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Capı́tulo 4

Sequências na Combinatória

Muitos problemas de contagem em combinatória dependem de um certo parâmetro n. Este


parâmetro pode denotar o tamanho de subconjuntos, a posição de certo elemento numa
permutação etc. Nesses casos, não temos apenas um único problema de contagem mas uma
sequência deles.
Por exemplo, se hn denota o número de permutações do conjunto {1, 2, . . . }, sabemos que
hn = n! e obtemos então uma sequência de números
1, 1, 2, 6, 24, . . . , n!, . . .
para a qual o termo geral é n!. Se escolhermos um valor particular de n, por exemplo,
n = 5, obteremos a resposta à pergunta particular do número de permutações do conjunto
{1, 2, 3, 4, 5}.
Otro exemplo poderia ser a seguência gn que conta o número de soluções inteiras não
negativas da equação
x1 + x2 + x3 + x4 = n.
Vimos em ... que o termo geral de
g 0 , g1 , g2 , . . . , g n , . . . ,
é ��
n+3
gn = .
3
Neste capı́tulo estudaremos alguns problemas de contagem envolvendo um parâmetro n
para os quais podemos encontrar uma relação de recorrência satisfeita pelo número de objetos
contados. Aprenderemos como obter fórmulas explı́citas para a solução destes problemas em
alguns casos.

4.1 Relações de Recorrência. Exemplos


Denotemos por
h 0 , h1 , h2 , . . . , h n , . . .
uma sequência de números. hn será chamado de termo geral da sequência. Dois tipos de
sequências bastante conhecidas são
� sequências aritméticas: cada termo é igual a uma constante q adicionada ao termo
anterior
h0 , h0 + q, h0 + 2q, . . . , h0 + nq, . . . ;

47
48 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS NA COMBINATÓRIA

� sequências geométricas: cada termo é igual a uma constante q multiplicada pelo termo
anterior
h0 , qh0 , q 2 h0 , . . . , q n h0 , . . . .

Nos dois casos, o termo geral é determinado pelo primeiro termo da sequência h0 e pela
constante q. No caso de sequências aritméticas, temos

hn = hn−1 + q, n ≥ 1. (4.1)

Além disto, o termo geral é


hn = h0 + nq, n ≥ 0. (4.2)

No caso das sequências geométricas, vale a regra

hn = q · hn−1 , n ≥ 1. (4.3)

Além disto, o termo geral é


hn = q n h0 , n ≥ 0. (4.4)

Exemplo 4.1 (Sequências aritméticas).

(a) h0 = 0, q = 1 � 0, 1, 2, 3, 4, . . .
Esta é a sequência dos números inteiros não negativos: hn = n, n ≥ 0.

(b) h0 = 3, q = 0 � 4, 4, 4, 4, . . .
Esta é a sequência constante: hn = 4, n ≥ 0.

(c) h0 = 1, q = 2 � 1, 3, 5, 7, 9, . . .
Esta é a sequência dos números ı́mpares: hn = 1 + 2n, n ≥ 0.


Exemplo 4.2 (Sequências geométricas).

(a) h0 = 1, q = 2 � 1, 2, 4, 8, 16, . . .
Esta é a sequência das potências inteiras de 2: hn = 2n , n ≥ 0. Para cada n, esta
sequência conta a quantidade de subconjuntos de um conjunto de n elementos.

(b) h0 = 3, q = 5 � 3, 5 × 3, 52 × 3, 53 × 3, . . .
Esta é a sequência com termo geral hn = 5n × 3, n ≥ 0. Ela também tem uma
interpretação combinatória. hn conta a quantidade de cadeias de n + 1 sı́mbolos que
podemos formar de maneira que o primeiro deles seja escolhido de um conjunto com 3
elementos e os outros n elementos sejam escolhidos de um conjunto com 5 elementos.


A partir de uma ou mais sequências é possı́vel formar outras, por exemplo, somando as
sequências ou multiplicando por uma constante. Uma outra maneira de construirmos novas
sequências é tomando somas parciais.
As somas parciais de (hn ) são as somas:
4.2. RELAÇÕES DE RECORRÊNCIA LINEARES E HOMOGÊNEAS 49

s0 = h 0
s1 = h 0 + h 1
s2 = h 0 + h 1 + h 2
..
.
n

s n = h 0 + h 1 + h 2 + · · · + hn = hk
k=0
..
..

