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ISSN 1519-7328

Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência


da Embrapa Agrobiologia

21 Introdução
A degradação do meio ambiente tem sido conseqüência de intensa ação antrópica,
onde se incluem o extrativismo vegetal e a agricultura, que devido a falta de um
planejamento adequado para sua execução resultam, principalmente, em perdas de
solo das camadas mais férteis, em sua maioria, que podem chegar a 200 Mg ha-1 ano-1
(FRANCO & CAMPELLO, 2005). Como conseqüência, grandes extensões de terra
improdutivas são abandonadas com insuficiente cobertura vegetal, ainda mais propícias
a perdas de solo por erosão. Nestas condições, a menor infiltração da água da chuva
reduz a recarga de aqüíferos e compromete as nascentes, além de proporcionar o
aparecimento de voçorocas e o assoreamento de rios e lagos. Além do impacto sobre a
água, o processo de degradação do solo é acompanhado da diminuição da matéria
orgânica do solo e conseqüente liberação de CO2 para a atmosfera, contribuindo para
amplificar o chamado “efeito estufa”. Segundo estimativas a matéria orgânica do solo
tem 3 vezes mais carbono do que a existente em toda a biomassa vegetal terrestre
(BATJES, 1996) e as emissões de CO2 do solo, pela ação antrópica, somam
aproximadamente 25% das emissões do CO2 do planeta (BOUWMAN & GERMON,
1998).
Os sistemas de produção agrícola dominantes nos trópicos, com raras exceções,
Seropédica, RJ
promovem redução rápida e significativa da qualidade do solo, o que se traduz num
Dezembro, 2007
avanço alarmante da degradação das terras, afetando não só os solos como também os
Autores recursos hídricos. Um estudo denominado Avaliação Global da Degradação de Solos
(“Global Assessment of Soil Degradation”) reportou que a área de solos degradados no
Eduardo Francia C. Campello planeta saltou de 6% em 1945 para 17% em 1990, e que com a manutenção dos
Pesquisador da Embrapa modelos atuais de uso da terra, em 2025 cerca de 25% das terras agricultáveis estarão
Agrobiologia – BR 465 km 07,
Caixa Postal 74505 –
em estado de degradação, sendo a maior parte delas na região tropical do planeta
Seropédica-RJ - E-mail: (HANSON & CASSMAN, 1994). Sendo assim, a perspectiva futura é sombria, uma vez
campello@cnpab.embrapa.br que a população continua crescendo (previsão de 8 a 10 bilhões de pessoas em 2050;
FISCHER & HEILIG, 1998), o que, com o avanço da degradação das terras, resultará
Gabriela Tavares Arantes Silva
Bolsista de Iniciação Científica/
em crise de água potável e de alimentos. Somado a isso, a crescente saturação da
CNPq/Embrapa Agrobiologia, atmosfera com CO2, tornam imperativos os esforços para fixar parte deste carbono
Discente do curso de Engenharia através do processo de fotossíntese.
Florestal da UFRuralRJ
A Mata Atlântica tem sofrido ações predatórias desde o início da colonização brasileira,
Pedro de Oliveira Nóbrega inicialmente, fornecendo matéria prima para a crescente população do País, sendo seu
Bolsista de Iniciação Científica/ espaço ocupado progressivamente por atividades agrícolas, industriais e por núcleos
CNPq/Embrapa Agrobiologia,
Discente do curso de Engenharia
urbanos. Atualmente restam apenas cerca de 7% da floresta original. A maior parte
Florestal da UFRuralRJ deste remanescente está fragmentada, sofrendo contínua perda de biomassa vegetal e
erosão genética. Um exemplo desta tendência são os dados apresentados pelo Censo
André Luis Macedo Vieira Agropecuário do Estado do Rio de Janeiro de 1995/96 (IBGE, 1998) que apontam, além
Bolsista de Iniciação Científica/
CNPq/Embrapa Agrobiologia,
do êxodo rural, uma tendência de urbanização do meio rural na região. Merece
Discente do curso de Engenharia destaque a redução ocorrida entre 1970 e 1996 de 44% do número e 37% da área
Florestal da UFRuralRJ média de estabelecimentos, 90% da área plantada com lavouras, 50% do pessoal
ocupado com atividades de agropecuária e um aumento de cerca de 50% nos
Avílio Antônio Franco
Pesquisador da Embrapa estabelecimentos com menos de 10 ha, reduzindo a capitalização e dificultando o
Agrobiologia – BR 465 km 07, acesso ao crédito agrícola. A análise desses números revela uma forte retração das
Caixa Postal 74505 – atividades rurais na região que poderiam aliviar as pressões antrópicas sobre os
Seropédica-RJ - E-mail: remanescentes florestais pelo êxodo rural, mas isso não tem acontecido de forma muito
avilio@cnpab.embrapa.br clara.
