s d e p e s s o a s s u rd a s d o B r a s il. D e ve s e r gar a nt i d o, p o r p ar te d o p o d e r
p ú b li co e m g e r al e e m p re s a s co n ce s s i o n ár ia s d e s e r v i ço s p ú b li co s, fo r m a s
i n s t itu c i o n ali z ad a s d e a p oiar o u s o e difu s ã o d a Li b r a s co m o m e i o d e co m u ni c a ç ã o
o bje t i v a e d e u t ili z a ç ã o co r re nte d a s co m u ni d ad e s s u rd a s d o B r a s il.
5. A l g u m a s d e s s a s co n ce itu ali z a çõ e s p ar a a s q u ai s s i n ai s p re c i s ar a m s e r cr iad o s s ã o
fi x a s, o u s eja, s e re p e te m a o lo n g o d o s a n o s p o r s e re m e i xo s co n s t a nte s d o c u r s o,
co m o, p o r exe m p lo, “ar te co nte m p o r â n ea” e “e d u c a ç ã o co nte m p o r â n ea”. O u t ro s
a p are ce m e tê m q u e s e r a p rofu n d ad o s e di s c u t i d o s co nfo r m e a s ex p o s i çõ e s q u e e s t ã o
e m c ar t a z n o M A M co m o, p o r exe m p lo, “a nt ro p ofa g ia”, “p a n o r a m a”, “ i d e nt i d ad e”,
“d e s lo c a m e nto” e tc.

# B A JA R D, É li e. E s q u e m a s d e co m u ni c a ç ã o n o p roje to A p re n d e r p ar a E n s i n ar. 20 0 5.
Pe s q u i s a d e o b s e r v a ç ã o d o p roje to “A p re n d e r p ar a E n s i n ar ”, p at ro c i n ad a p e l a
Co m p a n hia B r a s ile ir a d e M e t alu r g ia
e M i n e r a ç ã o.
# G E E R T Z, Clif fo rd. O s a b e r lo c al. Pe t ró p o li s: Vo z e s, 19 9 9.
PA R S O N S, M i c h a e l. M u d a n d o dire çõ e s n a ar te - e d u c a ç ã o co nte m p o r â n ea. I n: V E n co nt ro
s o b re a co m p re e n s ã o e
o p r a z e r d a ar te. S ã o P au lo: S E S C, 19 9 8.
# S AC K S, O li ve r. Ve n d o vo z e s: U m a v ia g e m a o m u n d o d o s s u rd o s. S ã o P au lo: Co m p a n hia
d a s L e t r a s, 19 9 8.
64 C A M I N H O S PA R A
A INCLUSÃO DE PÚBLICOS
I N CLUS ÃO
ESPECIAIS EM MUSEUS: O
PROGRAMA EDUCATIVO
Amanda Fonseca Tojal PARA PÚBLICOS ESPECIAIS
DA PINACOTECA DO
Margarete de Oliveira ESTADO DE SÃO PAULO

Maria Christina da Silva Costa


Sabrina Denise Ribeiro 12
INTRODUÇÃO

É evidente, hoje, a progressiva conscientização e a implantação por parte dos


museus brasileiros de políticas de ação educativa dirigidas aos públicos específicos,
considerando o importante papel social desempenhado por essas instituições como
espaços de referência da identidade cultural e autorreconhecimento dos cidadãos em
sua comunidade. Essas novas posturas afirmam um dos mais importantes objetivos
da nova museologia e das tendências do pensamento da contemporaneidade, o da
responsabilidade social, que, em parceira com as iniciativas pública, privada e do
terceiro setor, buscam garantir o respeito e a qualidade de vida dos cidadãos.

Cabe, portanto, aos museus, bem como a todas as instituições culturais, estar
em sintonia com o pensamento contemporâneo de respeito e reconhecimento da
diversidade cultural e social, trabalhando a favor, não somente da comunicação de seus
objetos culturais, sob o ponto de vista multicultural, como também contribuindo para a
democratização social e cultural por meio dos processos de inclusão social.

MUSEUS E pÚBLICOS ESPECIAIS

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% da população mundial


apresenta algum tipo de deficiência, o que representa aproximadamente 610
milhões de pessoas com deficiência no mundo, das quais 386 milhões fazem parte da
população economicamente ativa e 80% do total dessas pessoas vive em países em
desenvolvimento.

No Brasil, dados estatísticos apurados pelo Censo Demográfico de 2000, realizado


pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atestam a existência de 24,5
milhões de pessoas cadastradas portadoras de algum tipo de deficiência (pessoas com
deficiências físicas, neuromotoras, intelectuais, auditivas e visuais), numa população
geral de 169.799.170 habitantes, o equivalente a 14,5% da população brasileira.

Trata-se, portanto, de um universo expressivo de pessoas, agravado pelo fato de


o Brasil estar entre os países com os maiores índices de acidentes de trabalho e de
violência urbana, o que amplia significativamente esse número, principalmente de
indivíduos jovens com essas características.

Dentro desse quadro de referências, o museu, como instituição pública, deve ter por
objetivo não somente a preservação do patrimônio cultural nele abrigado, mas também
o importante papel de promover ações culturais, enfocando o seu potencial educacional
e de inclusão social.
Exemplificando esse relevante papel social que o museu pode e deve cumprir, 65

a equipe de educadores do Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) da


Pinacoteca do Estado de São Paulo propõe um relato de sua experiência com esse
público-alvo e as ações que permeiam seu trabalho educativo, referência para novas
práticas e ações multiplicadoras em museus e instituições culturais de todo o país.

Programa Educativo para Públicos Especiais

A Pinacoteca do Estado de São Paulo tem como uma de suas prioridades a ampliação
de ações educativas que possam aprofundar a compreensão das obras de seu acervo a
públicos cada vez mais amplos, iniciativa esta reveladora de uma visão contemporânea
da museologia, que defende a necessidade de tornar os acervos cada vez mais acessíveis
ao público.

Assim, com essa orientação, no ano de 2003 foi implantado o Programa Educativo
para Públicos Especiais (PEPE) como parte das iniciativas da ação educativa da
instituição1.

Esse programa visa atender grupos especiais, compostos por pessoas com deficiências
sensoriais (visuais e auditivas), intelectuais, físicas e com transtornos emocionais, como
também grupos inclusivos, compostos por pessoas com e sem essas deficiências, tendo
como objetivo incentivar e ampliar o acesso desse público ao importante patrimônio
artístico e cultural brasileiro, representado pelo acervo da Pinacoteca.

O programa desenvolve também cursos de formação para educadores e profissionais


das áreas de museus e saúde e para os próprios trabalhadores do museu, por meio
do programa Consciência Funcional, tendo por objetivo a recepção e orientações
preliminares ao público-alvo.

O Programa Educativo para Públicos Especiais (PEPE) desenvolve as seguintes ações:

1. Atendimentos aos públicos especiais e inclusivos

Visitas educativas previamente agendadas, nas quais o público-alvo, acompanhado


por educadores especializados (pertencentes à equipe do programa)2, explora e conhece
obras de arte selecionadas do acervo, de forma não somente visual, mas também
sensorial, por meio dos sentidos do tato, audição e olfato.

Uma educadora surda especializada também integra essa equipe, com a função de
realizar visitas educativas para o público surdo, levando em consideração o interesse e
as necessidades desses participantes no universo da arte, por meio da comunicação em
Libras (Língua Brasileira dos Sinais). Durante as visitas educativas são disponibilizados os
seguintes recursos multissensoriais:

1.1. Liberação para apreciação sensorial por meio do toque de obras tridimensionais
originais, principalmente para pessoas com deficiências visuais, acompanhadas pela
equipe de educadores do programa.

Foram selecionadas, junto à equipe de profissionais do Núcleo de Conservação e


Restauro, 30 esculturas de bronze, obras adequadas ao reconhecimento pelo toque,
segundo os critérios de tamanho, segurança e diversidade de formas e texturas,
possibilitando uma leitura histórica do desenvolvimento estético de esculturas (nacionais
e internacionais) dos séculos XIX e XX, destacando a figura humana, tendo em vista a
66 predominância dessa temática na coleção de esculturas em
bronze do acervo.

1.2. Recursos para apreciação sensorial de obras bi e


tridimensionais que, por serem inadequadas ao toque, são
complementadas por materiais multissensoriais de apoio
como:

1.2.1. Reproduções em relevo de obras de arte3


elaboradas em resina acrílica aproximando a produção
da obra original por meio de formas e texturas, incluindo
reproduções em relevo4 elaboradas em borracha
texturizada sobre fundo contrastante, representando os
elementos mais destacados de cada composição, tais como
figuras, objetos, formas e esquemas de figura e fundo.

O uso desses materiais tem por objetivo auxiliar


a compreensão e fruição das obras bidimensionais,
principalmente das pessoas cegas ou com baixa visão,
como também proporcionar uma enriquecedora forma de
experimentação e reconhecimento tátil de imagens cuja
apreciação é predominantemente visual às demais pessoas
com e sem deficiência.

Foram reproduzidas 30 pinturas seguindo o critério de


obras de destaque do acervo e a sua importância dentro do
panorama histórico brasileiro, representado por artistas dos
séculos XIX e XX, presentes na coleção.

1.3. Jogos sensoriais e maquetes articuladas5


que, de forma exploratória e interativa, estimulam o
reconhecimento e a percepção dos elementos formais e
interpretativos presentes nas obras de arte.

Esses materiais tridimensionais englobam a


complexidade da percepção multissensorial, isto é, o
reconhecimento feito a partir do estímulo e da exploração
dos diversos sentidos (visual, tátil, auditivo, olfativo e
sinestésico6), ampliando o reconhecimento e a fruição de
obras bi ou tridimensionais ao propor, no caso das obras
bidimensionais (pinturas), uma transferência dos elementos
representados de forma plana para a representação
espacial, tendo por objetivo, além do reconhecimento dos
elementos formais apresentados de maneira mais próxima
do real, estimular o conhecimento e a percepção de
profundidade e perspectiva (característica da construção
pictórica, muitas vezes complexa e de difícil tradução,
principalmente para as pessoas com cegueira congênita).

1. Almeida Junior “Caipira Picando


Além das características e especificidades acima
Fumo”, 1893. Reproduções em relevo descritas, o emprego desses materiais ou recursos de apoio
(Foto Alfonso Ballestero) multissensoriais possui também a função de possibilitar
uma melhor memorização, assim como instrumentalizar 67

atividades de interpretação e recriação das obras originais,


ao propor, durante a exploração, uma articulação e
reconstrução dos elementos formais tridimensionais, bem
como sua localização no espaço, concebido como um
cenário de proporções reduzidas.

Foram elaborados 30 materiais tridimensionais


(maquetes, indumentárias de época e jogos articulados)
seguindo o mesmo critério de seleção das reproduções
das obras bidimensionais (pinturas) realizadas em relevo,
sendo que, por questões da diversidade técnica, muito
representativa na produção artística da segunda metade do
século XX, também foram acrescentados a esses materiais
maquetes e jogos articulados referentes a esculturas e
objetos tridimensionais do acervo representativo desse
período.

1.4. Sonorização de obras do acervo7, recurso


constituído a partir da edição de fragmentos sonoros de
músicas instrumentais e sons da natureza, espaço urbano
e cotidiano, com o intuito de complementar e introduzir
também a percepção por meio do sentido da audição
durante a apreciação das obras.

1.5. Maquetes visuais e táteis8 de reconhecimento do


edifício da Pinacoteca e seus arredores, incluindo a planta
baixa de localização da exposição de acervo do museu.

Material de grande importância, principalmente para


o público com deficiências visuais, devido ao fato de ser a
única forma de apreensão espacial do edifício do museu,
patrimônio arquitetônico da cidade.

Durante os atendimentos realizados visando à


exploração dessas maquetes são fornecidos, além de
informações técnicas e estéticas sobre a arquitetura da
época, dados sobre a história da região e da utilização do
edifício desde a sua inauguração em fins do século XIX.

Todos esses recursos multissensoriais podem ser


utilizados separada ou simultaneamente, de acordo com
a avaliação da equipe do programa em conjunto com os
educadores dos grupos interessados em realizar visitas, a
partir da análise de suas especificidades.

2. Publicações especializadas

Encontram-se à disposição do público folhetos 2. Tarsila do Amaral “São Paulo”, 1924


informativos sobre o programa e catálogos em dupla Maquete tátil e jogo articulado
(Foto Alfonso Ballestero)
leitura, incluindo CD de áudio, distribuídos gratuitamente
3. Maquete Tátil. Edifício da
aos visitantes com deficiências visuais e às instituições Pinacoteca do Estado de São Paulo
participantes desse programa. (Foto Kika Costa)
68 Os catálogos contendo respectivamente obras pictóricas
e escultóricas foram elaborados com o intuito de fornecer
informações históricas sobre o museu, artistas e obras
selecionadas do acervo, contendo textos e imagens
adaptados à leitura de pessoas cegas ou com deficiências
visuais, bem como para pessoas com comprometimentos de
compreensão de leitura.

Ainda desenvolvemos o Guia de Visitação para o Público


Surdo ao Acervo da Pinacoteca do Estado, a partir das
experiências das visitas realizadas pelo programa para
esse público específico, com a finalidade de orientar e
acompanhar o visitante surdo que quiser optar por uma
visita autônoma, sem o acompanhamento de educadores
nessa exposição.

3. Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras do Acervo da


Pinacoteca do Estado

Implantada em 2009, a Galeria Tátil de Esculturas


Brasileiras tem por objetivo oferecer a possibilidade de
visitação autônoma ao público cego ou com deficiências
visuais à Pinacoteca do Estado.

Essa exposição permite que o público-alvo possa


explorar e reconhecer, por meio do toque, doze esculturas
de bronze pertencentes ao acervo do museu, apresentadas
segundo um criterioso padrão de acessibilidade e
complementadas por outros recursos de apoio, como piso
tátil, textos, mapa e etiquetas em dupla leitura (tinta e
Braille), folheto informativo e catálogo em dupla leitura
com imagens em relevo, incluindo CD de áudio.

O público não vidente poderá também se utilizar de


um audioguia, especialmente desenvolvido para fornecer
orientações sobre o percurso9, textos descritivos e também
exploratórios sobre as obras da exposição, com o intuito de
instigar o visitante cego a reconhecer e interpretar as obras
selecionadas, bem como as suas temáticas e narrativas.

A seleção das obras foi realizada considerando a


indicação do público cego e com deficiências visuais que
participou de visitas orientadas ao acervo do museu nos
últimos cinco anos. Além disso, fatores como a dimensão,
forma, textura e diversidade estética, que facilitam a
compreensão e apreciação artística dessas obras ao serem
tocadas, também foram adotados como critérios para a
escolha das esculturas.
4. Galeria Tátil de Esculturas
4. Cursos, Parcerias e Assessorias
Brasileiras. Exploração Tátil de
Escultura. Bruno Giorgi
Prometeu Acorrentado, sem data Com o intuito de capacitar profissionais das áreas de
(Foto acervo PEPE) museus, artes, educação inclusiva e saúde, como também
estabelecer parcerias com instituições culturais, sociais e educacionais, o PEPE oferece 69

cursos, palestras e consultorias como forma de desenvolver metodologias de ensino da


arte na educação inclusiva e a elaboração de projetos de acessibilidade e ação educativa
e cultural inclusivos, tendo como referência a experiência desenvolvida nesse programa.

Entre as parcerias efetuadas, cumpre destacar as que foram realizadas entre a SMPED
(Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida) do Município de
São Paulo, bem como a parceria com a UPPM (Unidade de Preservação do Patrimônio
Museológico) da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, implantando o Programa
de Formação em Acessibilidade e Ação Educativa Inclusiva em Museus, tendo por objetivo
oferecer subsídios para a formação técnico-especializada de educadores e funcionários
de museus, principalmente aqueles pertencentes à rede de museus da UPPM, localizados
tanto no interior como também na capital do Estado.

Por outro lado, acreditando que um programa dirigido a um público específico deva
ser compartilhado por todos que direta ou indiretamente se relacionem com o público
frequentador dessa instituição, o PEPE realiza periodicamente encontros de Consciência
Funcional para recepcionistas, vigias de sala, seguranças e outros funcionários do museu.

Considerações Adicionais

Desde 2003, quando se iniciou o atendimento permanente às escolas e instituições


especializadas na Pinacoteca do Estado, o Programa Educativo para Públicos Especiais
vem atendendo semanalmente e de forma permanente grupos especiais e inclusivos,
além de realizar encontros periódicos com funcionários e educadores do museu,
estudantes e profissionais das áreas de artes, educação e saúde, interessados em
programas de arte que levem em consideração a diversidade e necessidades especiais de
seus alunos, públicos ou pacientes.

Os levantamentos de frequência desses públicos durante o período de 2003 a 2009


demonstram uma média de 1,2 mil visitantes com deficiências ao ano, destacando que
esses atendimentos são realizados somente para grupos reduzidos, com o máximo de
15 pessoas, com direito de permanecer com a equipe de educadores do programa, de
acordo com o interesse e as necessidades de cada público, durante todo o período da
manhã ou da tarde.

Finalmente, importa também frisar a importância do estabelecimento de parcerias


e apoios com as instituições culturais, a iniciativa privada e o terceiro setor em torno
de projetos comuns, cujo objetivo esteja pautado pela consciência da necessidade
do compromisso com a responsabilidade social em nosso país, parceria essa que pode
assegurar a qualidade e a permanência de programas dirigidos aos públicos, muitas
vezes menos reconhecidos e excluídos em nossa sociedade, bem como contribuindo para
o desenvolvimento e a permanência dessa política cultural inclusiva, fazendo com que
a Pinacoteca do Estado se torne uma referência tanto em suas ações educativas como
também no cenário museológico brasileiro.v
70

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. O P E P E foi i m p l a nt ad o n a g e s t ã o d o dire to r M arce lo M at to s A r aújo, s e n d o
co o rd e n ad o r a d o N ú cle o d e A ç ã o Ed u c at i v a M il a C hi ov at to.
2. Fa z e m p ar te atu alm e nte d a e q u i p e d o P E P E: A m a n d a Fo n s e c a Tojal (co o rd e n ad o r a),
M ar gare te d e O li ve ir a (a s s i s te nte d e co o rd e n a ç ã o), M ar ia C h r i s t i n a Co s t a (e d u c ad o r a),
S a b r i n a R i b e iro (e d u c ad o r a i nté r p re te d e Li b r a s) e N at ali Co u t i n h o d e S o u z a
(e s t a g iár ia).
3. Proje to e reali z a ç ã o d e A lfo n s o B alle s te ro, co m a s s i s tê n c ia d e J o ã o B at i s t a d e
O li ve ir a.
4. I d e m.
5. Proje to e reali z a ç ã o d e D ay s e d e A n d r ad e Tar r i co n e, co m a s s i s tê n c ia d e M a g d a
P ia n o w s k i.
6. Si n e s te s ia: co m bi n a ç ã o d e d u a s o u m ai s s e n s a çõ e s p ro ce d e nte s d e dife re nte s
d o mí ni o s s e n s o r iai s co m o, p o r exe m p lo, m ú s i c a s, aro m a s o u p al ad are s q u e p rovo q u e m
a a s s o c ia ç ã o co m i m a g e n s, fo r m a s o u s e n s a çõ e s re l a c i o n ad a s co m o s s e nt i d o s d a v i s ã o,
t ato, g o s to, au di ç ã o e o lfato.
7. Proje to e reali z a ç ã o d e I z a b e l B e r te ve lli.
8. Proje to e reali z a ç ã o d e D ay s e d e A n d r ad e Tar r i co n e e R e g i n a M ar t i n e lli.
9. Pro d u ç ã o e n ar r a ç ã o d o au di o g u ia: H é li o Zi s k i n d co m a p oi o d a e q u i p e d o P E P E.

# C H I OVAT T O, M il a M ile n e e A I DA R , G a b r i e l a. P in a coteca e Ed u ca çã o: u m a re l a ç ã o


fe c u n d a. I n: P i n a cote c a d o E s t ad o: a hi s tó r ia d o m u s e u. S ã o P au lo: Ed. A r te m e i o, 20 0 7.
#M u s e u s e A ce s s ibilid a d e. Li s b o a: I n s t itu to P o r tu g u ê s d e M u s e u s (I PM), 20 0 4. Co le ç ã o
Te m a s d e M u s e o lo g ia. D i s p o ní ve l e m: ht t p://w w w.i p m u s e u s.pt/
# T O JA L, A m a n d a P i nto d a Fo n s e c a. P o lítica s p ú blica s cultu ra is d e in clu s ã o d e p ú blico s
e s p ecia is e m m u s e u s. Te s e (D o u to r ad o e m Ci ê n c ia s d a I nfo r m a ç ã o) – E s co l a d e
Co m u ni c a çõ e s e A r te s, U ni ve r s i d ad e d e S ã o P au lo, S ã o P au lo, 20 0 7.
C A M I N H O S PA R A EDUCAÇÃO 71
PROFISSIONAL DE
I N CLUS ÃO
SÍNDROME DE DOWN NO
INSTITUTO INHOTIM:
FUNDAMENTOS PARA
MEDIAÇÃO INCLUSIVA EM
ARTE CONTEMPORÂNEA

Lara Ceres de Carvalho Lopes 13


consciência da possibilidade de benefícios mútuos foi o principal gatilho para a
ação de inclusão no Inhotim, um espaço museológico constituído por uma sequência
de galerias em meio a um parque botânico-ambiental. Consideramos esse trabalho de
inclusão social, por meio da profissionalização, para além da lei de cotas. Pensamos nele
principalmente como uma contribuição para a inclusão social. No artigo Inclusão social
da pessoa com síndrome de down: uma questão de profissionalização, Ana B. M. Pires,
Daiana Bonfim e Lana C. A. P. Bianchi, afirmam que investir em ações sociais

amplia em 74% suas relações com a comunidade; a motivação e a produtividade


dos funcionários crescem em 34%, melhora o envolvimento do funcionário com a
empresa em 40%, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento de
conhecimento, técnicas e habilidades dos funcionários em 52%. (PIRES, BONFIM e
BIANCHI, 2007)

Rosemary tem 24 anos de idade, completou a quarta série na APAE1 de Brumadinho,


é SD2 e foi contratada para compor a monitoria de área. Essa equipe é responsável por
zelar pelo patrimônio artístico-ambiental de Inhotim. O monitor de área tem como
atribuição monitorar a área que lhe foi atribuída, zelando pelo espaço e tudo que
houver nele. O monitor de área recebe o visitante, informando-o, tirando suas dúvidas,
indicando locais, etc. Assim como a equipe de monitoria de área, a equipe de Arte e
Educação também trabalha diretamente com o público. No entanto, a Arte e Educação
tem como objetivo principal o trabalho de mediação em arte, seja com o público, seja
com a própria equipe. Ao contratarmos a Rosemary, iniciamos um trabalho cuidadoso de
formação com a mesma. Esse trabalho é desenvolvido pelas duas equipes acima citadas.

SOMOS SUJEITOS AUTORES

Para o desenvolvimento deste trabalho buscamos Alícia Fernandez. Em seu livro Os


idiomas dos aprendentes, Fernandez apresenta o conceito de sujeito autor, que, segundo
ela, é aquele que constrói o seu conhecimento a partir de sua relação com o mundo.
Para ela, ser autor é possuir autoria, é construir o seu conhecimento e a si próprio a
partir de suas experiências em relação ao mundo, em relação ao outro, em relação à
natureza, enfim, em relação aos fenômenos que a realidade apresenta.

Entendemos, portanto, a Rosemary e todos os atores envolvidos na profissionalização


dela como sujeitos autores. Como sujeitos autores, somos ativos, construímos nosso
conhecimento e proporcionamos ao outro a transformação do próprio conhecimento.
Essa transformação vai acontecendo por meio da possibilidade que o sujeito tem de
mostrar o que sabe e de articular esse conhecimento com o novo, transformando a
72 si, a quem ensina e ao próprio objeto do conhecimento. Para Fernandez, esse sujeito
se posiciona simultaneamente como ensinante e aprendente, portanto “só quem se
posiciona como ensinante poderá aprender e quem se posiciona como aprendente
poderá ensinar” (FERNANDEZ, 2001:54).

PROPOSTA DE SENSIBILIZAÇÃO

Durante a formação profissional acontecem encontros entre os educadores


e a Rosemary, no intuito de sensibilizá-la quanto às questões relativas à arte
contemporânea. É o que chamamos de treinamento sensitivo. Segundo Theresinha
Guimarães Miranda,

a qualificação profissional vai além das habilidades manuais. (...) Não basta
mais que o trabalhador ‘saiba fazer’ é preciso também ‘conhecer’ e acima de
tudo ‘saber aprender’. (...) As habilidades são atributos relacionados não apenas
ao ‘saber fazer’, mas ao saber agir. (...) Implicam, pois, dimensões variadas:
cognitivas, motoras e atitudinais. (MIRANDA, 2008)

Esses encontros, para mediação em arte, acontecem quinzenalmente e neles são


desenvolvidas atividades de experimentação com a Rosemary dentro das galerias. As
atividades são planejadas, aplicadas, registradas e avaliadas. Esse treinamento tem
como objetivo propiciar a conversa, a experimentação e a interação da funcionária com
a arte e com as pessoas. Além disso, as atividades pretendem aguçar a sensibilidade da
Rosemary, estimulando a consciência dela como sujeito, propiciando o entendimento de
seu lugar de fala e promovendo a autonomia da funcionária dentro da instituição.

Para a elaboração das atividades, os educadores lançam mão de conceitos que


gravitam dentro do campo lexical da palavra ‘intuição’. As propostas são feitas dentro de
uma metodologia que conta sempre com a própria mediação, com as obras e com o uso
do espaço de galerias. Além disso, objetos, mapas, palavras e outra referências como
músicas, movimentos artísticos, fotografias, etc., são apresentados a Rosemary.

O ACERVO DE ARTE COMO POTÊNCIA PARA EXPERIÊNCIA

Ao usarmos o acervo do museu e todo o espaço de Inhotim para mediação em arte


com a Rosemary, retomamos algumas ideias de Merleau-Ponty que fala sobre o sujeito
da fenomenologia. Segundo ele, é na relação que o sujeito estabelece com aquilo que o
cerca que os significados vão sendo elaborados. Assim também ele vai construindo a sua
identidade e a sua história, por meio de suas experiências. O sujeito que se relaciona
com a arte contemporânea aproxima-se do sujeito que a fenomenologia aborda. A
interpretação que o sujeito faz do mundo o torna singular e produtor de significados.
O sujeito ativo atribui significados ao mundo e significa-se nele. Sem esse significado o
aprender torna-se reprodução daquilo que é presenciado por ele e transmitido a ele. Não
há criação.

