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Condutos para Cirurgia de Revascularização Cardíaca

Noções básicas: Artérias v.s. Veias

Na túnica média das artérias possuímos uma camada circular mais espessa que nas veias; e quanto

maior o calibre da artéria, maior a camada elástica nesta mesma túnica, diferenciando-as entre “artérias

musculares” e artérias elásticas. Já na túnica intima, onde encontramos o endotélio, as veias de menor calibre

exibem também um sistema de válvulas, que permitem o fluxo sanguíneo em apenas um único sentido.

Esta noção básica é importante para entendermos a seleção entre um conduto arterial e um venoso ou

entre dois ou mais condutos arteriais, além das implicações desta escolha.

Seleção dos condutos:

Na seleção dos condutos devemos preferir aquele que melhor representar os seguintes critérios:

1. Comprimento necessário para atingir a artéria desejada

2. Diâmetro interno em torno de 2-3 mm

3. Boa relação entre o diâmetro da artéria nativa e o conduto a ser utilizado (1:1 a 1:2)

4. Espessura da parede do conduto < 1 mm e livre de placas de ateroma, calcificação ou fibrose


5. Conduto pediculado (in situ) e que possua permeabilidade > 80% em 10 anos

Tipos de condutos:

• Arteriais:

 Artérias Torácicas Internas

 Artéria Radial

 Artéria Gastroepiplóica Direita

 Artéria Epigástrica Inferior

 Outras Artérias (intercostal, esplênica e ulnar)

• Venosos:

 Veia Safena Magna

 Outras Veias (v. safena parva, vv. dos membros superiores)

Condutos Arteriais:

 Artérias Torácicas Internas (ATI):

As ATI são usadas desde 1960 na cirurgia de revascularização do miocárdio. Esta técnica foi

popularizada por Green e colaboradores, que introduziu o uso de lentes de aumento para uma técnica de

sutura mais precisa.

As ATIs tem um comprimento útil de aproximadamente 13,2 cm, e em 90% dos casos possuem

calibre e fluxo que são praticamente idênticos aos da Artéria Descendente Anterior (DA).

Quando usadas de forma pediculada, as ATIs mantém sua inervação, drenagem linfática e vaso

vasorum. Estes fatores associados a um endotélio altamente produtor de prostaciclinas e uma camada
elástica substancial em sua túnica média a conferem uma ótima resistência a eventos ateroscleróticos e

baixíssima propensão a vasoespasmos, hiperplasia intimal, calcificações e fibroses.

Estudos demonstram que a permeabilidade das ATIs chega a 85-92% em 15 anos. Shah et al.

demonstrou em seu estudo uma permeabilidade de 97% em 12 anos para a Artéria Torácica Interna Esquerda

(ATIE).

A ATIE é classicamente o conduto de escolha para a DA, porém a Artéria Interna Torácica Direita

(ATID) ainda disputa espaço com outros condutos para as demais artérias, tanto por falta de grandes estudos

como pela prática já consagradas pelo uso.

O uso bilateral de ATIs foi introduzido por Suzuki e colaboradores. De forma pediculada, esta

técnica tem 3 disposições básicas:

1. ATIE para DA e ATID para Artéria Coronária Direita (CD)

2. ATIE para DA e ATID para Artéria Circunflexa (Cx) através do seio transverso

3. ATID para DA proximal e ATIE para Cx

De forma livre, a ATID é usada para atingir porções mais distais das coronárias nativas, evitando tensão

em excesso e angulações agudas do conduto.

O uso de ATIs na cirurgia de revascularização miocárdica aumenta a sobrevida e diminui a

incidência de eventos cardíacos em curto e longo prazo.

 Artéria Radial (AR):

O uso da AR foi introduzido Carpentier e colaboradores no início da década de 70. Sua experiência

inicial demonstrou que a AR é uma artéria propensa a vasoespasmos e hiperplasia intimal acelerada. Isso fez

com que o uso desta artéria fosse condenado por mais de duas décadas. Porém, novos estudos – a maioria

introduzindo o bloqueador de canal de cálcio como agente protetor de vasoespasmos – demonstraram que

hoje a AR é uma opção viável como conduto para revascularização miocárdica.