Alexander Silva de Resende Para reduzir esse problema se faz necessário o desenvolvimento e a adoção de novos
Pesquisador da Embrapa
Agrobiologia – BR 465 km 07,
sistemas de produção que sejam adequados para as diferentes condições ambientais,
Caixa Postal 74505 – que aliem a produção de alimentos com a conservação e recuperação da
Seropédica-RJ - E-mail: biodiversidade e da qualidade dos recursos do solo e água, contribuindo, ainda, para o
Alex@cnpab.embrapa.br seqüestro do excesso de carbono na atmosfera.
Os sistemas integrados de produção, tais como os sistemas agroflorestais, possibilitam
a melhoria do ambiente e a promoção sócio-econômica do setor, possibilitando a
2 Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência da Embrapa Agrobiologia

redução de custos de produção e a inserção de seus Neste trabalho são apresentadas algumas experiências
produtos em nichos de mercados altamente da Embrapa Agrobiologia na Mata Atlântica com
competitivos, que valorizam a qualidade dos serviços sistemas agroflorestais.
sócio-ambientais.
As árvores são fundamentais na recuperação das
Implantação e Manejo do SAF Modelo
funções ecológicas de ecossistemas degradados ou SAFRA
perturbados, uma vez que possibilitam o Implantar o SAFRA demanda um conhecimento prévio
restabelecimento de boa parte das relações entre as da evolução do sistema e de como será sua dinâmica.
plantas e os animais. A condição de ausência de Os erros e acertos no momento da implantação
matéria orgânica no solo é desfavorável ao determinarão o grau de sucesso ou fracasso do futuro
estabelecimento de espécies mais exigentes, o que do sistema (NAIR et al., 1984). O sucesso da
torna necessário o plantio de árvores de rápido implantação está na soma de decisões a serem
crescimento, na fase inicial de recuperação ambiental, tomadas, quanto a escolha das espécies e o método de
possibilitando, assim, o restabelecimento da ciclagem plantio, visando a composição do mosaico agroflorestal,
de nutrientes, o que permitirá o plantio de espécies de acordo com o estágio sucessional.
mais exigentes (CAMPELLO & FRANCO, 2001;
RESENDE et al., 2005; 2006). Para isso, é necessário utilizar espécies de diferentes
grupos ecológicos (pioneiras; secundárias iniciais e
Sistemas Agroflorestais tardias; e clímax). Esses grupos apresentam
comportamentos diferenciados quanto a altura, porte,
Os sistemas agroflorestais (SAF’s) têm um papel estrutura radicular, necessidade de luz e nutrientes,
relevante como alternativa de produção, permitindo tornando a competição entre elas menos acentuada.
equilibrar a oferta de produtos agrícolas e florestais Um esquema básico para implantação de um Safra é
(PASSOS, 2003), com a prestação de serviços mostrado na Figura 1.
ambientais. Os SAF’s são formas de uso e manejo dos
3,0m
recursos naturais, nos quais espécies lenhosas são Legenda:
Citrus (3,0 x 5,0)
utilizadas em associações deliberadas com cultivos Café (3,0 x 1,0)
Abacaxi (0,50 x 0,70)
agrícolas e animais, de maneira simultânea ou Banana (3,0 x 2,5)
seqüencial (OTS/CATIE, 1986), para se tirar benefícios Árvores de rápido crescimento (3,0 x 1,0)
Frutíferas e madeireiras (3,0 x 5,0)
das interações ecológicas e econômicas resultantes
(LUDGREN & RAINTREE, 1982). 2,5
m
Dentre os SAF’s propostos, o Sistema Agroflorestal 5,0
m
Regenerativo Análogo (SAFRA), é um dos que mais
enfocam os processos naturais de ciclagem de
nutrientes e sucessão vegetal (VIVAN, 1998). É um
sistema de multi-estratos, onde se aproveita o espaço 0,50m 3,0m

horizontal e vertical da área de plantio, adensando o Figura 1. Esquema básico utilizado para implantação de um
maior número de espécies, de forma a explorar os SAFRA, no Sistema Integrado de Produção Agroecológica (SIPA),
diferentes estratos que compõem a floresta tropical Seropédica, RJ. (Desenho a mão livre).