Seguindo esse pensamento, buscamos John Dewey, no livro El Arte como experiência,
que comenta que “a experiência adequada original não é fácil de alcançar, sua
realização é uma prova de sensibilidade natural e de uma experiência madura por
meio de diversos contatos” (DEWEY, 2008:339, tradução minha). São esses contatos
que buscamos proporcionar nas atividades, por meio da interação entre os mais
distintos elementos de Inhotim como obras, pessoas, idéias, etc. Cada nova experiência
transforma a posição do sujeito em relação ao mundo e às pessoas. Ele é capaz de
desenvolver o senso crítico e de ter um olhar transformador.
PARA ALÉM DA MUDANÇA DO OLHAR 73

As proposições de atividade e mediação em arte são elementos potenciais para


formação profissional e pessoal da Rosemary. Marina Almeida deixa claro, em seu
artigo Empregabilidade da pessoa com Síndrome de Down, que “no caso da pessoa com
Síndrome de Down, o trabalho amplia seu campo de autonomia pessoal, (...) bem como
sua identidade enquanto pessoa”. Ainda segundo a autora, “trabalhar não é um fim em
si mesmo, mas um meio vital de cumprir sua função social a que pertence” (ALMEIDA,
2007).

A profissionalização da Rosemary foi iniciada, mas não será completamente


encerrada. Para Pires, Bonfim e Bianchi “o progresso depende de um processo contínuo.
A estagnação faz perder todos os avanços já conquistados e inviabiliza conquistas
futuras. A ausência de estímulos na SD significa regressão” (PIRES, BONFIM e BIANCHI,
2007). Dessa forma, os resultados foram parcialmente obtidos por meio de registros
como relatórios mensais e depoimentos colhidos até então.

Com a mediação inclusiva, Rosemary desenvolveu um melhor entendimento do


espaço em que ela está inserida. Atualmente detém amplo conhecimento sobre o
acervo. Seu olhar quanto à arte contemporânea está mais interpretativo, possibilitando
a criação de conceitos próprios. Dialoga com mais propriedade sobre as obras, além de
demonstrar maior interesse por elas. Hoje ela raciocina em cima do conteúdo absorvido,
faz questionamentos e consegue criar seu próprio discurso. Toda essa melhora tem
contribuído para uma boa compreensão sobre o que é educação patrimonial. Seu zelo
quanto ao acervo é mais consciente.

Sobre os progressos da Rosemary retornamos ao artigo da Almeida. Segundo a


mesma, o SD ganha no que se refere à independência e ao autoconhecimento, pois
desenvolve a consciência de sua própria existência. Além disso, ganha autoconfiança,
pois passa a acreditar na capacidade de aprender, de produzir e de compartilhar.
Quanto aos ganhos do empregador, ela lembra que é possível agregar valores à empresa,
ganhando em humanização e em enriquecimento das relações interpessoais. Ou seja, a
empresa caminha para o melhor atendimento da diversidade humana.

Em nosso caso, além dos resultados apresentados pela própria Rosemary, obtivemos
também resultados na equipe de monitoria, que experimentou a convivência diária
com uma SD. As melhoras são vivíveis no que se refere à parceria no trabalho. A equipe
de arte-educação aprendeu a aprender através da experimentação e observação. Com
essa ação, Inhotim, enquanto instituição que promove cultura e defende princípios de
acessibilidade, avança para o aperfeiçoamento de suas práticas nesse campo, tentando
aplicar conceitos que permeiam as instituições culturais de todo Brasil.v
74

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. A PA E – A A s s o c ia ç ã o d e P ai s e A mi g o s d o s E xce p c i o n ai s é u m a s o c i e d ad e c i v il,
b e n e fi ce nte d e a s s i s tê n c ia s o c ial, d e c ar áte r c u ltu r al e e d u c a c i o n al vo lt ad a a o
ate n di m e nto d o s p o r t ad o re s d e n e ce s s i d ad e s e s p e c iai s.
2. S D - Sí n d ro m e d e D o w n

#A L M EI DA , M ar i n a d a Silve ir a R o d r i g u e s. Em p re g a bilid a d e d a p e s s o a co m s ín d ro m e
d e d o w n. 20 0 7. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.p s i co lo g ia.co m.pt/ar t i g o s/i m p r i mir_ o.
p h p?co di g o =AO P 0116 >. A ce s s o e m: 2 5 s e t 20 0 8.
# D E W E Y, J o h n. El a rt co m o ex p er ien cia. B arce lo n a: P ai d ó s, 20 0 8.
# F E R N Á N D E Z, A li c ia. O s id io m a s d o a p ren d ente: a n á lis e s d a s m o d a lid a d e s en s in a nte s
co m fa mília s, e s co la s e m eio s d e co m u n ica çã o. P o r to A le gre: A r t m e d, 20 01.
# M E R L E AU - P O N T Y, M au r i ce. A fen o m en o lo g ia d a p erce p çã o. S ã o P au lo: M ar t i n s Fo nte s,
20 0 6.
# M I R A N DA , T h e re s i n h a G u i m ar ã e s. O p la n o n a cio n a l d e q u a lifica çã o d o tra b a lh o: u m a
ex p e r i ê n c ia co m p e s s o a s p o r t ad o r a s d e d e fi c i ê n c ia. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.
a n p e d.o r g.b r/re u ni o e s/2 3/tex to s/1516t.P D F> A ce s s o e m: 0 9 s e t 20 0 8.
# PI R E S, A n a B. M .; B O N F I M , D aia n a; B I A N C H I, L a n a C. P. In clu s ã o s o cia l d a p e s s o a co m
s ín d ro m e d e d o w n: u m a q u e s t ã o d e p rofi s s i o n ali z a ç ã o. 20 0 7. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://
w w w.c i e n c ia s d a s au d e.fa m e r p.b r/r a c s _ o l/vo l-14 - 4/I D2 37.p d f>. A ce s s o e m: 13 s e t 20 0 8.
PROJETO 75

FOTOLIBRAS

14

FotoLibras é um projeto que tem como objetivo


aumentar a criatividade, autoestima e visibilidade de
jovens surdos, explorando a fotografia como linguagem.
Foi idealizado em 2006 e de lá para cá já promoveu cursos,
oficinas, participou de palestras, mostras e exposições.
Atualmente desenvolve atividades de fortalecimento dos
multiplicadores, jovens que já foram alunos do projeto e
hoje coordenam e participam de diversas ações, levando
a metodologia e os impactos do projeto para outros
jovens surdos. Isso é possível com o patrocínio do Banco
Votorantim e do Instituto Votorantim, através da Lei
Rouanet.

As ações da fase atual incluem oficinas internas de


aperfeiçoamento em práticas fotográficas, elaboração de
projetos, aprendizado de dinâmicas e acompanhamento
fotográfico. Cerca de 20 jovens multiplicadores participam
dessas atividades como forma de ampliarem seus
conhecimentos e também sua segurança para aplicação
em cursos e oficinas voltados para o público externo.
Já fizemos diversas oficinas em Recife, no interior
e em outros estados. Em Catende, por exemplo, os
multiplicadores elaboraram uma oficina de 5 dias voltada
para alunos surdos daquela cidade e de outras da região. A cidade ainda não está preparada
Durante esse tempo, empregaram diversas dinâmicas e para as pessoas com deficiência.
exercícios envolvendo fotografia, fizeram saídas práticas e Apesar de algumas tentativas por
terminaram com a exposição de um grande varal com as parte dos órgãos públicos, é necessário
planejar melhor a infraestrutura dos
fotos dos alunos.
equipamentos, ruas e calçadas.
A motivação inicial do projeto é criar oportunidades de 1- As rampas de acesso ainda são
participação da comunidade surda na produção e fruição da muito mal-planejadas: altas, estreitas
cultura, sempre tendo a fotografia como elo transformador. e com desnível entre a calçada e o
Identificamos que a imagem, como um meio de expressão e asfalto. (Foto Aymme Lucy)
2- O direito de ir e vir de pessoas
comunicação, tem uma relevância especial para os surdos,
com deficiência não é assegurado.
pois o ato de fotografar e de realizar a leitura da imagem No acesso ao metrô, por exemplo, é
não dependem de conhecimento de nenhuma língua falada necessário a ajuda de alguém para
ou escrita. guiá-los. (Foto Geovana Alzira)
78 A comunidade surda tem uma cultura diferenciada e
sua forma de se comunicar, de ver o mundo e de realizar
manifestações culturais é, muitas vezes, distinta da
realidade dos ouvintes. A cultura surda é sistematicamente
escondida quando, na verdade, deveria ser valorizada como
parte integrante da cultura brasileira.

Ao longo desses anos, podemos contabilizar vários


resultados positivos do Projeto FotoLibras. Fortalecimento
da comunicação entre jovens surdos e seus familiares
e crescimento na capacidade de expressão, além da
visibilidade e autoestima dos participantes, são alguns
exemplos. v

Mais informações:
www.fotolibras.org
comunicação@fotolibras.org

3 - Os usuários de cadeira de rodas


enfrentam riscos para se locomoverem
na cidade. (Foto João Hélder)
4 - O tempo que um usuário de
cadeira de rodas leva para subir
nos ônibus com porta de acesso
causa irritação nos passageiros.
(Foto Karoline Anne)
5 - Foto Tatiana Martins
M ED I AÇ ÃO CU LT U R A L ARTE-EDUCAÇÃO 77
E AS ROSAS:
PRO M OV E QU E T I P O D E DIALOGANDO
ACE SSI B I LI DA D E ? COM AS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS E A
FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES

Amélia Garcia 15
prendemos sempre. Aprendemos até mesmo quando não nos damos conta disso.
Tenho aprendido muito com a professora Luiza Christov, do Instituto de Artes da
UNESP. Num desses dias, diante de alguns formadores de professores, em um curso de
aprofundamento de estudos, lá estava ela trazendo a possibilidade da experiência de
transformar cinzas em rosas.

Muito além dos conteúdos conceituais, Luiza nos ensinou a “provisoriedade”. Isso
quer dizer que, hoje, provisoriamente, teremos a história que se apresenta e sempre
podemos substituí-la, em outras ocasiões, por outras histórias, também provisórias.
Igualmente são as inúmeras informações que recebemos em nosso dia a dia, advindas de
diversos meios e formas: informações provisórias.

No campo da educação, se as informações são provisórias, o conhecimento pode


se tornar substituível por simples informações se os educadores não desenvolverem os
passos necessários para a transformação dessas informações em conhecimento. Sendo
assim, a nossa postura, enquanto educadores, tem muito o que mudar para acompanhar
e auxiliar no desenvolvimento de habilidades e competências capazes de proporcionar
ao aluno a aquisição da autonomia sobre seu próprio conhecimento – “aprender a
aprender”.

Dificilmente gostamos de sair da zona de conforto. A ideia de pronto e acabado é


constantemente negada diante das necessidades do mundo contemporâneo, pois esse
exige pesquisa, comprometimento e nos propõe que estejamos conectados o tempo todo
com o que acontece ao nosso redor.

Nesse novo cenário, não há lugar para imediatismo, ou seja, buscar resultados sem
reflexão e sem a problematização necessária que os conceitos pré-estabelecidos nos
oferecem. Estamos preparando nossas crianças para serem adultos capazes de interagir
em situações repletas de diversidade e de transformações constantes? Permitimos e
mediamos acessibilidade cultural aos nossos alunos? Possibilitamos ações que permitam
que a acessibilidade e a inserção no universo cultural aconteça? O que hoje é acessível?
Quem são as pessoas que têm acessibilidade aos espaços culturais?

São questões que demandam urgência por ser a cultura uma das portas de entrada
para inserção social. Os currículos escolares, hoje, não permitem que essa acessibilidade
aconteça aos educandos quando não proporcionam ações que possibilitem o contato com
os bens culturais existentes em nosso país, tais como museus, cinemas, galerias, núcleos
históricos, bibliotecas, sítios arqueológicos, entre outros.
78 As políticas públicas pensadas para a sociedade em geral pretendem eliminar as
barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços, garantidos na Constituição
Federal. Para a cultura, a Constituição afirma no Art. 215: “O Estado garantirá a todos
o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional1 (...)”.
A Escola proporciona esses direitos? A área do conhecimento de Arte atua de forma
a garantir que os educandos tenham acesso a visitações, a exposições, a museus, a
espaços e espetáculos, teatros, shows, entre outros?

O texto de Jorge Luis Borges2 “A Rosa de Paracelso”, pode nos oferecer inúmeras
possibilidades de reflexões a partir de um olhar mais cuidadoso em relação à educação
e à cultura, um olhar que nos instigue a pensar e a criar estratégias para vencermos
o desafio de mudar nossa postura diante do inevitável mundo que se anuncia: o do
conhecimento.

O conto traz a noite em que o personagem Paracelso recebe a visita de um


desconhecido que se oferece para ser seu discípulo. O jovem, que conhecia a fama de
Paracelso como mestre, estava interessado na prova e sua capacidade em fazer milagres.
Por isso, propôs então testemunhar o ressurgimento de uma rosa a partir de cinzas.
Porém, enquanto Paracelso procurava conhecimento, assim que percebeu que o aprendiz
buscava somente o reconhecimento imediato do seu dom, despediu-se e dispensou o
rapaz da casa. E foi só quando o desconhecido virou as costas que o mestre transformou
em rosa as cinzas. Paracelso nos ensina que o processo educativo deve ser conduzido
pelo ensino e aprendizagem e que, antes de sabermos como fazer o milagre, devemos
saber o porquê das transformações, levando em conta as experiências ao longo do
processo, conforme fez Paracelso.

Mas, em que a analogia Arte-educação, a Cultura e a Rosa de Paracelso pode nos


ajudar, enquanto educadores, a entender melhor as nossas práticas pedagógicas na sala
de aula e por que não dizer nossa “alquimia”? Tenho me questionado se nossa postura
diante das práticas pedagógicas em sala de aula, enquanto educadores, é de “discípulo”
ou de “mestre”.

Se de “discípulo”, valorizamos somente os conceitos, nos furtando das aprendizagens


pela experiência, as quais o “mestre” acredita construtora de aprendizagens
significativas? Se de “mestre”, como dialogamos com as experiências estéticas dos
alunos? Como proporcionamos que eles se relacionem com suas próprias “alquimias”?

Estamos nós educadores proporcionando acessibilidade cultural e criando


situações reais de inclusão cultural e aprendizagens, onde os alunos possam construir
conhecimentos pautados na percepção, na fruição e na resolução de problemas? Estamos
desenvolvendo assim suas habilidades e competências para a construção autônoma dos
saberes?

Ampliando ainda mais essa reflexão, busquemos em Jorge Larrosa, a aprendizagem


pela experiência:

De uma experiência em que alguém, a principio, era de uma maneira, ou não era
nada, pura indeterminação, e, ao final, converteu-se em outra coisa. Trata-se de
uma relação interior com a matéria de estudo, de uma experiência com a matéria
de estudo, na qual o aprender forma ou transforma o sujeito. Na formação
humanística, como na experiência estética, a relação com a matéria de estudo
é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si mesmo, alguém é levado
para si mesmo. (...) Porque se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto,
79
aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o
silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à
sua própria forma” (LARROSA, 2004:52).

Essa forma que Larrosa nos aponta de conhecer algo com o organismo todo é uma das
formas de vivenciar uma experiência estética, que pode acontecer de um momento para
o outro ou durante nossa trajetória de vida e formação.

No texto de Borges (2000), podemos entender no diálogo do mestre com o discípulo,


o quanto o produto final e o resultado imediato são valorizados pelo discípulo em
detrimento do processo de vivenciar a experiência como sujeito “ex-posto”, como um
espaço que tem lugar os acontecimentos3. Em outras palavras, o quanto a “receita
pronta” é valorizada em prejuízo da vivência da experiência.

A oportunidade de acessibilidade cultural fica comprometida na medida em que


fecha as portas para o que é significativo e abre as portas aos “clichês”, ao que é senso
comum e modismo, as consequências desse fato são o não acesso à experiência estética,
à cultura e a possibilidade de se formar e se transformar e, assim, se tornar autônomo
de sua própria aprendizagem.

Se entendermos discípulo como sendo os professores-alunos dos cursos pós-graduação


e ou formação continuada, e mestre como os professores-formadores, poderemos
questionar melhor o que – ou como – acontece a prática pedagógica na sala de aula.

As práticas dos professores-formadores exploram a cultura e provocam experiências


se utilizando do fruir/sentir, do contextualizar/refletir e do fazer/produzir de forma que
nossos professores-alunos experimentem com o corpo, com a cognição e com a alma os
objetos de estudo?

Existem em cada um de nós, códigos próprios, capazes, pelos conhecimentos


e processos de vida e formação, de propiciar atos criadores, trazidos do que nos é
mostrado e dito na experiência de significar. No conto de Borges o discípulo duvida
do mestre. Ele clama pelo conhecimento pronto e acabado. A escolha do mestre não
atendeu às expectativas do discípulo, sua escolha não foi por uma prática pedagógica
transmissiva, copiada, treinada, reproduzida, imediatista e somente de resultados, ou
seja, de produtos. A postura do mestre foi a de proporcionar experiências capazes de
desenvolver as potencialidades e ampliar os saberes do discípulo-aluno, mesmo que
os pedidos de resultados pelo discípulo-aluno fossem implorativos e provocativos de
descrença.

Assim, num conto breve, Borges (2000) traz o que o século XXI aponta e formula
em termos de conhecimento, a oportunidade de dizer de outro modo essa nossa
herança: copiar, reproduzir, transmitir. Os professores-alunos sabem as teorias, possuem
as informações (acesso a internet, cursos, livros), mas precisam se apropriar dos
conhecimentos didático-metodológicos capazes de gerar saberes de como transformar as
informações em conhecimentos para construir situações de aprendizagens.

Apesar de sermos pessoas inteiras, providas de corpo, mente e espírito, a escola


admite e valoriza o discurso da razão, para não ter nenhuma zona de escuridão,
adestrando, controlando, direcionando a opinião conceitual e racional, reforçando
assim todo processo tecnicista. Dessa forma, o lugar de direito, que deveria propor
experiências estéticas e acessibilidade à cultura, valoriza somente a racionalidade
enquanto conhecimento, privilegiando ações e disciplinas em detrimento de outras.
80 Está posta a dificuldade do processo educacional: a dialética do conhecer versus
acreditar. No processo do conhecer existe a entrega, ficamos dialeticamente na busca de
sentidos. É preciso mais do que observar técnicas, como o discípulo de Paracelso queria;
é preciso questionar.

Faz-se urgente uma reformulação cuidadosa no ensino superior de formação


inicial. É preciso um cuidado especial no desenvolvimento e no aprendizado dos que
são responsáveis pelo ensino na formação de educadores, pois as questões didático-
metodológicas devem ser tratadas como tais e para que isso ocorra é necessário
construir meios que possibilitem os professores formarem-se para além da formação
inicial, ou seja, formação em curso, para que didaticamente e metodologicamente
ele consiga encontrar caminhos e estratégias que o possibilite um pensar para fazer
diferente.

O professor-formador deve ser um fabulador – o que favorece a produção de sentidos.


Borges nos oferece uma oportunidade de dar sentidos. Onde a confiança e o mistério
da experiência de cada um faça sentido. Hoje, estamos contando a nossa história
assim. Que fabuladores somos nós e que fabuladores estamos provocando ser nossos
professores?

Escolhemos criar estratégias para que cada aluno encontre o melhor de si e, assim,
possam crer, ter fé e superar-se o tempo todo, fazendo a diferença onde atuarem?
Ou escolhemos transmitir os conceitos culturalmente produzidos pela humanidade,
reproduzindo velozmente cópias e mais cópias de homens não reflexivos, o que na
analogia do conto de Borges (2000) seria fazermos ressurgir a rosa?v

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. Co n s t itu i ç ã o d a R e p ú b li c a Fe d e r at i v a d o B r a s il. T ítu lo V II- D a O rd e m S o c ial. C a pítu lo
III- D a Ed u c a ç ã o, d a Cu ltu r a e d o D e s p o r to. S e ç ã o II- D a Cu ltu r a. A r t i g o 215.
2. B O R G E S, J o r g e L u i s. A ro s a d e P a ra cel s o. I n: O b r a s co m p le t a s. Ed. G lo b o: 20 0 0
3. L A R R O S A , J o r g e. Lin g u a g e m e ed u ca çã o d e p o is d e B a b el. t r ad u z i d o p o r Cy nt hia
Far i n a. B e lo H o r i z o nte: A u tê nt i c a, 20 0 4. p. 161.
M ED I AÇ ÃO CU LT U R A L ARTE, COTIDIANO E 81
CULTURA VISUAL:
PRO M OV E QU E T I P O D E PERSPECTIVAS DE
ACE SSI B I LI DA D E ? UMA ARTE/EDUCAÇÃO
DIALÓGICA

Fernanda Mélo
M aria Juliana Sá 16
arte contemporânea tem oferecido possibilidades para aproximar espectador
e Arte, pois, ao levantar indagações acerca de elementos do cotidiano, a postura
contemplativa do público em relação à Arte pode ser substituída por um caráter
questionador, permitindo uma interlocução mais próxima da realidade e favorecendo a
acessibilidade. Contudo, é fundamental refletir sobre o real sentido da acessibilidade nas
instituições.

A respeito desse fato, lançamos as seguintes reflexões: será que o desejo de


ampliação do acesso está ligado ao aspecto quantitativo do público, tão necessário para
a subsistência das instituições culturais? Ou se encontra na maneira como a Arte pode
provocar a fruição estética e o pensamento reflexivo?

David Thistlewood, pesquisador em arte/educação, acredita que os museus de Arte


estão preocupados com sua popularidade, assim eles investem mais no ato de produção e
menos no conteúdo. Ou seja, existe uma preocupação maior com o aspecto quantitativo
em detrimento da responsabilidade com a formação do olhar crítico do espectador.

Essa responsabilidade, atribuída geralmente ao setor educativo, infelizmente ocupa


o último espaço na escala de prioridades na maioria das instituições brasileiras. Porém,
compreender a relação arte x público é pensar, inevitavelmente, sobre a função e a
responsabilidade educativa dos museus e instituições.

Nessa perspectiva, a função educacional está presente em todas as ações, desde a


linguagem visual da exposição e dos textos curatoriais, até as atividades e estratégias de
mediação.

A educação em museus não se restringe a um departamento que lide com


crianças, escolas, comunidade, cursos para adultos (...) A curadoria e o design
das exposições são educação também. A maneira de expor, de pendurar as obras,
está diretamente ligada a conceitos de como se aprende arte que dominam uma
sociedade. (BARBOSA, 2008:106)

Todavia, além das conexões institucionais necessárias para se estabelecer um


processo de ensino-aprendizagem completo, torna-se fundamental a construção de ações
que promovam o acesso levando em consideração as diferentes formas de percepção,
sejam elas físicas, sensoriais ou intelectuais, na qual a vivência e a cultura visual do
indivíduo é prioridade.

Para Michael Parsons, professor de Arte/Educação da Universidade de Ohio –


EUA, a cultura visual contemporânea tem sofrido mudanças significativas, a ponto
82 de tornar-se difícil a distinção entre aspectos da cultura visual, tais como a arte
institucional, a arte popular e elementos midiáticos. O que se percebe é que, apesar de
historicamente o ensino de arte ter baseado-se nos valores da elite cultural, a discussão
das representações na arte/educação contemporânea tem se destacado na busca do
desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam a pluralidade através da cultura
visual.

Essa característica tem sido promovida pela diversidade de suportes utilizados


pelos artistas, como o corpo e as mídias digitais, além dos diferentes discursos que a
arte assume, especialmente os sociopolíticos. Assim, a questão incorpora certo tom de
reconstrução social, permitindo ao público desenvolver uma reflexão crítica em relação
aos sistemas sociais e políticos representados esteticamente na contemporaneidade.

Esse tipo de experiência de conexão, a fim de estimular a leitura artística reflexiva,


foi experienciada na primeira exposição do projeto Política da Arte, sob curadoria de
Moacir dos Anjos, na Fundaj. Esteve em exposição o coletivo dinamarquês SUPERFLEX1,
com a exibição dos vídeos: Burning Car2 (Carro em Chamas3, de 2008), com 11 minutos
de duração e Flooded McDonald’s4 (McDonald’s inundada3, de 2009), com 20 minutos.

O projeto, que se fundamenta na capacidade que a arte tem de gerar reflexão e


potencializar a criticidade, criou para essa exposição um espaço onde o espectador teve
acesso a materiais como livros, catálogos de arte e a um grande mural com fotos do
processo de produção da obra, reportagens e informações referentes ao tema. Ao longo
da exposição, nesse mesmo espaço, aconteceram mesas-redondas entre profissionais de
diversas áreas, visando fomentar a discussão sobre Arte e Política.

Durante as exibições do vídeo Burning Car (2008), foi comum o tema ser tachado
por alguns visitantes como banal. Contudo, ter ao alcance informações sobre protestos
e outras situações envolvendo o símbolo do carro queimado, dava às pessoas a
possibilidade de enxergar uma realidade mais próxima e assumir uma posição crítica em
relação à obra. A partir da junção entre a arte institucionalizada, elementos midiáticos e
o repertório visual individual, foi possível ampliar os elementos reflexivos, superando as
colocações que refletiam apenas um juízo de gosto.

No Flooded McDonald’s (2009) a abordagem se deu da mesma maneira, ficando uma


maior expectativa de nossa parte pelo fato de a globalização ser um tema explorado
diariamente na mídia e, além disso, a McDonald’s, temática dessa vez do coletivo, ter
sido reproduzida em tamanho real para ser inundada.

Nesse sentido, a mediação educativa também pôde acontecer de forma mais


consistente, pois tais elementos serviram como subsídios para o diálogo com os
estudantes que recebemos durante o período de exposição dos dois vídeos. Através
de reportagens e outras informações presentes no mural, a discussão que os artistas
apresentavam na obra e as realidades cotidianas dos alunos foram aproximadas, partindo
da cultura visual para desenvolver a mediação.

Assim, em 18 de dezembro de 2009, recebemos para mediação uma turma do


Ensino Médio, na faixa etária dos 16 anos, da Escola Estadual Aníbal Cardoso, situada no
município de Ipojuca-PE. A mediação aconteceu no período de exibição do vídeo Flooded
McDonald’s (2009) e um fator inesperado foi fundamental para corroborar a necessidade
de aproximação entre a arte institucionalizada e elementos cotidianos: dos dez alunos
presentes, apenas um havia frequentado a lanchonete. Desse modo, precisávamos
levantar questionamentos que não se fundamentassem nas referências de ter estado 83

naquele lugar, mas em outras reflexões que poderiam ser suscitadas a partir do tema.