A AR é adaptada à pressão arterial, com comprimento útil de 12 a 21 cm e diâmetro interno de 2 a

2,5 mm. Suas medidas aliadas ao seu fácil manuseio e retirada concomitante ao ato cirúrgico propriamente

dito, evitando maior tempo operatório, fazem da AR uma opção viável nos dias de hoje. Sua luz regular e

razoável elasticidade produzem um fluxo fisiológico às coronárias. Apresenta permeabilidade de 85% em 5

anos pelos novos estudos, os quais estão completarão seguimento de 10 anos a partir de 2012.

A função endotelial da AR é marcantemente menor que das ATIs. Sua camada elástica da túnica

média é delgada enquanto a muscular é pronunciada, aumentando sua propensão a vasoespasmos. Sua

lâmina elástica da túnica intima é composta por uma única camada, além de ser altamente fenestrada,

aumentando o risco de lesões ateroscleróticas. Aproximadamente 1 a 5% das AR retiradas não são utilizadas

por apresentarem estas lesões no momento da cirurgia.

Sua utilização deve ser precedida pela manobra de Allen, que a contraindica 5 a 10% dos pacientes

por ser a principal artéria de perfusão das mãos. Outra contraindicação é seu uso em pacientes portadores de

insuficiência renal crônica, que possam vir a necessitar de diálise por uma fístula arteriovenosa.

Sua permeabilidade em 5 anos associada as suas características histológicas apontam a AR como uma

opção para conduto de qualidade igual ou superior ao principal conduto venoso, a Veia Safena Magna,

porém muito aquém dos principais condutos arteriais, as ATIs.

 Artéria Gastroepiplóica Direita (AGD)

A AGD foi proposta como opção para conduto de revascularização miocárdica em 1975 por

Vineberg. Seu comprimento útil é de 12,8 cm, com diâmetro interno de 2,7 mm em sua origem, 2,2mm após

10 cm e 1,8mm em 15 cm. Apresenta permeabilidade de 62,5% em 10 anos.

Sua porção proximal exibe moderada propensão à hiperplasia intimal, decrescendo conforme a artéria

progride. Sua túnica média apresenta exuberante camada muscular com apenas algumas fibras elásticas

dispersas, tornando esta artéria muito propensa a vasoespasmos. Assim como a AR, sua camada elástica da

túnica intima é pobre e fenestrada, aumentando o risco a lesões ateroscleróticas.


É preferencialmente usada de forma pediculada como conduto para porções distais das artérias

coronárias, principalmente nas porções laterais e posterior do coração, locais de difícil acesso por outros

condutos pediculados. De forma livre é usada apenas quando não se pode obter outro conduto arterial em

pacientes com indicação de revascularização arterial total.

Como fator negativo, além das características inerentes deste vaso, existe ainda a necessidade de se

prolongar a incisão esternal até o abdome superior do paciente.

 Artéria Epigástrica Inferior (AEI):

A AEI foi proposta como conduto para revascularização miocárdica em 1990 por Vicent e

colaboradores. Tem diâmetro constante em apenas 5 a 6 cm de sua origem, ponto em que começa sofrer uma

redução gradual de sua luz. Seu comprimento útil é de 11,5 a 17 cm e seu diâmetro interno é de 2,2mm em

sua origem, 2 mm após 10cm e 1,3 mm em 15 cm.

Possui uma túnica média semelhante à AGD, porém com uma camada elástica melhor desenvolvida

em sua túnica intima, sendo pouco mais resistente a lesões ateroscleróticas que a anterior.

Seu diâmetro distal, propensão a vasoespasmos e hipoperfusão e técnica operatória difícil fazem da

AEI uma opção viável, porém utilizada apenas quando não se pode obter outros condutos arteriais ou

venosos.