(GÖTSCH, 1995). Sua alta diversidade e densidade de
espécies, o torna adequado às regiões tropicais, A ciclagem de nutrientes constitui-se numa das funções
principalmente na proteção do solo contra os processos mais importantes para a regulação do funcionamento e
erosivos. Porém, sua grande complexidade implica em do desenvolvimento dos ecossistemas (JORGENSEN
dificuldades de manejo, sendo que a principal delas et al., 1975). O manejo da área é feito com base nos
consiste em regular, para várias espécies em um fenômenos naturais responsáveis pela ciclagem de
mesmo espaço, a oferta de luz, água e nutrientes, de nutrientes e pelo avanço da sucessão vegetal. Visando
forma a obter uma boa produtividade. O componente acelerar esses processos, utiliza-se a poda das
florestal pode reduzir o rendimento dos cultivos devido árvores, para acelerar a disponibilização de biomassa e
a maior competição entre as plantas, sendo vital a nutrientes, luz e água ao sistema, além de favorecer a
escolha das espécies florestais, e a intervenção da evolução da comunidade vegetal. Nas podas parciais
poda na época adequada (DUBOIS et al., 1996). retira-se de 30% a 60% da copa da árvore, e nas totais,
100%, cortando-se a árvore no tronco, à altura do peito.
As experiências com o SAFRA, embora careçam de Todo material orgânico disponibilizado pela poda
maior validação científica, vêm sendo incorporadas por passar a ser depositado sobre o solo. As podas parciais
agricultores na região do Vale do Ribeira-SP, no ocorrem ao longo do ano, de acordo com a
nordeste e em Minas Gerais e por cafeicultores no necessidade de luz pelas plantas, e para a condução
estado do Espírito Santo. Estes, se baseando em de seus ramos. A poda total ocorre no início da estação
evidências de aumento na qualidade dos frutos e chuvosa, quando a rebrota é favorecida pela
sanidade das plantas de café em sistemas disponibilidade de água, visando, principalmente,
agroflorestais. estimular a ciclagem de nutrientes, através do aporte
de biomassa. Essa prática de podas visando favorecer
Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência da Embrapa Agrobiologia 3

-1 -1
o desenvolvimento de uma cultura comercial pode ser Mg ha e 153 kg ha de matéria seca e nitrogênio,
entendida por adubação verde. respectivamente. Após a poda obteve-se, em média, 51
-1 -1
Mg ha e 829 kg ha de matéria seca e nitrogênio,
Adubação Verde respectivamente. Esses valores indicam um aporte de
-1 -1
36 Mg ha de matéria seca e a entrada de 675 kg ha
A necessidade de se encontrar alternativas baratas e de nitrogênio com a poda. Esses valores indicam a
ecológicas para fornecer nutrientes a culturas de valor importância do manejo adequado dos SAFs para fins
econômico, tem aumentado o interesse pela adubação de favorecimento da cultura comercial.
verde no meio agrícola. As pesquisas nessa área se
concentram em identificar as melhores espécies para Na mesma região, FROUFE (1999), encontrou, pela
essa finalidade. Caracteriza-se o comportamento das deposição natural de folhas e galhos, o aporte de 7,9;
-1 -1
espécies em potencial, quanto a capacidade de 12,8; 9,9 e 7,6 Mg ha ano de matéria seca, e 123,
-1 -1
produzir biomassa vegetal, os nutrientes contidos nela, 111, 52 e 68 kg ha ano de N em um plantio, de 4
e a velocidade em que eles estarão disponíveis para as anos, de Pseudosamanea guachapele (guachapele),
culturas, e a sua capacidade de rebrotar após a poda. Acacia mangium, Eucalyptus grandis (eucalipto) e no
A espécie que apresentar um bom crescimento consórcio de eucalipto e guachapele, respectivamente.