Com isso, levantamos temáticas como o lixo, a globalização e o espaço da mídia


na construção do gosto do indivíduo e, nesse contexto, a presença do mural foi muito
importante, pois as conexões estabelecidas puderam ser sedimentadas, favorecendo a
reflexão crítica. Nesse sentido, pudemos desenvolver uma mediação mais consistente,
buscando nas referências dos alunos, a relação a ser estabelecida com a obra.
Conseguimos, assim, perceber o quanto isso é essencial para se construir uma mediação
que de fato estabeleça um diálogo, devendo a equipe estar atenta para as diversas
possibilidades e realidades que cercam a nós e aos nossos possíveis públicos.

A experiência de mediação no projeto Política da Arte, assim como outras


experiências educativas, tem colocado em pauta a importância do repertório imagético
para construção das diferentes possibilidades de leitura de uma obra de Arte. Essa
relação está presente nos elementos midiáticos, na estética artística consagrada, no
repertório visual individual e, sobretudo, na imaginação.

Pensar uma relação entre público e obra onde os múltiplos aspectos da cultura visual
estejam presentes é uma tarefa difícil. Diante do repertório amplo de elementos visuais
que cada indivíduo possui, torna-se quase impossível pensar estratégias educativas que
consigam abranger os aspectos pertencentes à bagagem visual de todos os sujeitos.

Na mediação da exposição do grupo dinamarquês SUPERFLEX, a equipe educativa


procurou estabelecer uma relação entre os elementos imagéticos disponíveis e a
herança visual de cada um, que, associados à maneira como a curadoria organizou o
espaço, potencializou a discussão. Com isso, percebemos a importância de promover a
acessibilidade à Arte de maneira híbrida e inclusiva diante de aspectos físicos, sensoriais
ou intelectuais, possibilitando uma aproximação e fruição estética que está intimamente
ligada à cultura visual.

Tivemos como prova dessa aproximação, um e-mail que a professora Sandra Buarque
da Escola Aníbal Cardoso nos enviou, contando como a experiência de mediação
vivenciada na exposição havia sido significativa. A professora lembrou que durante o
trajeto da escola para a Fundaj, no dia da mediação, os alunos haviam passado pelo
lixão do município de Ipojuca – PE, colocando esse fato como um aliado importante
para a leitura que o grupo fez do vídeo. Ressaltando inclusive que “A correlação entre a
imagem do lixão e o vídeo (...), será alvo de estudo neste próximo ano”.

Nessa perspectiva, ficou evidente que se as estratégias de mediação educativa não


levarem em consideração as interfaces da cultura visual, de maneira a adequar-se aos
diferentes tipos de público, podem enfatizar indivíduos que reflitam a cultura ocidental
dominante diante do seu repertório. Dessa forma, estereótipos advindos de formações
culturais diferentes, inclusive não ocidentais, estariam à margem das possíveis conexões
entre arte e público.

Podemos afirmar que as conexões que os estudantes estabeleceram entre Arte e


cotidiano, na mediação da exposição do grupo SUPERFLEX ultrapassaram os limites da
galeria e nos fizeram acreditar que as reflexões iniciadas dentro de espaços expositivos
podem e devem ser infinitas e dialógicas. Finalizamos com a sensação de que essa
experiência não se encerra, assim como seus desdobramentos que dialogam com o
cotidiano, a cultura, a Arte e, sobretudo com a vida.v
84

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. G r u p o di n a m arq u ê s s u r g i d o e m 19 93, o Co le t i vo S u p e r f lex a p re s e nt a o b r a s q u e
q u e s t i o n a m e alfi n e t a m a reali d ad e e co n ô mi c a e p o lít i c a m u n dialm e nte. É co m p o s to
p e lo s ar t i s t a s Bjo r n s tje r n e R e u te r C h r i s t ia n s e n (19 69), Ja ko b Fe n g e r (19 6 8) e R a s m u s
N i e l s e n (19 69). E nt re a s o b r a s d o co le t i vo, d e s t a c a-s e o G u a ra n á P o wer, t r a b alh o q u e
c au s o u p o lê mi c a n o c irc u ito ar t í s t i co a o s e r i m p e di d o d e p ar t i c i p ar d a 27 º Bi e n al d e
S ã o P au lo. M ai s i nfo r m a çõ e s s o b re o gr u p o p o d e m s e r e n co nt r ad a s n o s ite: ht t p://w w w.
s u p e r f lex.d k /, e m i n glê s.
2. B u r n in g Ca r / Ca rro e m Ch a m a s ( 20 0 8, 11mi n) ex i b e u m c ar ro q u e é i n ce n dia n d o até
q u e s o b re a p e n a s fe r ro s re to rc i d o s e c i n z a s.
3. Tr ad u ç ã o u t ili z ad a n a ex p o s i ç ã o d a Fu n d aj.
4. Flo o d ed M cD o n a ld’s / M cD o n a ld’s In u n d a d a ( 20 0 9, 20 mi n) ex i b e u m a ré p li c a d a
l a n c h o n e te M c D o n ald’s s e n d o p ro gre s s i v a m e nte al a gad a p e l a á g u a q u e a i nv ad e n ã o s e
s a b e d e o n d e, a p o nto d e fi c ar tot alm e nte s u b m e r s a. A i m a g e m i ni c ial é d e u m lu gar
q u e foi a b a n d o n ad o à s p re s s a s, re p le to d e ve s t í g i o s d e li xo e co mi d a.

# B A R B O S A , A n a M a e. A im a g e m n o en s in o d e A rte. 6. e d. S ã o P au lo: Pe r s p e c t i v a, 20 0 5.
p. 13 4. Co le ç ã o E s tu d o s.
_ _ _ _ _ _ . D ile m a s d a A r te/Ed u c a ç ã o co m o m e dia ç ã o c u ltu r al e m n a m o ro co m
a s te c n o lo g ia s co nte m p o r â n ea s. I n: B A R B O S A , A n a M a e (O r g.). A rte/Ed u ca çã o
co nte m p o râ n e a : co n s o n â n c ia s I nte r n a c i o n ai s. 2. e d. S ã o P au lo: Co r te z, 20 0 8. p. 9 8 -112.
# D I A S, B e li d s o n. E nt re A r te/Ed u c a ç ã o m u lt i c u ltu r al, c u ltu r a v i s u al e te o r ia q u e e r. I n:
B A R B O S A , A n a M a e (O r g.). A rte/Ed u ca çã o co nte m p o râ n e a : co n s o n â n c ia s I nte r n a c i o n ai s.
2. e d. S ã o P au lo: Co r te z, 20 0 8. p. 27 7-291.
# FA I R C H I L D, M ar g u e r ite; S E V I G N Y, M au r i ce J. A p re n di z ad o v i s u al: u m a a n áli s e s ó c i o -
li n g ü í s t i c a s o b re a cr ít i c a d e ar te n o e n s i n o d e ar t i s t a s. I n: B A R B O S A , A n a M a e (O r g.).
A rte/Ed u ca çã o co nte m p o râ n e a : co n s o n â n c ia s I nte r n a c i o n ai s. 2. e d. S ã o P au lo: Co r te z,
20 0 8. p. 3 8 8 - 4 03.
# H E R N Á N D E Z, Fe r n a n d o. Cultu ra v is u a l, m u d a n ça ed u cativa e p rojeto d e tra b a lh o.
P o r to A le gre: A r te s M é di c a s S u l, 20 0 0.
# M O R R I S, B alle n g e e. Q u e s tõ e s d e di ve r s i d ad e n a Ed u c a ç ã o e Cu ltu r a V i s u al:
co m u ni d ad e, ju s t i ç a s o c ial e p ó s- co lo niali s m o. I n: B A R B O S A , A n a M a e (O r g.). A rte/
Ed u ca çã o co nte m p o râ n e a : co n s o n â n c ia s I nte r n a c i o n ai s. 2. e d. S ã o P au lo: Co r te z, 20 0 8.
p. 26 4 -276.
# T H I S T L E WO O D, D av i d. A rte co nte m p o râ n e a n a ed u ca çã o: co n s t r u ç ã o, d e s co n s t r u ç ã o,
re - co n s t r u ç ã o, rea çõ e s d o s e s tu d a nte s b r a s ile iro s e b r it â ni co s a o co nte m p o r â n e o. I n:
B A R B O S A , A n a M a e (O r g.). A r te/Ed u c a ç ã o co nte m p o r â n ea: co n s o n â n c ia s I nte r n a c i o n ai s.
2. e d. S ã o P au lo: Co r te z, 20 0 8. p. 113-12 5.
M ED I AÇ ÃO CU LT U R A L MECANISMOS DE 85
MEDIAÇÃO DA OBRA DE
PRO M OV E QU E T I P O D E ARTE: POSSIBILITANDO
ACE SSI B I LI DA D E ? EXPERIÊNCIA OU
AMPLIANDO O ACESSO À
INFORMAÇÃO?

Simone Ferreira Luizines 17


os últimos anos, temos vivenciado um aumento da participação da educação no
campo da cultura. Ao mesmo tempo, no circuito contemporâneo de arte o que se vê é
que, cada dia mais, o público busca, desesperadamente, acumular informações – livros,
catálogos folders, etc. – na esperança de captar alguma coisa de uma arte que é cada
vez mais numerosa e disponível, mas que, ao mesmo tempo, nunca esteve tão afastada
de seus leitores.

Diante disso, museus e instituições expositivas, públicas ou privadas, preocupam-se


com que tipo de ação educacional tem-se desenvolvido nesses espaços, e alguns, voltado
a questionar a presença dos educadores – mediador do contato entre o produto artístico
e seu consumidor, o público1 – dentro de seus espaços expositivos, visto que esses
espaços estão, cada vez mais, carregados de outros tipos de mecanismos de mediação,
como o texto crítico, a cenografia, o vídeo, os folders, os catálogos e até os livros.

Mas será que essas informações, trazidas pelos livros especializados, catálogos,
folders, textos curatoriais e até percursos cenográficos, podem sinalizar ao público o
início do caminho em direção à fruição na leitura da obra de arte? Será que, de fato,
diante de todas essas possibilidades de mediação que a contemporaneidade nos oferece,
o educador passa a ser dispensável? Ou será que esses mecanismos apenas nos permitem
acessar as informações antes desconhecidas? E se a presença do educador ainda é
importante, por que é? Para avaliar a acessibilidade proporcionada por esses mecanismos
é preciso refletir um pouco sobre o papel da obra de arte e analisar a intenção desses
elementos que medeiam a relação entre obra e público.

Segundo Larrosa, o papel da obra de arte – mais precisamente de sua leitura – não
é apenas nos trazer novos conhecimentos, mas proporcionar uma relação mais estreita
entre esses conhecimentos e o que somos. Segundo ele,

Consumimos livros e obras de arte, mas sempre como espectadores ou tratando


de conseguir uma satisfação intranscendente e instantânea. (...) Essa seria uma
relação com o conhecimento que não é experiência, posto que não se resolve na
formação ou na trans-formação daquilo que somos. (...) Pensar a leitura como
formação supõe cancelar essa fronteira entre o que sabemos e o que somos.
(2007:132-133)

Mas, o que é experiência? Para o próprio Larrosa (2004:152) “a experiência é o que


nos passa, o que nos acontece ou o que nos toca. Não o que passa ou o que acontece
ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos acontece, ou o que nos toca” e,
segundo Dewey (1974:89), “seu fim é uma consumação e não uma cessação”. Fazer uma
86 experiência é, portanto, permitir uma aproximação daquilo que nos interpela e para isso
é necessário pôr-nos a escuta. É necessário nos dispor a ouvir e a nos expor àquilo que
passa. O sujeito que não se expõe, que não é capaz de se pôr a escuta, cancela qualquer
possibilidade de viver uma experiência, de ser tocado por algo e de ser trans-formado.

Pensando assim, após ler um livro, um catálogo, um folder ou texto de parede –


todos, na maioria das vezes, com papel legitimador e aspecto reprodutor das ideias
curatoriais –, podemos dizer que conhecemos coisas que antes não conhecíamos, ou
até que esses mecanismos nos deram acesso a informações sobre o artista e sobre sua
produção que antes não possuíamos. Mas, o que fazemos com essas informações a partir
de agora?

Para Dewey (1974:102), nossa relação com a obra de arte não pode ser passiva. Ao
acessarmos esses mecanismos mediadores e recebermos as informações oferecidas
por eles, precisamos conseguir desdobrá-las em reflexões e respostas que nos ajudem
a construir um conhecimento e não apenas a acumular informações. Segundo ele,
“receptividade não é passividade. É também um processo que consiste numa série de
atos de respostas que se acumulam, direcionados para a culminância objetiva.”

É o excesso de informação que acumulamos – com o objetivo de formar uma opinião


no menor espaço de tempo possível – que cancela qualquer possibilidade de silêncio e
memória, indispensáveis para que o sujeito se exponha e se possibilite ser atravessado
por algo que se apodere dele, que o transforme e o torne passional.

Assim, nesse espaço possibilitador de experiências que a obra de arte nos oferece,
o educador pode ser o agente que cria situações, que ordena conceitos, que propõe
gestos de interrupção, nesse tempo que nos ocorre, que desestabiliza e convence o
público, acumulador de informações e cheio de opiniões, a se expor para assim ouvir
as interpelações da obra, permitindo-a cumprir seu papel formador e trans-formador. A
partir de então, o acesso às informações sobre a arte, proporcionados pelos textos, livros
e catálogos poderão transformar-se em mecanismos que abrem janelas e que disparam
dispositivos de reflexão, discussão e questionamentos.

Como bem nos conta Dewey,

Todos sabem que ver através de um microscópio ou telescópio requer


aprendizado, assim como ver uma paisagem tal qual um geólogo vê. A idéia de
que a percepção estética é questão de momentos singulares é uma das razões
para o atraso das artes entre nós. (1974:103)

Assim como em qualquer área de conhecimento, a leitura de um objeto dentro do


campo da arte também requer aprendizado prévio.v
87

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. C AU Q U E L I N, 20 0 5. p. 5 0.

# C AU Q U E L I N, A n n e. A rte Co nte m p o râ n e a : u m a i nt ro d u ç ã o. S ã o P au lo: M ar t i n s, 20 0 5. p.


165.
# D E W E Y, J o h n. A ar te co m o ex p e r i ê n c ia. I n: JA M E S, W illia m; D E W E Y, J o h n; V E B L E N,
T h o r s te i n. J a m e s, D ewe y e Ve blen: p r a g m at i s m o, ex p e r i ê n c ia e n atu re z a, a A le m a n h a
I m p e r ial e a R e vo lu ç ã o I n d u s t r ial. S ã o P au lo: A b r il, 1974. p. 4 5 8. Co le ç ã o O s
p e n s ad o re s.
# L A R R O S A , J o r g e. E x p e r i ê n c ia e P ai x ã o. I n: _ _ _ _ _ _ . Lin g u a g e m e Ed u ca çã o d e p o is d e
B a b el. B e lo H o r i z o nte: A u tê nt i c a, 20 0 4.
# V EI G A- N E T O, A lfre d o (e nt re v. e t r ad.). Lite r atu r a, ex p e r i ê n c ia e fo r m a ç ã o:
U m a e nt re v i s t a co m J o r g e L ar ro s a. I n: CO S TA , M ar i s a Vo r r a b e r g (O r g.). Ca min h o s
inve stig ativo s I: n ovo s o lh are s n a p e s q u i s a e m e d u c a ç ã o. 3. e d. R i o d e Ja n e iro:
L a m p ar i n a, 20 0 7.
88 M ED I AÇ ÃO CU LT U R A L CRIANÇA
PEQUENA E
PRO M OV E QU E T I P O D E MUSEU:
ACE SSI B I LI DA D E ? UMA RELAÇÃO
POSSÍVEL
(E DESEJADA)1

M aria Isabel Leite 18


ste artigo vem alimentar o debate que está posto acerca da presença (ou a falta
dela) de crianças pequenas nos espaços culturais, em particular, nos museus. Partindo de
uma concepção de cultura como os modos de ser, agir e pensar de um povo, cujo acesso
irrestrito é direito de todos; uma concepção de museu como lócus de preservação e
divulgação de bens culturais e naturais, e ainda espaço dinâmico de imaginação, prazer,
produção de sentidos e de conhecimentos; e uma concepção de criança como cidadã
de direitos capaz de fazer associações e dar significação àquilo que ouve, vê, sente e
experimenta e, portanto, entendida como produtora e consumidora crítica de cultura, o
artigo traz à tona algumas experiências londrinas e brasileiras e as problematiza. Para
tal, estrutura categorias de análise de acessibilidade que passam, prioritariamente,
pelos modos de exponibilidade e, mais, pelos processos mediáticos.

Não se pode negar que ainda persiste, para muitas pessoas, um imaginário museal
carregado de conceitos e preconceitos obscuros e tortuosos, como aqueles que remetem
museus à imagem de espaço silencioso, bolorento e destinado a poucos. Mas verdade
é que essa ideia vem sendo paulatinamente substituída pela concepção de museu
como instituição viva, acolhedora e aberta aos diferentes públicos. É justamente por
essa pluralidade de sentimentos e experiências vivenciados na relação do público
com os museus que estes estão, dia a dia, sendo mais procurados. Já não é mais justo
afirmarmos genericamente que as pessoas não vão aos museus. Certamente ainda não
vão tanto quanto gostaríamos, mas as políticas culturais, em particular, as museais,
mudaram muito no cenário brasileiro dos anos recentes. Hoje o papel educativo dos
museus volta a ganhar força, mas já com outros contornos e preocupações – entre elas, a
questão da acessibilidade.

Acessibilidade nos processos mediáticos: acolhendo os pequeninos

Assim como na educação formal – escolas e universidades –, também nos espaços


não formais de educação, a questão da inclusão e do respeito à diversidade, se não
assumiram centralidade, estão, ao menos, na pauta das discussões. Se de um lado
as instituições de educação formal se respaldam em leis que asseguram que todos
os cidadãos têm direito a pleno acesso à educação, de outro lado, as instâncias não
formais de educação buscam repensar sua relação com o público mais plural, procurando
estratégias e metodologias próprias que, esquivas às avaliações e nivelações, acabam
propiciando formas outras de produção de conhecimento. Ilustrando o caso do Museu
do Brinquedo – metamuseu do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), Piacentini e Fantin ressaltam que, “[s]endo um espaço não formal de
ensino, o brincar-aprender em museu oferece uma possibilidade educativa potencial,
nutrindo a curiosidade, estimulando motivações e atitudes, convidando à participação e
à socialização de uma infância que teima em permanecer” (2005:67, grifo meu). Assim 89

como esse, outros tantos museus, brasileiros e estrangeiros, vêm buscando redefinir seu
papel educativo, criando uma pedagogia museal – o que nos interessa neste artigo são as
estratégias voltadas, particularmente, aos pequeninos.

Embora reconhecendo todas as diferenças históricas, culturais, econômicas e sociais


que nos separam da Inglaterra, trago para essa partilha a vivência educativa de alguns
museus londrinos, de forma a provocar a criação de uma tessitura crítica em torno do
tema. Na Tate Britain, preocupados em conquistar um público cativo e com uma questão
específica ligada às minorias, o diálogo entre as diferentes culturas e a vontade de
expandir fronteiras estão presentes em várias ações desse Museu. Há um esforço em
dar visibilidade ao outro de forma a ressaltar sua importância. Nesse sentido, abrigam
exposições que provocam reflexões acerca da relação entre sociedades muitas vezes
consideradas distintas e distantes, bem como recebem grupos regularmente, tanto de
jovens, quanto de crianças, sempre na busca de ações que favoreçam a todas as pessoas
a entenderem os museus como espaços públicos: lugares de encontro, de fazer coisas
diferentes, de divertimento. Assim, tanto em frente da obra, quanto ao ar livre no
museu, o importante é que todos ali possam sentir-se acolhidos, criando um sentido de
pertencimento: “o museu é nosso!”

Embora recebam todos os públicos, a ênfase nas crianças pequenas é clara.


Acreditam que as crianças, como têm uma ótima memória dessas experiências,
tornar-se-ão adultos que mais facilmente circularão por esses espaços de forma livre e
confiante. Também a importância dada à criatividade nos projetos é muito evidenciada:
criam atividades para famílias, através de jogos interativos; de uma espécie de carrinho
com materiais variados disponíveis para que todos possam passar um tempo nas salas e
expressar plasticamente a experiência da visitação; e ainda outros eventos especiais. Em
todas as propostas, a palavra-chave é a experiência. Nessa direção, merece destaque a
sua política de inclusão, que não se separa da ideia de público cativo, como mostra um
de seus projetos, Grandes e Pequenos, no qual as crianças de três a cinco anos e suas
famílias frequentam semanalmente o Museu e dele se apropriam como seu. Vão para as
galerias, brincam, cantam, dançam, observam, conversam, expressam-se plasticamente.
O Museu cria uma ambientação cênica envolvente a cada dia, de forma que as crianças
“entrem” no contexto das obras. Barco inflável, capas de chuva, rede de pesca e vários
tipos de peixes e crustáceos de plástico serviram de mote para a experiência teatral
das crianças pequenas diante de uma obra que retratava pescadores em seu bote,
puxando uma rede no mar. As vivências (corporal, musical, plástica e narrativa) que
acompanharam as percepções (visual e auditiva) provocadas pelo quadro e pela fala do
mediador formaram uma experiência estética memorável.

Portanto, embora tenha um acervo que abriga obras antigas caracterizadas por sua
não interatividade, a Tate Britain procura reforçar, através de seus processos mediáticos,
a perspectiva de acessibilidade; de museu como espaço de congregação e produção de
sentidos; espaço de criação. Winstanley (2007) chama esse papel híbrido dos museus de
edutenimento (edutainment = education + entertainment). Essa mesma perspectiva é
encontrada na Tate Modern – outro museu londrino que trago para nosso diálogo.

Nesse espaço museal a proposta educativa varia com cada mediador, mas
genericamente entendem que as crianças são mais sensíveis e, portanto, mais abertas
aos estímulos sensoriais. Por isso, em muitas de suas propostas para elas, partem do
corpo; vão para a experiência vivida; e, por fim, o ambiente. Diferentemente da Tate
Britain, que atua o tempo todo na galeria, na Tate Modern fazem esse preâmbulo inicial
90 em salas especialmente destinadas ao público infantil e só depois as levam para as
galerias. Brincar de perceber os “círculos” e também as “bolas” (esferas) que temos
no corpo; em seguida nos objetos que estão dentro de um “saco surpresa”, podendo
brincar então com diversas esferas e círculos de diferentes tamanhos, cores e texturas;
depois, seguir pelo Museu procurando círculos nas obras de arte expostas, comentando-
os, discutindo semelhanças e diferenças; e, ao final, ainda fazer uma atividade plástica
coletiva envolvendo esse mote – é um tipo de proposta oferecida nesse Museu londrino
para os pequeninos.

O Museu tem uma série de programas para famílias e comunidades, com o objetivo
maior de encorajar o aprendizado ativo e construir uma relação de segurança com a
arte contemporânea, procurando explorar seus temas e ideias através da ludicidade.
Um quiosque disponibiliza uma espécie de cardápio com os jogos a serem escolhidos. Os
profissionais que ali trabalham devem explicar cada um e avaliar, pela idade e número
de pessoas do grupo familiar, qual é a melhor sugestão: existem “detetives de arte” e
“inspetores de arte”, que são mais investigativos; quebra-cabeças e dominós, que são
bem requisitados; ou jogos para famílias mais numerosas – propostas que privilegiam
o desenvolvimento da observação e do olhar de forma lúdica e criativa, nas quais o
papel da imaginação é destacado como sendo de máxima importância na constituição
de sentidos e que, na maioria das vezes, acolhem diferentes respostas. Há ainda sofás
e mesas com livros, ou com dispositivos eletrônicos e interativos; bem como diferentes
materiais para as pessoas registrarem suas experiências no Museu; além da distribuição
permanente de propostas de atividades voltadas às obras da coleção que podem ser
feitas na galeria, ou em casa.

Vários museus brasileiros têm estruturado seus setores educativos de forma a acolher
o público infantil, embora não sejam todos os que recebam crianças pequenas. Parece
que isso se dá porque, no que concerne ao atendimento aos grupos escolares, nos
museus em geral, podemos encontrar basicamente duas posturas que refletem a relação
deste com a criança: aquela na qual parecem solicitar mais a participação das crianças
em sua dimensão imaginativa, dando-as oportunidade de experimentar, testar hipóteses,
falar, perguntar, ao mesmo tempo em que são desafiadas a problematizarem suas
descobertas, recebendo informações que desestabilizam as aparentes certezas – como
os exemplos supracitados; e uma segunda, que privilegia um conhecimento exterior à
criança e que se concentra em transmitir informações, alicerçadas em conhecimentos
de História ou, em muitos casos, buscando uma fala ligada aos conteúdos programáticos.
Certamente essa segunda opção dificulta o acesso dos pequeninos.

Mas o que dizem as próprias crianças sobre isso? Flores (2007) reuniu grupos de
escolares de 9, 10 anos, de um colégio particular no Rio de Janeiro, com experiência
prévia em visitação de museus, e investigou o que eles achavam sobre as mediações
que tinham experienciado nos diferentes espaços museias. Só para destacar alguns
comentários:

João Vitor (4ª série) – Quando o guia fala é chatão. Ele fala um tempão e depois
a gente tem que gravar tudo! Ele fala, a gente fica umas três horas no museu! Ele fica
falando umas três horas no museu. Não deixa a gente ver! Quando a gente vê, “Isso
daqui é tarará, tarará e tarará.”. Não dá nem espaço pra gente ver. Já sai falando tudo e
não dá pra gravar nada!

Beatriz Melo (3ª série) – Uma coisa que eu não gosto e que a maioria das pessoas
falou é que tem que ficar escutando o guia e também não pode tocar nas coisas (...).
Aymara (3ª série) – Eu acho legal que a gente aprende várias coisas e eu acho chato 91

três coisas: ouvir o guia, não poder ficar tocando nas coisas, nem passar das linhas
marcadas.

Clara (3ª série) – Eu adoro quando pode mexer, fazer coisas no museu e não gosto
que na maioria das vezes não pode tocar, e você chega perto finge que vai tocar aí já
falam “Não pode tocar!” (Fazendo uma cara feia.)

A informação exterior que parece ignorar a opinião daquele que contempla causa
incômodo. Também as crianças mostram que seus cinco sentidos estão aguçados na
visitação – e não apenas os olhos que veem os objetos, ou os ouvidos que escutam o
mediador. Se considerarmos crianças menores isso fica ainda mais evidenciado.

Young (2007) destaca que o mais importante, nos processos de fruição, é que todas
as crianças, de qualquer nível de habilidade, devem sentir-se convidadas a participar.
Para isso, costuma dizer aos grupos que cada um deve envolver-se com a exposição
“do nosso jeito pessoal/particular uma vez que todos vamos olhá-la através de nossos
próprios olhos; mas se partilharmos nossas percepções individuais, então esta imagem
vai ter um sentido mais acurado para nós na medida em que aprendemos com as
observações dos outros” (p. 2) – e assim ampliam-se as possibilidades de cada um
“expressar suas próprias ideias, valores e sentimentos” (idem).

