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À GUISA DE INTRODUÇÃO
O presente artigo gestou-se a partir das discussões estabelecidas nos vários
encontros da disciplina Populações Tradicionais, Desenvolvimento e Conflito que trouxe
para a discussão em sala de aula, os vários contextos epistemológico e hermenêutico que
versam sobre a questão campesina em diferentes momentos histórico, dentro de um
quadros de conceitos sociológico específico que faz do sujeito campesino um agente
histórico que emergiu historicamente e a historicamente no tempo e no espaço. Ora
contestando o sistema de dominação, ora lutando pelo acesso a terra, ora se apropriando
da própria violência do opressor para expressar sua indignação ou teatralizando suas
ações como uma performance, fazendo caras e bocas ou se fazendo de tolo para ludibriar
seu opressor (SCOTT,1976).
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plantio. Assim, as usinas triunfo (Boca da Mata/AL) e Usina Capricho (Cajueiro/AL).
Também contribuíram para intensificar esse êxodo do campo para cidade, a partir das
décadas de 80 e 90 do século XX. Este processo de modernização do setor local provocou
um êxodo rural em massa de uma parcela significativa de trabalhadores rurais para a
cidade de Atalaia/Al.
Para refletir sobre esse fato e compreender esse processo violente de transposição
dos moradores dos arruados do campo para a cidade, além das leituras devidas durante as
aulas. Tomamos como base de analise epistemológica e hermenêutica, a fala de três
“sobreviventes” que vivenciaram esse processo de profunda transformação de suas vidas
e do espaço rural. Neste contexto, suas memórias individuais e coletivas sobre o saber
local e como este se construíram, nas relações de trabalho com a terra formaram sua
cosmovisão sobre um mundo que não existe mais, mas, suas lembranças dos eventos que
os tornaram homens/mulheres sujeitos do campo, estão presente em suas memorias e em
suas representações culturais.
Essa memória coletiva 1campesina que tornou-se resiliente nas lembranças desses
indivíduos que remontam suas trajetórias sociais em suas falas dos saberes e fazeres nas
fazendas, nos roçados ou nos partidos de cana de açúcar. A saber, tomamos como escopo
metodológico para o desenvolvimento deste modesto artigo, o relato da história oral de
vida de três sujeitos singulares “sobreviventes” que vivenciaram estes processos. “Seu
Laba, Seu Zeca e seu Carreiro” Ambos vivenciaram essa transformação do espaço e
modernização do canavial nas terras Atalaiense. Ambos vizinhos, ambos os pais
moradores de condições das fazendas Paysandu, Caradaço e Pirajá.
As entrevistas com ambos atores que viveram e sofreram na pelo este processos
foram realizadas entre os meses de Março e Maio de 2021. Como pesquisador, este foi o
primeiro momento que assumir meu lugar de fala para expor este processo, na fala dos
outros. Confesso que conheço os três interlocutores da pesquisa a muitos tempo, e sempre
escutei sobre suas trajetórias no campo e neste momento resolvi dá voz a essas narrativas,
que só através do exercício da memória podemos trazer esses processos traumático a cena
campesina.
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HALBAWACHS, M. A Memória coletiva. Trad. de L.L. Schaffter. São Paulo,Vértice/Revista dos
Tribunais, 1990.
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O ponto fulcral de nosso empreendimento, é tentar compreender como essas
profundas transformações do espaço rural dos moradores de condições, dessas três
fazendas foram fundamentais para que os mesmos relembrassem seu modo de vida
através da memória social dos afazer na terra, na relação de trabalho e na relação dos
homens com os outros iguais e com os fazendeiros. Este fatos permanecem resilientes em
suas lembranças, quase que nostálgica de um tempo que não existe mais, que era duro
para se viver, mas que está presente nas narrativas dos três interlocutores.
Dessa forma abordaremos neste trabalho, três perspectiva que foram relacionadas
na fala dos interlocutores durante as entrevistas. “O saber ser e saber fazer na lida do
campo: construção e auto construção dos sujeitos, A Terra e o trabalho e A tradição:
o patrimônio material e imaterial”. Estes pontos foram inter-relacionados nas falas dos
três interlocutores durante o processo de entrevista ou de seus relatos de causos. O
desenvolvimento desse modesto trabalho que foi realizado por um campesino para outros
campesino poderem ter acesso ao nosso patrimônio cultural que está sendo apagado pelo
tempo e pelo esquecimento é fruto de um esforço tanto pessoal por parte do pesquisador,
quanto por parte de um interesse coletivo de registrar esses processos que não podem ser
apagados pelo tempo.