vegetativo, com um material rico em nutrientes, Em relação ao tempo em que os nutrientes contidos
principalmente P e N, boa penetração das raízes e nesse material aportado na poda estarão disponíveis,
capacidade desta a associar-se a fungos micorrízicos e foi avaliada a taxa de decomposição de duas espécies
bactérias fixadoras de N2 e boa capacidade de rebrota, Acacia mangium e Melia azedarach. Comparando-se
será uma espécie em potencial para a adubação verde. as duas espécies, Acacia mangium apresentou
A família das leguminosas é a mais utilizada como menores constantes de decomposição (k), e
adubo verde. De acordo com MIYASAKA et al. (1984), consequentemente maiores tempos de meia vida,
a principal razão para essa preferência está em sua indicando uma taxa de decomposição dos resíduos e
capacidade de fixar o N atmosférico mediante a mineralização do nitrogênio mais lenta. Cerca de 50%
simbiose com bactérias. Outros motivos citados pelo da matéria seca foi decomposta, e 50% do N total
autor são seu alto teor de compostos orgânicos liberado em até 44 e 42 dias, respectivamente (Quadro
nitrogenados e a presença de um sistema radicular 2).
geralmente bem profundo e ramificado, capaz de extrair Quadro 2. Relação C:N, taxa de decomposição (k) e
nutrientes das camadas mais profundas do solo. O uso tempo de meia vida (t 1/2) da matéria seca e do
de leguminosas herbáceas, arbustivas ou arbóreas na nitrogênio das espécies Acacia mangium e Melia
adubação verde altera as condições físicas e químicas azedarach.
do solo melhorando sua fertilidade e reduzindo os
gastos com a adubação nitrogenada (BLEVINS et al., Matéria seca Nitrogênio
1990). Espécie C:N t1/2 t1/2
k r2 k r2
(dias) (dias)
Como exemplo do que representa essa adubação
A. mangium 15 0,016 44 0,96** 0,017 42 0,92**
verde nos sistemas agroflorestais, têm-se duas
M. azedarach 10 0,022 31 0,90** 0,023 31 0,92**
situações de manejo do modelo SAFRA na Embrapa
Valores acompanhados do símbolo **, na tabela acima, representa o nível de
Agrobiologia. Uma avaliação realizada em 2002, na significância de 0,001, determinado pelo teste F na análise de variância da
primeira poda drástica com o sistema com dois anos de regressão.
estabelecimento, obteve-se um valor médio de
-1
biomassa seca de 22,75 Mg ha , contendo 248; 18; Melia azedarach apresentou maiores constantes de
106;170 e 35 kg ha
-1
de N, P, K, Ca e Mg, decomposição (k), e menores tempos de meia vida,
respectivamente (Quadro 1). indicando uma decomposição dos resíduos e
mineralização do nitrogênio mais rápida. Neste caso, o
Quadro 1. Nutrientes contidos na serrapilheira tempo em dias para que 50% da matéria seca possa
disponibilizada pela poda realizada no SAF, em ser decomposta e 50% do N total ser liberado foi de até
Seropédica, RJ, em julho/2002 . 31 dias para ambos.
N P K Ca Mg No entanto, para que essas árvores sejam eficazes no
Amostra fornecimento de nutrientes, deve haver sincronia entre
kg ha-1
os nutrientes liberados pelos resíduos da planta de
Folhas 165 7 53 72 20
cobertura e a demanda da cultura de interesse
Galhos 83 11 53 98 15 comercial. Se houver alta taxa de mineralização dos
Total 248 18 106 170 35 nutrientes contidos nas espécies utilizadas como adubo
verde, antes do crescimento logarítmico da cultura,
pode haver perdas por lixiviação. Por outro lado, se a
Em 2005, foi feita a segunda poda drástica, com 5 anos
mineralização ocorrer após esse período, a cultura não
do sistema implantado, avaliou-se a quantidade de
será beneficiada (STUTE & POSNER, 1995).