A questão que se coloca para ela é como levar o diálogo adiante; o desafio maior
é saber perguntar e ouvir. Sublinha que crianças fazem perguntas inesperadas e, se
não satisfeitas com as respostas, insistem na questão. Por isso defende que seja tão
importante que, de um lado, saibamos ao máximo sobre aquilo que iremos explorar com
elas; de outro, possamos favorecer seu processo imaginativo, respeitando seu tempo e
sua fala.

Para Hosak (2007), o objetivo do mediador é abrir perguntas que ajudem a explorar
os objetos de forma a despertar o olhar do contemplador; fazer da visita um momento
prazeroso que suscite o desejo de o espectador voltar ao museu. Nos museus de arte,
por exemplo, não se trata de dar aulas sobre o pintor, sobre a pintura, ou mesmo de
História da Arte. “O desafio é fazer a criança penetrar na pintura, e imaginação é a
palavra-chave para isso”, diz ela.

Na mesma linha que Flores (op. cit.), Ganzer (2007) também investigou a opinião
de crianças, mas as de sete a dez anos, da rede pública do Rio Grande do Sul,
majoritariamente sem experiências museias anteriores. Indagando se a menina Luiza,
que acabara de visitar um museu de arte pela primeira vez, achava que deveria mudar
alguma coisa na mediação feita, ela prontamente respondeu:

Luisa – Ser mais apreciado. Ter mais tempo para olhar.

Adriana – Mais tempo para olhar?

Luisa – É, é que eu começava a olhar uma coisa que me interessava e já tinha que
olhar outra, fica difícil.

A fruição e criação de cada sujeito necessita de um tempo próprio, singular. E mais


uma vez, em se tratando de crianças pequenas, isso fica mais evidenciado. Tomando
por esse prisma, podemos colocar em cheque a perspectiva da pressa, tão frequente
nos grupos escolares. Fisher (2007) critica o caráter eminentemente “consumista”
92 dessas visitas, argumentando que, assim, os grupos não veem o museu, mas aquilo
que está exposto; de forma isolada, descontextualizada. E enfrenta a questão,
perguntando: devemos fazer tudo “consumível”, assumindo que esse é o novo modelo
da sociedade? Para ela, deve-se atentar para a qualidade: de observação; de escuta; de
questionamento; de possibilidade de aprofundamento... Entretanto, a autora defende
que não se trata de elitizar as aproximações com os objetos museais, querendo trazer
ao público comum as discussões dos especialistas, mas de enfrentar a necessidade de
se criar novos métodos de aproximação: conseguir criar questões mais pertinentes;
usar a nova tecnologia de forma criativa; e envolver o contemplador de forma que a
experiência seja marcante, fique retida...

Nesse sentido, segundo Pye (2007), estruturam-se as propostas da Tate Britain:


querem quebrar com a ideia vigente na maioria das propostas museais voltadas às
crianças, que seguem o caminho de: todos sentados; olham para a imagem; e aí
começam as perguntas do adulto: o que você vê? Quantos? De que cor? E as crianças
com folhas de atividades para ver/responder, sempre atrás de uma única resposta certa.
Defende que se pense numa narrativa na qual todas as crianças sejam estimuladas,
sintam-se autorizadas a estar ocupadas e interessadas; que tenham sublinhado o que
estão fazendo e não aquilo que não conseguem fazer – estratégias não só baseadas na
linguagem oral, mas também nos cinco sentidos.

Pensando nessa linha e considerando os museus como espaços de produção de


sentidos, podemos entendê-los também como espaços de produção/criação infantil.
A Tate Modern favorece as produções infantis na medida em que disponibiliza uma
série de materiais para a criança anotar, comentar, desenhar, e ainda jogos interativos
que solicitam sua autoria e autonomia de pensamento. Mas é na Tate Britain que
se desenvolve o processo de criação em frente às obras, como parte intrínseca da
experiência estética; como um processo que não é o mesmo da apropriação, mas que
é intimamente ligado a este. Enfrentar a tarefa de propor uma prática artística num
espaço museal sem cair em modelos escolares, ou copistas é bastante desafiador.

Tomando como ponto de partida de suas investigações a relação entre crianças


e obras de arte, Watts (2007) nos ajuda a pensar a potencialidade dos pequeninos e
afirma que “mesmo crianças pequenas são capazes de refletir sobre os motivos que os
artistas podem ter tido para criar seus trabalhos” (p. 255). Assumindo que crianças de
pouca idade enfrentam permanentemente o desafio de fazerem-se entender pelo uso
da linguagem oral, “através do encontro com o trabalho do artista, elas podem realizar
que há outras formas comunicacionais abertas a elas, formas que se colocam como
menos exigentes no que diz respeito à aquisição da linguagem” (idem) – o que pode ser
libertador para elas! (p. 257). O autor defende que em contato com obras de artistas,
artesãos e designers, crianças poderão aproximar-se e respeitar diferentes tradições
culturais; bem como estabelecer relações entre suas próprias produções e as observadas;
e ainda desenvolver o senso crítico diante das obras.

O autor sinaliza, também, para outra importante questão, tão presente nas diversas
práticas educativas: as obras podem ser inspiradoras, mas não devemos estimular
as crianças a copiá-las – ao contrário, devem ser entusiasmadas a criar suas próprias
respostas e expressões a partir do visto. A relevância dada à autoria está presente não
apenas na perspectiva da produção, mas também da apropriação. Sugere que as crianças
devem aprender a interrogar o estranho, enfrentando e adentrando seus mistérios:
“uma imagem ou objeto tem o potencial de nos estimular, nos desafiar e enriquecer
nossas vidas” (p. 261). Encorajar a multiplicidade de visões e autorias está na base
da pergunta feita às crianças: “Estamos todos vendo o mesmo quadro?” – a partir da 93

troca de opiniões e olhares, as crianças ficarão “surpresas em descobrir como pessoas


podem perceber o trabalho artístico de diferentes formas” (p. 265). Vale ressaltar que
podemos extrapolar as observações de Watts para qualquer objeto, não aprisionando-as
apenas às obras de arte. E para que as crianças possam relacionar-se autonomamente
com os diferentes artefatos museais, faz-se importante uma reflexão sobre as formas de
exponibilidade dos mesmos.

Acessibilidade nos modos de exponibilidade: ainda acolhendo os


pequeninos

Alguns museus brasileiros, assim como a londrina Tate Modern anteriormente citada,
criam salas especialmente destinadas às atividades com turmas escolares. Embora
possam favorecer o desenvolvimento de atividades bastante interessantes, o cuidado
que se deve ter diz respeito à diluição de fronteiras entre o museu e as instituições de
ensino formal, como a escola, podendo gerar a tão indesejada escolarização dos museus
(Leite, 2005). Santos (1997) aponta para o risco desse tipo de associação, uma vez que “a
‘escolarização’ do museu seria um equívoco, visto que este deveria procurar promover
atividades baseadas em metodologias próprias – um ‘fazer educativo-museológico’ – que
também poderia chamar-se de ‘museologia criativa’ (p. 28)” (apud Leite, 2005: 37).
No museu pode-se melhor desenvolver a aprendizagem sensorial, espacial, estética e
tantas outras específicas que diferem das escolares; e ainda sem a pressão da avaliação,
do tempo espremido, das exigências curriculares. Isso diz ainda do fortalecimento da
parceria museu-escola – como outras relações sociais, essa também não se constitui
sem conflitos; talvez a ambos falte o exercício de alteridade; de perceber que o papel
educativo dos museus não é o mesmo da escola; bem como o papel do educador de
museu tampouco é o do professor; assim como as atividades propostas em cada uma das
instituições guarda especificidades; e, ainda, que o próprio espaço do museu é diferente
do escolar.

Outro aspecto importante para repensar formas de favorecer a apropriação do


público infantil diz da própria musealização dos objetos. Sem dúvida um espaço amplo,
com pé direito alto, favorece os sonhos e devaneios; mas a altura em que são expostos
os objetos, para fruição dos pequeninos, tem de ser revista. O Museum of Childhood,
também londrino, cria vitrines-cenários desde rente ao chão, com uma altura máxima
que não ultrapasse a visibilidade infantil. O Museu da Infância brasileiro, ligado à
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), criou vitrines de madeira coloridas,
de diferentes tamanhos, que remetem aos blocos de construção infantis, que ficam
dispostas de tal forma que permitem o acesso visual até mesmo de bebês engatinhando.

Além da altura dos objetos, a quantidade e qualidade das informações disponíveis


também pode ser pensada para incluir as crianças pequenas. Voltando ao Museum of
Childhood londrino, ele traz, nas paredes, textos voltados aos adultos, em particular, aos
leigos. Em seu site, dispõe de informações mais detalhadas destinadas aos professores;
mas em suas vitrines, a fim de acolher também ao público não leitor, usa de poucas
palavras e as entremeia com imagens, às vezes desenhadas por crianças – tudo para
favorecer a recepção dos meninos e meninas que por ali circulam.

Cabe ressaltar que quando penso as diversas formas de exponibilidade, não defendo
que crianças pequenas devam participar exclusivamente de exposições interativas.
Os exemplos dados anteriormente acerca das experiências na Tate Britain e Modern
mostram que é totalmente possível pensar em formas de fruição sensoriais que não
94 incluam tocar os objetos quando esses não podem ser manipulados. Entretanto, isso não
exclui que pensemos em outras possibilidades para o toque, como o uso de réplicas,
oferecidas na galeria tátil do Museu do Louvre, em Paris, só para citar um exemplo.
Mesmo não sendo condição, é inegável que poder tocar ou viver experiências diretas
com os objetos favorece a apropriação dos pequeninos, facilitando sua experiência
estética singular – o desafio é criar formas diferentes para isso. Phillips (2007) destaca
que um dos maiores desafios para a educação em museus hoje, diante de tantas
possibilidades que se configuram, é oferecer ao visitante propostas também criativas;
uma surpresa, uma nova possibilidade de aproximação dos objetos museais – afinal, para
o autor, as experiências museais devem ser a base de um pensamento reflexivo mais
autônomo e autoral.

Por fim, cabe lembrar que crianças pequenas não vão sozinhas aos museus e esse
talvez seja o primeiro e maior obstáculo a ser enfrentado – aquele que diz respeito ao
adulto que a leva:

(...) não é difícil perceber e reconhecer o papel que o adulto assume como
mediador da criança frente aos equipamentos culturais disponíveis em seu
entorno. Desta forma, enquanto adultos considerarem museu espaço de coisa
morta, mais remota será a possibilidade de a criança ressiginificar esta visão
e poder, então, experimentar a relação com o museu como espaço de troca,
descoberta, produção de sentido, criação, espaços de memória, de história, de
vida. (LEITE, 2006:81)

Este artigo não se pretende conclusivo, mas mais um convite a novas questões. Suas
reflexões, embora sempre provisórias, possibilitam a percepção dos diferentes modos
de entender o papel social do museu (que variou desde espaço sagrado e silencioso, a
espaço de troca e de produção de conhecimento); bem como defender a importância
e urgência de se solidificar políticas de inclusão nas diferentes instituições de cultura,
entendendo que o acesso à mesma é direito inalienável de todos – incluindo nesse todos,
as crianças pequenas. Nesse sentido, indica que a fruição e a criação das crianças
necessitam da consolidação do museu como espaço encantamento e o afloramento da
emoção... Bases essenciais dos processos de fruição e criação infantis.v
95

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. E s te tex to i n co r p o r a p ar te s d o ar t i g o “O m u s e u co m o e s p a ço d e a p ro p r ia ç ã o
e p ro d u ç ã o ar t í s t i co - c u ltu r al i nfa nt il”, a p re s e nt ad o n o M i n h o/P o r tu gal, e m 20 0 8.
A s re f lexõ e s n e le p re s e nte s e s t ã o p re s e nte s e m mi n h a p e s q u i s a d e p ó s- d o u to r ad o
i nt itu l ad a “M u s e u m’s a n d g a ller ie s’ ed u catio n in L o n d o n – a n o ut s id er v iew ”,
d e s e nvo lv i d a d e ja n e iro a ju n h o d e 20 0 7, n a Ro eh a m pto n U n iver s it y, L o n d re s-
I n gl ate r r a. S e u o bje t i vo foi p e rce b e r d e q u e fo r m a s e te d o s m u s e u s b r it â ni co s (M u s e u m
of Child h o o d; P o llo ck’s To y M u s e u m; Fo u n d lin g M u s e u m; S cien ce M u s e u m; Tate B r ita in;
Tate M o d er n e T h e N atio o n a l G a ller y) favo re c ia m, o u n ã o, o s p ro ce s s o s d e a p ro p r ia ç ã o
e p ro d u ç ã o d e co n h e c i m e nto s p o r p ar te d e p rofe s s o re s e alu n o s.

# F I S H E R , S u s i e. M eet th e n ew b o s s … s a m e a s th e o ld b o s s. P ale s t r a p rofe r i d a n o A n n u al


G ro u p M e e t i n g (AG M) d o V i s ito r Stu d y G ro u p ( V S G), n a B r it i s h Li b r ar y, 13 fe v. 20 0 7
[mi m e o].
# F LO R E S, Ce lia L . B. O q u e a s cr ia n ça s fa la m s o b re m u s e u s? D i s s e r t a ç ã o d e M e s t r ad o.
F lo r ia n ó p o li s: U F S C/C E D, 20 0 7.
# G A NZE R , A d r ia n a A . “ S er m a is a p recia d o, ter m a is te m p o p ra o lh a r. É q u e e u
co m eça va a o lh a r u m a co is a q u e m e intere s s a va e já tin h a q u e o lh a r o utra”: re f le t i n d o
s o b re a re l a ç ã o dialó g i c a e nt re o m u s e u d e ar te e a e s co l a. D i s s e r t a ç ã o d e M e s t r ad o.
Cr i c iú m a: U N E S C/P P G E, 20 0 7.
# H O S A K , K are n. Ta ke o n e P ictu re. P ale s t r a p rofe r i d a d u r a nte u m C D P-Tr ai ni n g D ay, n a
N at i o n al G alle r y, 16 fe v. 20 0 7. A n ot a çõ e s p e s s o ai s.
# L EI T E, M ar ia I s a b e l. M u s e u s d e ar te: e s p a ço s d e e d u c a ç ã o e c u ltu r a. I n _ _ _ _ _ _ .
& O S T E T T O, L . E. (O r g s.). M u s e u, Ed u ca çã o e Cultu ra : e n co nt ro s d e cr ia n ç a s e
p rofe s s o re s co m a ar te. C a m pi n a s: P a pir u s, 20 0 5. p. 19-55.
_ _ _ _ _ _ . Cr ia n ç a s, ve lh o s e m u s e u s: m e m ó r ia e d e s co b e r t a. I n: PA R K , M . B. & SI EI R O,
R . (O r g s.). Fili gr a n a s d a m e m ó r ia: i nte rc â m bi o s d e g e r a çõ e s. Ca d er n o s CED E S, S ã o
P au lo: Co r te z; C a m pi n a s: C E D E S, v. 26, n. 6 8, p. 74 -8 5, ja n./a b r. 20 0 6.
# P H I L L I P S, A n n a b e lle. Q u a litative Re s e a rch: a dif fe re nt p e r s p e c t i ve. P ale s t r a p rofe r i d a
n o A n n u al G ro u p M e e t i n g (AG M) d o V i s ito r Stu d y G ro u p ( V S G), n a B r it i s h Li b r ar y, 13
fe v. 20 0 7 [mi m e o].
# PI AC E N T I N I, Te lm a A . & FA N T I N, M o ni c a. M u s e u d o B r i n q u e d o co m o ce nt ro c u ltu r al
i nfa nt il. I n: L EI T E. M . I. & O S T E T T O, L . E. (O r g s.). M u s e u, Ed u ca çã o e Cultu ra :
e n co nt ro s d e cr ia n ç a s e p rofe s s o re s co m a ar te. C a m pi n a s: P a pir u s, 20 0 5. p. 55 -71.
# P Y E, M at ild a. Le a r n in g in th e M u s e u m. D i s c i p li n a ofe re c i d a p ar a alu n o s d e M e s t r ad o
d a R o e h a m pto n U ni ve r s it y. L o n d re s: R o e h a m pto n, 20 0 7 – a n ot a çõ e s p e s s o ai s.
# S A N T O S, M a galy d e O. C. Liçõ e s d a s co is a s (o u Ca nteiro d e O b ra s): at r avé s d e u m a
m e to d o lo g ia b a s ead a n a e d u c a ç ã o p at r i m o nial. D i s s e r t a ç ã o d e M e s t r ad o. R i o d e
Ja n e iro: P U C-R i o/D e p ar t a m e nto d e Ed u c a ç ã o, 19 97.
# WAT T S, R o b e r t. U s i n g A r t i s t’s Wo r k. I n: _ _ _ _ _ _ . & COX, S. (O r g s.). Te a chin g A rt a n d
D e s ig n 3 -11. A u s t r ália: Co nt i n u u m I nte r n at i o n al, 20 0 7.
# W I N S TA N L E Y, C ar r i e. N ew wa y s of Le a r n in g: Le a r n in g T h ro ug h Leis u re. D i s c i p li n a
ofe re c i d a a o s alu n o s d e gr ad u a ç ã o d a R o e h a m pto n U ni ve r s it y. L o n d re s: R o e h a m pto n,
20 0 7. A n ot a çõ e s p e s s o ai s.
# YO U N G, Ja n e. A utu m n L a n d s ca p e w ith a V iew of H et Steen in th e Ea rly M o r n in g.
P ale s t r a p rofe r i d a d u r a nte u m C D P-Tr ai ni n g D ay, n a N at i o n al G alle r y, 16 fe v. 20 0 7
[mi m e o].
96 M ED I AÇ ÃO CU LT U R A L OBSERVAR E
COMPREENDER:
PRO M OV E QU E T I P O D E A MEDIAÇÃO CULTURAL
ACE SSI B I LI DA D E ? ENQUANTO REGISTRO
DE UMA PRESENÇA
VITALÍCIA NO MUNDO

Anderson Pinheiro Santos 19


az pouco tempo que resolvemos – uma específica equipe pedagógica de uma escola
recifense – levar um grupo de alunos da educação fundamental I à uma exposição sobre
o Modernismo Brasileiro. A exposição era de reproduções, mas no fundo isso não afetava
tanto a nossa ida, já que parecia uma extensão da sala de aula – na qual normalmente
já trabalhamos com reproduções – e a simples ideia de estudar fora da escola sempre é
comemorada por qualquer corpo discente. Mas, para que isso acontecesse foi feito um
projeto voltado para a tão discutida parceria escola-museu, incluindo as etapas do antes-
durante-depois, que levava-nos (ANTES) a estudar o conteúdo da exposição, em parceria
com os conteúdos já planejados no ensino de Artes Visuais, a conhecermos a exposição e
a dialogar com os educadores do lugar.

No “grande dia”, ou os três grandes dias já que foram muitas turmas, cada aluno
tinha uma felicidade tão grande no olhar, no gesto, na fala, que lembrei logo de minhas
saídas da escola para essas atividades extracurriculares e o quanto eu gostava delas.
O quanto as mesmas tocaram-me de uma maneira que até hoje se torna um marco em
minha vida. Voltemos aos alunos. Lá, todos os procedimentos adotados (DURANTE)
nos museus e instituições culturais foram praticados: uma conversa anterior como um
processo de sondagem do conhecimento do grupo e encaminhamentos de processos de
visualização do acervo. E foi exatamente nesse momento que tivemos um problema onde
era para haver uma possibilidade de concretizar uma experiência única. A comunicação
entre educador e público aconteceu, segundo alguns estudantes, com ruídos de
compreensão.

Mediar alguém em um museu (ou afins) é reconhecido, dependendo do interlocutor


e de sua experiência, como um ato por vezes egoísta, por vezes divertido, por vezes
indiferente. A diferença será percebida no momento em que o profissional que medeia
“interage” com o outro. Porém, o fato de perceber pessoas indo a exposições e tendo
experiências negativas (ou má interações) com uma visita costuma incomodar a alguns
educadores que buscam uma melhor aproximação entre as partes, museu-público. É
fato, que alguns visitantes se questionam porque deveriam ser eles mesmos, locais de
despejo informacional durante a mediação.

No meio circundante, a mediação em si é percebida o tempo todo nos elementos


existentes e que tentam nos passar algum tipo de informação. Encontramos, na mídia
impressa, radiofônica e/ou televisionada; nas conversas aleatórias; na percepção dos
elementos participantes do cotidiano; nas aulas, palestras, discursos, etc.; até na
aproximação ou no estranhamento do que se absorve do entorno, modos de estar entre
o sujeito e o objeto. O diferencial entre eles será a atitude em que esse elemento
procurará se apresentar ao sujeito; preferencialmente de maneira que desperte sua
atenção. A isso se dá o nome de dispositivo, que no caso da mediação cultural pode ser 97

percebida pelo uso da cor, da textura, de palavras-chave, etc.

Para qualquer um dos exemplos acima citados o espectador sai do rumo de sua
trajetória já programada, portanto automática, de recepção dos elementos do mundo e
passa a analisar criticamente (e ativamente) o que acontece no seu entorno até se sentir
seguro para prosseguir. Sai do automatismo racional. Fazendo-se assim, nesse processo
de sedução, que seja executada uma corporificação do conhecimento (Duarte, 2008:36).
Segundo Duarte, a corporificação acontece quando temos conhecimento de fato do que
estamos observando; é como se sentíssemos o estopim, o eureka, de uma situação, ou
como o mesmo explana:

É a experiência estética! É um estágio de vertigem que pode amorosamente


conduzir uma pessoa a relativizar o ponto de vista do qual ela vê o mundo. Se
você consegue ajudar alguém a relativizar o ponto de vista do qual ela vê o
mundo, ela cria enormes possibilidades de se afetar por circunstâncias do mundo
que nunca lhe foram apresentadas. (2008:37-381)

Nessa corporificação, a grande clareza das coisas se dá quando percebemos o que


acontece, principalmente quando algo nos acontece. Sentimos, com essa percepção,
vontade de passos cada vez mais largos e voltas cada vez mais longas. Mas, não sabemos
exatamente como é possível seguir adiante se não nos acontece nada que nos faça
perceber que existem mais elementos entre as coisas do mundo do que queriam nos
mostrar os nossos olhos.

A cada imagem assimilada, incluindo aqui cada som, cheiro ou gosto, novas
informações poderão ser acrescentadas e novas memórias poderão ser escritas. Mas, não
é suficiente. Nosso estar no mundo parece depender da busca cada vez mais centrada
em ações que nos deem um novo sentido para o que nós já conhecemos, e isso não é
apenas uma busca pela inferência2 dos fatos do mundo. É a pura concretização de uma
experiência, a partir da assimilação dos fatos que nos acontecem, que nos modificam.

Buscar nos meios que nos circunda a resposta para as situações em que nos
encontramos parece ter sido sempre um desdobramento da própria vivência humana.
Constatamos que a ação constante que fazemos ao selecionarmos imagens comuns
a nossa percepção diária, presentes nos nossos cotidianos (principalmente quando
apresentadas num novo contexto) e transformá-las numa nova imagem-informação, faz-
nos espectador-participador mais ativo nas reflexões que nos são direcionadas (algumas
vezes, condicionadas) a partir do uso do espaço-tempo.

Percebemos assim que podemos

(...) admitir, portanto, que a experiência é, de fato, formada. Atos e eventos,


palavras e imagens, impressões, alegrias e dores, até mesmo confusões, só se
tornam significativas na medida em que podem se interrelacionar dentro de
alguma estrutura, tanto individual como social: uma estrutura que, embora
tautologicamente, lhes confere significado. A experiência é uma questão tanto de
identidade como de diferença. É tão única quanto compartilhável. (SILVERSTONE,
2005:27)

Isso porque o tempo todo nós absorvemos informações que nos conectam através
dos sentidos a nossa presença no mundo, passando a ser um desafio compreender
os mecanismos que as transformam num elemento diferencial que termina por nos
98 modificar. Poderíamos citar como exemplo desse encontro, o som do mundo. Som esse
que se transforma em sensações, que gera imagens, que cria conceitos, que nomeia as
coisas, que elabora status, que gera barreiras (ou aproximações), que acomete o juízo,
que se desdobra num gesto, que... que..., ou seja, que está em constante transformação
em nossos registros de inferências.

Sendo assim, percebemos que numa mediação

O importante é menos receber uma grande quantidade de público e disso se


vangloriar do que constatar se o visitante tirou proveito de sua visita, verificou,
enriqueceu seus conhecimentos e fez algum intercâmbio, aguçou sua curiosidade
e seu espírito crítico, cultivou sua sensibilidade, sentiu prazer, estimulou sua
criatividade, melhorou seu modo de vida, privada e pública. (Giraudy e Bouilhet,
1990:92)

Essa relação é percebida na (sempre) crescente vivência conurbarda3 desses


espectadores (com o mundo, com o outro) que se põem a reflexão de sua atuação/
apreensão num tempo em que o que se presencia é algo que não se encontra mais
naquele espaço. A cada instante. O tempo todo. Passa a ser uma nova informação da
mesma coisa a que estava (ilusoriamente) habituado. Via, mas não enxergava.

Para que percebêssemos essa nova informação, segundo Larrosa (2004:152), seria
preciso que acontecesse “um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos
tempos atuais” que fosse o produto da experiência vivenciada. Pois, “a experiência é um
encontro”. Isso porque a mesma não é a simples conclusão de uma ação, e sim “o que
nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca” (grifo nosso).

Sendo assim, podemos considerar que ela tem sua existência comprovada,
geralmente, quando observarmos algo, a partir de estímulos ocasionados pelo uso de
recursos diversos (o “gesto de interrupção”) e somos levados a transitar em espaços que
são compreendidos como alicerces de memórias (individuais e coletivas) que se retêm na
malha nostálgica4 enquanto registro de uma presença vitalícia no mundo.

O mediador cultural deveria por em prática discursos que se entrelacem com o


tempo/espaço/conceito da produção imagética com o do observador, possibilitando assim
reconfigurá-los numa nova dimensão de conhecimento. Para que esse processo aconteça
é preciso que sejam realizadas diversas estratégias de mediação que visem despertar no
outro a percepção, através da descoberta e compreensão de um saber.

Essa percepção aliada ao processo de ver e decodificar; de produzir outros


significados; ressignificar; gerar inferência nos elementos que ainda não conhecemos;
está além do simples rotular. Perceber, portanto, estar além de inferir significados, pois,
essa ação tende a causar uma desestabilização do ser que pensa estar num lugar-comum
da imagem-situação vivenciada.