Não podemos deixar de falar sobre a história campesina, pois foi sobre suas mãos
calejadas que construímos essa nação (PALACIOS, 2009) que sofremos as várias
coerções do Estado, através de sua violência física, simbólica e psicológica com suas leis
e decretos. Não podemos deixar que este intenso processo de amnesia social prossiga.
Precisamos levantar nossas vozes e ocupar nosso lugar de fala e nos orgulhar por sermos
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formado no campo e pelo campo. Nesse artigo compreendemos os sujeitos do campo
como agentes históricos que sofreram e ainda sofre com o descaso do Estado, e com os
vários tipos de violência que constantemente eram e são cometidas aos homens, mulheres
e crianças do campo.
No caso de Atalaia não foi diferente, seguiu os mesmos caminhos apontados por
Benatti (2009) em relação ao direito sobre a terra. A sesmaria concedida a Domingos
Jorge Velho em 1694, pelos serviços de campo na luta contra os negros Palmarinos foi
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um saldo de guerra acordado entre o bandeirante e o conselho ultramarino2 (VALENTE,
1984). Assim, após derrotar os Palmarinos em três anos de intensos combates, Domingos
Jorge Velho, ganhou como prêmio uma sesmaria de 6,5 léguas de terras que
compreendiam várias localidades de Palmeira dos Índios a Viçosa. Localidades essas que
tornaram-se independente do município de Atalaia no início do século XVIII.
Em várias falas dos três interlocutores, eles apresentam uma percepção desde
criança que as coisas estavam mudando. “A mudança aqui está ligada ao processo de
modernização e transformação das relações de trabalho” Ao perguntar para ambos outros
agentes como eles percebiam estas mudanças? As respostas de ambos quase que se
encontraram em suas falas. Para seu Laba:
Meu avô dizia que ele era quem cortava lenha na mata para o engenho funcionar... as
vezes ele passava a semana na mata cortando lenha. Todo engenho tinha uma mata
porque se não tivesse lenha o engenho não cozinhava o açúcar. Quem cortava a cana
crua era os escravos que eram poucos no engenho cabeça de BOI, mas faziam os
trabalhos mais pesados...os trabalhadores normais como meu avô fazia o trabalho leve
que era corta a lenha. Quem tombava a lenha para o engenho era os pretos e meu avô...os
pretos já estava acostuma com o serviço duro... Segundo meu avô eles não recebia nada
por seus serviço só comida....Meu avô dizia eu as vezes dava pena vê aquela situação
porque somos gentes e eles eram tratados pior que os cachorros do patrão. Meu pai
assumiu a função do meu avô, quando ele não pode mais lidar com o serviço, e mais
que os pretos naquele tempo já tinham sido liberados do seu trabalho sem receber nada
ficando só dois na fazenda. Assim, quem passou a manobra todo o engenho foi meu pai
e seus vizinhos... o engenho consumia a maioria do tempo deles e a roça ficava a cada
dia menor...Eu ainda não trabalhava para ajudar meu pai, mas ia olhar os dois garrotes
arrastando aquela moenda para espremer a cana para sair seu caldo...tempos bons
aqueles. Quando meu avô morreu meu pai assumiu seu lugar na fazenda e assim quando
meu pai morreu virei empregado da fazenda por uns 20 anos, foi quando tivemos que
se mudar porque só produzíamos cana e não mais açúcar.(Entrevista de 07/03/2021)
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Aminadab Valente (1984) Aborda essa a questão do contrato de Domingos Jorge Velho com o Conselho
Ultramarino em seu livro “Atalaia e sua história.
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Durante essa fala, seu Laba, por algum tempo se esforça para transmitir a ideia
de que naquele tempo a vida dele era melhor que agora. Mas, as pausas que o mesmo
fazia constantemente parece discordar um pouco de sua fala. Em alguns momentos o
mesmo deixou escapar através do gesto facial como era difícil a vida de seu avô e de seu
pai na fazenda. Das três gerações da família nenhuma sabia ler.