 Outras Artérias:

Outras artérias, como a a. esplênica, a. ulnar e aa. intercostais foram anteriormente propostas como

opção para condutos. Porém dificuldade na técnica operatória, como a íntima relação da a. ulnar com o

nervo ulnar assim como da a. esplênica com órgão abdominais ou diâmetro interno e comprimento

insuficientes como as aa. intercostais fizeram com que estas técnicas caíssem em desuso.
Na atualidade estas opções são raramente usadas, e mesmo nestes casos, após exclusão de todas as

outras opções.

Condutos Venosos:

 Veia Safena Magna (VSM):

Tradicionalmente, a VSM é o conduto mais utilizado para revascularização miocárdica após as ATIs.

Isso é devido em grande parte ao seu bom diâmetro interno e comprimento, além de fácil acesso. Deve-se

ressaltar que a VSM é uma veia valvulada, e que é imprescindível a inversão de seu sentido no ato cirúrgico

para a um fluxo sanguíneo aceitável ser obtido.

Apesar de sua permeabilidade após 1 ano chegar a 90%, estudos demonstram uma grande

degeneração a longo prazo, com oclusão de 50% dos casos após 10 anos, e nos 50% restantes que se

mantiveram abertos foram observadas alterações estruturais da parede da veia compatíveis com lesões

ateroscleróticas.

 Outras Veias:

A Veia Safena Parva (VSP) é menor e mais posterior que a VSM. Isso implica em uma necessidade

de ressecção bilateral para o uso desta opção, assim como uma dificuldade superior da técnica utilizada, já

que sua posição anatômica requer uma movimentação maior do paciente; as técnicas mais utilizadas

descritas nos estudos envolvem rolar lateralmente o paciente ou coloca-lo em uma posição de “prece

maometana”. Estudos sobre a utilização da VSP como conduto para revascularização do miocárdico com

seguimento a longo prazo se fazem necessários para uma melhor avaliação.

As veias dos membros superiores, principalmente a v. cefálica e ocasionalmente a v. basílica são

raramente utilizadas. Suas indicações recaem na total falta dos condutos mais recomendados. Apesar de

possuírem um comprimento adequado, sua parede é fina e frágil, propensa a torções, traumatismos e

degenerações aneurismáticas. A melhor marca para a permeabilidade destes vasos foi obtido por Stoney e

colaboradores, estudo que apresentou 57% de permeabilidade em um seguimento de 2 anos de 28 pacientes.


Considerações Finais:

A literatura atual, assim como os estudos mais recentes apontam para uma ordem de preferência na

utilização dos condutos apresentados. Esta ordem não leva em consideração situações especiais, apenas

características histológicas dos vasos em situação ideal e dificuldade inerente a cada técnica de obtenção dos

mesmos.

ATIE > ATID > AR > VSM > AGD > AEI > Demais Artérias > Demais Veias

REFERÊNCIAS:

• Choice of conduits for coronary artery bypass grafting: craft or science? –


Buxton, B. F.; Hayward, P. A. R.; Newcomb, A. E.; Moten, S. - European Journal of
Cardiothoracic Surgery; 2009

• Conduit Options in Coronary Artery Bypass Surgery – Canver, C. C. – American


College of Chest Physicians. 1995

• The Alternatives for Autologous Arterial Grafts for Corornary Bypass Surgery –
Yuan, S.; Shinfeld, A.; Kachal, E.; Raanani, E. - Department of Cardiac & Thoracic
Surgery, The Chaim Sheba Medical Center; 2006

• Radial Artery Grafts vs Saphenous Vein Grafts in Coronary Artery Bypass


Surgery - A Randomized Trial - Goldman, S. et al. – The Journal of the American
Medical Association; 2011
• Diretrizes da Cirurgia de Revascularização Miocárdica – Sociedade Brasileira de
Cardiologia; 2004

Braunwald's Heart Disease - A Textbook of Cardiovascular Medicine, 9th ed. –


Bonow, R. O.; Mann, D. L.; Zipes, D. P.; Libby, P.; 2011

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