Aparentemente tudo se resume aos modos de percepção. Mas para que isso aconteça
é preciso empenho.5 Podemos compreender a percepção se levarmos em conta o
processo pela qual a mesma acontece. Segundo Ching (2007:4), quando recepcionamos
uma informação imagética são os olhos que captam através de “impulsos energéticos em
forma de luz” o que de mais simples podemos captar diante do todo da forma observada,
e é dessa observação que são extraídas “as características visuais básicas” que nos
ajudarão a efetuar a interpretação mental, “a inferência sobre o mundo”. Mas, para que
esse processo fixe-se em nossa mente é preciso que utilizemos essas características que
foram assimiladas de modo a melhor compreendermos o que observamos criando um 99

único significado que possa facilitar o registro mental, ocasionando assim a inferência.

Sendo assim, acrescentamos informação ao que percebemos a cada vez que não
sentimo-nos satisfeito com a quantidade de dados que foram levantados, ou que foram
possíveis de serem organizados acerca do elemento visualizado. Quando sentimo-nos
satisfeitos, armazenamos e partimos para o próximo item a ser conhecido-memorizado-
armazenado, ad continuum.

Até porque,

A percepção não pode ser entendida como a imposição de determinados


significados a determinados signos sensíveis, pois esses signos são indescritíveis,
em sua mais imediata textura sensível, sem a referência ao objeto que significam.
(PONTY, 1969:21)

Que malha invisível, portanto, existe entre o público e a obra, que parece ser repleta
de recordações, reconhecimentos de si, percepção do meio em que está inserido,
entre tantos outros fatores, e que cria formas de memórias individuais e coletivas
que se emergem a partir do contato desse público com os elementos imagéticos
constantemente, embora nem sempre visualmente, reconfigurados?

E é nesse momento, da realização do encontro, onde se conectam o espaço


e o tempo entre o sujeito e o objeto, e onde estão implícitas informações que
aparentemente ainda não se formaram em nós, que percebemos o quanto de
experiências de nossos antepassados vão se configurando até os dias atuais. E nessa
mesclagem de tempos e espaços vamos delimitando, num ato contínuo, o processo de
construção e reconstrução das itinerâncias6 do ser perante o que é percebido e o que é
assimilado.

Sendo assim, a relação de ser aquele que produz ou absorve (o que é uma constante)
sempre é intercambiada por aquele que escolhe. Pois, o que acontece é uma troca (logo,
um diálogo) constante entre as partes, mesmo que seja no mesmo ser, que seleciona as
imagens e informações do mundo e compõe suas próprias inferências e as transmitem
através de opiniões, gestos ou produções. Podemos, inclusive, chamar esse ato de
intercambiar de interação, já que a mesma permite uma troca constante de informações
que são transformadas, retransformadas e facilitando inclusive uma nova abordagem

Atitude essa que, muitas vezes, leva-nos a identificarmo-nos com as referências e


elementos visualizados por adequarmos a nossa visão para algo específico na tentativa
de decodificar determinada informação. São aquelas pequenas ocorrências que passam
a nos importar porque agora observamos e compreendemos. Com esse fato, segundo
García (2006), “o espaço se amplia através das significações que ocorrem nos meios para
desencadear uma reflexão no fora, no lugar de fuga do dispositivo através do trajeto e
da percepção da obra.”

Relacionar essa percepção, ou melhor, essa recepção do mundo com as conexões


criadas a todo instante é perceber o quanto estamos sendo influenciados pelo que nos
induz a desejar, a pensar, a comprar, a sonhar e até a sentir. Segundo Gitlin,

Crescer nessa cultura é crescer na expectativa de que imagens e sons estarão


à nossa disposição e que as histórias que compõe serão sucedidas por mais
histórias, todas pedindo nossa atenção, todas se esforçando para fazer sentido,
todas, em certo sentido, nossas. (GITLIN, 2003:25-6)
10 0 Mas, não se trata só de indução e manipulação. Afinal, é superficial acreditar que o
uso de recursos, os dispositivos, induza o espectador na construção de seu raciocínio.
Trata-se, a priori, de percepção. De utilizar esses recursos para permitir que o outro
“veja o mar7”. Conduzi-lo na construção dessas experiências está relacionado ao modo
como o outro avança nos estágios8 da percepção visual.

Corporificar o conhecimento ou ter a experiência é materializar uma ideia ou


conceito de modo a gerar mudanças de comportamento – nem sempre significativo – que
por si só propulsa o ser na busca de outras visualidades. Pois, para sair do lugar-comum
é preciso perceber o quanto, na verdade, nos permitimos termos experiências com as
coisas.

Bom, é por isso que foi dito que “a comunicação (...) aconteceu (...) com ruídos de
compreensão”. Alguns alunos receberam tantas informações, algumas das quais eles
não compreenderam do que se tratava, que terminaram com uma ideia equivocada da
mediação. É verdade que amaram ver fora da sala de aula as imagens que havíamos
trabalhado na disciplina e gostaram do lugar em que foram expostas. Mas, acharam que
“visitar o museu era chato demais. Falam muito e não entende nada”. Que pena! Vai ser
preciso uma nova chance para conquistar esse público de modo que disseminem o que
de bom há numa visita a um espaço cultural e percebam nos objetos e ideias expostas
meios de se perceber no mundo.v
N O TA S E R E F E R Ê N CI A S 101
1. E nt re v i s t a p u b li c ad a n o Ca d er n o d e tex to s D iá lo g o s entre A rte e P ú blico: d o s
d iá lo g o s q u e te m o s a o s d iá lo g o s q u e q u ere m o s, v. 1 (Pre fe itu r a d o R e c ife, 20 0 8).
2. Te o r ia d e s e nvo lv i d a p o r C h r i s A r g y r i s, e m 19 9 0, co n h e c i d a co m o “ E s c ad a d a
I nfe rê n c ia” (L a d d er of Inferen ce), q u e s u g e re q u e ad ot a m o s co n ce ito s b a s ead o s e m
co n clu s õ e s e fe tu ad a s dia nte d o q u e o b s e r v a m o s (m e s m o s e m te re m s i d o co m p rov ad o s),
a cre s c i d o s p o r ex p e r i ê n c ia s p a s s ad a s. A p ó s ve r o u o u v ir al g u é m fal ar o u a g ir, a s
p e s s o a s a b s o r ve m e s o m a m a s n ov a s o b s e r v a çõ e s/i nfo r m a çõ e s co m s e u co nju nto d e
s u p o s i çõ e s já ex i s te nte, al g u m a s ve z e s i n c it a n d o a çõ e s q u e tê m a p e n a s u m a re l a ç ã o
di s t a nte e m re l a ç ã o a o q u e foi o r i g i n alm e nte o b s e r v ad o o u o u v i d o. (D e gr au s d a e s c ad a
d a i nfe rê n c ia: M in h a s cren ça s influ en cia m o s d a d o s q u e s elecio n o = Co leto to d a s a s
info r m a çõ e s d o m u n d o co m o o s d a d o s e a s ex p er iên cia s o b s er vá veis » Eu s elecio n o
d a d o s a p a rtir d o q u e o b s er vo » Eu a b s o r vo s ig n ifica d o s (cultu ra is e p e s s o a is) » Eu
fa ço s u p o s içõ e s b a s e a d a s n o s s ig n ifica d o s q u e a b s o r v i » Eu tiro co n clu s õ e s » Eu a d oto
cren ça s s o b re o m u n d o » Eu ajo d e a co rd o co m min h a s cren ça s.)
3. A q u i a p al av r a co n u rb a rd a é u s ad a e n q u a nto v ar ia ç ã o d a p al av r a co n u r b a ç ã o, q u e
é e s s a u nifi c a ç ã o d a m alh a u r b a n a. S e n d o e n co nt ro n o q u al n ã o s e p e rce b e, a n ã o
s e r gr afi c a m e nte, o s e u i ní c i o n e m fi m g e r a n d o a s s i m n u m a u ni d ad e. Co n u r b ard a,
p o r t a nto, é a d e n o mi n a ç ã o u s ad a p ar a d e m o n s t r ar, hi p ote t i c a m e nte, a di s t â n c ia e nt re
lo c ali d ad e s q u e, n a ve rd ad e, ex i s te co m o co nt i n u i d ad e.
4. A m alh a n o s t ál g i c a, q u e é u m e le m e nto o n d e o co r re o s e n co nt ro s, é i n co r p ó rea e
co n s i s te d o s e le m e nto s i n co r p o r ai s co m o o lu gar, o te m p o, o v a z i o e o ex p r i mí ve l.
A n n e C au q u e li n (Freq ü enta r o s in co r p o ra is : co nt r i b u i ç ã o a u m a te o r ia d a ar te
co nte m p o r â n ea. S ã o P au lo: M ar t i n s Fo nte s, 20 0 8.) n o s fa z re f le t ir s o b re e s s e e s p a ço
i n co r p o r al o n d e i s s o o co r re, p oi s, “n a re co rd a ç ã o d e u m e n co nt ro, d á-s e o m e s m o:
fo r m a s – u m ro s to, u m g e s to, u m a co nve r s a, o p e d a ço d o jardi m o n d e o e n co nt ro te ve
lu gar – d e s t a c a n d o -s e co m o fi g u r a s co nt r a u m fu n d o.”
5. “Ate n ç ã o: a p e rce p ç ã o re q u e r e m p e n h o” é fr a s e c h ave d e to d a s a s o b r a s d o ar t i s t a
c at al ã o A nto ni M u nt ad a s d e s d e a d é c ad a d e 9 0, q u e e n co nt r a n o s p ro d u to s d a s mídia s
u m m o d o d e c au s ar u m a re co nfi g u r a ç ã o d a s a çõ e s h u m a n a s, di v u l gad a p e l a mídia,
p r i n c i p alm e nte n o c a m p o p o lít i co. Pe r mit i n d o a s s i m u m a re f lex ã o co n s t a nte dia nte
d a p e rce p ç ã o d o s m o d o s q u e a i nfo r m a ç ã o é mi diat i z ad a e m a ni p u l ad a, le v a n d o o
e s p e c t ad o r à p e rce p ç ã o d e s i. A i m a g e m e a i nfo r m a ç ã o m a ni p u l ad a s n o s c au s a m
t a m b é m re f lexõ e s s o b re a te m p o r ali d ad e d o s di s c u r s o s, g e r a n d o n ov a s i nte r p re t a çõ e s a
c ad a n ov a co n ex ã o q u e é e fe tu ad a n o ato d e o b s e r v ar, e n ã o a p e n a s d e ve r.
6. A it i n e r â n c ia é u m co n ce ito u t ili z ad o n o s m e i o s d e co m u ni c a çõ e s e e s t á re l a c i o n ad o
co m a c a p a c i d ad e d e u m di s p o s it i vo d e m ove r-s e d e u m e s p a ço p ar a o u t ro. O ve r b e te
t a m b é m é e n co nt r ad o co m o te r m o itin era nte n a s área s d a s c i ê n c ia s s o c iai s, p o lít i c a s
e d a hi s tó r ia e re l a c i o n a-s e a p e rce p ç ã o d e u m co m p o r t a m e nto d o le ito r (c uja a ç ã o d e
le r é g e r alm e nte co n s i d e r ad o u m ato d e a b s o rç ã o p a s s i v a), d e m o n s t r ad o p e lo e s tu di o s o
R o g e r C h ar t i e r (q u e c it a M i c h e l d e Ce r teau), co m o o ato d e c ar áte r di n â mi co n a le itu r a
q u e p e r mite u m a co n s t a nte i nte r at i v i d ad e e nt re a s p ar te s (le ito r e le itu r a).
7. “A fu n ç ã o d a ar te/1” é u m p e q u e n o tex to d e Ed u ard o G alea n o (O li v ro d o s a b r a ço s,
19 91) q u e fal a d a re l a ç ã o d e u m m e ni n o co m o m ar. Co m o n ã o o co n h e c ia, p e d e a o p ai
e s s a v i s u ali d ad e. Ve r o m ar d e p e r to lh e t ir a a fal a e g e r a n u m p e di d o: “– M e aju d a a
o lh ar ”.
8. N a le itu r a d e i m a g e n s h á al g u n s p e s q u i s ad o re s q u e c h a m a m o p ro ce s s o d e
a m ad u re c i m e nto d o s m o d o s d e p e rce b e r/le r u m a i m a g e m d e e s t á g i o s. Co m o exe m p lo,
p o d e m o s c it ar A bi gail H o u s e n (19 83) e M i c h a e l P ar s o n s (19 8 7 ), d e nt re o u t ro s, q u e fal a m
d e c ad a e t a p a d o p ro ce s s o (q u e p o d e m d u r ar te m p o s d e dife re nte s m e di d a s).

# G A R CÍ A , N é s to r C a n cli ni. Cultu ra s híb r id a s : e s t r até g ia s p ar a e nt r ar e s air d a


m o d e r ni d ad e. 4. e d. S ã o P au lo: Ed u s p, 20 0 6.
# C H I N G, Fr a n c i s D. K .; J U R O SZE K , Ste ve n P. Re p re s enta çã o g ráfica p a ra d e s en h o e
p rojeto. B arce lo n a: Edito r ial G G, 20 0 7.
# G I R AU DY, D a ni e le; B O U I L H E T, H e n r i. O m u s e u e a v id a. Tr ad u ç ã o d e Fr a n ce Filiat re F.
d a Silv a. B e lo H o r i z o nte: Ed. U FM G, 19 9 0.
# G I T L I N, To d d. M íd ia s s e m limite. R i o d e Ja n e iro: Ci v ili z a ç ã o B r a s ile ir a, 20 03.
# H A L BWAC H S, M au r i ce. A m e m ó r ia co letiva. S ã o P au lo: Ce nt au ro, 20 0 4.
# L A R R O S A , J o r g e. E x p e r i ê n c ia e p ai x ã o. I n: Lin g u a g e m e ed u ca çã o d e p o is d e B a b el.
B e lo H o r i z o nte: E d. A u tê nt i c a, 20 0 4. p. 151-165.
# SI LV E R S T O N E, R o g e r. P o rq u e e stu d a r a míd ia? S ã o P au lo: Ed. L oy o l a, 20 0 5.
10 2 D I SS E M I N A N D O CU LT U R A PROJETO “MÚSICA 90
NA ESCOLA”:
ACESSO À
EDUCAÇÃO E À
CULTURA MUSICAL

Álvaro Henrique Borges 20


O Projeto “Música na Escola” do estado de Minas Gerais

O projeto de integração escolas e conservatórios nasceu para suprir a demanda


do ensino de Arte e da difusão da produção artística no Estado de Minas Gerais.
Além de despertar precocemente o interesse musical das crianças desde o ensino
básico, o trabalho desenvolvido pelos educadores do Projeto pretende fomentar o
desenvolvimento artístico, orientar a apreciação crítica e estética da música e incentivar
a criação e a interpretação nas suas diversas manifestações. Um aspecto importante
deste trabalho é a sua proposta de contribuir para a boa conduta da formação humana,
buscando a melhoria da qualidade de vida e o despertar da cidadania.

Onde ocorre?

A seguir exporemos uma amostra do Projeto sediada no Sul de Minas, cuja


organização básica do Projeto se dá da seguinte forma: administrado pelo Conservatório
Estadual de Música “Juscelino Kubitscheck de Oliveira” (na cidade de Pouso Alegre), que,
por sua vez, é mantido pelo Estado de Minas Gerais.

O organograma seguinte esboça a dinâmica de funcionamento e a colocação do


Projeto “Música na Escola” dentro do Conservatório Estadual “Juscelino Kubitscheck de
Oliveira”:

Direção
Departamento de Música

Projeto “Música na Escola”

Coordenação Administrativa Coordenação Pedagógica

Professores

Escolas da Rede Regular de Ensino

Figura 4. Organograma da situação do Projeto “Música na Escola” dentro do Conservatório “JKO”.


Fonte - CEMJKO 2007
Estrutura didático-pedagógica do projeto 103

O Projeto prevê, nas ações dos professores, um embasamento nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs (1998) e os objetivos pedagógicos gerais propostos são enunciados a seguir:

• Desenvolver os aspectos: físico, intelectual, emocional, psicomotor e perceptivo dos alunos das
escolas regulares atendidos pelo Projeto;

• Desenvolver neles a apreciação (gosto) pela música;

• Partilhar conhecimentos para que o aluno demonstre prazer em compreender a música como
disciplina e forma de expressão;

• Conhecer e valorizar a cultura brasileira continuando a transmissão de seus valores;

• Proporcionar a formação de cidadão sensíveis, reflexivos e criativos;

• Trabalhar o indivíduo e seu meio, considerando-o um elo com sua própria comunidade e com a
natureza.1

O Quadro 1, a seguir, demonstra os níveis de atuação e expectativas de abrangência


demonstradas pelos objetivos pedagógicos gerais do Projeto “Música na Escola”:

Desenvolvimento Pessoal Físico-intelectual


ATUAÇÃO DO PROJETO “MÚSICA NA ESCOLA” NO SISTEMA REGULAR DE ENSINO

Psico-emocional e motor

Autoconhecimento e autoestima

Desenvolvimento Musical Escuta ativa e crítica

Conhecimento artístico das linguagens


musicais
Domínio técnico do instrumento ou canto

Desenvolvimento Social Valorização do patrimônio cultural

Integração social

Formação cidadã reflexiva

Agentes de transformação social pela Arte

Quadro 1. Abrangência e expectativas dos objetivos pedagógicos gerais do Projeto “Música na Escola”
10 4 O Conteúdo Programático adotado apresenta, de início, algumas questões
conceituais, relativas à teoria, à prática, ou à Literatura. São elas:

• que é som?

• que são parâmetros do som?

• que é escuta?

• que é música?

No que se refere aos procedimentos metodológicos, o Projeto privilegia três


aspectos:

• Desenvolvimento da percepção auditiva e da reprodução sonora (escuta e consciência


sonora), principalmente pela prática do canto coral;

• Desenvolvimento da capacidade de reconhecimento e interpretação dos elementos


específicos da linguagem musical (estilo, gênero e época);

• Consciência e domínio motor para manuseio dos instrumentos musicais e da voz, tanto
para a fala, quanto para o canto (interpretação e execução musicais), principalmente na
busca de procedimentos lúdicos e forma interativas entre os grupos de instrumentos e o
canto coral.

No Quadro 2, a seguir, foram classificadas as frentes de atuação do Projeto


demonstrando-se a concentração dos conteúdos por disciplina; observe-se, porém, que
esses conteúdos interagem dinamicamente uns com os outros e podem ocorrer em mais
de uma das classes:

Frentes de atuação do Projeto “Música na Escola”


Canto coral Musicalização Práticas Apreciação musical
instrumentais
Escuta, Conhecimento Domínio técnico Estilo, gênero e
consciência sonora teórico-prático da e interpretação época
e interpretação linguagem musical musical
musical
Quadro 2. Classificação das frentes de atuação do Projeto “Música na Escola” e seus conteúdos

Como reflexo do trabalho musical nas escolas, espera-se que os alunos desenvolvam
a concentração, a escuta reflexiva e crítica, a criatividade, a integração, a sociabilidade
e o senso de coletividade. Esse processo permite a fixação do conteúdo desenvolvido
em sala de aula, bem como as possíveis adaptações, por vezes, necessárias pelas
peculiaridades de cada escola: estrutura física, número de alunos, faixa etária,
interesses, habilidades e outros.

Formas de construção do conhecimento

Comenta-se, a seguir, o Plano Metodológico e as Estratégias de Ensino adotados nesse


processo. Para isso, parte-se das orientações oriundas dos PCNs, as quais preconizam:

Para que a música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário


que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes,
intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula. (...) a escola 10 5

pode contribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores talentosos
ou músicos profissionais. (pcns, 1998:77)

De forma cronológica, o Plano de Ensino prevê duas etapas com a duração de dois anos
letivos cada. Esta procura adequar as estratégias de ensino à grade curricular dos quatro
anos, correspondentes ao período da 1a à 4a séries (Ciclos I e II) e ao período da 5a à 9a
séries (Ciclos III e IV).2 No entanto, observe-se que, na maior parte das escolas, o Projeto
atende ao período da primeira fase: 1a à 4a séries escolares.

Na primeira fase, o planejamento se centra proeminentemente na apreciação musical, na


sensibilização e na interação coletiva dos atuantes. Apoia-se, portanto, em ações práticas e
vivência da literatura musical. Programam-se, para o desenvolvimento em classe, os seguintes
itens:

• Jogos musicais e brincadeira de contato, cantigas de roda e cirandas, exploração de temática


regional;

• Percepção sonora: observação e análise do som ambiente, internos e externos, e reprodução dos
mesmos (onomatopeias);

• Explicação teórica da procedência e propagação sonora com exemplos práticos;

• Vivência de escuta sobre as qualidades do som (altura, duração e intensidade e timbre);

• Conhecimento do cancioneiro brasileiro regional: interação com a literatura, a partir da qual se


desenvolvem propostas de leitura, poesia, canto e danças;

• Apreciação musical: escolhem-se compositores e trabalha-se na contextualização e


interpretação da literatura musical (nesse caso contextualizam-se gênero, estilo e época);

• Prática musical: diversas formações instrumentais em classe, em que os alunos desenvolvem,


criam e interpretam melodias simples, cantadas ou faladas. O foco é colocado na socialização,
concentração e no desenvolvimento psicomotor.

Parte-se, então, após dois anos, à segunda etapa, na qual o conteúdo trabalhado é
mais denso e específico do que o desenvolvido na etapa anterior. Os objetivos se voltam
para a técnica e conhecimento aprofundado da linguagem musical, apoiando-se nas ações
procedimentais do desenvolvimento musical. Essas ações englobam:

• Intensificação da primeira etapa de forma menos lúdica e mais específica: as brincadeiras e


jogos tornam-se atividades de caráter menos recreativo e passam a ser mais conscientes e
criativos;

• Jogos cantados que reforcem o desenvolvimento estrutural de elementos como ritmo, afinação,
concentração e criação musical em conjunto;

• Experiência e exploração da notação musical: noções criativas de escrita e leitura musical;

• Conhecimento dos instrumentos musicais: organologia, reconhecimento auditivo de timbres,


reconhecimento por meio da escuta e apresentação de fotos e gravuras dos instrumentos,
oficinas de construção instrumental, excursões para audição e concertos, dente outros;

• Apreciação musical: estudo específico de diversos gêneros, estilos e épocas da História da


Música Ocidental;

• Exercícios vocais e aplicação nas aulas de Canto Coral: prática de exercícios de relaxamento,
10 6 respiração, vocalizes, canto de melodias simples em uníssono ou em várias vozes e
improvisação;

• Prática instrumental: aprendizado e domínio técnico de um instrumento (flauta doce,


violão, teclado) visando o desenvolvimento psicomotor, a concentração e a socialização
coletiva do aluno;

• Conhecimento e prática de repertório: análise e execução do repertório específico


das práticas instrumentais e vocais, que se concentra nas obras tonais ou pré-tonais e,
principalmente, em canções populares e regionais).

As etapas do Plano de Ensino descritas acima estão resumidas no Quadro 3, a seguir:

ETAPAS DO PLANO DE ENSINO


1a ETAPA (duração 2 anos letivos) 2a ETAPA (duração 2 anos letivos)
Ações procedimentais
Vivência musical
Percepção auditiva
Experimentação sonora
Conhecimento de repertório
Sensibilização dos elementos estruturais:
ritmo, altura, duração, timbre Consciência e domínio psicomotor musical

Apreciação do repertório Desenvolvimento da concentração

Alusão histórica e contextualização Escuta ativa crítica

Observação das manifestações musicais Formação cidadã reflexiva


em diferentes sociedades
Sociabilidade e agentes de transformação
Socialização, concentração e
desenvolvimento psicomotor

Quadro 3. Etapas do Plano de Ensino e conteúdos do Plano de Ação

Avaliação metodológica e conteúdo

As avaliações cotidianas baseiam-se na troca de conhecimento durante o processo,


observando-se:

• o fluxo de criatividade dos alunos: interpretação, imaginação, desinibição, clareza na


exposição de ideias musicais e acuidade na percepção;

• o comportamento dos alunos diante das eventuais frustrações sofridas por eles, em
relação ao próprio desempenho técnico ou dos conteúdos trabalhados e ajuda a encontrar
formas de superação de dificuldades.

• as questões relativas ao discernimento e valorização do gosto nas músicas trabalhadas em


classe. A principal observação refere-se ao relacionamento dos elementos musicais e suas
características expressivas, como linguagem.

• a capacidade de conhecimento dos alunos, no que se refere aos aspectos de gênero, estilo
e época, dentro do repertório estudado ou interpretado.

• o manuseio consciente dos materiais musicais, tais como: partituras, cifras e registros
fonográficos, com respeito, e a sua valorização pela conscientização de sua importância 10 7
histórico-cultural.

Essa observação permite a discussão, por meio de avaliação conjunta, dos progressos
observados nos alunos avaliados, priorizando-se, na valoração do observado, as conquistas
por eles realizadas; analisam-se, também, as possíveis frustrações dos alunos, de forma
consciente, sensível e crítica. Além disso, discute-se o alcance social das aulas de música nas
escolas e seu reflexo na comunidade local.

Considerações

Demonstramos neste texto, de que modo o Projeto “Música na Escola” se organiza e se


coloca nas escolas da rede regular de ensino sob a ótica da atuação do educador. Observou-se
que eles possuem vivência e formação bastante heterogênea no que se refere à área musical,
mas estão capacitados a exercer sua função, pelas suas próprias experiências e formação.
Foi constatado que, no exemplo tomado, no Projeto do Conservatório Juscelino Kubitscheck,
as atividades que se desenrolam nas próprias escolas regulares, a partir de materiais
criados pelos professores e pela Coordenação Pedagógica, têm fundamento metodológico
e respaldam-se nos PCNs. Observou-se também que a atuação desses educadores visa à
formação pessoal, musical e social do aluno que, por sua vez, interage com sua comunidade
pela vivência da cidadania ofertando acesso ao conhecimento e cultura musical desde o
ambiente escolar.v

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. Fo nte: p roje to “m ú s i c a n a e s co l a” ( 20 0 6/20 0 7 )
2.O b s e r v a-s e q u e d e s d e 20 0 7 o c u r s o fu n d a m e nt al au m e nto u p ar a n ove a n o s d e d u r a ç ã o,
a b s o r ve n d o, n o n ovo 1º a n o, cr ia n ç a s d e 6 a n o s d e i d ad e, q u e, a nte s, c u r s av a m o p ré -
e s co l ar.