- Seu Laba, foi na fazenda que aprendi a ser gente, aprendi a fazer tudo, mesmo
sem saber ler eu fazia conta de metragem de terras e este fato fez com que eu
tivesse uma posição privilegiada mais que meu pai que antes trabalhou no
engenho agora ele era o empregado da fazenda” (Entrevista de 07/03/2021)
Em sua fala, o ser gente neste sentido significa que ele se tornou uma pessoa
importante para a fazenda, chegando a comandar o grupo de trabalhadores da fazenda “o
empregado” encarregado de comandar o grupo de trabalhadores do arruado3 da fazenda.
Seu Laba, eram casa que se construíam em linha reta, uns 500 metros da casa grande
onde morava o patrão. As casas, eram feitas nos primeiros tempos de taipa. De
madeira cortada da mata da fazenda que depois eram tombadas da mata em burros
até o local onde a casa seria feita. Poucas casas ficavam distante do arruado e não
eram só uma, eram unas oito ou seis, sempre linha reta em fileira como as do
arruando que fica perto da casa grande. Como uma gaiola, fazíamos a estrutura da
casa. Primeiro colocava-se os três esteios principais da casa, de madeira resistente.
Os esteios eram a base de sustentação da casa e eram de sucupira, madeira que era
utilizada nos engenhos para construir o telhado. Uma linha de sucupira pode durar
uns 200 anos. Depois dos esteios principais vinham os esteios secundários. Nesse
ponto fazíamos a armação da casa. Depois íamos envarando cada lada da casa.
Cavávamos uma levada de 30 centímetros e colocávamos alguns caibros na vertical
por dentro e por fora e amarrávamos com cipor rabo de rato na linha lateral da casa.
Depois começávamos a envarar a casa na horizontal com varas de cabotam um
arvore que cresce sempre reta. E por ideia para se colocar na amarração das paredes.
Depois de envarar o quatro lado da casa íamos para dentro fazer os cômodos da
família. Essa lida durava uma semana, pois reunia entre 15 ou 12 homens. O barro
para tampar as paredes da casa era feito com a construção de um barreiro. Onde
cavava um buraco de 2 metros quadrado até chegar ao barro amarelo que é o ideia
para tapa a casa. Na pisada do bairro todo mundo podia ajudar. Alguns com potes
de água para molhar o barro e deixa-lo no pontos. Outros ficavam pisando nele até
dá a liga e fica no ponto. O barro ficava no ponto fazíamos aquelas bolas bem
grande. Cinco ou seis homens ficavam no barreiro pegando o barro e levado para
casa. Quando chegavam lá jogavam aquela bola de barro na armação da casa.
Quando jogava o bolo de barro na parede este ficava preso na armação e assim íamos
dando o acabamento. Mas, antes de tampar a casa cobríamos logo o telhado com
palha de palmeiras dobradas. Esse serviço de dobrar as palhas quem fazia era as
mulheres e as crianças.(Entrevista de 09/05/2021)
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Conjunto de casa que se construíam de taipa ou de tijolos batidos próximo a casa grande das fazendas.
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Através desses relatos podemos perceber que o sistema de moradias das fazendas
se equiparavam a organização de vilas operarias, devido ao seu recrutamento de mão de
obra e na organização, como os padrões das casas estavam organizados. Além de ter na
própria fazenda mão de obra sempre a disposição da necessidade do serviço da fazenda.
Dessa forma, Seu Laba experiêncio-ou outras formas de socialização da formação do
sujeitos históricos do campo. Assim como os outros sua subjetividade foi moldada por
um conjunto de valores tradições que se concretizavam através de uma profunda tradição
de socialização oral. Já como, seu Laba assumiu um cargo a mais que seu pai na relação
de dominação que era estabelecida entre este e o fazendeiro, por lidar com diversas
situações na relação de trabalho na fazenda.
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O pronome possessivo seu está sendo usado como referência a um sujeito que construiu uma certa
subjetividade ou seja tomou posse dela ou despertou sua consciência. Estava utilizado a palavra Sr. mas
após lê o trabalho final para os interlocutores da pesquisa os mesmo pediram para trocar a expressão Sr.
por Seu, por que segundo os mesmos era essa a linguagem mais comum que eram utilizadas pelo povo do
campo. Sr. só se chamava o fazendeiro que era o patrão nós não nos sentimos a vontade sendo chamado
assim. Somos diferente, nossa cultura é diferente da deles (fala dos interlocutores da pesquisa).
