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O cinema na escola: uma

metodologia para o ensino


de história
Josep María Caparrós-Lera1
Cristina Souza da Rosa2

Resumo
O emprego do cinema nas aulas de história é uma prática
conhecida e consolidada. No entanto, não está livre de
dificuldades e nem de dúvidas. A primeira dificuldade
enfrentada é o desconhecimento sobre o cinema e a
dúvida recai em como ele pode contribuir no ensino do
conteúdo histórico. Em 1930, no Brasil, o uso do cinema
e sua introdução na escola foi palco de um longo debate
promovido por professores, intelectuais e o governo. O
resultado foi a criação do Instituto Nacional de Cinema
Educativo (INCE) destinado a produzir filmes educativos.
Desde então, muita coisa mudou, mas o cinema não deixou
a sala de aula nem as aulas de história. O presente artigo não
tem a pretensão de resolver todas as dúvidas do professor
sobre o uso do cinema, mas sim oferecer uma metodologia
de uso da sétima arte na história, sugerindo filmes e
discutindo como eles podem ajudar o professor a cumprir a
tarefa diária do ensino.
Palavras-chave: Cinema. Ensino de História. Educação.
Historiografia.

O emprego de novas tecnologias no ensino já faz parte


do dia-a-dia das escolas há muito tempo. Não é de hoje que
as instituições de ensino estão providas com equipamentos
de videocassete, DVDs, computadores e aparelhos de música
que permitem ao professor introduzir nas aulas novos e

1
Universitat de Barcelona. Professor Catedrático de História Contemporânea e
Cinema. jmcaparros@ub.edu
2
Centre d’Investigaciò Film-Història. Universitat de Barcelona. Pós-doutora em
cinema e história. crisrosablu@gmail.com
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa estimulantes recursos pedagógicos. A modernização da escola
fez com que o cinema ganhasse espaço na sala de aula como
veículo pedagógico. No entanto, identificamos que não são
todos os mestres que sabem utilizar a sétima arte dentro do
processo de ensino. Ainda existem professores que empregam
o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo.
Para esta atitude temos uma explicação muito simples: o
professor não tem conhecimento de como utilizar o cinema
nas aulas de história. Isto não é uma exclusividade do professor
de história, pois o mesmo problema é comum a professores de
outras disciplinas.
Diante disto, acreditamos que o professor deve
ser preparado para usar os meios de comunicação como
instrumentos de ensino. O conhecimento da técnica, ou seja,
da forma de fazer cinema, associado a uma metodologia de
ensino podem auxiliar os docentes no seu uso como recurso
didático. Com isto, o cinema poderá ser explorado em todos
os seus aspectos, indústria, entretenimento, e assim deixará
de ser um veículo apenas de diversão para assumir o papel de
instrumento educativo, que auxilia na construção do saber.
O escopo da introdução dos recursos didáticos na escola é
o de criar meios de o professor divulgar o conhecimento de
forma ampla, despertando o interesse e a curiosidade. E nisto
o cinema pode contribuir, tornando-se um importante aliado
dos professores.
Sendo assim, através deste artigo, queremos oferecer aos
mestres uma metodologia de uso do cinema a ser aplicada nas
aulas de história. Nosso objetivo não é que esta se torne o
único caminho a ser seguido pelo professor, pelo contrário,
esperamos que a partir dela ele possa pensar seu próprio
método de uso.
Antes de expor nosso método de utilização do cinema
nas escolas do século XXI, parece-nos interessante percorrer
o passado em busca da valorização do cinema como
Educ. foco, meio educativo e como fonte histórica. Isto nos ajudará a
Juiz de Fora,
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compreender a relação entre o cinema e a história.
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O emprego do cinema nas escolas não é propriamente O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
uma novidade. O movimento pelo uso de um cinema de tipo história

