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Revisão de texto- Sistemas Teóricos, Psicanálise I

Arqueologia Psíquica e Recalcamento

O recalcamento como pilar fundamental da Psicanálise:

O recalcamento é um conceito de muita importância na psicanálise, ele aponta para a


relação existente entre as noções de inconsciente, sexualidade e transferência. O
recalcamento reforça a ideia do inconsciente.
Enquanto as críticas de que a psicanálise se ocupa muito do passado, isso é
desconhecimento. Primeiro o desconhecimento da psicanálise, que tem como objeto de
estudo o inconsciente, que é atemporal. A atemporalidade é característica fundamental na
compreensão da influência dessa instância psíquica na vida do sujeito. Segundo, o
desconhecimento da força de repetição e pulsão, desconsiderando o fato de que somos
produto e produtores de história.
Freud advertia que muitos dos ataques à psicanálise podiam ser compreendidos desde o
fato de que havia uma indisposição geral da humanidade de atribuir à sexualidade papel tão
relevante.
O recalcamento age sobre os representantes pulsionais e interfere no campo da
sexualidade. Freud refere-se ao recalcamento como sendo uma forma de oposição que se
apresenta ante a pulsão, para torná-la inoperante. O recalcamento é a única forma de
“reprimir” uma pulsão, já que não se pode fugir dela como se foge de um estímulo externo.
O recalcamento pode livrar a consciência de alguns desprazeres, mas cobra um preço por
isso, na tentativa de encontrar formas de satisfazer as pulsões que buscam uma descarga,
surgem os sonhos, atos falhos ou estruturam-se os sintomas que demonstram a potência
do material recalcado, interferindo nas mais variadas esferas da vida do sujeito.

“A psicanálise também é capaz de nos revelar outras coisas importantes para a


compreensão dos efeitos da repressão nas psiconeuroses. Mostra-nos, por exemplo, que o
representante instintual se desenvolverá com menos interferência e mais profusamente se
for retirado da influência consciente pela repressão. Ele prolifera no escuro, e assume
formas extremas de expressão, que uma vez traduzidas e apresentadas ao neurótico irão
não só lhe parecer estranhas, mas também assustá-lo, mostrando o quadro de uma
extraordinária e perigosa força do instinto.” Freud, 1914.

O papel da transferência:
Será por meio da transferência que serão atualizados os desejos infantis insatisfeitos, os
protótipos de relações, estabelecidas pelo paciente com figuras ímpares na sua vida,
possibilitando a compreensão dos sintomas. A transferência trás a possibilidade de uma
busca das origens inconscientes destas manifestações, possibilitando a expressão e o
conhecimento dos conteúdos do inconsciente.
É um importante instrumento do processo psicanalítico, pois traz à tona objetos,
documentos, registros de uma história, por vezes, desconhecidos pelo protagonista.

A arqueologia psíquica:
Ao investigar os processos psíquicos, a psicanálise encontra pontos de contato com a
arqueologia. Esta, segundo o dicionário, é a ciência que estuda a vida e a cultura dos povos
antigos por meio de escavações ou através de documentos, monumentos, objetos, etc. por
eles deixados. A psicanálise é o método de tratamento das desordens mentais e
emocionais mediante profunda investigação psicológica dos processos mentais.
Uma diferença é que a psicanálise, para chegar no material psíquico “enterrado”, será
guiada pela força que estes seguem exercendo na vida atual da pessoa desde o
intrapsíquico (sonhos, atos falhos sintomas, repetições transferenciais).
“A psico-análise como a havia chamado alguns meses antes, parece-lhe agora como uma
arqueologia do psiquismo individual”. O interesse de Freud pelo passado, a criação de um
método que o privilegia, dando-lhe espaço através da escuta, ao mesmo tempo em que
implica um olhar para o que foi vivido, libera o homem para um olhar mais autônomo e livre
em direção ao seu futuro.

Recalcamento e Repressão, apontamentos conceituais:


Existe uma dificuldade terminológica, em relação a tradução da palavra recalcamento.
Muitas vezes ela é traduzida de verdrängung para repressão. Repressão e recalque tem
conotações diversas… uma pessoa pode reprimir uma outra, no sentido de impedir um ato
ou uma palavra dessa outra, mas uma pessoa não pode recalcar uma outra. Quando muito,
pode-se criar uma condição para que um recalque se faça, mas ele será sempre um
processo interno à alguém.

O recalcamento:
O recalcamento no sentido próprio, é a operação pela qual o indivíduo procura repelir ou
manter no inconsciente representações (imagens, pensamentos, recordações), ligadas a
uma pulsão. Produz-se em casos em que a satisfação de uma pulsão, suscetível de por si
mesma, proporcionar prazer, ameaçaria provocar desprazer relativamente a outras
exigências.
É um processo psíquico universal, pois está na origem da constituição do inconsciente
como domínio separado do resto do psiquismo. É um termo próximo de uma “defesa”,
contudo, o recalcamento tem um custo de energía psíquica, seu motivo é sempre a
produção de desprazer que pode ser gerada por um afeto e o inconsciente que funciona
pelo princípio do prazer, recalca até que possa dar uma forma mais “tolerável” para o
significante reprimido, podendo assim trazê-lo para a consciência de uma forma menos
angustiante que a inicial. (retorno do recalcado)

Recalcamento originário, recalcamento propriamente dito e retorno do recalcado:

“A teoria da repressão é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da


psicanálise.” Freud (1914),

Em 1915, Freud escreve que o recalcamento não é um mecanismo defensivo que já esteja
presente desde o início, ele só surge quando tiver ocorrido algo marcante e que a essência
do recalcamento consiste em afastar determinada coisa do campo da consciência.
O recalcamento deve considerar: ponto de vista tópico (manutenção dos conteúdos fora da
consciência), ponto de vista econômico (existência de mecanismos complexos de
desenvolvimento, reinvestimentos e contra investimentos que incidirão sobre os
representantes pulsionais), ponto de vista dinâmico (o conflito entre os sistemas).
Recalcamento originário: fixa a pulsão ao inconsciente e estabelece barreiras entre os
sistemas e definindo a tópica psíquica. A fixação inscreve os representantes da pulsão no
psiquismo, ao mesmo tempo em que delimita as instâncias do mesmo.
Recalcamento propriamente dito: desloca para o inconsciente e mantém ali, as
representações intoleráveis para a consciência, que são atraídas pelas representações
originariamente recalcadas. A força deste, incide sobre o representante pulsional e faz com
que seu conteúdo ideacional e seu afeto tenham destinos diferentes.
Retorno do recalcado: mesmo recalcados, os conteúdos tendem a exercer pressão para
retornarem ao sistema pré consciente/ consciente. Esse retorno acontece por meio de atos
falhos, sonhos, chistes…

Mais a frente, Freud rompe a teoria do recalcamento originário ao entender que possuímos
uma instância que viria constituída filogeneticamente, o Id. A ideia de um inconsciente
originário e biológico, exclui a de um recalcamento originário.
O inconsciente originário é o Id e, alguns conteúdos a partir dele, tentarão irromper no ego,
e serão secundariamente recalcados, aparecendo somente aí, a barreira do recalcamento.
Há, portanto, duas partes no Id: uma originária e outra secundária que é o propriamente
recalcado. A parte originária substitui o recalcamento originário.

Diz-me como voltas e dir-te-ei quem és:

A partir do recalcamento em seus três tempos, encontramos uma relação entre psicanálise
e neurose.
O recalcamento originário, que inscreve algo ao fundar o psiquismo, deixa marcas de algo
vivido e intraduzível, psiquicamente. Inscreve algo que seguirá vivo e atual em nós, mesmo
com o passar do tempo. O recalcamento propriamente dito, ao apontar para um recurso
defensivo ante o conflito é a defesa privilegiada das neuroses. O retorno do recalcado, o
terreno da patologia, onde a pulsão encontra no sintoma uma forma de expressão.
Quando retorna sob a forma de sonhos ou atos falhos, diremos que estamos no território da
vida cotidiana, mas, quando se sobrepõem os sintomas, abre-se a possibilidade de acesso
ao terreno das neuroses.
No texto O inconsciente, Freud fazia referência à sua capacidade de separar o
representante ideal do afeto que investia e aos diferentes destinos dados a cada um deles,
a partir daí, descreve os processos distintos que ocorrerão em cada neurose.
A histeria de angústia, por exemplo, aponta para o surgimento de um afeto desqualificado, a
angústia que, em um segundo tempo, irá se deslocar por via associativa a um objeto
externo, constituindo, então, a fobia. Este é o fracasso do recalcamento.
Ou seja, o recalcamento apenas eliminou ou substituiu a representação original, mas não
conseguiu resolver a situação de desprazer.

Na histeria de conversão, o investimento pulsional, relativo à representação recalcada, será


transposto a partir da ação do recalcamento a uma inervação somática. Freud considera
que, em relação ao destino dado ao afeto, pode-se, nesta histeria, considerar-se exitoso o
processo de recalcamento. A formação do sintoma encerra em si este excedente não
necessitando de um segundo tempo ou evitação presentes na histeria e angústia.

Na neurose obsessiva, Freud refere a dificuldade de se identificar, em um primeiro


momento, se a ideia recalcada alude às tendências libidinais ou hostis. O principal motivo é
a regressão, que ocorre e substitui uma tendência hostil por outra afetiva. Esta ambivalência
de sentimentos que viabiliza o recalcamento (manter recalcado o que está vinculado ao
hostil) será também seu ponto de retorno, uma vez que se torna necessário intensificar os
opostos. O recalcamento falha no sentido de dar conta das ideias e seus afetos, tornando-
se, cada vez mais, ineficaz. O obsessivo trava uma luta entre sentimentos e pensamentos
que não consegue administrar.
O recalcamento é muito menos exitoso na histeria de angústia e na neurose obsessiva do
que na histeria de conversão.

Primeiro momento comum às neuroses:

Corresponde ao momento em que é investida uma representação qualquer, pertencente ao


pensamento (obsessão) ao mundo externo (fobia) ou ao corpo (histeria). Assim,
conseguimos perceber a relação existente entre o recalcamento, suas falhas e as neuroses.
A investigação psicanalítica que ocorre no terreno das neuroses, ao qual os danos não
dizem respeitos às marcas esperadas no tempo como na arqueologia, mas, sim, a um
terreno afetado por excessos, abalos intensos que dificultam as escavações e traduzem um
esforço desmedido para não deixar vir à tona seu conteúdo.

O recalcamento é a operação psíquica, que ao esconder, envia derivados, os quais


apontam o caminho da investigação, para realizar, através da psicanálise, o trabalho de
atribuição de sentido a medida em que recupera as intensidades psíquicas vinculadas ao
material anteriormente recalcado.

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