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- Seu Carreiro ...nasci naquela grota em 30, era uma grota esquisita sem nenhuma
casa perto... tínhamos roças perto de casa e água em abundância. Tinham alguns
minador de água bem na biqueira da casa de taipa, não precisava ir longe para
buscar água. A mata ficava aos 200 metros de casa. A noite era aquela escuridão
que era vencida só dentro de casa pelo clarão do candeeiro. Eu via que meu pai
estava saindo de manhã de casa para o trabalho ao bater da marreta na enxada
em um pedaço de trilho ou ao amolar da foice de corta cana na pedra que ficava
bem na cozinha de casa. Tinha 13 irmãos, 3 mulher e 10 homens. Três dos meus
irmãos já ajudavam nosso pai no serviço da fazenda, enquanto nos ajudava nossa
mãe na roça perto de casa. Plantávamos macaxeira e mandioca o ano todo. Milho
só nos mês de março dia de São José, quando começa a dá sinal das primeiras
chuvas. Plantávamos alguns legumes e os meus irmão menores tinha que regar
duas vezes ao dia, manhã e tarde. Uma vez por semana íamos pescar em dois
riachos que ficava próximo de casa com um puçá bem pequeno. O riacho era
pequeno, então eu fica lá em baixo no ponto do rio enquanto meus irmãos viam
correndo de cima para baixo do rio tangendo os direto para o puçá. Pegávamos
muitos peixes piabas e caras e a noite fazíamos um belo molho de peixe. Quando
completei 10 anos já arrumei meu primeiro caco de enxada e comecei a rabiscar
as primeiras carreiras de cana de açúcar junto com meu pai e meus irmãos. Tudo
que agente ganhava ficava no barracão ir para a feira na rua era só uma ou duas
vezes no ano. Como meu pais fique nessa lida até saí da fazenda em 80.
(Entrevista de 21/03/2021)
Neste pequeno relato que seu Carreiro nos revela um pouco da vida cotidiana dos
afazeres da vida no campo. A função da família nuclear bem definida, a divisão social do
trabalho estabelecida. O pai como provedor da casa, que encoraja os filhos mais velhos a
ser um dono de casa que trabalha faça chuva ou faça sol. Ser morador de condição é ser
sujeito que se sujeita a determinada condições de existência. Viver fora dos olhos do
patrão tinha uma certa privacidade que a vida do arruado não podia dar. Além disso, do
arruado até as fontes de lenha e água é um pouco distante dificultando o trabalho das
mulheres nos afazeres domésticos pois ter lenha seca e água era essencial para a existência
social.
- Seu Carrero minha plantava legumes e outras coisa como batata, macaxeira e
mandioca. E todos nós ajudávamos, cada um fazia uma coisa, meu irmão menores
alimentavam as galinhas, patos, perus...eu e Regis íamos amarrar as ovelhas e cabras
no mato. Meio dia íamos dar água e a tarde íamos buscar cada um fazia uma coisa.
Quando meu pai ia chegando em casa após um dia difícil. Eu o via quando ele ia
descendo a ladeira com sua enxada na costa e sua faca na cintura e ao seu lado meus
irmão. Não via a hora de acompanhar a turma. (Entrevista de 23/04/2021)
Neste trecho, podemos ver na fala de seu Carreiro um dos pressuposto apontado
tanto por Marx (1986), sobre divisão sexual do trabalho, como apontando mais
especificamente, o sinais dessa servidão por Luxemburgo (1984) a mesma autora fala
sobre a escravidão da família em relação ao homem. Neste cenário, a figura da mãe
orienta as atividades dos filhos mais novos, dirigindo suas ações em benefício da família.
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A figura que a mãe representava nesse micro universo era um símbolo responsável por
subnutri o marido e os filhos dos frutos que a terra poderiam dá. Já que o ganho que o
marido ganhava, mal dava para custear as contas de mistura no barracão.5
A TERRA E O TRABALHO
Essa relação dialética entre terra e trabalho é fundamental para compreendermos
a cultura campesina (POLANY, 2000). O trabalho neste sentido referi a relação de troca
entre os homens, o emprego da força muscular em um empreendimento de transformação
de um roçado, de plantio de cana de açúcar, do corte da cana crua ou do corte de lenha na
mata. Neste sentido, nossos interlocutores compreendem a relação de trabalho como uma
relação essencial para sua sobrevivência. Para compreender a relação de trabalho neste
universo em transformação na zona rural de Atalaia/AL, começo pela fala de seu Zeca
que segundo o mesmo, foi através da relação de trabalho que se fez sujeito respeitado por
todos e pelo fazendeiro.