educativo começou na Europa depois da Primeira Guerra


Mundial (na França, na Alemanha, na Itália e na União
Soviética). Este movimento estimulou a criação de institutos
de cinema educativos, que produziam filmes educativos, e a
introdução da sétima arte nas escolas. A Itália foi o primeiro
país capitalista a organizar um instituto de cinema educativo,
em 1925, o Istituto Nazionale LUCE3. O objetivo primeiro
do LUCE era fazer filmes educativos destinados aos cinemas,
escolas e centros de operários da Itália.
Os ventos europeus que deram vigor ao uso do cinema
para fins educativos chegaram ao Brasil nos anos 20 e animaram
aqui os debates sobre a relação deste veículo com a educação.
As revistas de educação e de cinema serviram como cenário
para a defesa do cinema como instrumento de educação.
Em 1928, Fernando Azevedo, diretor geral da Instrução
Pública do Distrito Federal, determinou e regulamentou
seu uso nas escolas do Distrito Federal, através do decreto
2.940 (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1932).
Nele, Azevedo deixou claro que “o cinema seria utilizado, em
exclusivo, como instrumento de educação e como auxiliar do
ensino para que facilitasse a ação do mestre sem substituí-lo”
(p. 5). Outro passo importante para a introdução do cinema
educativo no Brasil foi a criação, em 1936, do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE), pelo governo de
Getúlio Vargas.
Nos anos de 1910 e 1920, o cinema havia se desenvolvido
com intensidade, conquistando o posto de principal meio de
entretenimento em todos os países. Seu poder de divertir por
meio das imagens havia chamado a atenção dos educadores,
intelectuais e políticos. Eles perceberam que o cinema poderia
auxiliar a educar a população para a vida cotidiana e política
dos países. O analfabetismo era um problema enfrentado por
Educ. foco,
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O primeiro instituto de cinema educativo a ser organizado foi na União v. 18, n. 2, p. 189-210,
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Cristina Souza da Rosa todos naqueles tempos e o cinema se assinalava como um
meio capaz de ajudar a levar conhecimento e informação aos
que não sabiam ler. Edgar Roquette-Pinto, diretor do INCE,
escreveu que “certas indústrias não tem de fato influência
direta na alma do povo; já não acontece o mesmo com a
cinematográfica, de alcance espiritual sem limites, mais ainda,
talvez, que a indústria do livro” (REVISTA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 1933, p. 1). As palavras de Roquette-Pinto
justificavam o uso do cinema na educação escolar e também
do povo.
Jonathas Serrano, catedrático em história das civilizações
do Colégio Pedro II, e Venâncio Filho, apresentaram no livro
“Cinema e Educação” (1930), um método para o uso do cinema
nas escolas. Nele, os autores sugeriam o emprego do cinema
como auxiliar de ensino, em que as exibições de filmes seriam
acompanhadas pelas explicações do professor, realizadas antes
ou depois da projeção. Conforme os autores, os filmes, ditos
educativos, poderiam ser utilizados para ilustrar ou melhorar
a compreensão dos conteúdos, mas nunca em substituição
ao professor (VENÂNCIO FILHO; SERRANO, 1930). Os
educadores dos anos 30 tinham por preocupação que os filmes
aproximassem a escola da realidade dos alunos. Este interesse
era justificado pela pedagogia vigente na época chamada de
Escola Nova, cujas ideias estavam baseadas em Dewey. O
objetivo da Escola Nova era o de desenvolver uma educação
que integrasse o aluno na sociedade e que permitisse o acesso
de todos à escola (ABUD, 2003).
Os professores Jonathas Serrano e Venâncio Filho
recomendavam o uso dos filmes em disciplinas como higiene,
ciências naturais, geografia. No entanto, não viam com bons
olhos o emprego do cinema nas aulas de história. Para eles, “os
filmes de restauração histórica não eram recomendáveis, por
maior que fosse o luxo de algumas películas, pois sempre tem
uma grande porção de fantasia, onde não é possível marcar
Educ. foco, a linha divisória com a realidade” (VENÂNCIO FILHO;
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SERRANO, 1930, p. 80). O que sugeriam eram filmes de
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geografia histórica, que percorriam lugares onde ocorreram O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
os feitos históricos, como Egito, Palestina, Roma, Grécia. No história

Brasil, segundo os professores, poderiam ser feitos filmes sobre


a rota dos Bandeirantes, sobre a história do açúcar. O objetivo,
segundo eles, era aproximar a história à realidade da vida
mostrando aos estudantes as imagens dos lugares históricos,
que sem este recurso só podiam imaginar. Neste sentido, o
cinema tinha mais mérito pelo poder de atração que exercia
sobre os alunos do que pela função educativa.
Por que a geografia histórica e não a história no cinema?
A concepção de história de Jonathas Serrano e Venâncio Filho,
e também dos historiadores do principio dos anos 20 e 30,
estava regida pela Escola Metódica, criada na França na segunda
metade do século XIX. Para a Escola Metódica, a função do
historiador era contar a história com a maior proximidade
possível da verdade dos fatos, o mais próximo de como tudo
aconteceu. Ranke, historiador alemão, afirmou que “a história
é aquilo que de fato aconteceu” (CAIRE-JABINET, 2003, p.
105). Assim, fica mais fácil entender porque os professores
brasileiros não recomendavam os filmes de história. Como
estes estavam “cheios de fantasia” e não correspondiam à
verdade dos fatos, não poderiam contar a história nas telas. Um
filme de história era para eles uma ameaça, pois deformava os
fatos históricos, ensinando aos alunos uma narração de fatos
que não estava relacionada com a verdade.
Nos tempos da Escola Metódica o saber histórico era
dominado por uma rígida metodologia que associava a verdade
dos fatos com a investigação dos documentos. Neste caso “a
história não era mais que a utilização da documentação”, como
afirmaram os historiadores franceses Langlois e Seignobos
(CAIRE-JABINET, 2003, p. 105). Desta forma, existia uma
hierarquia da documentação, um cortejo das fontes. Na frente
do desfile estavam os documentos de arquivos de Estado:
como manuscritos e impressos que representavam o poder
do parlamento, das casas reais, dos governos, dos tribunais Educ. foco,
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de contas. Estes eram seguidos pelos jornais e publicações. 193
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Cristina Souza da Rosa As biografias, fontes de história local e relatos de viajantes
ficavam na parte posterior do cortejo, ocupando uma posição
mais modesta em relação às anteriores (FERRO, 1992). Neste
esquema, o cinema não tinha espaço, pois era visto com
desconfiança, considerado, como afirmou Marc Ferro (1992),
uma espécie de “atração de quermesse”. Além disto, as imagens
que compunham os filmes eram escolhidas, transformadas,
reunidas em montagem. Como o historiador poderia apoiar-
se em uma documentação de natureza manipulável? era a
pergunta na época.
Enquanto as fontes históricas eram escolhidas entre os
documentos oficiais, os sujeitos da história, ou seja, os atores
do passado, também eram selecionados entre dirigentes,
homens de estado, magistrados, diplomatas, administradores
e empreendedores. Homens que tinham unificado países,
vencido guerras, elaborado leis. Suas ações e atos contavam
mais que a mentalidade e a forma de pensar e sentir o mundo.
No começo do século XX, o povo e suas ações foram
excluídos dos livros de história. Porém, não somente o fato de
a história estar vinculada à Escola Metódica contribuía para
deixar de fora documentos não oficiais e homens e mulheres
do povo, também o mundo dominado pelos governos
autoritários-nacionalistas — Fascismo, Franquismo, Nazismo
e Estado Novo — dava uma nova feição ao ensino de história
e à história. Nestes governos, a disciplina de história estava
destinada a ensinar aos estudantes a amar e a servir à Pátria,
apontando valores morais e normatizando a conduta cívica
dos jovens. Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde
do governo Vargas, recomendava a formação da consciência
dos alunos do curso secundário através dos feitos históricos e
dos principais heróis do passado nacional. Estes heróis eram
escolhidos entre as autoridades de governo e entre homens da
cultura: música, literatura e arte.
Se o cinema não era apropriado para a reconstituição
Educ. foco, dos fatos históricos, pela falta da verdade histórica, era, no
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entanto, bem-vindo para contar nas telas a vida dos heróis
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nacionais. Assim, nos anos de 1930 e 1940, no Brasil e em O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
parte da Europa, os professores contavam com a cinematografia história