# B R A SI L . P a râ m etro s Cu rr icula re s N a cio n a is : A r te s, 19 9 8.


# CO N S E RVAT Ó R I O E S TA D UA L D E M Ú SI C A “J KO”. Pla n o s d e Cu r s o d o Projeto “M ú s ica n a
E s co la”. G e s t ã o 20 0 5 -20 0 7, [s.n].
10 8 D I SS E M I N A N D O CU LT U R A DIGITALIZACIÓN DE 96
DANZAS FOLKLÓRICAS
PERUANAS EN BUENOS
AIRES: LOS MIGRANTES
COMO “ARCHIVEROS”
DEL ARTE

M ag. Silvia Benza 21


n este artículo se muestra de qué forma los gestores de los grupos de danzas
folklóricas peruanas en Buenos Aires son también gestores o “archiveros” de contenidos
audiovisuales, actividad que implica una transposición mediática y la creación de
Patrimonio Digital Intangible. En estos procesos, los gestores resguardan las memorias de
la producción audiovisual de los grupos de baile, así como realizan cierta catalogación
y clasificación de las imágenes. Al mismo tiempo, posibilitan el acceso a obras que
se presentan en diversos lenguajes. Este acceso irrestricto posibilita a su vez que
los acervos sean reutilizados como insumo para diversos fines: artísticos, científicos,
periodísticos, etc. Así, las páginas web de los grupos de baile constituyen archivos, que
se expresan a través de documentos por los que se pone en circulación determinados
contenidos. Para Ray Edmonson y miembros de la AVAPIN (1998)1, un archivero es “…una
persona que ejerce en un archivo audiovisual, una actividad profesional consistente en la
creación, el perfeccionamiento, el control, la gestión o la conservación de su colección;
o bien en facilitar el acceso a ésta, o en atender a su clientela…”.

En tanto “archiveros”, encontramos que en algunos casos es la misma persona la que


produce la filmación de la danza que aquella que se ocupa de su visualización para su
consulta a través de las páginas web. En otras ocasiones, son personas cercanas a los
grupos de baile los que realizan las filmaciones. Estos gestores de archivos de imágenes
son mayormente autodidactas y entusiastas, y perciben e interpretan su trabajo desde el
punto de vista del entorno de los grupos de baile y del contexto de la migración.

De este modo, además de la mera actividad de “guarda” de imágenes, desde las


páginas web de los grupos de baile se encaran tareas comunicacionales y de gestión
cultural: tal es el caso de la realización de videoregistros de eventos en los que
participan los grupos de baile, con el objetivo de “subirlos” a youtube, así como la
realización de entrevistas a artistas a través del programa de radio, al que se puede
acceder a través de la página web de uno de los grupos. Al respecto, cabe destacar que
los videos de shows dancísticos a los que se puede acceder a través de las páginas web
de los grupos remiten a presentaciones propias, todas en Argentina. Las referencias a
Perú entonces estarían dadas por las fotos de danzas y por el contenido de los textos,
que expresan discursos identitarios. Por lo contrario, los videos únicamente remiten a
Argentina, a presentaciones que fueron organizadas por los grupos o bien en las que
fueron invitados.

La digitalización de danzas: un caso de transposición mediática

Vivimos en una cultura de transposiciones. Tal como ha sido señalado por Steimberg
(2005), el estudio de estos fenómenos informa no solamente acerca de la vida de los
géneros en el seno de la vida social, sino también de un fenómeno general de nuestra 10 9
cultura. Consideramos que digitalizar danzas –patrimonio intangible-, o bien la labor
de los grupos de danzas, no es equivalente a la digitalización de fuentes escritas o
fotografías. Afirmamos junto a Rojas Sola (2006) que el patrimonio digitalizado no sólo
es la transformación de objetos en formatos digitales utilizando escáneres, cámaras
fotográficas digitales, infografías o técnicas de reproducción 3D, sino lo que es más
importante, el asociar a esos formatos digitales la información del objeto original y
servicios añadidos.

En el caso de las danzas y/o de los grupos de danza de migrantes, entendemos que
en la digitalización, que implica considerar al ítem digital como poseedor de las mismas
características que el objeto analógico, no puede plantearse la existencia de una
relación lineal entre un original y una copia. En todo caso, lo que existe es una selección
de imágenes de movimientos corporales, coreografías, vestuarios e iconografías que
hacen los bailarines y/o los directores de los grupos –en el caso de las danzas, de
los contextos en los que las performances tienen lugar-, que serán distintos de la
experimentación que tiene de la performance el intérprete o el público. En la “copia”
está implícita la representación que se hacen los migrantes de esos “originales” y de sus
reproducciones.

Diversos autores sostienen que el proceso de digitalización de bienes patrimoniales


es una forma de socializar la riqueza cultural, además de implicar la producción de
otro valor intangible, pues posibilita conocer de manera más profunda las colecciones y
mejorar las herramientas para su control y consulta. Para el caso que nos ocupa, vemos
que el cambio de soporte, de algún modo reproduce la función de conservación del
patrimonio que cumplen los grupos de danza, pero también ampliando su difusión. No
obstante, no necesariamente se mejoran las herramientas para el “control” y “consulta”
de las danzas. Esto dependerá de qué sea lo que el investigador, artista o coleccionista
busque.

En las fuentes escritas o fotografías, la importancia de trasladar ítems analógicos a


digitales guarda relación con el alivio de la tensión de la consulta de los originales. La
digitalización de las danzas y de la labor de los grupos de danzas de algún modo amplía
la labor de difusión a un público no migrante, pero constituye a la vez un paso indirecto
para que este público se acerque a los contextos performativos de las danzas –ensayos,
clases y presentaciones-, al mismo tiempo que permite la simple observación de las
pantallas y la no participación en estos contextos.

Lo anterior nos permite pensar que las páginas web de los grupos de baile
constituyen “Museos Virtuales”2, acercándose a aquellos “Museos como folletos
electrónicos”, que suelen ser puramente informativos, y donde sólo se presentan
informaciones acerca del horario de la visita, el precio, y una descripción general
de los contenidos o hasta venta de productos. En efecto, las páginas web muestran
información sobre el lugar y horario de los ensayos de los grupos, así como descripciones
del significado e historia de las danzas. Asimismo, estos sitios se asemejan a los “Museos
interactivos”3, donde el usuario accede a la información que no se encuentra en el
museo con una visita presencial y, por tanto, complementa dicha visita. Una de las
implicancias que tiene la digitalización de danzas en la recepción de las mismas es que
justamente, la mera asistencia a los ensayos de los grupos (entendida como “visita”), no
implica obtener la información descriptiva de las danzas que se presenta en las páginas,
ni permite acceder a la “historia del conjunto”. Son distintas las experiencias y los
conocimientos que circulan en los dos ámbitos.
110 ¿Cómo son presentadas las danzas en estos “Museos Virtuales”?. Creemos que esta
problemática puede ser abordada desde los conceptos de “género” y de “transposición”
desarrollados por Steimberg. Para este autor, un “género” constituye un horizonte
de expectativas en el intercambio discursivo, que puede dar cuenta de una demanda
de saber pero también de la búsqueda de repetición y de olvido propia de cada
imaginario social (Steimberg, 2005:136). Tomando en cuenta que tanto la danza como
la música reflejan y constituyen identidades sociales, nos parece pertinente abordar
la transposición mediática de los géneros dancísticos que son interpretados por los
migrantes peruanos en Buenos Aires en el contexto de los grupos de baile folklóricos.
Siguiendo a Steimberg, entendemos que “…hay transposición cuando un género o un
producto textual particular cambia de soporte o de lenguaje; cuando una novela o
tipo de novelas pasa al cine, o la adivinanza oral a la televisión, o un cuento o tipo de
cuentos a la radio…”. En este caso, nos referimos a la transposición que tiene lugar
cuando los migrantes muestran en las páginas web de los grupos de baile las danzas que
ellos interpretan.

Consideramos que un primer abordaje consiste en describir aquellos elementos


que componen una escena virtual. Así, en las páginas web de los grupos de danzas
folklóricas peruanas en Buenos Aires se combinan fotografías, discursos y enlaces que
hacen a la “puesta en pantalla” (Grillo, 2003:12), que se retroalimenta continuamente
con la “puesta en escena”. Por “puesta en escena” entendemos aquellas situaciones
de enunciación de “tipos sociales” que constituyen personajes imaginarios, ausentes
o situados en “otros escenarios”, por medio de la puesta en práctica de técnicas
corporales, en las que un coreógrafo indica cuáles serán los indicios necesarios
para una mejor recepción por parte del espectador. Esta recepción variará según la
retroalimentación entre espacios de representación (espacios concretos) y espacios
representados (espacios imaginados) y entre tiempo de la representación (o tiempo
escénico) y tiempo representado (o tiempo dramático).

La definición de Patrimonio Intangible elaborada por la UNESCO en el año 2003,


que enfatiza el vínculo estrecho entre las manifestaciones inmateriales y el valor
atribuido a la diversidad cultural (Lacarrieu, 2006), se refiere a éste como “Los usos,
representaciones, expresiones, conocimientos y técnicas –junto con los instrumentos,
objetos, artefactos y espacios culturales que les son inherentes- que las comunidades,
los grupos y en algunos casos los individuos reconozcan como parte integrante de
su patrimonio cultural. Este patrimonio cultural, que se transmite de generación en
generación, es recreado constantemente por las comunidades y grupos en función de su
entorno, su interacción con la naturaleza y su historia, infundiéndoles un sentimiento
de identidad y continuidad y contribuyendo así a promover el respeto de la diversidad
cultural y la creatividad humana”.

Considerando lo anterior, podemos concluir que en la transposición mediática de los


géneros dancísticos –patrimonio intangible-, se genera otro valor intangible. Es decir, el
patrimonio dancístico intangible, se convierte en un patrimonio digital intangible. Y
este pasaje se produce en un contexto de creciente generalización del patrimonio como
bien para el consumo visual (Arantes, 2002: 88), en la que la visualidad constituye uno
de los valores primordiales de la cultura contemporánea.v
111

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. E n G a gliardi, J o r g e y C ar lo s Gi n d z b e r g: A n áli s i s co n ce ptu al y cl a s ifi c a c i ó n d e l a
i nfo r m a c i ó n au di ov i s u al. Fi c h a d e c áte d r a. N ú cle o A u di ov i s u al B u e n o s Aire s. Ce nt ro
Cu ltu r al S a n M ar t í n. M i ni s te r i o d e Cu ltu r a. G o bi e r n o d e l a Ciu d ad d e B u e n o s Aire s.
20 0 7.
2. S e g ú n M c Ke n z i e (19 97 ) “… U n m u s e o v ir tu al e s u n a co le cc i ó n o r ga ni z ad a d e
ar te fa c to s e le c t ró ni co s y re c u r s o s d e i nfo r m a c i ó n, v ir tu alm e nte al g o q u e p u e d e
di g it ali z ar s e. L a co le cc i ó n p u e d e i n clu ir pi ntu r a s, di b ujo s, foto gr afía s, dia gr a m a s,
gr áfi co s, gr a b a c i o n e s, s e g m e nto s d e v i d e o s, ar t í c u lo s d e p e r i ó di co s, t r a n s cr i p c i o n e s
d e e nt re v i s t a s, b a n co s d e d ato s n u m é r i co s …”
3. S e g u i m o s aq u í l a cl a s ifi c a c i ó n d ad a p o r R oja s S o l a ( 20 0 6) e n “ P at r i m o ni o c u ltu r al
y te c n o lo g ía s d e l a i nfo r m a c i ó n: p ro p u e s t a s d e m ejo r a p ar a lo s m u s e o s d e c i e n c ia y
te c n o lo g ía y ce nt ro s i nte r a c t i vo s d e Ve n e z u e l a”. I nte rc i e n c ia. C ar a c a s, Ve n e z u e l a.

#A R A N T E S, A nto ni o. 20 0 2. Cu ltu r a, c iu d ad a nía y p at r i m o ni o e n A m é r i c a L at i n a. E n: L a


(in d i) g e stió n cultu ra l. U n a c ar to gr afía d e lo s p ro ce s o s c u ltu r ale s co nte m p o r á n e o s.
CI CCU S. L a Cr ujía. B u e n o s Aire s.
# G AG L I A R D I, J o r g e y C ar lo s Gi n d z b e r g: A n áli s i s co n ce ptu al y cl a s ifi c a c i ó n d e l a
i nfo r m a c i ó n au di ov i s u al. Fi c h a d e c áte d r a. N ú cle o A u di ov i s u al B u e n o s Aire s. Ce nt ro
Cu ltu r al S a n M ar t í n. M i ni s te r i o d e Cu ltu r a. G o bi e r n o d e l a Ciu d ad d e B u e n o s Aire s.
20 0 7
# G R I L LO, O s c ar. 20 03. Co n stru yen d o a ce pta ció n d e la d iver s id a d: M a p u ch e s en la We b.
P o n e n c ia p re s e nt ad a e n l a Co nfe re n c ia s o b re D e m o cr a c ia, G o b e r n a n z a y Bi e n e s t ar e n
l a s S o c i e d ad e s G lo b ale s. I n s t itu to I nte r n a c i o n al d e G o b e r n a bili d ad. B arce lo n a.
# L AC A R R I E U, M ó ni c a. 20 0 6. Atla s d e fie sta s, cele b ra cio n e s, co n m e m o ra cio n e s y
r itu a le s d e la Ciu d a d d e B u en o s Aire s. U n a i ni c iat i v a p ú b li c a d e l á m bito lo c al.
(C a pítu lo: P at r i m o ni o y D i ve r s i d ad). E n: M o n e t a, C ar lo s (co m p.) E l jardí n d e lo s
s e n d e ro s q u e s e e n c u e nt r a n: p o lít i c a s p ú b li c a s y di ve r s i d ad c u ltu r al e n e l M E R CO S U R .
U N E S CO. M o nte v i d e o.
# M C K E NZI E, J. (19 97 ). B u ildi n g a V ir tu al M u s e u m Co m m u nit y. M u s e u m s & T h e We b
Co nferen ce. L o s A n g e le s, C alifo r nia. <ht t p://w w w.fn o.o r g/m u s e u m/m u s e we b.ht m l>
# PAV I S, P at r i ce. 20 0 0. El a n á lis is d e lo s e s p ectá culo s. P ai d ó s. B arce lo n a- B u e n o s Aire s.
# R O JA S S O L A , J o s é I g n a c i o. 20 0 6. P atr im o n io cultu ra l y tecn o lo g ía s d e la info r m a ció n:
p ro p u e sta s d e m ejo ra p a ra lo s m u s e o s d e cien cia y tecn o lo g ía y centro s intera ctivo s d e
Ven e zu ela. Intercien cia. A ñ o/ Vo l 31, n ú m e ro 0 0 9. C ar a c a s.
# S T EI M B E R G, O s c ar. 20 0 5. S e miótica d e lo s m ed io s m a s ivo s. E l p a s aje a lo s m e di o s d e
lo s g é n e ro s p o p u l are s. Atu e l. B u e n o s Aire s.
112 ACE SS A N D O A S Sobre o Laboratório
MEMÓRIAS DO Metodológico Arte
Público – Recife 2009
D I Á LO G O A N T ER I O R
(20 09)

Rejane Galvão Coutinho 22


convite para participar da terceira edição do 4º Encontro Diálogos entre Arte e
Público (Recife, 2009), com a temática “Educadores entre museus e salas de aula: que
diálogos são esses?” foi recebido como um desafio para partilhar reflexões sobre as
pesquisas que tem como foco a formação de educadores como mediadores culturais e
sociais.

Minha atuação, desde 2001, junto à equipe independente do Arteducação Produções,


no desenvolvimento de ações educativas, na formação de educadores mediadores, na
coordenação de cursos de formação e atualização de professores, no desenvolvimento
de materiais educativos, assim como, minha atuação no meio acadêmico, na formação
inicial de arte/educadores, na orientação de pesquisas de mestrado e na organização
de seminários, situam-me numa posição relativamente cômoda para enfrentar o desafio.
Essa comodidade relativa me permite ter liberdade para refletir criticamente sobre as
propostas e questões inerentes ao campo da mediação cultural e social, visto que não
faço parte de uma instituição cultural específica, mas de uma equipe independente e
de uma instituição educacional pública. Em contrapartida, essa comodidade agrega as
minhas reflexões à responsabilidade de um posicionamento crítico e construtivo.

A questão central em torno da qual construí o texto para minha intervenção


nos Diálogos (uma palestra e a condução de um laboratório metodológico) foi a da
“democratização do acesso aos bens patrimoniais e culturais”. Essa bandeira tem
sido ultimamente usada no Brasil de forma explícita ou implícita como slogan para os
investimentos em ações educativas tanto pelas instituições que gerenciam e colocam em
circulação os bens patrimoniais, quanto por aqueles que efetivamente põem em prática
tais ações. Venho buscando compreender o contexto onde se inscreve essa declaração
que vem se naturalizando no campo e se apresenta como um princípio afirmativo que
justifica toda uma gama de investimentos em prol da formação de um público fruidor.
Tenho buscado problematizar o campo onde essa declaração surge e onde se situa,
pois percebo que, apesar de carregar o epíteto da democracia, contraditoriamente foi
forjada para reforçar os mecanismos de distinção. A democratização, nesse caso, implica
aceitação inquestionável dos valores pertinentes a um campo que se autoproclama
exclusivo e hierarquicamente superior. Uma democratização de mão única, que parte do
princípio de que os valores referentes aos bens patrimoniais e às obras de arte devem
interessar a todos e contribuir para a formação de todos, sem distinção de sexo, idade,
etnia, classe social, etc. Valores estes que se fundam em pretensos critérios universais,
oriundos de processos hegemônicos eurocêntricos.

Do ponto de vista educacional, lidar com essa contradição é extremamente


frustrante. Como empreender uma ação educativa verdadeiramente democrática
se as instituições permanecem encasteladas, se os bens culturais permanecem 113

distantes, expostos em vitrines e pedestais em cenários luxuosos? Como pretender a


democratização do acesso se as estratégias e discursos usados para esse dito acesso
fazem uso de signos e de sistemas interpretativos exclusivos distintos daqueles usados
pelos sujeitos que buscam esse acesso?

Penso que uma saída para o impasse em que se encontram as ações educativas é
tentar reverter a lógica desse sistema excludente. Ao invés de mediações diretivas e
unidirecionais, proponho mediações dialógicas e multidirecionadas. Não um falando por
todos e para todos, mas a instauração de diálogos, a circulação da palavra, em processos
de interpretações que levam em conta os diferentes lugares de fala dos indivíduos, as
diferentes comunidades interpretativas. Uma prática aberta a múltiplas narrativas.

Ao invés de confirmações e afirmações sobre um campo e seus valores, a instauração


de dúvidas, a prática do descentramento de pontos de vista.

Ao invés de assumir um conceito de cultura como elemento aglutinador de


identidades, pensar a cultura como redes de significados, como comunidades
de sentidos, de pertinência e de pertencimento, que revela heterogeneidade e
contradições. Uma ideia mais dinâmica de cultura que comporta transfusões e
mestiçagens de produtos materiais e crenças (Aguirre, 2009).

Ao invés de se submeter e sucumbir às políticas culturais institucionais, desvelar as


entranhas que constituem o campo patrimonial e o campo da arte, deixando emergir os
conflitos, enfrentando as contradições inerentes à própria situação das ações educativas
frente às instituições que a mantém.

Partindo dessas premissas que orientam minhas pesquisas no campo da mediação


cultural, pensei em um laboratório metodológico para exercitar essas polaridades. A
ideia foi apresentada para o grupo como uma conversa informal sobre mediação, ou
seja, não pretendíamos exercer exatamente uma mediação, mas, procurar estabelecer
uma conversa entre educadores sobre as potencialidades e limitações daquele espaço
museográfico: o Museu do Homem do Nordeste. Tínhamos, portanto, um espaço
instituído de grande relevância para o contexto cultural local e nacional como cenário e
foco de nossas reflexões.

Elaborei seis questões/instruções em pares: duas sobre aquele museu, duas sobre o
homem no contexto daquele Museu e duas sobre a ideia de Nordeste, pensando também
naquele contexto. As questões/instruções em pares foram elaboradas sob distintas
perspectivas ideológicas: uma tendo como princípio o peso da tradição e a outra tendo
como norte uma perspectiva de transformação social. O grupo foi dividido em seis
pequenos grupos e as instruções foram distribuídas sem inicialmente os participantes
terem conhecimento sobre as distinções entre as questões – eles sabiam apenas que cada
grupo teria uma tarefa diferenciada a exercitar.

Questões/instruções sobre museu:

• 1 - Observe o espaço museográfico procurando perceber como está organizado:


observe o modo como as obras estão expostas, a iluminação, enfim, tudo que
puder perceber sobre sua organização. Destaque na museografia os recursos e
estratégias de mediação que facilitam a sua visita.

• 2 – Dê uma volta pelo espaço museográfico observando se há recursos de


114 mediação disponíveis. Se houver, observe-os e selecione um deles. Analise sua
função, seu potencial e o discurso que esse dispositivo engendra nas obras e nos
visitantes.

Questões/instruções sobre homem:

• 1 - Quais objetos/obras revelam com maior precisão o sentido de homem do


Nordeste presente em você? Justifique suas escolhas.

• 2 – Dê um passeio pelo espaço do museu e observe os objetos e obras expostos.


Escolha um objeto ou conjunto de objetos que te atrai, seja de forma positiva ou
negativa. Invente uma história sobre esses objetos para contar ao grupo.

Questões/instruções sobre Nordeste:

• 1 – Se você fosse convidado a criar um guia turístico sobre a cultura do Nordeste,


quais obras/objetos/conhecimentos desse museu você destacaria neste guia?
Justifique suas escolhas.

• 2 – Qual a finalidade de ter em Recife um museu dedicado ao homem do


Nordeste? Será que o homem do Nordeste é diferente do homem do Sul, do
Sudeste e do Norte? O que pode qualificar o homem do Nordeste?

Os grupos se dispersaram e eu procurei acompanhar alguns percursos. Depois de uma


hora voltamos a nos encontrar e cada grupo apresentou a sua instrução e começamos
um debate. Vale salientar que o grupo era composto de educadores com diferentes
experiências: educadores de museus, alguns do próprio Museu do Homem do Nordeste;
educadores da educação formal, de diferentes níveis e estudantes de cursos de artes e
afins. A heterogeneidade de pontos de vista é sempre salutar em encontros como esses.

Em linhas gerais, a discussão girou em torno de alguns conceitos de museu que


permeiam o campo cultural hegemônico, como a ideia de preservação, de memória e de
conservação que buscamos desconstruir a partir de indagações sobre quem determina o
que deve ser conservado e quais os critérios para a difusão desse patrimônio. Acredito
que tenha ficado claro para os educadores ali presentes que o discurso engendrado pelo
museu foi construído por uma específica classe social que busca legitimar o seu ponto
de vista da história social e cultural da região Nordeste. A seleção dos objetos e os
dispositivos expográficos falam por si só.

Como educadores, levantamos algumas possibilidades de mediação para o contexto


e ousamos pensar em concepções mais sistêmicas de curadoria e expografia para falar
de um homem e de uma mulher dessa região, levando em conta as experiências de vida
daqueles indivíduos ali presentes.

Sei que o confronto de ideias gerado nesse desafio provocou desconforto em alguns
educadores e alimentou outros, como a mim mesma, com possibilidades de ações
educativas mais consistentes e coerentes com desejos de transformação.v

R E F E R Ê N CI A S
#A g u ir re, I m a n o l. El a cce s o a l p atr im o n io cultu ra l: re to s y d e b ate s. P a m p lo n a: U P N A –
Cu ad e r n o s d e l a C áte d r a J o r g e O te i z a, 20 0 8.
# B A R B O S A , A n a M a e; CO U T I N H O, R eja n e G alv ã o (O r g.). A rte/ed u ca çã o co m o m ed ia çã o
cultu ra l e s o cia l. S ã o P au lo: Edito r a U N E S P, 20 0 9.
ACE SS A N D O A S APRENDIZES DA 115
ARTE, MEDIADORES E
MEMÓRIAS DO PROFESSORES:
D I Á LO G O A N T ER I O R OLHARES
(20 09) COMPARTILHADOS?

Mirian Celeste M artins 23


O seu olhar melhora o meu!
Arnaldo Antunes1

magine-se neste jogo: frente a uma exposição (lembre-se de uma) o que você como
professor gostaria de trabalhar? E se você fosse o mediador da instituição cultural?
Haveria diferença entre o foco da visita para o professor e o mediador? E se você fosse
um aluno das séries iniciais ou do Ensino Médio, o que gostaria de ver?

Essas questões alimentaram a proposição que fiz para o Laboratório Metodológico2


no 4º Encontro Diálogos entre Arte e Público, que tinha como tema: Formação de
educadores: entre museus e sala de aula. No convite, uma tentativa de compreender
quais os melhores meios de encontrar conexões de atividades/ações desses educadores
em sala de aula e em museus e suas formações.

Foi corajoso colocar o foco no conflito entre mediadores/professores atuando na


escola e mediadores/educadores em instituições culturais. Uma questão pouco debatida.
Na minha experiência de coordenar ações educativas em diversas exposições, percebi
queixas dos dois lados.

O mediador da instituição cultural reclama do professor que abandona seus alunos,


do professor que a tudo responde não deixando espaços para seus alunos, do professor
que vem com uma proposta fechada, esperando apenas que o discurso do mediador
confirme aspectos que ele já trabalhou em sala de aula.

O mediador/professor da escola se queixa do mediador que fala demais, que não


para de falar demonstrando a sua sapiência e ignorando as expectativas do grupo, que
autoritariamente dirige a visita, que desconhece o professor que pode ter preparado
uma visita específica, que segue o roteiro do curador, que tem a fala “pronta”.

Qual o espaço da troca entre eles? Antes? Durante? Depois? O que é esperado por
um e por outro? Há informações anteriores trocadas entre escola e instituição cultural
para tentar garantir um acesso mais aberto às expectativas do grupo visitante? O que
acontece no acolhimento, no início da visita? Uma avaliação por escrito do professor
pode gerar a formação contínua de mediadores e a busca de alternativas adequadas?

Essas e outras tantas problematizações se ofereceram como mote para criar uma
proposição no Laboratório Metodológico, utilizando o espaço do Museu do Homem do
Nordeste disponibilizado para essa ação. Para prepará-la, uma troca intensa de e-mails
com Anderson Pinheiro, um dos coordenadores3 do encontro.
116 Na quente manhã da bela Recife, no acolhedor museu nos reunimos. Depois de
uma rápida apresentação dos participantes, dividimos o grupo de participantes em
três, colocando-os em papéis diferenciados. Assim, os estudantes universitários4 se
transformaram em mediadores do museu; os professores se transformaram em alunos
escolhendo a própria faixa etária e os mediadores tornaram-se professores.