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Construção com portas grandes onde se comprava de tudo que se precisava de material de trabalho a
alimentos.
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- Como era estabelecida as relações de trabalho na fazenda?
Seu Zeca... meu pai trabalhava no engenho da fazenda Pirajá até a década de 30, quando
o engenho passou por algumas mudanças implantado para o cozimento do caldo de
cana uma nova caldeira que seis meses depois explodiu e ai...a fazenda passou a
fornecer cana para a usina Brasileiro e depois para a usina Ouricuri e depois para a
usina Uruba. Meu pai tomava conta dos cercados e dos bois que moviam a moeda do
engenho junto com o negro Mutange que era ex-escravo que preferiu ficar na após a
sua liberação. Antes da explosão da caldeira meu pai cortava capim para os bois que
movimentavam a moeda do engenho para esmagar a cana...a cada 3 horas de trabalhos
esses animais precisavam ser trocados por outros do mesmo porte e bem alimentados.
Em 1945 eu tinha 13 anos e cheguei a ver um dos últimos descendentes desses bois eu
moviam a moenda. Não sei quantos contos de reis meu pai ganhava para fazer esse
serviço, mas lembro de velo algumas vezes sendo chamado a atenção por deixar algum
animal sair do cercado. Quando o engenho encerrou suas atividades meu pai continuou
tomando conta dos animais da fazenda. Eu mesmo não tinha idade ainda ficava só em
casa...quando ia para a roça não trabalha nada porque sabia que não ia ganhar nada por
aquele trabalho. Nas horas de folgas entrava no partido sempre para chupar
cana....tapiei por várias vezes o vigia do canavial. Alguns suspeitavam de mim, mas
não tinham provas que tinha sido eu...algumas vezes o fazendeiro foi a minha casa eu
ficava próximo do barracão. De casa eu escutava, quando ele falava...vocês sabem que
está fazendo bagunça no partido... se nós o pegarmos seja daqui ou de outra fazenda
vamos arrancar os dentes e quebra suas mãos... de casa meu coração disparava mais no
outro dia eu estava lá chupando cana e ninguém nunca pegou.
- Quando comecei a trabalhar com meu pai, aos 13 anos já trabalhava como homem
feito....tirava duas contas até meio dia e a tarde ia para a roça planta com a minha mãe.
Aos 16 anos tirava 6 contas no dia, algo que os homens faziam em dois dias de trabalho
em fazia em um. Quando era para cortar cana crua e amarrar ninguém cortava e
amarrava cana mais que eu. Já amarrei por dia 1000 fecho de cana de 20 kg. Neste dia
falaram que eu estava com a besta fera por que nunca viram ninguém fazer isso. Quando
o patrão fazia reunião no barracão meu nome era citado...ele dizia se eu tivesse mais
dois desse cabra na fazenda nossa produção seria outra. Durante o trabalho nunca gostei
que mim chamassem a atenção...quando isso acontecia ficava emburrado, calado
olhando para baixo por que minha vontade era voa em cima dele do empregado ou do
patrão. Em alguns momentos discordei do empregado e do patrão porque eles queriam
mim colocar as vezes para fazer serviços muito pesados que outros não aceitavam. Mas
entre tanto conflitos, em meio a tudo isso conseguir os respeito de todos...chegando as
vezes a ganhar sapatos usados pelo patrão ao final de cada ano. Mesmo sendo usados
aqueles sapatos eram melhores do que os meus novos. Aos poucos, fomos perdendo a
importância do nosso trabalho...a usina passou a tomar conta da terra o patrão começou
a morar na cidade...e o arruado aos poucos foi derrubado para se plantar cana.
(Entrevista de 03/04/2021)
Nessa rica narrativa que seu Zeca nos revela através de sua fala, percebemos
vários momento específico do ser campesino morador de condição (HEREDIA, 19988).
A dimensão do contexto da dominação era estabelecida como um vínculo moral que era
estabelecido entre o morador e o patrão. Este último estabelecia regras específica que
conduziam a vida material na fazenda em todos os sentidos. Outro fenômeno que ficar
evidente é o que Scott (1976) chamou de transcrição pública e privada realizada em
diversos cenários da vida cotidiana diante da situação de dominação.