para ensinar a vida dos heróis nacionais. O Instituto Nacional


de Cinema Educativo (INCE), no Brasil, realizou filmes sobre
a vida e a obra do Barão do Rio Branco e do escritor Machado
de Assis, por exemplo. O Instituto Nacional LUCE, na
Itália, também produziu filmes sobre personagens do passado
nacional italiano, como Leonardo da Vinci e Galileu Galilei.
A inclusão do cinema no cortejo das fontes aconteceu nos
anos de 1970 e 1980, estimulado pelas mudanças de paradigma
histórico proporcionado por Lucien Febvre, Marc Bloch e a
fundação da revista Annales, que originou a Nova História.
O grupo de historiadores da revista rompeu com a História
Metódica dos anos de 1920. A partir de então, passaram a
valorizar a diversidade dos documentos usados na pesquisa
histórica e a estimular a colaboração da história com outras
áreas das ciências humanas. O objeto da história passou a ser
o homem em sua concepção mais ampla: social, econômica,
geográfica e psicológica. Esse grupo de historiadores franceses
foi responsável pela introdução de uma nova maneira de fazer
história: construindo e recortando seus objetos de pesquisa
(ABUD, 2003). A história deixa de lado a verdade dos fatos,
baseada em documentos oficiais, para ser construída pelo
historiador que busca no presente as inquietações para pensar
o passado.
Segundo Marc Ferro, o postulado tinha mudado e “todo
aquilo que não aconteceu (e por que não aquilo que aconteceu?),
as crenças, as intenções, o imaginário dos homens, são tão
história quanto a história” (FERRO, 1992, p. 86). Sendo
assim, “os filmes, imagens ou não da realidade, documento ou
ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história” (p. 86).
Neste contexto, o cinema deixava de ser obra de arte para ser
produto da sociedade, uma imagem-objeto, nas palavras de
Ferro. Desta maneira, o autor sugeria empreender uma análise
dos filmes, de fragmentos de filmes, de planos ou temas, Educ. foco,
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estabelecendo uma metodologia de pesquisa relacionando-se 195
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Cristina Souza da Rosa com outras ciências humanas. Assim, Ferro propunha uma
análise comparativa entre o que é filme (imagens, som, cenas
e cenário) e aquilo que não é filme (os produtores, o diretor,
os roteirista, o público, o regime de governo, a sociedade).
Relacionando desta forma o visível com o invisível dos filmes.
Isto ajudaria o historiador a compreender a realidade que um
filme representa. Pois um filme é uma obra coletiva, fruto de
escolhas que estão relacionadas com a produção e também
com a montagem final. Portanto, o cinema não é mais que
uma representação da realidade, a qual o historiador deve
revelar. Desta perspectiva, os filmes passaram a se configurar
como fontes históricas, pois falavam menos do tema filmado e
mais da sociedade que o produziu.

Como usar o cinema nas aulas de história

As mudanças no fazer história refletiram na história


como disciplina e contribuíram para introduzir nas escolas
novos recursos pedagógicos, capazes de auxiliar no processo
de conhecimento histórico, como a pintura, os desenhos, a
literatura e os quadrinhos. O ensino de história, por si só,
também mudou e atualmente não se restringe apenas ao
ensino do passado, mas procura fazer do conhecimento deste
uma forma de compreensão do mundo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais estimulam
o emprego de “documentação variada, como sítios
arqueológicos, edificações, mapas, instrumentos de trabalho,
objetos cerimoniais e rituais, adornos, meios de comunicação,
vestimentas, textos, imagens e filmes” (BRASIL, 1998, p. 77).
O objetivo é dar ao aluno instrumentos para compreender
que ele faz parte de um passado que se reflete no presente e,
assim, capacitá-lo a desenvolver a consciência de pertencer a
uma cultura e a uma sociedade. Neste contexto de renovação
didática e conceitual, o cinema se torna um importante parceiro
Educ. foco,
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no processo de formação do aluno, pois pode contribuir para
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Entretanto, os professores de história ainda seguem O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
usando o cinema como um meio de ilustrar o conteúdo, história