serrapilheira sobre o solo e seus respectivos conteúdos
de nutrientes antes e após a poda. Na semana anterior Informações sobre os nutrientes contidos em espécies
a poda, foram obtidos na serrapilheira, em média, 15 arbóreas e o tempo que estes levam para estarem
4 Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência da Embrapa Agrobiologia

passíveis de aproveitamento pelas culturas comerciais áreas seria equivalente a 5 hectares e portanto chega-
estão dispersas na literatura especializada, o que se ao custo de R$ 2.700,00/ha por cultura. Desta
dificulta a escolha da espécie e a recomendação do forma, deve-se ressaltar que foram plantados, em
manejo pelos técnicos do setor. Visando dar subsídios termos de mudas e sementes, o equivalente a 5
para essa tomada de decisão, a Embrapa Agrobiologia hectares, efetuando-se as operações de preparo do
vem desenvolvendo uma base de dados agregando solo e tratos culturais em apenas 1 hectare, reduzindo-
informações sobre esse tema. O resultado obtido até o se assim os custos de implantação, em relação ao
momento encontra-se disponível no endereço plantio em monocultivo de cada espécie.
eletrônico http://www.cnpab.embrapa.br/
Os resultados obtidos com os custos de implantação
adubacao_verde/, e pode ser consultado gratuitamente.
indicaram que cerca de 52% do total das despesas são
Outra característica importante para a escolha de referentes a mão-de-obra. Considerando que nas
espécies arbóreas em sistemas agroflorestais é a pequenas propriedades a maior parte da força de
capacidade de rebrota das plantas após a poda. Na trabalho é fornecida por membros da própria família,
mesma área onde foi feita a segunda poda drástica, esses gastos tendem a ter menor impacto sobre os
avaliou-se a capacidade de rebrota de três espécies: agricultores, reduzindo os custos da implantação.
Acacia angustissima, Melia azedarach e Acacia Tendo em vista, que boa parte das mudas e sementes
mangium. Nas espécies Acacia angustissima e Melia podem ser obtidas na propriedade, os custos podem
azedarach, 100% das árvores avaliadas rebrotaram, ser ainda menores.
em um período de 127 dias após a poda. No caso da
Até o momento, foi realizada apenas a colheita do
Acacia mangium, no mesmo período de tempo, apenas
aipim e da cana. A colheita do aipim totalizou 6.500
40% das árvores avaliadas apresentaram rebrota,
kg/ha, o que representa cerca de 48 % da
resultando na morte das árvores restantes e indicando
produtividade média nacional que é de 13.500 kg/ha
que o uso dessa espécie em sistemas agroflorestais
(IBGE, 2006). A colheita da cana totalizou 257 dúzias
deve ser reavaliado.
/ha, plantada num espaçamento de 3 x 3 m. Com os
Melia azedarach apresentou média de crescimento de preços recebidos pelos agricultores em Seropédica, se
seu maior broto superior às outras espécies, atingindo chegou à receita de R$ 3.900,00/ha para o aipim e R$
251 cm de comprimento, aos 163 dias após o corte. 667,00/ha para a cana, atingindo-se a renda total de R$
Acacia angustissima apresentou crescimento inferior ao 4.567,00/ha. Tendo em vista que as culturas de abacaxi
da Melia azedarach, atingindo 225 cm na última e banana, chaves do ponto de vista econômico, terão
medição (Quadro 3). sua colheita iniciada ainda no ano de 2006, espera-se
que seja possível pagar a maior parte dos custos de
Quadro 3. Médias e erro padrão do número e
implantação já no segundo ano após o plantio,
comprimento (cm) de brotos de 3 espécies arbóreas,
ajudando a derrubar alguns mitos de que os SAFs são
aos 88, 141 e 163 dias após o corte no SAF, em
economicamente inviáveis.
Seropédica, RJ.