Desta maneira, fica definida uma nova sequência com termo geral sn .
Exemplo 4.3. O termo geral das somas parciais da progressão aritmética (4.2) é
n
� n
� n(n + 1)
sn = (h0 + kq) = (n + 1)h0 + q k = (n + 1)h0 + q .
k=0 k=0
2

Para a progressão geométrica (4.4) temos sn = (n + 1)h0 se q = 1. Se q �= 1, temos que

q−1
1 + q + q2 + · · · + qn = (1 + q + q 2 + · · · + q n )
q−1
(q + q 2 + q 3 + · · · + q n+1 ) − (1 + q + q 2 + · · · + q n )
=
q−1
n+1
q −1
= .
q−1

q n+1 − 1
Assim, sn = h0 nesse caso.
q−1

As igualdades (4.1) e (4.3) são exemplos de relações de recorrência. Nelas, o n- ésimo termo
da sequência é obtido a partir do termo n − 1 e de uma constante q.

4.2 Relações de Recorrência Lineares e Homogêneas


Dizemos que a sequência (hn )n≥0 satisfaz uma relação (equação) de recorrência linear
de ordem k se existem coeficiente a1 , a2 , . . . , ak , dependentes de n, com ak �= 0, e uma
sequência (bn ) tais que

hn = a1 hn−1 + a2 hn−2 + · · · + ak hn−k + bn , n ≥ k. (4.5)

A relação de recorrência (4.5) é

� homogênea se bn = 0 para todo n ≥ k;

� de coeficientes constantes se a1 , a2 , . . . , ak são constantes.


50 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS NA COMBINATÓRIA

Exemplo 4.4. A sequência (Dn ) do número de permutações caóticas de n elementos,


satisfaz as igualdades

Dn = (n − 1)[Dn−2 + Dn−1 ], n ≥ 3,
Dn = nDn−1 + (−1)n , n ≥ 2.

Estes são dois exemplos de relações de recorrência lineares. No primeiro caso, a relação de
recorrência é homogênes e de ordem k = 2. Além disso, a1 = a2 = n − 1. No segundo caso,
a relação de recorrência é de primeira ordem, a1 = n e bn = (−1)n . Os coeficientes não são
constantes em nenhum dos dois casos.
Este exemplo ilustra que podemos ter uma sequência satisfazendo várias relações de re-
corrência. �
Exemplo 4.5. A sequência fatorial hn = n! satisfaz a relação de recorrência linear

hn = nhn−1 , n ≥ 1.

Esta relação de recorrência é linear de primeira ordem e homogênea. �


Exemplo 4.6. A progressão geométria hn = q n , n ≥ 0 satisfaz

hn = qhn−1 .

Esta é uma relação de recorrência linear, homogênea, de primeira ordem e de coeficientes


constantes. �
As progressões geométricas serão a base para a construção das soluções das relações de
recorrência lineares e homogêneas. O resultado a aseguir será enunciado aqui sem demons-
tração.

Teorema 4.1

(a) Seja q �= 0. Então hn = q n é solução da relação de recorrência de coeficientes


constantes

hn − a1 hn−1 − a2 hn−2 − · · · − ak hn−k = 0, ak �= 0, n ≥ k (4.6)

se e somente se q for raiz da equação

xk − a1 xk−1 + a2 xk−2 + · · · + ak = 0. (4.7)

(b) Se a equação tiver k raı́zes distintas q1 , q2 , . . . , qk , então

hn = c1 q1n + c2 q2n + + · · · + ck qkn (4.8)

é a solução geral da equação (4.6) no sentido que para quaisquer valores iniciais
h0 , h1 , . . . , hk−1 dados, existem constantes c1 , c2 , . . . , ck únicas tais que (4.8) é a
única sequência que satisfaz a relação de recorrência (4.6) e as condições iniciais.

Observação. O polinômio (4.7) é chamado de polinômio caracterı́stico associado à equação


(4.6) e suas raı́zes são as raı́zes caracterı́sticas. Perceba que como ak �= 0, todas as raı́zes
caracterı́sticas devem ser não nulas. Elas poderiam não ser números reais.
4.2. RELAÇÕES DE RECORRÊNCIA LINEARES E HOMOGÊNEAS 51

Exemplo 4.7. Resolva a relação de recorrência

hn = 2hn−1 + hn−2 − 2hn−3 , n ≥ 3,

com as condições iniciais h0 = 1, h1 = 2 e h2 = 0.