com o escopo de chegar o mais próximo possível dos fatos


históricos. No dia-a-dia escolar procuram exibir produções
cinematográficas nas quais os alunos podem obter o máximo
de informações sobre um personagem ou um fato da história.
Muitas vezes encerram o conteúdo com um filme que apenas
tem a função de ilustrar o que foi dito até então. Neste contexto,
o cinema é empregado, mais ou menos, como sugeriam os
professores dos anos 30.
O uso do cinema como informador/ilustrador da história
não é, seguramente, a melhor maneira de empregar a sétima
arte nas aulas de história. Os filmes de tipo histórico não são
mais que uma representação do passado, como nos alertou
Ferro4. Nestes filmes o passado é escolhido pelo roterista, pelo
diretor ou pelo estúdio de cinema. Assim, constatamos que a
eleição do passado está ditada pelas influências do presente.
Neste sentido, é importante que o professor compreenda
que os filmes de história falam mais do presente e menos do
passado. Desta maneira, ao escolher um filme histórico para
“ilustrar” o conteúdo, o professor deve levar em consideração
que ele é um olhar sobre o passado. Consciente deste
olhar, o professor pode atuar como um mediador entre o
conhecimento histórico e o aluno, para que este último possa
entender a função do passado nos filmes. A compreensão da
relação passado-presente faz com que os alunos desenvolvam
um senso crítico sobre a produção do conhecimento.
O filme “O Patriota” (The Patriot, EUA, 2000) é um
exemplo desta relação. A história do filme passa nos Estados
Unidos, durante a Guerra da Independência estadunidense.
Mel Gibson é Benjamin, um pai de família que entra no
conflito contra os ingleses para defender sua família e seu filho,
que se alista nos exércitos coloniais. As batalhas no campo
pela independência da colônia não contam sobre esta parte
da história dos Estados Unidos, mas sim sobre o sentimento Educ. foco,
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Filmes históricos são aqueles que falam de um fato histórico comprovado. 197 jul. / out. 2013
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Cristina Souza da Rosa patriótico dos estadunidenses e sua necessidade de fabricar
heróis. Os heróis são os homens que levam a nação rumo
à grandeza e à vitória sobre os inimigos. Estes homens são
movidos pelo amor à Pátria e por interesses maiores. Benjamin
entra na guerra por amor a sua família, mas com o avanço da
narrativa fílmica o sentimento de amor à Pátria e o orgulho
nacional se sobrepõem aos interesses particulares. No conceito
de Carlyle (apud CASSIRER, 2003), um herói encontra-se só
com sua alma e com a realidade das coisas (p. 257).
No filme, a luta de Benjamin é considerada justa, pois
se dá contra um inimigo externo, os ingleses, que ameaçam a
vida na colônia. Os inimigos externos têm uma importante
função no processo de formação da nação estadunidense,
pois a afirmação de nação e a construção da identidade
nacional se dão em oposição ao “outro” e a seus valores e
crenças. Inúmeros são os filmes de Hollywood nos quais o
herói luta contra alguma pessoa, nação, fenômeno (tsunami,
terremoto, meteorito) ou um ser (monstros, gorilas gigantes,
extraterrestres) que ameaçam a soberania dos Estados Unidos.
E quando a ameaça não paira apenas sobre os Estados Unidos,
mas sobre todo o mundo, é o Presidente desse país quem salva
todos os habitantes do planeta, atuando como o grande herói
e como o chefe de todos os continentes.
No entanto, não apenas os filmes históricos são
capazes de falar sobre o presente. Os três filmes de “Rambo:
programado para matar” (Rambo: First Blood, EUA, 1982,
1985, 1988) não reconstroem um período histórico, mas
permitem compreender a relação entre o passado e o presente
no cinema. “Rambo” nos fala a respeito de “um” Estados
Unidos que ainda não superou a derrota no Vietnam e
também sobre a era Reagan. Os filmes exaltam a violência
militar e com isto legitimam a política externa do presidente
Reagan, baseada em ações militares. Além disto, o filme
remete a questões da Guerra Fria ao mostrar os inimigos dos
Educ. foco, Estados Unidos. No caso dos filmes do Rambo: os soviéticos
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e os vietnamitas, estes últimos vistos como joguetes dos
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soviéticos (KELLNER, 2001). A presença dos inimigos da O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
nação nos filmes de “Rambo” exibe uma típica representação história