Quadro 4 - Custos de implantação do sistema
Dias após corte
agroflorestal (Fase de formação: Ano 1)
Espécies 88 141 163
Número e comprimento (cm) dos brotos, respectivamente. A.Mão de obra + encargos sociais Valores em reais (R$)
Preparo do solo 654,00
A. mangium 13 ± 3,9 13 ± 3,4 14 ± 8,8 25 ± 10,4 13 ± 6,3 30 ± 11,9
Abertura de sulcos e covas 1.580,00
A. angustissima 23 ± 5,4 154 ± 13,3 12 ± 3,5 205 ± 7,2 10 ± 2,2 225 ± 14,5
Adubação/cova 225,00
M. azedarach 11 ± 2,1 110 ± 9,2 15 ± 4,3 212 ± 6,9 8 ± 1,2 251 ± 13,0
Transporte mudas 1.080,00
Plantio 1.682,00
Tratos culturais e colheita 1.846,50
Custos de Implantação do SAFRA SUBTOTAL A 7.067,50
Em abril de 2005, na Embrapa Agrobiologia, foi B. INSUMOS Valores em reais (R$)
instalado um modelo agroflorestal do tipo SAFRA, Adubos 910.00
2
numa área de 6.000 m com o objetivo de interligação Mudas 4.265,00
de fragmentos florestais. Os custos e as receitas Manivas aipim 650,00
obtidas, até o momento, foram quantificados e Sementes adubos verde 580,00
convertidos para uma área equivalente a um hectare. SUBTOTAL B 6.405,00
Após converter a preços de mercado todos os custos
CUSTO TOTAL (A + B) 13.472,50
com operações e insumos utilizados, verificou-se que o
custo total de implantação do sistema agroflorestal foi
de R$ 13.500,00/ha (Quadro 4), o que a princípio Em relação ao crescimento das espécies arbóreas
parece ser bastante elevado. No entanto, esse cálculo utilizadas neste sistema (Quadro 5), destacam-se o
se refere aos custos de implantação de um hectare de Eucalyptus grandis, Acacia angustissima, Morus nigra,
banana, abacaxi, aipim, espécies para adubação verde Mimosa artemisiana, Lithraea melloides, Enterolobium
e mudas de espécies arbóreas que compõem o SAF, contortisiliquum e Piptadenia gonoacantha que
todas em espaçamento comercial. A soma de suas apresentaram rápido estabelecimento inicial, crescendo
Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência da Embrapa Agrobiologia 5

entre 1,3 e 2,5 m de altura em 8 meses de plantio no áreas degradadas. Produz madeira dura de boa
campo. Esses valores demonstram que a alta qualidade para estacas, moirões, postes e produção de
densidade de plantio não parece afetar negativamente energia (carvão e lenha). Moirões de sabiá podem ser
algumas das espécies utilizadas e o rendimento cortados após 6 a 7 anos do plantio, com durabilidade
comercial das espécies madeireiras e frutíferas que de 15 a 20 anos sem tratamento químico. Apresenta
compõem o SAF, no futuro, poderão torná-lo viável não rebrota abundante, tolerando cortes drásticos, fogo e
somente do ponto de vista ecológico, como também no pastejo. Por isso, e por apresentar muitas brotações
econômico. laterais, é indicada para construção de cercas vivas.
Quadro 5 - Altura e diâmetro à altura do colo das
espécies. (Valores médios de crescimento durante 8
meses, descontando-se o tamanho inicial da muda)

Crescimento em diâmetro (mm)


Espécie
Área inferior Área inferior
Trichilia hirta 32,0 d 2,1 c
A B
Eugenia uniflora 32,3 d 2,7 c
Sparatoperma leucantrum 37,0 d 2,7 c Figura 2. (A) Cerca viva de Calliandra surinamensis Km 47, RJ; (B)
Albizia lebbeck 43,7 d 3,1 c Cerca viva de sabiá (Mimosa caesalpiniifolia com teca (Tectona
Syagrus romanzoffiana 53,0 d 3,8 c grandis) intercalada em Miracema, RJ.
Pterogyne nitens 58,8 d 4,4 c
Inga sp 75,8 c 5,3 c
Para a construção de cercas vivas com sabiá as
Eugenia janborana 77,0 c 5,4 c sementes podem ser plantadas diretamente no campo,
Samanea samam 88,3 c 5,6 c na base de 10 sementes por metro linear a 2 cm de
Colubrina glandulosa 101,7 c 5,9 c profundidade, aplicando-se 200 g de fosfato de rocha
Bixa orelana 108,3 c 7,4 b por metro linear de plantio. Um ano após o plantio no
Guazuma ulmifolia 116,7 c 10,9 b campo as plantas já podem ser podadas de acordo
com o formato que se queira dar (Figura 2). A
Piptadenia gonoacantha 133,7 b 12,6 c
otimização de uso da área pode ser obtida combinando
Enterolobium contortisiliquum 145,3 b 13,2 a o uso de cerca viva de sabiá com plantio de uma
Mimosa artemisiana 149,4 b 17,9 a madeira de alto valor comercial, como a Teca (Figuras
Lithraea molleoides 156,3 b 20,8 b 2 A e B).