Solução: O polinômio caracterı́stico associado à equação é

xn − 2xn−1 − xn−2 + 2xn−3 = 0,

que tem raı́zes −1, 1 e 2. Pelo teorema 4.1, a solução geral é

hn = c1 (−1)n + c2 + c3 2n .

Para encontrar as constantes, utilizamos as condições iniciais e chegamos ao sistema

c 1 + c2 + c3 = 1
−c1 + c2 + 2c3 = 2
c1 + c2 + 4c3 = 0,

2 1
cuja solução é c1 = − , c2 = 2 e c3 = − .
3 3
Assim, a solução da relação de recorrência dada é

2 1
hn = − (−1)n + 2 − 2n .
3 3

Exemplo 4.8. Através de um canal de comunicação, podem ser transmitidas palavras de
comprimento n, usando apenas as letras “a”, “b” e “c” e sujeitas à condição de não ter duas
ou mais vogais a consecutivas.
Quantas palavras distintas podem ser transmitidas através desse canal de comunicação?
Solução: Chamemos de hn à quantidade de palavras distintas de comprimento n que podem
ser transmitidas através do canal de comunicação. Podemos classificar e contar estas palavras,
segundo as letras com que elas começam, da forma seguinte.

� palavras que começam com “b”: se fixarmos a primeira letra, teremos n − 1 letras para
completar, portanto há hn−1 palavras neste grupo;

� palavras que começam com “c”: com o mesmo raciocı́nio, podemos concluir que há
hn−1 palavras neste grupo;

Não podemos fazer o mesmo raciocı́nio com as palavras que começam com “a”, pois não é
permitido ter dois “a’s” consecutivos e fixando o primeiro “a”, perderı́amos essa memória.
Portanto, vamos fixar as duas primeiras letras.

� palavras que começam com “ab”: como fixamos duas letras, teremos n − 2 letras para
completar, portanto há hn−2 palavras neste grupo;

� palavras que começam com “ac”: com o mesmo raciocı́nio, podemos concluir que há
hn−2 palavras neste grupo.
52 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS NA COMBINATÓRIA

Portanto, obtemos a equação de recursão


hn = 2(hn−1 + hn−2 ), n ≥ 2.
Para obtermos as condições iniciais observamos que h0 = 0 pois há apenas uma palavra vazia.
Além disto, quando n = 1, as palavras possı́veis são “a”, “b” e “c”, portanto,
√ h1 = 3. √
As raı́zes do polinômio caracterı́stico x2 − 2x − 2 = 0 são q1 = 1 − 3 e q2 = 1 + 3.
Utilizando as condições iniciais podemos chegar à solução
√ √
3−2 √ n 3+2 √
hn = √ (1 − 3) + √ (1 + 3)n .
2 3 2 3

Exemplo 4.9. Determine a solução geral da relação de recorrência
hn − 4hn−1 + 4hn−2 = 0, n ≥ 2.
Solução: O polinômio caracterı́stico é
x2 − 4x + 4 = (x − 2)2 = 0.
Como as raı́zes são iguais, obtemos apenas uma solução hn = 2n . Vamos verificar que
hn = n2n também é solução. Temos que
hn = n2n = 4n2n−2 , hn−1 = (n − 1)2n−1 = 2(n − 1)2n−2 , hn−2 = (n − 2)2n−2 ,
portanto,
hn − 4hn−1 + 4hn−2 = (4n − 8(n − 1) + 4(n − 2))2n−2 = 0.
Assim, concluimos que para quaisquer constantes c1 e c2 , a sequência hn = c1 2n + c2 n2n
satisfaz a equação. Se acrescentarmos as condições iniciais h0 = a e h1 = b, precisaremos
satisfazer o sistema de equações
c1 = a
2c1 + 2c2 = b.
Finalmente, obtemos
b − 2a n
hn = a2n + n2 .
2

O resultado seguinte trata do caso geral em que o polinômio caracterı́stico (4.7 pode ter
raı́zes de multiplicidades maiores que 1.

Teorema 4.2

Sejam q1 , q2 , . . . , ql todas as raı́zes caracterı́sticas distintas da relação de recorrência linear


e homogênea de coeficientes constantes

hn − a1 hn−1 − a2 hn−2 − · · · − ak hn−k = 0, ak �= 0, n ≥ k.

Se qj é uma raiz caracterı́stica de multiplicidade sj , então a parte da solução geral da


equação correspondente a qj é
(j) (j) (j) sj −1 n
Hn(j) = (c1 + c2 n + c3 n2 + · · · + c(j)
sj n )qj
4.3. RELAÇÕES DE RECORRÊNCIA NÃO HOMOGÊNEAS 53

e a solução geral é
hn = Hn(1) + Hn(2) + · · · + Hn(l) .

