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Fichamento n.

6 – Gustavo Fernandes Sales

Dados do texto:
Miguel Teixeira de Sousa
A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos

O autor inicia o texto com um enquadramento geral, aduzindo que a


legitimidade popular é concedida a qualquer titular do interesse difuso e a
qualquer organização representativa ou qualquer autarquia local, mas que esta
aferição formal não é o suficiente para garantir que as entidades possam ser
efetivamente consideradas partes legítimas. Como o demandante ainda é
representado em juízo por um mandatário judicial, é necessário assegurar que
não existe nenhum conflito de interesses entre o demandante e os titulares do
interesse difuso, e entre aquele demandante e o seu mandatário judicial.
Para o autor, a legitimidade popular está sujeita a um duplo controle: o de
caráter formal, com base na lei, e o de caráter substancial, de exercício da
representação inerente à legitimidade popular.
O autor cita que pode haver um conflito endógeno (entre os titulares do
interesse) – se todos os titulares do interesse difuso se beneficiam do resultado
da ação popular – e um conflito exógeno (entre o mandatário e os titulares do
interesse) – a ausência dos titulares pode favorecer que o autor assuma
condutas prejudiciais aos interesses daqueles titulares.
No conflito endógeno, o autor estuda a adequação da representação, já que,
se nem todos os titulares estão presentes na ação, a assunção por alguém da
qualidade de autor popular deve assegurar que os interesses são
adequadamente representados e defendidos por este demandante.
A adequação de representação substitui a participação dos interessados como
garante da legitimidade da decisão proferida na ação popular.
Poder-se-ia pensar que a adequação da representação exercida pelo autor
popular se torna dispensável num regime jurídico que aceita que qualquer
interessado se possa auto-excluir da ação popular (como é o sistema
português). Mas a manutenção do interessado não pode ser entendida como
significando que esse interessado está disposto a aceitar qualquer
representação daquele autor. Os institutos preenchem finalidades distintas: a
auto-exclusão define quem aceita permanecer como representado na ação, e a
adequação de representação cuida da qualidade da representação. A primeira
não constitui uma garantia da segunda. Em alguns casos, aliás, a auto-
exclusão nem mesmo é possível.
Há, ainda, o problema de saber se é admissível que essa representação
abranja não só os atuais titulares do interesse, mas também os futuros ou
potenciais titulares daquele interesse. É o que ocorre com acuidade no âmbito
dos danos de massas, a exemplo dos que venham a padecer de uma doença
provocada pelo consumo ou pela exposição a um produto perigoso.
Os futuros lesados são todos aquelas que ainda não sofreram qualquer dano,
mas já realizaram a conduta que o pode provocar ou que, na sequência de um
ato ou de uma omissão do responsável, ainda vão realizar essa conduta. O
problema da representação dos futuros lesados se coloca apenas nas ações
com uma finalidade reparatória. Para o autor, parece não existirem verdadeiros
obstáculos a que possam ser defendidos, em ação reparatória, os interesses
de futuros lesados. Não seria justo esgotar os recursos financeiros do
responsável a indenizar aqueles que já foram prejudicados e desprezar os que
sofrerão idênticos danos provenientes das mesmas causas.
Para evitar ou minorar danos, impõe-se uma separação dos representados dos
lesados atuais e dos futuros lesados, para assegurar a representação
adequada para ambos os grupos de prejudicados. A representação dos futuros
lesados por um mesmo autor popular só pode ser aceite quando não for
discriminatória em relação aos atuais lesados (“justiça intertemporal’).
Pela legislação portuguesa, tanto o Ministério Público quanto o juiz da ação
popular podem controlar a adequação de representação assumida pelo
demandante. O primeiro pode controlar a valia das opções realizadas pelo
autor popular e a diligência posta na condução da ação, enquanto ambos (juiz
e Ministério Público) podem controlar se existe um conflito de interesses entre
o autor popular e os titulares do interesse difuso que torne inadequada a
representação.
O autor dedica algumas linhas à possibilidade de simulação processual, que
ocorre quando o demandante e o demandado entram em conluio, por exemplo,
para que o pagamento de uma indenização seja quase insignificante aos
titulares do interesse difuso, para evitar que estes, vinculados ao caso julgado,
possam obter uma mais adequada reparação dos seus danos.
O controle da simulação processual entre as partes da ação popular incumbe
ao tribunal em que foi proposta a ação. Após o trânsito em julgado, cabe
impugnar a ação através do recurso extraordinário de oposição de terceiro.
Quanto aos conflitos exógenos, podem ocorrer entre os titulares do interesse
difuso e o mandatário judicial, ou entre os titulares e o demandado na ação
popular.
Pode ocorrer que o autor popular não exerça controle sobre a atuação do seu
advogado, que assume uma atitude empresarial (joint-venture). No sistema
português, proíbe-se a retribuição do advogado segundo o sistema da quota
litis e concede-se legitimidade não só a pessoas singulares, mas a entes
coletivos e autarquias locais (duas diferenças em relação ao sistema norte-
americano), mas isso não afasta completamente que a ação popular seja
realmente conduzida pelo mandatário judicial do demandante. Ademais, no
sistema português, a parte que perde a ação não é obrigada a reembolsas as
despesas efetuadas pela parte vencedora, o que incentiva a propositura de
ações populares. E a legislação isenta o autor do pagamento de custas em
caso de procedência parcial do pedido.
A ação popular pode constituir a melhor solução para vários interessados,
menos para os próprios titulares do interesse difuso: o demandado ganha com
a substituição de uma pluralidade de ações individuais por uma única ação
coletiva; o advogado tem interesse em obter a remuneração do trabalho e do
capital investido.
Ocorre que a proibição de que o mandatário do autor popular se interesse pela
ação popular numa perspectiva empresarial pode vir a traduzir-se na
inviabilização da própria tutela do interesse difuso.
Outro ponto é que mesmo numa ação individual não é muito efetivo o controle
da parte sobre o seu mandatário judicial.
Há, ainda, a hipótese de atuação fraudulenta, em que o mandatário do autor
se serve da ação popular para a prossecução de interesses que vão além de
uma justa retribuição do trabalho realizado ou dos investimentos efetuados,
nomeadamente quando procura reservar para si uma fração da indenização
devida pelo demandado. Ocorre, por exemplo, quando o mandatário pressiona
o demandado a concluir uma transação que o beneficia mais a si do que aos
titulares do interesse difuso violado.
O autor também fala do exercício abusivo, como quando a ação é utilizada
para criar dificuldades ou prejuízos ao demandado. Isso justifica a condenação
do demandante como litigante de má-fé.
Por fim, o autor afirma que nos Estados Unidos da América as class actions
podem ser utilizadas como “uma forma de chantagem legalizada”, o que
também poderia ocorrer no sistema português. Esse abuso da legitimidade
popular também pode ocorrer quando várias ações populares são instauradas
por diversos demandantes contra o mesmo demandado, para lhe aumentar as
despesas e os incômodos. Nesse caso, devem ser condenados por litigância
de má-fé.

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