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Londrina, 23 de maio de 2019

Aluna: Letícia Palazzio


Turma: 2000

“Estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da


nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que se
afundam o entendimento e a simpatia.” Inicio o texto com um trecho de Julia
Kristeva em “Estrangeiro para nós mesmos” que busca descrever a partir de
quem soube melhor reconhecê-lo - “O estrangeiro” - em sua condição de
estranho visceralmente devido: Albert Camus. Dessa maneira constrói-se uma
complexa teoria do absurdo diante da personagem Sr. Meursault, o qual revela
a crise de um homem sem projeto, sem destino e, principalmente, sem sentido
algum na sua existência.
A teoria do absurdo é o ato de simplesmente existir em uma vida
desprovida de finalidade, ou melhor, significa que estamos diante do nada e
acabamos por buscar algum sentido para viver. Sendo assim, a existência é
uma busca de sentido contínua, porém dentro de tal busca gera-se a angústia,
a qual para Camus nasce desse absurdo, lugar de eterno retorno da condição
humana. Logo, chega-se a questão do suicídio: a vida vale a pena ou não ser
vivida? Fazendo um paralelo entre a Filosofia e Literatura, para Sartre, o
essencial para solucionar tal dúvida é a posição do engajamento, isto é, a
resposta do existencialismo para isso é um comprometimento com a própria
existência, e no caso do absurdo, acaba por ser uma paixão que possui uma
aceitação e uma recusa, afirmando a vida.
Diferente de Sartre, Camus nega o comprometimento, e desenvolve
no romance, feito em duas partes, a ideia de existencialismo na primeira e a
relação de causa e consequência (mais consequência) na segunda parte,
como explícita em trechos resultantes do impulso absurdo do assassinato do
árabe: “Era obrigado a reconhecer, no entanto, que a partir do instante em que
fora tomada os seus efeitos se tornavam tão certos, tão sérios...”. Além disso,
durante todo o julgamento de Meursault, é manifestada a recíproca relação de
homens envolvidos no absurdo da ausência de sentido, ou seja, um homem
julga outro homem tão imerso ao nada quanto ele.
”Para Camus, o drama humano é, pelo contrário, a ausência total de
transcendência.” (SARTRE, 1968: 98-99). Dito isto, “O estrangeiro” desvela a
impotência da racionalidade a partir da sensibilidade, em que há uma relação
intrínseca entre o sentimento do absurdo e a impotência da racionalidade.
Nesta perspectiva, pode-se pensar no motivo do nome do romance, visto que
Meursault porta-se como um estranho para si e para o mundo, não entendendo
o peso de suas ações. Ademais, mesmo sendo naturalmente existencialista,
ele não se engaja, sua experiência sentimental é totalmente pautada pela sua
experiência superficial, isto é, ele se comporta basicamente como um indivíduo
vazio por dentro, mas que sofre reações a partir de fatos externos, os quais são
muitas vezes encarados como o referido em diversas de suas falas: “tanto faz”.
Por fim, em relação à condenação, esta foi pautada não somente no
assassinato em si, mas em torno de toda a vida de Meursault, desde sua
“frieza” no enterro de sua mãe até a maneira como bebia café com leite. O
estrangeiro, portanto, revela-se também na morte da mãe, e, além disso, em
relação a sua própria morte, não somente acerca da sentença, mas na maneira
em que se encontrava morto para si mesmo. Dessa forma, encara sua morte
como a única coisa verdadeiramente interessante que se pode acontecer ao
homem.
Finalmente, Meursault completamente consciente de si mesmo, de
sua vida e do seu iminente fim, despede-se do mundo, com extrema calma: “a
paz maravilhosa deste verão adormecido entrava em mim como uma maré.
Neste momento, e no limite da noite, soaram sirenes. Anunciavam partidas
para um mundo que me era para sempre indiferente”. Encerra-se, dessa
maneira, a existência de mais um ser humano essencialmente sem solução,
imerso num mundo repleto de máscaras sociais, frente ao absurdo do mundo e
a cólera da indiferença que o recai, sentindo-se purificado diante da morte e,
finalmente, em casa, na “multidão de vazios de lugar nenhum”, despedindo-se
da humanidade em que não faz parte – e mais nada.

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