do cinema de Hollywood, que também está presente em “O


Patriota”, na qual os estrangeiros são vistos como os “outros”, a
personificação do mal, o inimigo, enquanto os estadunidenses,
“nós”, são os bons, a encarnação da virtude, do heroísmo,
da bondade, da moral (KELLNER, 2001). O exemplo de
“Rambo” serve ao professor como um alerta, pois há filmes
que não são históricos, mas que não podem prescindir de uma
leitura histórica.
Desta maneira, o cinema assume um duplo papel no
ensino de história: agente e documento. Agente da história
uma vez que transmite conceitos e valores do seu tempo,
sendo um produtor de sentidos. Neste caso, é preciso associar
a produção cinematográfica com o mundo que a produziu
para entender como ele atua repassando valores e conceitos.
Documento, porque os filmes auxiliam a construir a história,
através da pesquisa, e a compreender o mundo. O cinema,
nestes dois papéis estimula a percepção, permitindo ao aluno
desenvolver estratégias de exploração, de busca de informação
e de relação (ABUD, 2003). A capacidade de fazer relações
é muito importante para o processo de conhecimento
histórico e para o entendimento do mundo em que se vive,
pois a partir daí é possível construir a identidade individual
e coletiva. Além disto, esta capacidade ajuda a compreender
os valores dos grupos sociais, permitindo a convivência com
o outro e o respeito pela diversidade. É importante que o
cinema e a história ajudem o corpo discente a construir uma
visão de mundo baseada no respeito, na compreensão e na
coletividade.
A partir da capacidade de relacionar, o aluno consegue
identificar nas imagens as representações sociais instauradas
na e pela sociedade. Representações estereotipadas, como
da mulher submissa aos homens, do negro como pobre e
bandido, dos imigrantes como o mal da sociedade, dos gays Educ. foco,
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como aberração social, etc. Todas estas representações podem 199
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Cristina Souza da Rosa ser desconstruídas a partir das telas dos cinemas com filmes
que contestam estes estereótipos, mas também com filmes que
usam a metáfora para desconstruir as representações.
“A Rainha Margot” (Fr/Ita/Ale, 1994) retrata a França
de 1572, tempos das disputas religiosas entre católicos e
protestantes. Nossa sugestão é que o professor não foque a
exibição do filme nas questões políticas-religiosas do período
e sim na condição feminina. A razão é que a personagem
da Rainha Margot, atuação de Isabelle Adjani, está longe
de representar uma mulher do século XVI. A atitude
sexualmente liberal de Margot, que rejeitada pelo amado sai
às ruas à procura de sexo, e sua postura política, a aproximam
de uma mulher do século XX, determinada e consciente de
suas vontades.
O filme espanhol “Um Franco e 14 pesetas” (Espanha,
2006) também segue o caminho de desfazer representações
socialmente construídas. O roteiro é sobre os espanhóis que
nos anos 1960 emigraram para a Suíça em busca de trabalho.
O filme mostra as dificuldades do processo imigratório
enfrentado por eles, a separação da família, a passagem pela
fronteira, o medo de não chegar ao destino final, a busca de
trabalho, a adaptação a outra cultura e língua, o sonho de uma
vida melhor ao voltarem para a Espanha. O passado neste
filme é um lembrete aos espanhóis que um dia eles também
foram imigrantes e que buscaram uma vida melhor fora de
seu país. Com isto o diretor pretende aproximar os espanhóis
dos imigrantes sul-americanos e africanos, tentando desfazer
os preconceitos em relação aos grupos de imigrantes presentes
na Espanha. E como “O Patriota”, ele também fala mais
do presente do que do passado espanhol, já que a Espanha
enfrenta a questão da imigração e seus preconceitos.
“Milk - A voz da igualdade” (Milk, EUA, 2008) é um
filme sobre o direito gay e o respeito à diversidade que pode ser
levado à sala de aula pelo professor interessado em trabalhar
Educ. foco, estes temas. Harvey Milk é um nova-iorquino que decide
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morar com seu namorado em São Francisco, nos anos de
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1970. Lá monta uma loja de revelação fotográfica e aos poucos O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
o lugar se torna o QG contra a violência e o preconceito em história