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Quando seu Zeca fala que não gostava de ser chamado a atenção, e que na maioria
das vezes ficava calado, este fato demonstrar a grande desigualdade social que existia
entre trabalhadores, empregados encarregados e patrão. Foi através de um esforço extra
humano na labuta com a terra que seu Zeca diz ter ganhador sua dignidade e
reconhecimento. Mas, para isso teve que fazer coisas que ninguém fazia, limpar mais
mato, cortar mais cana, cavar mais suco de cana para o plantio que os outros homens para
ser reconhecido por seus membros do arruado e por seu patrão. Na fala de seu Zeca
quando se refere ao patrão que o elogia em público, seu Zeca não sabe, mais aquele elogio
só reflete a expressão do mercado consumidor. “Se tivéssemos mais cabra como este” ou
seja produziríamos mais. Segundo seu Zeca tudo isso mudou depois que as terras da
fazendo foram arrendadas para algumas usinas do município que de início manteve os
arruados que a fazenda tinha, mas depois começou a pagar o tempo de serviço e os
moradores começaram aos poucos indo embora e suas casas derrubadas para dar lugar a
novos plantio de cana de açúcar.
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Fazer a metragem de um terreno, planejando neste sentido a quantidade de cana que seria preciso para
renovar o plantio.
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até se construírem enquanto sujeito histórico que cresceram e transformaram o campo e
que depois foram transformado pelo processo de modernização dos canaviais de Atalaia.
Os três interlocutores desses fatos, viveram e cresceram no campo, mas agora irão morrer
em uma viela mal urbanizada de uma grota na periferia de Atalaia. Mesmo sendo tempos
difícil segundo os mesmos, morada boa era no arruado, lá tinha ordem e respeito, na rua
ninguém respeita ninguém.
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nas fazendas naquele tempo. Os moveis, como bancos e mesas feitos de madeira são
exemplos que revelam como era rustica o modo de vida dos povos do campo sejam eles,
sitiantes ou moradores de condições.
Sem nos alonga mais no trato do tema, chamamos atenção para as crenças que
configuravam as formas simbólicas de ver a vida no meio rural. Os sinais da natureza
eram interpretados como visão futura e as crenças em lendas e contos tinham em si uma
função pedagógica coercitiva que construía alguns tabus nas relações entre os vizinhos,
entre os homens e a natureza, entre dominante e os dominados.
Neste contexto, nosso trio de interlocutores acreditavam fielmente nas estória que
seus pais lhe contavam. E por isso, eles nem se quer tentava levantar a voz contra o pai
ou contra a mãe, pois tinha medo de virar lobisomem. Outra estória que fazia sucesso
naqueles tempo era a do fogo corredor. Onde o ditado popular dizia que o compadre que
casasse com a comadre ou vice e versa, sofreriam no fogo do inferno pelo resto da
eternidade sobre a forma de duas bolas de fogos que as vezes os mesmos afirmaram ter
visto de longe algumas vezes no caí da tardezinha.
O fato interessante neste contexto, é que todas essas história finda-se em um ato
proibido, não pode bate no pai, nem na mãe se não vira bicho. Não pode casar com o
compadre ou com a comadre se não vira bola de fogo. Não pode casa com o padre se não
vira burra de padre etc. Todos esses contos que fazem parte do imaginário popular da
cultura imaterial do ser campesino tinha uma função pedagógica específica que ajudava
a entronizar nos indivíduos os valores morais de seu grupo lhe construindo como sujeito,
que se transformou através de processos histórico específicos em sua trajetória social na
labuta dia com a terra.
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À GUISA DE CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BENATTI, José Heder. Apropriação privada dos recursos naturais no brasil: séculos
XVII ao XIX (estudo da formação da propriedade Privada). In: NEVES, Delma Pessanha.
Processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil. São Paulo: Editora
UNESP, 2009, p. 211-238
CHAYANOV, A. V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In:
SILVA, J. G., STOLCKE, V. A questão agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 133-
164.
HEREDIA, Beatriz Alasia de. Formas de dominação e espaço social – A
modernização da agroindústria canavieira em Alagoas. São Paulo: Marco Zero;
Brasília, DF: MCT/CNPq, 1988
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LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico
do imperialismo. Volume II, caps. XXVI a XXIX, p. 239-286, 1984.
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