Le Petit Enragé, uma peça extremamente curta para trio de clarinetes. As
problemáticas mais pragmáticas se mostram nessa frase. Em primeiro plano, havia o objetivo de escrever para o projeto PandeMúsica, que reúne grandes clarinetistas brasileiros que executam, virtualmente, peças de um minuto. Analisando as obras já estreadas, percebi um tom bastante político entre elas; nossos medos, inseguranças, incertezas de nós, seres sociais e artísticos, evidenciam como um reflete no outro. O que é a arte? Ela tem papel político? Ela faz parte de mim? Evidente que não responderia essas questões, e também acredito que não responder também é uma resposta. Quando Berio solta no meio de sua magnífica sinfonia "Música não muda o preço do pão”, sintetiza meu pensamento bastante cético sobre a arte- mas importante ressaltar que a música não é alienada do mundo “real”, já que na sua mesma obra, o gênio italiano dedica um movimento inteiro a Martin Luther King. Voltando às questões do primeiro parágrafo, coloquei-me defronte ao cenário político e pessoal. Enragé trata-se de um grupo revolucionário de esquerda que expulsou os girondinos da convenção nacional durante a revolução francesa. Tomei conhecimento de tal termo no livro "Democracia e Revolução”, de Georges Labica. Labica trata sobre o mundo contemporâneo e suas relações com o marxismo, um livro otimista que analisa alguns cenários atuais e nos dá um respiro (ou joga uma luz sobre certo caminho) sobre nossa tragédia. Le petit devido ao grupo (e tempo) reduzido que tinha para compor. Então, essa inspiração me levou diretamente a pensar os protestos chilenos. Minha certa indignação pelo “fracasso” dos protestos (já que não levaram ao impeachment de Piñera), mas também a criação de uma nova constituinte (substituindo a herdada do fascismo de Pinochet), revelaram-me a poética principal; esse significativo avanço (assim como os do Enragé) dos nossos Hermanos Chilenos. A peça se trata de uma reescritura sobre a canção “El Derecho de Vivir en Paz”, símbolo dos protestos chilenos. O desenvolvimento acontece em duas partes, a primeira bastante distorcida e uma segunda mais “clara”- com um clarinete “alheio” que nunca se “encaixa” nas outras duas vozes- em referência ao Piñera que ainda está na presidência, revelam por fim uma colagem de três áudios. O principal, a gravação original de Victor Hara do tema, uma gravação dos protestos de chilenos cantando a mesma e uma outra gravação de protestos brasileiros cantando “O Povo Unido Jamais Será Vencido”. São dezessete segundos que sintetizam para mim a esperança de dias melhores. O final é o que quero deixar com minha obra (seja essa peça ou nas que produzi(rei)), Gonzaguinha cantando a última frase de “E vamos a Luta”. Termino então essa breve apresentação assim como a peça em si, EU ACREDITO É NA RAPAZIADA. Henri Daio, nascido do dia vinte e sete de junho de dois mil e cinco em Ubatuba, iniciou seus estudos em violão popular e erudito desde seus oito anos, passando pela Emesp (ciclo 1). Ultimamente tem focado na composição erudita contemporânea de vanguarda, tendo como mestre Wellington Gonçalves.