Cada grupo experimentando outra função deveria ver a exposição buscando objetos/
obras e ou conceitos que gostaria de aprofundar. Desse modo, os grupo de mediadores
(formado pelos estudantes universitários), de alunos (formado pelos professores) e de
professores (formado pelos mediadores) deveriam fazer suas escolhas, justificá-las,
pensar conexões que poderiam ser feitas para além da exposição e quais os recursos
poderiam ser utilizados sem qualquer limite financeiro.

Animados, os integrantes de cada grupo, se espalharam pelo espaço expositivo


levantando muitas ideias em harmonioso trabalho, negociando posições e interesses e
chegando a um consenso pensando que iriam apresentá-lo ao grande grupo. Mas, em vez
de apresentarem suas escolhas e estratagemas como previam, foi proposta uma nova
divisão: novos grupos foram compostos por um mediador, um professor e um ou dois
alunos de faixas etárias próximas.

Em cada grupo, o professor, o mediador e os alunos deveriam contar os projetos e


interesses e inventar um processo de mediação cultural. O conflito aí se estabeleceu de
certo modo. Os professores (que eram mediadores do museu), os mediadores (que eram
os estudantes universitários) e os aprendizes de arte (que eram os professores) lutavam
para que suas propostas fossem aceitas em cada grupo. Diálogos “quentes” animaram os
diversos grupos tentando chegar a uma proposta de mediação.

Fechando o Laboratório Metodológico, nos reunimos para uma conversa que focalizou
a proposta final apenas como resultado de pressões, resistências e acordos entre os
vários integrantes do grupo que viviam por sua vez papéis também diferentes e que
haviam proposto antes um determinado modo de abordar o rico acervo.

“Quatro visões diferentes e o desejo de conciliar”5 ou “se ver como um outro” ou


ainda a professora que se viu “como público”, são falas que desvelam a experiência que
tocou cada participante. Provocou deslocamentos: “me colocou no olhar de primeira
vez. Deslocou-me de um lugar fixo para um outro”.

De certo modo já esperava que essa troca de papéis iria gerar confrontos de ideias e
traria do acervo exposto no Museu do Homem do Nordeste vários aspectos que poderiam
ser abordados, possibilitando o acesso pela aproximação mais significativa com o que
ali estava exposto. O que foi mais surpreendente para mim foram as ações pensadas
por aqueles que se colocaram no lugar de estudantes. Ao contrário dos mediadores ou
professores que ficaram mais presos ao discurso do próprio museu, o olhar da criança ou
dos adolescentes trouxe um frescor frente ao acervo. Foi, ao pensar como aprendiz da
arte, que descobertas, inquietações, sensações foram desveladas.

“Tornar vivo o conteúdo”, disse uma participante. Fala-síntese de muitas vozes que
permitiram que o olhar de aprendiz invadisse seus próprios modos de ver. O acervo
parece que congela dentro do museu aspectos que estão do outro lado de sua porta e
conectá-lo com eles foi o pedido. Partir de um trabalho sensorial, propor a experiência
de provar um “rolete de cana”, provocar o olfato, a audição, o tato, foram algumas das
situações propostas. Foram os participantes vivendo o papel de alunos que propuseram
o computador dentro do museu, a possibilidade de usar o celular para tirar fotos, para 117

enviá-las por bluetooth, o encontro com os grupos e a culinária nordestina, com oficinas,
propor intervenções na rua, registro da oralidade, vestir roupas típicas em oficina de
dança.

Também tiveram voz os “alunos” frustrados porque não foram ouvidos, o aluno da 8ª
série “metido à besta”, a “estudante” da zona rural, os que estavam lá obrigados ou que
queriam muito saber sobre as filmadoras porque adoram cinema, mas o foco da visita
era o bumba meu boi.

Vimos muitas vezes a “professora” autoritária querendo que sua ideia prevalecesse
justificada pelos conteúdos da escola, talvez. Ou a “mediadora” frustrada porque
pensara uma determinada ênfase em sua visita, mas o “professor” ou os “alunos”
queriam tantas outras...

“Tem de haver diálogo, senão não se vai a legar nenhum”. “Fortificar a ideia de
mediação compartilhada com o professor e o aluno, a importância da parceria”. “Não ser
o sujeito que explica”. Essas são algumas das falas que perceberam no jogo proposto a
importância de cada papel, mas que revelaram também como no discurso de professores
e mediadores prevalece muitas vezes o discurso formalizado, congelado, restringindo
o conteúdo ao invés de ampliá-lo e torná-lo mais vivo, mais experienciado, mais
significativo.

Nem sempre o olhar do visitante é levado em conta em nossas propostas de


mediação. O foco pode estar no próprio artista, no movimento, em obras específicas.
Sim, certamente dialogamos com eles, prospectamos seus gostos, estranhamentos e
conceitos em relação ao artista, ao movimento, às obras específicas, mas nem sempre é
possível vê-los como viu Alécio de Andrade. Impacto!

Conheci as fotografias de Alécio de Andrade na exposição O Louvre e seus visitantes


no Instituto Moreira Sales em São Paulo6. De 1964 até sua morte, em 2003, ele fotografou
os visitantes no Louvre, com mais de doze mil imagens produzidas. Diz Edgar Morin,
o famoso antropólogo, sociólogo, filósofo e pensador da educação, no catálogo da
exposição:

O que me encanta nas fotos de Alécio de Andrade é que elas me permitem


adquirir uma visão de espelho. O “belo” se cria entre diversos interlocutores em
momentos diferentes: beleza da tela, maravilhosas atitudes corporais do visitante
que evidenciam sua emoções, maravilhoso instinto de Alécio de ter disparado
a foto naquele momento exato. E finalmente nós. Um contempla o outro, mas
é ainda Alécio que fixa o todo; e depois, plena alegria, nós que temos ainda a
possibilidade de interpretar o visível. (2009:14)

Como Morin, percebo a complexidade de relações presentes entre visitantes e obras,


entre visitantes e espaços expositivos, entre as fotos de Alécio e nós, entre nossos alunos
visitantes e nossas possibilidades de mediação.

Em meus estudos e pesquisas pessoais e nos grupos de pesquisa sobre Mediação


Cultural no Instituto de Artes/Unesp (2003-2007) e na Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2009 até o presente), cada vez mais penso a mediação como um “estar entre
muitos”, superando a situação dual da mediação compreendida como ponte. “Estar
entre muitos”7 implica perceber cada um que trazemos ao museu, seja nossos alunos,
amigos ou familiares. Ouvir os desejos por melhor apreciar determinados objetos, obras
118 ou conceitos, abrir um espaço de silêncio para que as sensações pessoais possam ser
percebidas, provocar a rica troca entre os olhares e saberes de cada um, pode ampliar o
contato com a arte.

Vimos na proposição vivida e aqui relatada que o olhar do estudante, mesmo que
trazido pelos professores vestidos nesse papel, trouxe um novo frescor ao modo de
abordar o acervo. Obrigou a saída de um discurso da curadoria ou do conteúdo escolar
para fortalecer a conversação, o diálogo, o olhar sobre o que não havia sido visto, para
perceber faltas que não haviam sido percebidas. “Estar entre muitos” nos coloca na
posição de quem também há de viver uma experiência, potencializando-a aos outros,
pois a vivemos com intensidade. Atentos às falas, aos silêncios, às trocas de olhares, ao
que é desvelado e velado, aos conceitos e repertórios que ditam os gostos, os modos
de pensar, perceber e deixar-se ou não envolver pelo [con]tato, com a experiência de
conviver com a arte. Mas um cuidado é fundamental: não apenas como conduzimos
a conversa, mas especialmente como e com que cuidado ampliamos as conexões
potenciais.

Jorge Larrosa (2004:84) nos convida a pensar uma comunidade realmente plural,
uma comunidade babélica: “qualquer comunicação é babélica porque, no ato mesmo
de comunicar-se, qualquer sentido se multiplica e nos multiplica, confunde-se e nos
confunde”. Habitar babelicamente nossa condição babélica é “habitar uma língua
múltipla”, valorizando e não escamoteando as diferenças, os ruídos, a estranheza. A
mediação é perigosa quando, ao contrário, se toma o mediador como o “sujeito da
compreensão”, como um “tradutor etnocêntrico e o leitor etnocêntrico: não o que nega
a diferença, mas o que se apropria da diferença, traduzindo-a a sua própria linguagem”
(LARROSA, 2004:74). Assim, Larrosa nos aponta o perigo da trabalhosa e desesperada
mediação como ponte com uma única direção de um “sujeito de compreensão” que quer
compreender tudo a partir de sua cultura, sua sensibilidade, de sua riqueza para tornar
compreensível ao outro, tapando as diferenças. Habitar babelicamente nossa condição
babélica expõe e provoca a singularidade da experiência, ramificando-a qual rizoma em
múltiplas significações que presentificam diferenças.

“Estar entre muitos” é gerar conversas que ampliem as significações, os pontos


de vista que provocam diferenças, seja do mediador, do professor e do público, como
também do curador, do desenho museográfico, dos textos nas paredes, da recepção
silenciosa dos que estão “guardando” a instituição cultural. “Estar entre muitos” é
rechear a conversa também com os pontos de vista dos teóricos que escreveram sobre o
que ali vemos ou pensamos sobre arte e que nos alimentaram e fundamentaram nossos
próprios saberes, com os textos escritos na mídia sobre a exposição, cientes da condição
babélica, da impossibilidade de traduzir, do cuidado para não achatar diferenças, para
não abolir as distâncias de tempo e espaço.

O convívio em uma experiência mediadora que se sabe babélica nos exige


sensibilidade inteligente e inventiva para pinçar conceitos, puxar fios e conexões,
provocar questões, impulsionar para sair das próprias amarras de interpretações
reducionistas, lançar desafios, encorajar o levantamento de hipóteses, socializar pontos
de vistas diversos, valorizar as diferenças, problematizando também para nós o convívio
com a arte. Muito mais do que ampliar repertórios com interpretações de outros
teóricos, a mediação cultural como a compreendemos quer gerar experiências que
afetem cada um que a partilha, começando por nós mesmos. Obriga-nos, assim, a sair
do papel de quem sabe para viver a experiência de quem convive com a arte. Para isso,
precisamos de intercessores, no sentido dado ao termo por Deleuze8.
O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem eles não 119

há obra. Podem ser pessoas – para um filósofo, artistas ou cientistas; para um


cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até animais, como
em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar
seus próprios intercessores. É uma série. Se não formamos uma série, mesmo
que completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso de intercessores
para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha
em vários, mesmo quando isso não se vê. E mais ainda quando é visível: Félix
Guattari e eu somos intercessores um do outro. (1992:156)

 São os intercessores – sejam eles a arte, as obras, o pensamento dos artistas, a


vida do lado de fora e do lado de dentro das escolas e dos museus, sejam os estudos
de tantos outros e dos nossos próprios, ou Gisa Picosque para mim – que nos fazem
perceber diferentes focos no território de mediação cultural, entre outros territórios que
poderiam ser percorridos no ensino de arte.

Nossos intercessores neste Laboratório Metodológico foram a diversidade de um


grupo que trouxe em si o olhar de tantos outros a nos mover para uma experiência
mediadora. Uma experiência que acredita que a obra também se faz pela criação do
observador, que a informação e o conhecimento se fazem pelo acesso oferecido para
encontros com outros intercessores a nos deslocar do que já sabemos, a desaprender
o que arraigadamente teimamos em continuar repetindo, a perceber pontos de vista
singulares mesmo que pareçam incômodos e estranhos, a interagir e compartilhar
com parceiros como neste 4º encontro aos quais muito agradeço e, enfim, a ampliar
intercessores que instiguem o diálogo entre a arte e todos nós.v
12 0

N O TA S E R E F E R Ê N CI A S
1. Fr a g m e nto d a le t r a d e O s e u o lh a r d e A r n ald o A ntu n e s e P au lo Tat it n o C D Nin g u é m
(19 95). L e t r a s di s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.ar n ald o a ntu n e s.co m.b r/s e c _ di s co gr afia _
o b r a.p h p? i d =26 >. A ce s s o e m 15 m ai 2010.
2. (N ota d o ed ito r) L a b o rató r io M eto d o ló g ico é u m a ofi c i n a re f lex i v a q u e fu n c i o n o u
n u m tu r n o d e h o r ár i o q u e a nte ce d e u a p ale s t r a e s e r v iu co m o m e i o d e ex p e r i m e nt a ç ã o
n a p r át i c a d a s i d e ia s t r a z i d a s p e lo s p ale s t r a nte s d o E n co nt ro D iálo g o s e nt re A r te e
P ú b li co.
3. (N ota d o Ed ito r) O En co ntro s e m p re foi o r ga ni z ad o p r i n c i p alm e nte p o r A n d ré A q u i n o.
O 4 º e 5º e s t ã o s e n d o o r ga ni z ad o s t a m b é m p o r R e g i n a B u cc i ni.
4. (N ota d o Ed ito r) N e s te 4 º e n co nt ro o p ú b li co p ar t i c i p a nte d o s L a b o r ató r i o s fo r a m,
p r i n c i p alm e nte, e s tu d a nte s u ni ve r s it ár i o s.
5. A s mi n h a s a n ot a çõ e s a o fi n al d o e n co nt ro n ã o m e p e r mit ir a m i d e nt ifi c ar to d a s
a s fal a s. P ar a n ã o i n co r re r e m e r ro s, o pte i p o r n ã o n o m ear, m a s a gr ad e ço a c ad a
p ar t i c i p a nte p e l a s u a p ar t i c i p a ç ã o e p e lo b r ilh o d e s u a s re f lexõ e s fi n ai s.
6. Veja al g u m a s i m a g e n s d e A lé c i o d e A n d r ad e. D i s p o ní ve l e m: <ht t p://w w w.
ale c i o d ea n d r ad e.co m/p h oto gr a p hi e s-le -lo u v re - e t-s e s-v i s ite u r s.ht m l>. A ce s s o e m 15 m ai
2010.
7.O co n ce ito d a m e dia ç ã o co m o u m “e s t ar e nt re m u ito s” te m s i d o co lo c ad o p o r mi m
p ar a s u p e r ar a i d e ia d e p o nte.
8. D E L E UZE, Gille s. A t r a n s fo r m a ç ã o d o p ad e iro. I n: Co nver s a çõ e s, 197 2-19 9 0. R i o d e
Ja n e iro: Ed. 3 4, 19 9 2, p.  15 6. E s s e tex to m e foi e nv iad o p o r mi n h a m ai o r i nte rce s s o r a –
Gi s a P i co s q u e.

#A N D R A D E, A lé c i o. O L o u v re e s e u s v is ita nte s. R i o d e Ja n e iro: I n s t itu to M o re ir a S alle s,


L e P a s s a g e P ar i s- N e w Yo r k, 20 0 9.
# D E L E UZE, Gille s. Co nver s a çõ e s : 197 2-19 9 0. R i o d e Ja n e iro: Ed. 3 4, 19 9 2.
# G R U P O D E P E S Q U I S A M e dia ç ã o: ar te/c u ltu r a/p ú b li co (co o rd. M A R T I N S, M ir ia n Ce le s te).
M e dia ç ã o: p rovo c a çõ e s e s té t i c a s. S ã o P au lo. Rev ista M ed ia çã o, v. 1, n. 1, o u t. 20 0 5.
I n s t itu to d e A r te s, U N E S P, S ã o P au lo, S P.
# M A R T I N S, M ir ia n Ce le s te. M e dia ç ã o: te ce n d o e n co nt ro s s e n s í ve i s co m a ar te. I n:
A R T Eu n e s p. N. 13, p. 2 21-2 3 4. S ã o P au lo: 19 97.
_ _ _ _ _ _ . O s e n s í ve l o lh ar-p e n s a nte: p re mi s s a s p ar a a co n s t r u ç ã o d e u m a p e d a g o g ia d o
o lh ar. I n: A R T Eu n e s p. n. 9, p. 19 9-217. S ã o P au lo: 19 93.
_ _ _ _ _ _ . E x p e di çõ e s i n s t i ga nte s. I n: S ÃO PAU LO, S e cre t ar ia d e Ed u c a ç ã o. E x p ed içõ e s
cultu ra is: G u ia Ed u cativo d e M u s e u s d o E sta d o d e S ã o P a ulo. S ã o P au lo: F D E/S S E/S P,
20 03.
_ _ _ _ _ _ . A c h ad o u ro s: e n co nt ro s co m a v i d a. I n: S ÃO P au lo (E s t ad o) S e cre t ar ia d a
Ed u c a ç ã o, Fu n d a ç ã o p ar a o D e s e nvo lv i m e nto d a Ed u c a ç ã o. H o r izo nte s cultu ra is : lu gare s
d e a p re n d e r. S ã o P au lo: F D E, 20 0 8.
_ _ _ _ _ _ ; S C H U LT ZE, A n a M ar ia e EG A S, O l ga. Rev ista M ed ia n d o [co n]tato s co m a rte e
cultu ra. v. 1, n. 1, n ov. 20 0 7. I n s t itu to d e A r te s, U N E S P, S ã o P au lo, S P.
121

R ESUMOS

· A acessibilidade de alguns espaços expositivos de Porto Alegre: ações e


conquistas [Gabriela Bon]

O presente relato visa resumir minha experiência com a questão da acessibilidade no


Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, bem como sua tentativa de adaptação
desse mesmo espaço durante a 6ª e 7ª Bienais de Artes Visuais do Mercosul.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Bienal de Artes Visuais
do Mercosul.

· Democratização do acesso aos museus: apontamentos sobre ações e políticas


públicas para acessibilidade cultural [Flávia Paloma Cabral Borba]

A configuração atual do perfil das instituições museológicas contempla em seu plano


de atuação ações que garantam a acessibilidade, fazendo cumprir parâmetros, hoje
tido como básicos, para a efetivação do museu como uma instituição dotada de função
social e a serviço da comunidade e seu desenvolvimento. Porém, uma longa caminhada
está sendo desempenhada para vencer os desafios, arquitetônicos ou sociais, que se
interpõe ao fiel cumprimento das ações e políticas públicas, que nascem e se consolidam
através da apropriação da sociedade, para a erradicação de supostos abismos que ainda
é identificado no setor museológico, quando se trata de acessibilidade.

> Palavras-chave: Políticas públicas. Ações para a acessibilidade cultural. Museu.

· Repensando a acessibilidade em museus: a experiência do núcleo de ação


educativa da pinacoteca do estado de são paulo [Milene Chiovatto; Gabriela Aidar; Luis
Roberto Soares; Danielle A maro]

A partir da proposta de uma compreensão expandida acerca do termo acessibilidade,


o presente texto discute sua aplicação no Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do
Estado de São Paulo, especialmente por parte do Programa de Inclusão Sociocultural,
o qual volta-se particularmente ao atendimento de públicos em situação de
vulnerabilidade social.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Inclusão sociocultural. Educação em museus.

· O galo inacessivel: da arte e do dever de agradar[Sonia M arques]

Partindo da polêmica causada pela nova escultura do Galo da Madrugada, no carnaval


de 2010, este artigo indaga se a acessibilidade cultural implicaria no dever que teria o
artista de agradar ao público, conforme sugere artigo da imprensa local que recomenda
cuidado nas encomendas a artistas, arquitetos e ambientadores, os quais teriam a
“missão de amarrar o burro onde o dono sonha”. Recusando a tirania do populismo,
replico apoiando-me parcialmente em Bourdieu e Arthur Danto, que questionam
12 2 a possibilidade de todo tipo de arte ser accessível a todo tipo de público. Concluo
propondo a tolerância pluralista e aceitação das divergências.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Educação artística. Gosto.

· Acessibilidade e comunicação sensorial nos museus e espaços culturais: novos


desafios para a mediação cultural [Viviane Panelli Sarraf]

O texto apresenta a questão da acessibilidade em espaços públicos, segundo a


legislação brasileira, mostrando as diferenças entre as convenções para uma edificação
e um museu ou espaço cultural tornarem-se acessíveis, o que implica diferentes níveis
de alterações. Em seguida, é aberta uma reflexão sobre a mudança de linguagem dos
museus e espaços culturais em busca de formas de mediação e comunicação acessíveis
a todos os públicos. Nessa parte, é apresentado o questionamento sobre a presença da
comunicação dos cinco sentidos nos espaços culturais institucionais e nas manifestações
artísticas e culturais que neles são preservadas.

> Palavras-chave: Cinco sentidos. Espaços culturais. Acessibilidade. Inclusão social e cultural.

· Audiodescrição: um novo recurso de mediação e acessibilidade cultural


[Alexsandra Leite]

O presente artigo versa sobre a audiodescrição, conceitos e aplicabilidades, formação


dos profissionais e suas habilidades para a realização de ações desenvolvidas com esse
recurso. Apresenta ainda duas experiências na área cultural.

> Palavras-chave: Audiodescrição. Acessibilidade. Cultura.

· Uma imagem em mil palavras: audiodescrição de obras de arte a deficientes


visuais à luz da gramática do design visual [M arisa Ferreira Aderaldo]

A Lei 11904, de 14.01.2009, que regulamenta a atuação dos museus, estabelece em


seu artigo 29 que “os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no
respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar
o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da
Nação”. Diante desse cenário, considera-se importante propor um modelo narrativo de
pinturas a deficientes visuais, chamado Audiodescrição, o qual se ampara na Gramática
do desenho visual e nas teorias de Multimodalidade.

> Palavras-chave: Audiodescrição. Acessibilidade. Teoria da multimodalidade.

· Arte, educação e inclusão: orientações para audiodescrição em museus


[Francisco José de Lima; Paulo André de Melo Vieira; Ediles Revorêdo Rodrigues; Simone São
M arcos Passos]

Este artigo ressalta a importância do emprego da audiodescrição das imagens


nos ambientes de aprendizagem e lazer para pessoas com deficiência visual, fazendo
a assertiva de que a audiodescrição, tecnicamente produzida (inclusive despida de
barreiras atitudinais) e adequadamente oferecida leva a inclusão cultural à pessoa com
deficiência visual, pelo acesso aos conteúdos ofertados nos museus, mostra de artes e
outros. Oferece orientações de como se proceder ao fazer audiodescrição, de como se
portar perante o público com deficiência e em que bases o audiodescritor deve estear-se
para produzir descrições de imagens estáticas como as pinturas encontradas nos museus.
Conclui que terá sido feita uma obra-prima quando a sociedade pintar um mundo em que
todos sejam respeitados e que ninguém dele seja deixado de fora ou dele excluído.
> Palavras-chave: Audiodescrição. Pessoas com deficiência visual. Educação. 12 3

· Como vemos a cegueira? Algumas respostas: umas boas, outras não


[João Vicente Ganzarolli de Oliveira]

Concentrando-se nalguns filmes e em certa iniciativa de um museu brasileiro, o artigo


Como vemos a cegueira? traz comentários acerca do modo como a imagem do cego vem
sendo assimilada no mundo da arte, bem como na sociedade em geral. Seu objetivo é
contribuir para o esclarecimento de certos fatos, dentre eles este: a acessibilidade é
assunto necessário e que diz respeito a todos.

> Palavras-chave: Cegueira. Sociedade. Arte.

· A arte e o perceber: a experiência do ateliê de artes para pessoas com


deficiência visual [Ana Carmen Franco Nogueira]

Este artigo é uma reflexão sobre a arte e o perceber no ateliê de artes para pessoas
com deficiência visual.

> Palavras-chave: Acessibilidade. Perceber. Deficiência visual.

· Aprender para ensinar: a mediação em museus por meio da língua brasileira de


sinais (Libras) [Cibele Lucena; Joana Zatz Mussi; Daina Leyton]

Uma reflexão sobre a mediação em museus a partir das experiências realizadas


no projeto “Aprender para Ensinar”. Nesse caso, a mediação adquire características
específicas, por se tratar de jovens surdos aprendendo sobre arte para ensinarem a
outros surdos em sua língua primeira. O aspecto mais interessante desse encontro
entre museu e cultura surda é uma influência mútua, imediata e visível: enquanto
os frequentadores do museu entendem que a LIBRAS é a língua oficial de toda uma
comunidade, novos sinais são criados pelos alunos, a partir dos conteúdos trabalhados e
descobertos no museu, enriquecendo a própria língua e circulando na comunidade.

> Palavras-chave: Surdos. Arte Contemporânea. Mediação.

· A inclusão de públicos especiais em museus: o programa educativo para


públicos especiais da Pinacoteca do Estado de São Paulo [A manda Fonseca Tojal;
M argarete de Oliveira; M aria Christina da Silva Costa; Sabrina Denise Ribeiro]

Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre a importância do papel social dos
museus e das ações educativas dirigidas aos públicos específicos ressaltando, neste caso,
as ações educativas dirigidas ao público especial, composto por pessoas com deficiências
sensoriais, físicas e intelectuais como também ao público inclusivo, composto por
pessoas com e sem essas deficiências, tendo como referência o Programa Educativo para
Públicos Especiais do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
implantado e desenvolvido nessa instituição desde o ano de 2003.

> Palavras-chave: Museu. Ação educativa. Públicos com necessidades especiais.

· Educação profissional de síndrome de down no instituto inhotim: fundamentos


para mediação inclusiva em arte contemporânea [Lara Ceres de Carvalho Lopes]

Estes escritos relatam e fundamentam a mediação inclusiva adotada em


uma das ações desenvolvidas na Arte e Educação do Instituto Inhotim. Trata-se
124 da profissionalização, educação para o trabalho ainda em curso, da funcionária
Rosemary, Síndrome de Down, por meio da mediação em arte. Essa ação pretende
confirmar a hipótese de que é possível promover a inclusão social em museus de arte,
profissionalizando o funcionário deficiente mental dentro da própria instituição.

> Palavras-chave: Mediação. Inclusão. Profissionalização.

· Arte-educação e as rosas: dialogando com as práticas pedagógicas e a formação


dos professores [A mélia Garcia]

Este artigo pretende dialogar com a atual prática pedagógica dos arte-educadores
num contexto de informações provisórias. O grande questionamento é como o professor
pode transformar essas informações para gerar conhecimentos e experiências, a fim de
tornar acessível ao aluno o seu universo cultural.

> Palavras-chave: experiências estéticas; formação de professores; acessibilidade à cultura.

· Arte, cotidiano e cultura visual: perspectivas de uma arte/educação dialógica


[Fernanda Mélo; M aria Juliana Sá]

Este ensaio foi elaborado a partir da experiência de mediação educativa na exposição


do Projeto Política da Arte da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), durante o segundo
semestre de 2009. Apresentamos o estudo do repertório imagético para construção
das diferentes possibilidades de leitura de uma obra de Arte, a partir da integração
entre elementos midiáticos, o repertório visual do indivíduo e a estética artística
institucionalizada, compreendendo os vários aspectos da cultura visual, suscitados e
vivenciados em nossa mediação.

> Palavras-chave: Ensino de Arte. Mediação Educativa. Cultura Visual.