Morus nigra 164,3 b 22,5 a Além das cercas vivas, as leguminosas se prestam
Acacia angustissima 235,3 a 24,1 a para uso como moirões vivos, que tem por princípio
Eucalyptus grandis 263,5 a 27,4 a básico a idéia de se plantar uma árvore na cerca em
Médias seguidas por letras distintas nas colunas, diferem entre si pelo teste detrimento da derrubada para a utilização como moirão.
de Scott-Knott a 5 % Espécies do gênero Erythryna, com várias espécies
ocorrendo no Brasil e de Gliricidia, que tem como
centro de origem a America Central, apresentam
Cercas vivas e moirões vivos estacas que enraízam com facilidade e favorecem o
uso como moirão vivo (MARADEI & FRANCO, 2000;
Cercas vivas podem ser construídas com várias MATOS et al., 2005) (Figura 3).
espécies leguminosas e não leguminosas. Entre as
várias leguminosas, caliandra (Calliandra spp.) e sabiá
(Mimosa caesalpiniifolia) têm recebido maior atenção. A
sabiá, também conhecida como sansão do campo, tem
grande tolerância aos períodos longos de estiagem,
mas não aos climas muito quentes com intermitência
de veranicos como ocorre em algumas regiões da
A B
Amazônia (FRANCO et al., 2003). Apresenta plantas
com acúleos ao longo do caule e ramos, mas também Figura 3– (A) Cerca com moirão vivo de Erythrina poeppigiana com
ocorrem formas sem acúleos, de controle genético dois anos e (B ) de Gliricidia sepium com 9 anos.
recessivo. A presença de acúleos é aparentemente
indesejável, pois dificulta o manejo, entretanto
representa uma adaptação para que as plantas percam Conclusões
menos água quando crescendo em regiões com déficit
O setor agropecuário no Brasil, representa cerca de
hídrico e serve também para proteger o caule do
7,8% do PIB do País (IBGE, 2003), ocupando mais de
ataque de animais, especialmente dos caprinos.
13,8 milhões de pessoas (23% do total). No entanto, a
A sabiá tem várias características favoráveis para sua remuneração per capta da atividade está próxima a
utilização em sistemas produtivos e reabilitação de R$ 750,00 enquanto nas demais atividades produtivas
6 Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica: a experiência da Embrapa Agrobiologia

(indústria, comércio, serviços, etc.) é bem maior (R$ FRANCO, A. A.; RESENDE, A. S. de; CAMPELLO, E. F
6.500,00) (IBGE, 2003). Esses números refletem a C. Introdução das leguminosas arbóreas na
realidade do agricultor brasileiro, em especial o recuperação de áreas degradadas e na
pequeno, que é afetado pela baixa remuneração da sustentabilidade de sistemas agroflorestais. In:
atividade agropecuária, uma vez que essa se SEMINÁRIO SISTEMAS AGROFLORESTAIS E
caracteriza pelo pequeno valor agregado, quando DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 1., 2003,
comparada às demais atividades do setor produtivo. Campo Grande. Palestras... Campo Grande: Embrapa
Gado de Corte; Dourados: Embrapa Agropecuária
Neste contexto, os sistemas agroflorestais não fogem à
Oeste; Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 1 CD ROM.
regra e sua sustentabilidade econômica nem sempre
tem sido suficiente para manter, principalmente os FROUFE, L. C. M. Decomposição de serrapilheira e
jovens, ocupando os espaços rurais. As pesquisas no aporte de nutrientes em plantios puros e
setor precisam caminhar com um rigor metodológico consorciados de Eucalyptus grandis Maiden,
maior, buscando não somente viabilizar esses sistemas Pseudosamanea guachapelle Dugand e Acacia
do ponto de vista econômico, mas valorizá-los mangium, Wild. 1999. 73 p. Dissertação (Mestrado) –
ecologicamente. Desta forma, além da venda dos Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
produtos agropecuários é possível que a única saída Seropédica, RJ.
para o sucesso desses sistemas seja a venda de
GÖTSCH, E. Break-through in agriculture. Rio de
serviços ambientais, que em última instância
Janeiro: AS-PTA, 1995. 22 p.
funcionaria como um fator de equidade, para corrigir as
distorções entre os preços recebidos pelos agricultores HANSON, R. G.; CASSMAN, K. G. Soil management
e os pagos pelo consumidor final e, assim, estimular a and sustainable agriculture in the developing world. In:
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