relação aos homossexuais. Milk se torna a figura de destaque


deste movimento e em 1977 é eleito, depois de uma intensa
batalha política, para o Quadro de Supervisor da cidade de São
Francisco, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar um
cargo público de importância nos Estados Unidos. A partir
desta história o professor pode trabalhar com uma série de
conceitos e representações instituídos na sociedade sobre o
homossexualismo.
Filmes como “Milk”, “Um Franco e 14 pesetas” e “A
Rainha Margot” exigem que o professor atue como mediador.
Nesta condição, seu papel é o de preparar os alunos para a
exibição, antes de começar a projetar o filme, e de propor
debates sobre os temas de forma articulada com outras fontes
e documentos. Assim, é apropriado explicar como olhar o
filme escolhido, informando sobre o que trata e sobre o que
interessa compreender a partir dele. É importante que os
alunos saibam por que o filme está sendo incluído na aula,
em determinado conteúdo, percebendo que não se trata
de uma diversão, nem de descanso das aulas, e sim de uma
atividade que ajuda no aprendizado. Se o filme tem cenas de
sexo ou violência, é interessante falar sobre isto com os alunos,
principalmente com os adolescentes, para que as imagens não
se tornem motivo de piada, distraindo a turma. O professor
também pode distribuir um questionário sobre o filme, para
que os alunos fiquem mais atentos às cenas e aos temas que
mais interessam relacionar com o conteúdo escolar ou mesmo
com a formação cívica-social do grupo.
Para o trabalho a ser realizado depois da exibição, no caso da
imigração, do movimento gay e feminino, temáticas encontradas
nos filmes acima citados, além do livro didático, o professor pode
utilizar jornais que tenham matérias sobre os assuntos, ou mesmo
a história oral. Cabe ao professor, neste momento, exercitar sua
criatividade para inserir nas aulas novos documentos capazes Educ. foco,
Juiz de Fora,
de instigar os debates sobre as questões em pauta extrapolando 201
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Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa o livro didático. Desta forma, estará estimulando nos alunos
as capacidades investigativas do historiador: a curiosidade, a
comparação, a dedução, o trabalho com fontes.
O cinema pode auxiliar o professor de história a
explicar os conceitos históricos. A compreensão dos conceitos
é fundamental para o aprendizado de história, pois o saber
histórico depende deles e o entendimento da história também.
O clássico filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos”
(Modern Times, EUA, 1936) tem como personagem Carlitos,
um homem que trabalha na linha de montagem de uma fábrica
dos Estados Unidos, nos anos 30. O filme dá ao professor
a possibilidade de trabalhar com o conceito de Fordismo,
onde o operário trabalha na linha de produção de automóveis
participando apenas de uma parte da montagem. Chaplin,
através de seu personagem, faz uma crítica divertida do sistema
de produção, que aliena o operário na fábrica, e ao capitalismo.
Indo um pouco além, o filme também proporciona uma
reflexão sobre a classe burguesa e o proletariado.
“Glória feita de Sangue” (Paths of Glory, EUA, 1957)
está baseado em um incidente real da Primeira Guerra
Mundial. Um general francês ordena um ataque suicida
contra os alemães, que resulta em tragédia. Alguns dos
soldados que participaram do ataque são presos e julgados,
para esconder a ordem criminosa do general. Apesar de fazer
referência à Grande Guerra, podemos dizer que o filme não é
necessariamente sobre a primeira conflagração mundial, e sim
sobre a guerra em geral. Na película em questão, não vemos
as trincheiras, nem os horrores que os soldados passaram em
seu interior, nem vemos as batalhas na Frente Ocidental. O
que se vê é a história de vidas individuais sacrificadas sem
piedade em nome da vaidade e da indiferença pela justiça
e pela humanidade por parte dos comandantes ou de uma
nação. Ou seja, atitudes que se veem em todas as guerras, não
sendo exclusividade da Primeira Guerra Mundial. Se não fosse
Educ. foco, pelos uniformes dos exércitos de 1914-1918, o filme poderia
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
202
estar tratando a respeito de qualquer guerra (CARNE, 1997).
jul. / out. 2013
“O Último Samurai” (The last Samurai, EUA, 2003) O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
estimula uma interessante discussão sobre os conceitos de história

Ocidente e Oriente e sobre choque cultural. Durante a


Revolução Meiji, no Japão, o Capitão Nathan Algreen é
contratado para modernizar o exército japonês e treinar seus
soldados. Em meio a uma batalha o capitão é capturado pelos
samurais e passa a viver com eles nas montanhas, onde deve
aprender a respeitar a cultura samurai. A aproximação entre o
capitão americano e o Samurai é um processo de conhecimento
entre culturas e modos de vida diferentes. É valorizando este
processo de conhecimento que o professor pode trabalhar os
conceitos propostos.
O que vemos com estas sugestões e referências de
filmes é que o chamado “filme histórico” é sempre uma
representação do passado e, portanto, um discurso do passado.
Desta maneira, é preciso compreender que este discurso está
tomado pela subjetividade. Sabendo disto, o professor não
deve cometer o erro de buscar nas produções cinematográficas
a verdade histórica, porque não a encontrará. O que os filmes
oferecem são “verdades e “inverdades” parciais.
Uma produção cinematográfica nunca pode abordar
a verdade dos fatos históricos, mesmo que seu diretor assim
desejasse. O cinema é uma representação da realidade e o
professor deve ter isto em conta quando leva a sétima arte para
dentro da sala de aula. Sempre há a possibilidade de encontrar
nos “filmes históricos” personagens que não existiram,
romances e casos de amor inexistentes, ou ocultações de
fatos importantes. Isto porque o cinema implica em seleção,
montagem, generalizações, condensações ou ocultações;
algumas vezes invenções e falsificações. Estes recursos são
utilizados para tornar a história apresentada nos cinemas
mais atraente e mais compreensível para o público. A própria
linguagem cinematográfica não permite contar a história como
ela de fato aconteceu, pois, por se tratar de uma narrativa
linear, obriga a escolher, a selecionar. Além disto, temos que Educ. foco,
Juiz de Fora,
levar em conta que o cinema não tem o compromisso com a 203
v. 18, n. 2, p. 189-210,
jul. / out. 2013
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa história, da mesma forma que tem o historiador. Desta forma,
o importante é buscar pela verossimilhança entre a história do
filme e a história do passado.
O desejo do cinema em atrair o espectador chama a
atenção para outro importante detalhe quando se discute o uso
de filmes nas aulas de história. As produções de Hollywood,
tradicionalmente, primam pela primazia da emoção sobre
a razão. E neste sentido, muitas vezes, incluem romances
inexistentes e, em outras, privilegiam aspectos pitorescos do
passado. Em Pearl Harbor (EUA, 2001) é a paixão de dois
amigos pilotos de avião pela enfermeira Evelyn o foco do
filme. O ataque dos japoneses e a II Guerra Mundial é apenas
o pano de fundo para o romance. Já Tora! Tora! Tora! (EUA/
Japão, 1970), filme em que Pearl Harbor foi inspirado, não
vemos romance e nem sofrimento pela morte do homem
amado. Neste caso, o professor tem a oportunidade, não de
falar sobre história, mas sim sobre o cinema, sobre a linguagem
e a estética cinematográfica. Inclusive o professor pode exibir
as duas películas, realizando um exercício de comparação, e
a partir disto falar de como se faz cinema. A aproximação do
aluno com o fazer cinema é um importante instrumento para
a compreensão da relação cinema-história.
Por fim, assinalamos a importância de apresentar uma
pequena classificação de tipos de filmes que os professores
podem utilizar nas aulas. Existem filmes que são históricos,
pois tratam de fatos comprovadamente reais, como
“Spartacus”, “A Lista de Schindler”, “A Rainha Margot”, etc.
Filmes de tipo biográficos históricos, que retratam a vida
de uma personalidade do passado. Em geral, os estúdios de
Hollywood escolhem figuras históricas que contribuíram com
a “melhoria” do mundo como: “Gandhi”, “Joana D’Arc”,
“Malcom X”. Existem filmes classificados como “de época”,
os quais apresentam um passado pitoresco e alegórico como
argumento histórico. Nestes, é maior a preocupação com
Educ. foco, a reconstrução dos ambientes, das roupas e dos costumes
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
204
históricos do que com a história propriamente dita. “Ligações
jul. / out. 2013
Perigosas” é um bom exemplo de filme deste tipo; nele se vê O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
com perfeição a reconstrução das vestimentas e do mobiliário história