· Mecanismos de mediação da obra de arte: possibilitando experiência ou


ampliando o acesso à informação?[Simone Ferreira Luizines]

Na contemporaneidade o público busca, cada vez mais, acumular informações acerca


da obra de arte e de seus produtores. Ao mesmo tempo, museus e instituições culturais,
cada dia mais, inclui dentro de seus espaços expositivos mecanismos de mediação,
como textos curatoriais, vídeos, folders e cenografia, na tentativa de possibilitar ao
público um acesso mais rápido à obra. Mas será que esses mecanismos têm contribuído
para a criação de situações de construção de conhecimentos e fruição estética? Ou
simplesmente possibilitado o acesso à informações antes desconhecidas? São as situações
criadas a partir do encontro do público com esses mecanismos mediadores e seus
desdobramentos que este artigo busca discutir.

> Palavras-chave: Mediação. Mecanismos de mediação. Experiência.

· Criança pequena e museu: uma relação possível (e desejada) [M aria Isabel Leite]

O artigo parte de uma concepção de museu como instituição viva, acolhedora e


aberta aos diferentes públicos e, assim, constrói argumentos que defendem a presença
de crianças de pouca idade no interior dos museus, por entendê-las como capazes
de fazer associações e dar significações ao visto, ouvido, sentido e experienciado. A
partir de algumas experiências museais londrinas e brasileiras, busca redefinir o papel
educativo dos museus, aponta para uma pedagogia museal voltada, particularmente,
aos pequeninos, na qual discute formas de acessibilidade que passam, prioritariamente,
pelos modos de exponibilidade e, mais ainda, pelos processos mediáticos.
> Palavras-chave: Museu. Criança pequena. Acessibilidade. 125

· Observar e compreender: a mediação cultural enquanto registro de uma


presença vitalícia no mundo [Anderson Pinheiro Santos]

O presente artigo analisa os discursos e materiais de mediação que se propõe a


corporificar o conhecimento almejando tornar o acesso cultural o mais democrático
possível. Para isso são postos em reflexão os processos de mediação cultural, os
exercícios de estímulos à percepção e os modos de proposição de reflexão do mundo a
partir da experiência do espectador no contato com determinada exposição.

> Palavras-chave: Mediação Cultural. Percepção. Experiência.

· Projeto “música na escola”: acesso à educação e à cultura musical [Álvaro


Henrique Borges]

Neste texto pretende-se expor um modelo de atuação educacional para o acesso à


cultura musical no ambiente escolar. Neste, os educadores partem da reflexão a respeito
do papel do professor na sociedade avaliando as condições do ensino atual, visto que,
teoricamente, o exercício do educador musical está calcado na sua formação específica
e na sua atuação em sala de aula, o que exige conhecimentos pedagógicos. Sabe-se que
há uma gama de problemas, mas o que se ressalta é a força coletiva em compartilhar
e dar acesso social às diversas frentes no ensino musical, contribuindo assim, para a
formação de cidadãos conscientes e autônomos.

> Palavras-chave: Ensino. Música. Escola.

· Digitalización de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires: los migrantes


como “archiveros” del arte [M ag. Silvia Benza]

Los gestores de los grupos de danzas folklóricas peruanas en Buenos Aires son
también “archiveros” de contenidos audiovisuales ya que hacen circular por la web
fotografías, textos y videos de shows. De esta forma, las páginas web de los grupos se
transforman en “Museos Virtuales” pues muestran información sobre el lugar y horario
de los ensayos de los grupos, así como descripciones del significado e historia de las
danzas, mediando en el acceso del público. La digitalización de las danzas se hace
posible gracias a la “transposición” de los géneros dancísticos, creándose el Patrimonio
Digital Intangible.

> Palabras Clave: Danzas; Transposición ; Archiveros.

· Sobre o Laboratório Metodológico Arte Público – Recife 2009 [Rejane Galvão


Coutinho]

O presente texto trata da intervenção no 4° Encontro Diálogos entre Arte e Público


em 2009, a qual foi construída em torno da questão da “democratização do acesso
aos bens patrimoniais e culturais”. Buscar compreender o contexto onde se inscreve
essa declaração, problematizar o campo onde ela surge e observar seus aspectos
contraditórios somam alguns dos objetivos da referida intervenção. Nesse desafio, avalia
que o confronto de idéias pode também alimentar os educadores com possibilidades de
ações educativas mais consistentes e coerentes com desejos de transformação.

> Palavras-chave: Mediação cultural. Ações educativas. Mediações dialógicas.


126 · Aprendizes da arte, mediadores e professores: olhares compartilhados?
[Mirian Celeste M artins]

O Laboratório Metodológico coordenado por mim no 4º Encontro Diálogos entre Arte


e Público com o tema: Formação de educadores: entre museus e sala de aula, é aqui
relatado. A sua análise permite refletir sobre a mediação cultural e a real acessibilidade
à arte no jogo que se estabelece entre educadores/professores de sala de aula,
educadores/mediadores das instituições culturais e aprendizes da arte.

> Palavras-chave: Mediação cultural. Aprendizes de arte. “Estar entre muitos”.


127

PER FIL DOS


COL ABOR ADOR ES

A mélia Natalina Constante Garcia compõe a equipe de arte/educadores


é graduada em Educação Artística, com do Programa de Aperfeiçoamento em
habilitação em Desenho, pela Faculdade Gestão Pública de Cultura da FUNDARPE.
de Filosofia Ciências e Letras de Jales – É audiodescritora com atuação no grupo
FAFICLE. Pedagogia Plena, na Faculdade de pesquisas em audiodescrição Imagens
de Educação Antonio Augusto Reis Neves que Falam – CEI/UFPE e realiza pesquisa
de Barretos, FEAARN. Pós Graduações: em sobre arte/educação e acessibilidade.
Didática Construtivista, Faculdade Dom Rua São Luiz, 290, Pina,
Bosco de Monte Aprazível – FECA e em Recife-PE - CEP 51011-270.
Ensino à Distância – Educação de Jovens alexsandraleite@hotmail.com
e Adultos - EJA, Universidade de Brasília-
UnB. Mestre em Artes Visuais, UNESP-SP. Álvaro Henrique Borges é doutorando em
Aluna Especial do Departamento de Artes Música pelo Programa de Pós-Graduação
Plásticas da Escola de Comunicação e do Instituto de Artes da Unesp: Educação
Artes- ECA- da Universidade de São Paulo- Musical. composer.borges@gmail.com
USP. Participa do Grupo de Pesquisa sobre
A manda Fonseca Tojal - Museóloga e
o Ensino da Arte e Formação de Professores
Educadora de Museus. Mestre em Artes e
em parceria USP/Fundação Bienal de
Doutora em Ciências da Informação pela
São Paulo. Ocupa o cargo de Analista
Escola de Comunicação e Artes da USP.
Técnico Educacional na Rede Escolar
Coordenadora do Programa Museu e Público
SESI-SP, como Formador de Professores.
Especial no MAC-USP de 1991 a 2003.
ancg407@hotmail.com.
atojal@pinacoteca.org.br
Ana Carmen Franco Nogueira é Mestranda amantojal@terra.com.br
em Educação, Arte e História da Cultura
Anderson Pinheiro Santos é Arte/educador
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,
licenciado em Educação Artística/Artes
Licenciatura em Artes Plásticas (FAAP),
Plásticas pela UFPE e especialista em
Especialização em Educação Especial
Arte/Educação pela UNICAP. Foi professor
(UNICID), Especialização em Arteterapia
substituto do departamento de Teoria da
(UNIFIEO), Prêmio Rumos Educação, Cultura
Arte e Expressão Artística do Centro de Artes
e Arte do Cultural Itaú, edição 2008-2010,
e Comunicação (CAC) da UFPE (2008-09) e
com o trabalho “Lygia Clark e o Concretismo
professor de educação museal no Museu do
para Deficientes Visuais”, Prêmio de Apoio a
Homem do Nordeste (Fundaj). Atualmente,
Projetos de Publicação de Livros no Estado
é professor de Artes Visuais no Ensino Médio
de São Paulo, com livros para criança com
do Colégio Equipe e da Educação Infantil
deficiência visual, “Coleção traça traço”
e Fundamental I do Colégio Conviver. É
2008. ac.nogueira@terra.com.br
editor do Caderno de Textos Diálogos
Alexsandra Leite é licenciada em entre Arte e Público e Articulador da Rede
Educação Artística com habilitação de Educadores em Museus e Instituições
em Artes Plásticas pela Universidade Culturais de Pernambuco (REMic-PE).
Federal de Pernambuco. Atualmente andersonpinheiro@ymail.com
128 Cibele Lucena é formada em Geografia Flávia Paloma Cabral Borba é graduada
pela Universidade de São Paulo e desde em Licenciatura Plena em História pela
1998 trabalha como artista e educadora. É Fundação de Ensino Superior de Olinda,
integrante dos coletivos de arte Contrafilé, desde agosto de 2009. Integrou a equipe
Frente 3 de Fevereiro e Política do Impossível. de mediadores do Educativo do Museu de
Como educadora desenvolveu projetos Arte Moderna Aloísio Magalhães, enquanto
em parceria com diferentes instituições estagiária, pelo período de 16 meses.
e ministrou cursos de arte e formação de Integrou a equipe de mediadores do
professores no Museu de Arte Moderna de Educativo do Salão de Artes Plásticas de
São Paulo, onde desde 2002 desenvolve o Pernambuco, enquanto profissional, em
projeto Aprender para Ensinar - curso de sua 47ª edição. Realiza pesquisas nas áreas
formação em arte contemporânea para de Patrimônio Cultural Brasileiro e áreas
jovens educadores surdos. cibelelucena@ afins, Arte/educação e Políticas Públicas de
yahoo.com.br. Cultura. palomacb@bol.com.br

Daina Leyton é psicóloga formada pela Francisco José de Lima é professor Adjunto
Puc-SP atua desde 2000 na coordenação e da Universidade Federal de Pernambuco
gestão de projetos sociais. É coordenadora (UFPE); Coordenador do Centro de
do Programa Igual Diferente do MAM-SP. Estudos Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador
Com seu amplo trabalho em constituição e Formador do Curso de Tradução Visual
de redes e conexões de diferentes com ênfase em Áudio-descrição “Imagens
linguagens, foi coordenadora do “Projeto que Falam” (CEI/UFPE); editor da Revista
Irradiando”, “Projeto Divercidade” diretora Brasileira de Tradução Visual http://
e é sócia-fundadora da ONG “Vida em www.rbtv.associadosdainclusao.com.br
Ação” e co-idealizadora e realizadora limafj@associadosdainclusao.com.br
dos eventos “I Encontro Regional de
Acessibilidade em Museus” da “Copa da Gabriela Aidar é graduada em História
Inclusão” e do “Movimento Luzcidade”. pela USP, Especialista em Estudos de Museus
daina_leyton@mam.org.br de Arte pelo MAC/USP e em Museologia pelo
MAE/USP. Obteve o título de Master of Arts
Danielle A maro é mestranda em Artes in Museum Studies pela Universidade de
pela Unicamp e graduada em História da Leicester, na Inglaterra, com revalidação
Arte pela UERJ. Tem atuado em ações pelo Programa de Mestrado em Museologia
educativas de instituições do Rio de Janeiro da UNIRIO. É coordenadora do Programa
e de São Paulo, destacando-se o Museu de Inclusão Sociocultural do Núcleo de
de Arte Contemporânea de Niterói (2004- Ação Educativa da Pinacoteca (PISC-NAE).
2007) e a Pinacoteca do Estado de São gaidar@pinacoteca.org.br
Paulo, onde é hoje educadora do PISC-NAE.
educainclusiva@pinacoteca.org.br Gabriela Bon possui graduação em Artes
Plásticas com habilitação em História,
Ediles Revorêdo Rodrigues possui Teoria e Crítica de Arte pela Universidade
Licenciatura pela Universidade Federal Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
de Pernambuco e Curso de Pós-Graduação especialização em Museolgia e Patrimônio
Latu Sensu em Psicopedagogia Escolar. Cultural pela mesma universidade.
dica.revoredo@hotmail.com Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFRGS, sob a orientação
Fernanda Mélo é graduanda do curso da Profa. Dra. Analice Dutra Pillar. Bolsista
de Licenciatura em Educação Artística CAPES. Vice-Coordenadora de Educação
com habilitação em Artes Cênicas na a Distância do Curso de Formação de
Universidade Federal de Pernambuco e Mediadores e Professores-Mediadores para
membro temporário da Equipe de Ações 7ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul e
Educativas da Fundação Joaquim Nabuco. assistente do Projeto Pedagógico da mesma
fernanda.meelo@gmail.com
mostra, supervisora da 6ª Bienal do Mercosul bolsista de Iniciação Científica no MAC/ 129

e assistente de supervisão da 5ª Bienal do USP. Trabalhou em mostras como “Picasso


Mercosul. gabibon@gmail.com na Oca”. Atuou com a capacitação de
educadores na Associação Arte Despertar.
Joana Zatz é formada em Ciências Desde 2005 é educador do PISC-NAE.
Sociais e Jornalismo, há dez anos trabalha educainclusiva@pinacoteca.org.br
investigando, a relação entre arte e espaço
público. Participa dos coletivos de arte M ag. Silvia Benza é licenciada
Contrafilé e Política do Impossível. Em 2009 en Ciencias Antropológicas (UBA).
iniciou o seu mestrado na FAU-USP em torno Magíster en Administración Cultural
deste tema. Desde 2002 é professora-artista (UBA). Becaria doctoral ANPCyT.
no MAM SP do projeto “Aprender para Docente UBA. Integrante del equipo
Ensinar”, que originou em 2008 o grupo www.antropologiadelcuerpo.com
“Corposinalizante” – ambos são grupos de sbenza@hotmail.com.
estudos e produção de arte contemporânea
para jovens educadores surdos – do qual é M argarete de Oliveira é assistente de
uma das idealizadoras. coordenação, docente e educadora do
Programa Educativo para Públicos Especiais
João Vicente Ganzarolli de Oliveira é (PEPE) do Núcleo de Ação Educativa da
professor da Escola de Belas-Artes da Pinacoteca do Estado de São Paulo desde
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2003. Graduada e licenciada em Letras pela
Participou de diversos congressos no Brasil e USP e Pós-graduada em “Praxis Artísticas e
no estrangeiro, na qualidade de palestrante. Terapêuticas: Interface da Arte e da Saúde”
É autor de diversos artigos e de seis livros, pela Faculdade de Terapia Ocupacional da
cinco dentre os quais voltados direcionados FMUSP. Uma das ganhadoras do Prêmio
para a área acadêmica, notadamente Do Rumos Itaú Cultural, Educação Cultura e
essencial invisível. Arte e beleza entre os Arte 2008/2010 – na área de atuação em
cegos (Rio de Janeiro, Revan, 2002); Arte e Educação Não-formal. Atuou no Projeto
beleza em Gerd Bornheim (Rio de Janeiro, “Museu e Público Especial” no MAC-USP
EdUERJ, 2003); A humanização da arte: (1992 a 2002). oliveiramargarete@yahoo.
temas e controvérsias na filosofia (Rio de com.br
Janeiro, Pinakotheke, 2006); Por que não
eles? arte entre os deficientes (São Paulo, M aria Christina da Silva Costa é
Cidade Nova, 2007); Estética, vivência Educadora do Programa Educativo para
humana, (Rio de Janeiro, Letra Capital, Públicos Especiais (PEPE) do Núcleo de
2008). jganzarolli@usa.com Ação Educativa da Pinacoteca do Estado
de São Paulo desde 2007. Graduada e
Lara Ceres de Carvalho Lopes é mineira, licenciada em Artes Visuais pelo Centro
graduada em História – licenciatura e Universitário Belas Artes da São Paulo
bacharelado – pela PUC-MG, especialista em em 2007. Especialização em Deficiência
História da Cultura e da Arte pela UFMG e cursa Intelectual e Educação Inclusiva pela APAE/
a especialização em Arte Contemporânea: SP em 2008 e aluna especial do Curso de
reflexão e crítica também na PUC-MG/ Práticas Educativas da ECA-USP em 2009.
Inhotim. Há três anos trabalha no Instituto É atualmente pós-graduanda do curso
Inhotim e atua como arte educadora. Sua de Educação da Pessoa com Deficiência
pesquisa é referente à educação, arte Auditiva (FMU). kikacosta30@gmail.com
contemporânea, museus, cultura e inclusão.
lariskinha@yahoo.com.br M aria Isabel Leite é arte-educadora;
Pedagoga; Doutora em Educação com Pós-
Luis Roberto Soares é formado pela Doutorado em Arte-Educação, na área de
Escola de Arte Dramática da ECA/USP educação museal. Trabalhou com educação
e graduando em História pela USP. Foi infantil e séries iniciais por quinze anos;
13 0 depois deu aulas em universidades por Plásticas com doutorado pela Faculdade
mais quinze. É uma das coordenadoras do de Educação/USP (1999) e mestrado pela
Museu da Infância (UNESC) desde 2005. Escola de Comunicações e Artes – ECA/USP
Publicou uma série de livros, capítulos (1992).mcmart@uol.com.br
e artigos na área de educação infantil,
infância, educação, arte e museus. leite. Paulo André de Melo Vieira é mestrando
mariaisabel@gmail.com em Educação da Universidade Federal
de Pernambuco; Áudio-descritor.
M aria Juliana Sá é graduanda do curso vieiraeduc@gmail.com
de Licenciatura em Educação Artística
com habilitação em Artes Plásticas na Rejane Galvão Coutinho é doutora em
Universidade Federal de Pernambuco e Artes pela ECA/USP, professora do Instituto
membro temporário da Equipe de Ações de Artes da UNESP onde atua na graduação
Educativas da Fundação Joaquim Nabuco. e atualmente coordena a Pós-Graduação em
mariajulianasa@hotmail.com Artes. Desenvolve pesquisas sobre história
do ensino da arte e mediação cultural.
M arisa Ferreira Aderaldo é Professora rejanegcoutinho@gmail.com
de Literatura hispanoamericana (UECE)
e doutoranda em Estudos de Tradução Sabrina Denise Ribeiro é educadora
– acessibilidade e tradução – (UFMG). de Surdos do Programa Educativo para
marisauece@yahoo.com.br Públicos Especiais (PEPE) da Pinacoteca do
Estado de São Paulo desde 2008 e Museu
Milene Chiovatto é graduada em Artes Afro Brasil, de São Paulo, desde 2009.
Plásticas pela Universidade Mackenzie, Graduada e Licenciada em Artes Plásticas
Mestre em Ciências da Comunicação- pela Faculdade Paulista de Artes em 2004.
Sociologia da Arte pela ECA/USP. Educadora Aprendiz do curso “Aprender
Coordenou o atendimento educativo na para Ensinar” do Programa Igual Diferente
XXIV Bienal de São Paulo. É professora no Museu de Arte Moderna de São Paulo
na FAAP, conselheira do Instituto Arte na (MAM).
Escola e coordenadora do Núcleo de Ação
Educativa da Pinacoteca. Endereço postal: Simone Luizines é Arte/educadora,
Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca especialista em Arte/educação pela
do Estado de São Paulo. mchiovatto@ UNICAP/PE e Bacharel em Turismo pela
pinacoteca.org.br UNICAP/PE. Foi Mediadora Cultural em
diversos museus e instituições culturais
Mirian Celeste M artins é paulistana. de Recife, Assistente de Galerista e
Docente do Curso de Pós-graduação em responsável pelos projetos de educação
Educação, Arte e História da Cultura na desenvolvidos na Amparo 60 Galeria de Arte
Universidade Mackenzie onde coordena o e atualmente é Coordenadora do Núcleo
Grupo de Pesquisa em Mediação cultural: de Formação de Público e Projetos da Ação
contaminações e provocações estéticas. educativa e Cultural do Instituto Ricardo
Foi professora do Instituto de Artes/Unesp, Brennand. Possui como ênfase de pesquisa
onde coordenou o Grupo de Pesquisa: a História da mediação cultural no Brasil,
Mediação arte/cultura/público. Sócia- estudos e teorias sobre leitura e leitores
diretora do Rizoma Cultural com Gisa de imagem e metodologias de leitura de
Picosque, presta assessoria a instituições imagem na arte/educação contemporânea.
educacionais e culturais, entre elas simoneluizines@hotmail.com
a Proposta Curricular de Arte para a
Secretaria de Estado de Educação/SP, ações Simone São M arcos Passos possui
educativas em importantes exposições e Licenciatura Plena em Pedagogia pela
a concepção e coordenação da DVDteca Universidade Federal de Pernambuco.
do Instituto Arte na escola. Autora de mone_saomarcos@hotmail.com
artigos e livros. Tem formação em Artes
Sonia M arques é arquiteta e urbanista 131

(Recife,1973), mestra (PIMES/UFPE, 1983) e


doutora (EHESS, Paris, 1996) em sociologia,
foi professora de Historia e Teoria da
Arquitetura (UFPE, 1975-1997; UFRN, 1998-
2009), professora visitante (UFBA, 1987;
Universidades de Montreal, 2005 e François
Rabelais, 2008), é atualmente professora de
Artes do Departamento de Artes Visuais da
UFPB. marquessonia@hotmail.com

Viviane Panelli Sarraf possui graduação


em Licenciatura em Educação Artística
pela Fundação Armando Álvares Penteado
(2001), Especialização em Museologia pelo
Curso de Especialização em Museologia do
MAE-USP (2004), mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação
da Universidade de São Paulo (2008) e
está cursando doutorado no Programa de
Comunicação e Semiótica da PUC-SP. No ano
de 2008 recebeu o título de Empreendedora
Artemisia pelo trabalho de sua empresa
social Museus Acessíveis. Ainda em 2008
recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro como
responsável pelo Programa de Formação
Continuada de Acessibilidade em Museus do
Centro de Memória Dorina Nowill e o Prêmio
Cultura e Saúde do Ministério da Cultura pelo
Projeto do Centro de Memória Dorina Nowill.
Organizou em novembro de 2008 o Encontro
Regional de Acessibilidade em Museus em
parceria com a Fundação Dorina Nowill para
Cegos e com o Museu de Arte Moderna de
São Paulo, projeto pioneiro no Brasil. Tem
experiência na área de Museologia e Cultura,
com ênfase em acessibilidade para pessoas
com deficiência e mobilidade reduzida.
vsarraf@gmail.com
PREFEITURA DO RECIFE
Prefeito João da Costa
Vice-Prefeito Milton Coelho
SECRETARIA DE CULTURA
Secretário Renato L
FUNDAÇÃO DE CULTURA CIDADE DO RECIFE
Presidente Luciana Félix
Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais Fábio Cavalcante
Diretor de Desenvolvimento e Descentralização Cultural Luciana Veras
Gerente Operacional de Artes Visuais e Design M árcio Almeida
Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais Regina Buccini

Diálogos entre Arte e Público


Coordenação Regina Buccini e André Aquino
Edição de textos e Conteúdos Anderson Pinheiro

Projeto Gráfico Daniela Brilhante


Assistência diagramação A aron Bailey Athias
Revisão de textos K arolina Ferreira

Caderno de Textos Acessível


Consultoria em acessibilidade Francisco Lima
Autoração acessível Bruno Hipólito
Locução Paulo Vieira
Áudio-descrição Paulo Vieira
Tradução em libras Juliana M aria de Melo e Mireli M aria da Silva
Gravação e edição de áudio Geraldo de Fraga
Filmagem e edição de vídeo CDMIX Áudio e Multimídia

Realização
Prefeitura do Recife | Fundação de Cultura Cidade do Recife Gerência
Operacional de Artes Visuais e Design
FUNARTE - Fundação Nacional de Artes
Apoio
Centro de Estudos Inclusivos - UFPE
CEPE - Companhia de Editoração de Pernambuco
Fundação Joaquim Nabuco | Museu do Homem do Nordeste
Instituto Ricardo Brennand
MAMAM - Museu de Arte Moderna Aluísio M agalhães
REMIC - Rede de Educadores de Museus e Instituições Culturais

Colaboradores
A m é l i a N ata l i n a C o n s ta n t e G a r c i a (S P)
A n a C a r m e n F r a n c o N o g u e i r a (S P)
A l e x s a n d r a L e i t e (P E)
Á lv a r o H e n r i q u e B o r g e s (M G)
A m a n d a F o n s e c a T o j a l (S P)
A n d e r s o n P i n h e i r o S a n t o s (P E)
C i b e l e L u c e n a (S P)
D a i n a L e y t o n (S P)
D a n i e l l e A m a r o (S P)
E d i l e s R e v o r ê d o R o d r i g u e s (P E)
F e r n a n d a M é l o (P E)
F l á v i a P a l o m a C a b r a l B o r b a (P E)
F r a n c i s c o J o s é d e L i m a (P E)
G a b r i e l a A i d a r (S P)
G a b r i e l a B o n (RS)
J o a n a Z at z (S P)
J o ã o V i c e n t e G a n z a r o l l i d e O l i v e i r a (R J)
L a r a C e r e s d e C a r v a l h o (M G)
L u i s R o b e r t o S o a r e s (S P)
M a g . S i lv i a B e n z a (A r g e n t i n a )
M a r g a r e t e d e O l i v e i r a (S P)
M a r i a C h r i s t i n a d a S i lv a C o s ta (S P)
M a r i a I s a b e l L e i t e (SC)
M a r i a J u l i a n a S á (S P)
M a r i s a F e r r e i r a A d e r a l d o (CE)
M i l e n e C h i o v at t o (S P)
M i r i a n C e l e s t e M a r t i n s (S P)
P a u l o A n d r é d e M e l o (P E)
R e j a n e G a lv ã o C o u t i n h o (S P)
S a b r i n a D e n i s e R i b e i r o (S P)
S i m o n e L u i z i n e s (P E)
S i m o n e S ã o M a r c o s P a s s o s (P E)
S o n i a M a r q u e s (P B)
V i v i a n e P a n e l l i S a r r a f (S P)

Agradecimentos
Eva Duarte, Beto Rezende, Geraldo de Fraga,
Diretoria de R ádio e Comunicação Popular,
Lia Menezes, Heloísa Arcoverde, Luiz Arrais,
Ricardo Melo, Ana M aria Pereira, Danuza
Montenegro, Serginho Cruz, Edimilson Silva,
André Aquino, Francisco Lima, Paulo Vieira,
Ernani Ribeiro, Anderson Tavares, Comitê
Intergestor de Políticas Públicas para Pessoa
com Deficiência e a todos os funcionários da
Fundação de Cultura que contribuíram para
realização deste projeto.
Esta obra foi composta em trebuchet ms e impressa em ofsete pela Gráfica
CEPE sobre papel reciclato 90g/m2 para miolo e triplex 350g/m2 para capa,
em outubro de 2010.

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