Observação. Os métodos apresentados nesta seção apresentam a limitação prática de preci-


sarmos encontrar as raı́zes de um polinômio de grau k.

4.3 Relações de Recorrência Não Homogêneas


As relações de recorrência lineares de coeficientes constantes e não homogêneas, em geral
são mais difı́ceis de resolver e podem precisar de técnicas especiais, dependendo do termo bn .
Vejamos vários exemplos.
Exemplo 4.10 (Torre de Hanoi).

hn = 2hn−1 + 1, n≥1
h0 = 0.

Solução:
Como a relação de recorrência não é homogênea, para encontrarmos hn , vamos iterar a
relação de recorrência.

hn = 2hn−1 + 1
hn = 2(2hn−2 + 1) + 1 = 22 hn−2 + 2 + 1
hn = 22 (2hn−3 + 1) + 2 + 1 = 23 hn−3 + 22 + 2 + 1
..
.
hn = 2n h0 + 2n−1 + 2n−2 + · · · + 22 + 2 + 1.

Portanto, hn é a sequência de somas parciais da série geométrica

1, 2, 22 , . . . , 2n , . . . ,

e assim
hn = 2n − 1.
Esta fórmula ainda deveria ser provada. Isto pode ser feito, por exemplo, por indução. �
O nosso sucesso no exemplo anterior foi causado pelo fato de que após as iterações, apareceu
no termo geral da sequência, a sequência de somas parciais que nós sabemos calcular.
A seguir, vamos considerar alguns exemplos da forma

hn = ahn−1 + bn .

Perceba que se a = 1, obteremos que

hn = h0 + b1 + b2 + b3 + · · · + bn .

Portanto, neste caso a solução consiste basicamente em obter o termo geral da sequência de
somas parciais de (bn ).
Vejamos a seguir alguns exemplos com a �= 1.
54 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS NA COMBINATÓRIA

Exemplo 4.11.

hn = 3hn−1 − 4n, n≥1


h0 = 2.

Solução: Iterando obtemos

hn = 3hn−1 − 4n
hn = 3(3hn−2 − 4(n − 1)) − 4n = 32 hn−2 − 3 · 4(n − 1) − 4n
hn = 32 (3hn−3 − 4(n − 2)) − 3 · 4(n − 1) − 4n = 33 hn−3 − 4 · 32 (n − 2) − 4 · 3(n − 1) − 4n
..
.
hn = 3n h0 − 4(3n−1 + 3n−2 · 2 + 3n−3 · 3 + · · · + 32 (n − 2) + 3(n − 1) + n).

3n−1 + 3n−2 · 2 + 3n−3 · 3+ · · · + 32 (n − 2) + 3(n − 1) + n = (3n−1 + 3n−2 + 3n−3 + · · · + 32 + 3 + 1)


+ (3n−2 + 3n−3 + · · · + 32 + 3 + 1) + · · · + (32 + 3 + 1) + (3 + 1) + 1
3n − 1 + 3n−1 − 1 + · · · + 31 − 1 3n + 3n−1 + · · · + 31 − n
= =
2 2
3n+1 − 3 − 2n
= .
4
E após algumas contas, obtemos

hn = −3n + 2n + 3.

Esta fórmula deve ser provada, por exemplo, usando indução. �


Exemplo 4.12.

hn = 2hn−1 + 3n , n≥1
h0 = 2.

Solução: Mais uma vez usaremos a técnica de iterar para chegar numa fórmula que deverá
ser provada, por exemplo, usando indução.

hn = 2hn−1 + 3n
hn = 2(2hn−2 + 3n−1 ) + 3n = 22 hn−2 + 2 · 3n−1 + 3n
hn = 22 (2hn−3 + 3n−2 ) + 2 · 3n−1 + 3n = 23 hn−3 + 22 · 3n−2 + 2 · 3n−1 + 3n
..
.
hn = 2n h0 + 2n−1 · 3 + 2n−2 · 32 + · · · + 2 · 3n−1 + 3n
3−2
hn = 2n h0 + 3n + [2n−1 · 3 + 2n−2 · 32 + · · · + 2 · 3n−1 ]
3−2
n n n n n+1 n
hn = 2 h0 + 3 + 2 · 3 − 3 · 2 = 3 −2 .

4.4 Exercı́cios

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