do século XVIII. Também existem filmes de ficção histórica,


cujo enredo é uma ficção com sentido histórico. Por fim, há
os de mito, que se baseiam na mitologia. “Tróia”, com Brad
Pitt, é um exemplo. “Tróia” é também um filme adaptado de
obra literária, “A Ilíada” de Homero, como também é o filme
“Ligações Perigosas” (NOVA, [s.d.]).
Os documentários igualmente são gêneros de cinema,
e se encaixam nesta pequena classificação de tipos. Como os
filmes de ficção, os documentários também são bem-vindos
nas aulas de história e de outras disciplinas. Sua exploração
para fins pedagógicos pode, em alguns momentos, ser
considerada mais fácil ou até mais apropriada que o filme de
ficção. A linguagem dos documentários é mais clara, pois desde
o princípio o documentarista já revela do que se trata, sua
opinião sobre o tema e de que realidade fala. Outra vantagem
dos documentários sobre os filmes de ficção é o tempo de
duração: de modo geral, entre quinze minutos e meia hora,
perfeitos para serem exibidos em sala de aula.
Segundo Bill Nichols (2005), o documentário pode
ser: poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo
e performático. O poético se preocupa mais com a estética
cinematográfica; o expositivo com a defesa de um argumento.
No modo observativo, a preocupação está em captar a realidade
como aconteceu, enquanto no participativo temos a presença
do documentarista e sua equipe. Como exemplos deste último,
apresentamos os documentários de Eduardo Coutinho. O
modo reflexivo deixa claro quais foram os procedimentos da
filmagem, evidenciando a relação estabelecida entre o grupo
filmado e o documentarista. Michael Moore se encaixa aqui.
Por fim, o modo performático conta com a presença forte da
subjetividade e da estética. A estes tipos ainda acrescentamos
o documentário etnográfico, feito por ou sobre índios, grupos
raciais, tribos urbanas, etc.
Educ. foco,
Saber os tipos de documentários existentes permite Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
ao professor entendê-los no momento da escolha, mas isto 205 jul. / out. 2013
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa para nós não é o mais relevante. Entendemos ser importante
que o professor, mais uma vez, leve em consideração que os
documentários, assim como os filmes de ficção, apresentam
um ponto de vista, um olhar sobre o tema e o assunto tratado.
E por isto, não são imparciais. Nos documentários as escolhas
e opiniões dos documentaristas são mais evidenciadas e
muitas têm por função convencer o espectador de seu ponto
de vista. Portanto, novamente o professor deve estar alerta
para tal situação e trabalhar este ponto de vista com os alunos
de maneira que compreendam que não espelham a verdade
e, sim, “uma verdade”. Um documentário sobre a liberação
de armas, por exemplo, pode ter distintas opiniões se for
feito por pessoas pró-armas ou por pessoas contra-armas. Às
vezes um documentário apresenta visões distintas sobre um
mesmo tema e deixa ao espectador a decisão sobre o certo
ou o errado. Em outros, o uso de pontos de vista distintos
serve apenas para reforçar um deles. Detalhes como estes não
podem escapar ao professor, que precisa estar ciente deles
para conduzir a exibição e os trabalhos referentes ao uso dos
documentários.
Além de conhecer os diversos tipos de filmes, o
recomendável é que o professor escolha um filme adequado à
idade dos alunos e aos seus interesses. Assim compreenderão
melhor o enredo e a relação deste com o conteúdo histórico
será bem aproveitada. O professor igualmente deve observar
o tempo de duração dos filmes, pois nem sempre podem ser
exibidos por completo no horário normal de aula. Se for de
seu interesse a exibição do filme do início ao fim, é preciso
combinar com o professor da aula seguinte para que este ceda
seu horário, no todo ou em parte. Uma opção, que nos parece
bastante interessante, é associar-se a outra disciplina e fazer
um trabalho em conjunto, desenvolvendo um projeto entre
disciplinas, utilizando um filme que permita explorar distintos
conteúdos escolares. Por fim, exibir os filmes em parte também
Educ. foco, é uma boa estratégia, não só pela questão do tempo, mas sim
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
206
pela dificuldade de compreensão de determinados roteiros ou
jul. / out. 2013
assuntos abordados na película. Exibir em partes é uma opção, O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
por exemplo, para os filmes de Glauber Rocha, que costumam história

ter uma linguagem confusa e densa5. Vale lembrar ao professor


que é preciso ver o filme antes de projetá-lo na sala de aula,
não apenas para montar a atividade, mas também para evitar
surpresas com cenas inapropriadas ou desagradáveis.
Levando em consideração o que foi apresentado até aqui,
podemos perceber que todos os filmes podem ser utilizados
nas aulas de história. O professor não precisa limitar-se ao uso
de filmes históricos, já que todos, de uma forma ou de outra,
contribuem para o processo de aprendizagem da história. O
cinema é um grande aliado da história, uma vez que desempenha
um significativo papel na divulgação do conhecimento
histórico, pois proporciona o interesse pelos temas históricos e
assim pode estimular a leitura e a curiosidade.
Diante disto, entendemos que independente do tipo
de filme escolhido pelo professor para ser usado nas aulas de
história, o essencial é que não esqueça que o cinema é, e sempre
será, uma representação do passado. E com esta informação na
mente, faça do cinema um companheiro de trabalho.

Considerações finais

A partir deste artigo tentamos propor uma metodologia


de uso do cinema nas aulas de história, de forma a munir o
professor de informações relevantes sobre as possibilidades
da sétima arte na escola. Para que o cinema desempenhe um
papel importante na formação dos alunos e na divulgação do
conhecimento de história, o primeiro passo é deixar de utilizar
o cinema como diversão ou ilustração do conteúdo.
Para isto, é preciso assumir diante dos filmes uma
postura crítica, tendo em consideração que os filmes são uma
representação do passado e não a verdade histórica. A relação
entre o passado dos filmes e o presente de sua produção é outra
Educ. foco,
Juiz de Fora,
5
Os filmes de Glauber Rocha são um bom recurso a ser empregado no estudo v. 18, n. 2, p. 189-210,
sobre os anos sessenta no Brasil e a resistência ao Regime Militar. 207 jul. / out. 2013
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa coisa que não pode deixar de fazer parte do conhecimento
do corpo docente. Este é um conhecimento que deve ser
compartilhado com os alunos para que também eles possam
compreender que o cinema não é mais que uma representação
do real e assim ter uma postura ativa diante dos filmes. Esta
atitude permitirá aos alunos desenvolverem a capacidade de
observar, identificar, relacionar, questionar, compartilhar,
articular, entre outras. Isto nos indica que a análise de um filme,
seja ele do tipo que for, faz efeito na aprendizagem da história.
Ao operar estas capacidades mentais os alunos também estarão
elaborando o pensamento histórico e com isto desenvolvendo
a consciência histórica, valorizada no Parâmetro Curricular
Nacional e pelos professores de história.
Agindo desta forma, eles não serão historiadores, mas,
seguramente, compreenderão que a história é fruto de uma
construção do passado, que como o cinema, também implica
em escolhas, seleção, organização. Fazer com que os alunos
entendam que a história não é mais do que uma construção
do passado e que o historiador é o artífice deste passado é o
desejo de muitos professores que ministram esta disciplina. Tal
entendimento traz um ganho simbólico e intelectual aos alunos
possibilitando-lhes a compreensão de que o passado exerce
influência no presente. E com isto, mais do que compreender
o cinema e a história, em uma concepção mais ampla, eles
estarão aptos a entender o mundo e suas representações.

Referências
ABUD, K. M. A construção de uma didática da História: Algumas
ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, v.
22, n. 1, p. 183-193, 2003.
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curriculares nacionais: história. Brasília: MEC: SEF, 1998.

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CAIRE-JABINET, Maria Paule. Introdução à historiografia. Bauru:
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
EDUSC, 2003.
jul. / out. 2013
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CARNE, Mark C. (Org.). Passado Imperfeito. A história no Cinema. O cinema na escola:
Uma metodologia

Rio de Janeiro: Record, 1997.


para o ensino de
história

CASSIRER, Ernst. O Mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003.


FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus,
2005.
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento de História. Olho
da História, n. 3, [s.d.].
REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. v. 1, n. 5, fev. 1933.
_. v. 1, n. 1, out. 1932.
VENÂNCIO FILHO, Francisco; SERRANO, Jonathas. Cinema e
Educação. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1930.

THE CINEMA SCHOOL: A METHODOLOGY


FOR TEACHING HISTORY

Abstract
The use of film in history classes is a practice known and
consolidated, however, is not without difficulties and no
doubt. The first difficulty faced is the lack of knowledge
about cinema and doubt lies in how it can contribute to the
teaching of historical content. In 1930, in Brazil, the use of
cinema and its introduction into the school was the center
of a long debate sponsored by teachers, intellectuals and
government. The result was the creation of the National
Institute for Film Education (INCE) to make educational
films. Since then much has changed, but the film did not
leave the classroom or the lessons of history. This article
does not have the pretension to solve all the questions
teachers have about the use of cinema, but to provide a
methodology for use in cinema history, suggesting films
and discussing how they can help the teacher to meet the Educ. foco,
Juiz de Fora,
daily task of teaching. v. 18, n. 2, p. 189-210,
209 jul. / out. 2013
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa Keywords: Cinema. History teaching. Education. History.

Data de recebimento: novembro 2012


Data de aceite: janeiro 2013

Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
jul. / out. 2013
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