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Apresentação
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Fonte: http://bit.ly/2INrzve.
Após termos visto o pensamento originário dos Náhuas, Maias e Tojolabais, vamos agora
entrar em contato com o modo de pensar dos Quíchuas, Mapuches e Guaranis, também povos
originários de Nossa América. O pensamento do povo quíchua apresenta-nos os princípios
fundamentais: relacionalidade, correspondência, complementaridade. Reciprocidade e
ciclocidade. Eles nos fazem conhecer a natureza e o sentido da existência humana e do
universo afirmado que não existem entes separados, mas todos os seres são relações. Os
Mapuches, entretanto, concebem a vida individual, comunitária e política em constante
transformação e devir; do ponto de vista filosófico, eles têm um hábito (que vem desde os
primórdios de sua cultura) o qual é muito sugestivo, pois para eles a verdade se constitui como
confronto e diálogo com outras culturas. Por fim, os guaranis, que vivem também no Brasil,
usam uma economia de intercâmbio ou reciprocidade a qual não busca interesses para si, mas
para o outro. Tem como fundamento, não o lucro da economia ocidental, mas o dom gratuito.
Além disso, esses povos nunca se governaram por um Estado, organizaram-se de outra forma
comunitária; por isso, elas estão sendo desestruturadas pela imposição dos Estados do Brasil,
Argentina e Paraguai.
Bons estudos!
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Conteúdo
A Filosofia Quíchua
Os quíchuas ou quéchuas são um dos vários povos que pertencem ao Império dos Incas ou
Império do Sol. Em sucessivas conquistas, eles ocuparam a Colômbia, Equador, Peru, Bolívia,
Chile e Argentina. A língua quíchua ou runa simi era a língua oficial de todo o vasto Império. E
quando falamos do pensamento incaico, Josef Estermann se refere
... a uma síntese de influências culturais e sapienciais de muitas culturas milenares, herdadas
pelos senhores do Império do Sol que falavam quíchua. Em vista de que as culturas andinas
originárias usavam uma escritura alfabética e hieroglífica até agora não decifrada, as fontes
desse pensamento incaico são de índole arqueológica, paleontológica, indumentário, ou então
de tradição oral e de testemunhas de cronistas espanhóis, mestiços e indígenas aculturados
(que já falam o espanhol).
O termo Pacha revela a racionalidade específica e original do pensamento quíchua. Esse termo
tem muitos sentidos. Filosoficamente pacha significa a ordenação do universo em conceitos de
espaço e tempo. Seu sentido está próximo da palavra grega phisis que podemos traduzir por
realidade que inclui tudo o que existe: tanto os entes naturais como os humanos e os divinos.
Assim a palavra pacha pode ser traduzida como o ser (tudo o que existe no universo). Contém
no seu significado espaço-temporalidade: tudo que existe de alguma forma (entes materiais e
espirituais, naturais ou divinos) está no espaço e no tempo. Dessa forma, pode-se talvez
traduzir a racionalidade fundamental quíchua pelo termo relacionalidade (tudo é relação) que
vamos explicitar a seguir.
O Princípio de Relacionalidade
O Princípio de Correspondência
Como diz Estermann, "o princípio básico de relacionalidade se manifesta a nível cósmico como
correspondência entre o micro e o macrocosmo". Os planetas, os fenômenos climáticos e
divinos da ordem cósmica têm relações correlativas com os humanos e suas relações com a
economia, sociedade e cultura. Assim, aqui não há lugar para o princípio de causalidade
mecânica entre seres separados, pois as relações entre o macro e o micro são simbólicas e não
mecânicas, pois "o ser humano representa, mediante atos simbólicos, o que se passa no
grande, assegurando-se desta maneira da continuidade do universo e da perduração da ordem
cósmica" (DUSSEL; MENDIETA; BOHÓRQUEZ, 2009, p. 39).
O Princípio de Complementaridade
Se tudo para esse povo está sexuado, então todas as coisas e eventos também estão sujeitas
ao princípio de complementaridade. É um pensamento semelhante ao das oposições do
pensamento originário grego em que os dois termos opostos são polos de uma única
realidade.
O Princípio de Reciprocidade
Entretanto a ética tem dimensões cósmicas, isto é, não se limita aos entes humanos, mas é
própria de todos os entes do universo, inclusive o divino. Trata-se de um dever cósmico que
reflete uma ordem universal, de que o ser humano é parte.
Essa justiça cósmica se dá entre todos os entes do universo e está operando em toda parte,
pois a ordem das coisas é base do princípio de reciprocidade e é fundamento do equilíbrio e da
harmonia de todas as relações.
O Princípio de Ciclicocidade
Os andinos, enquanto são agricultores, têm a experiência do tempo e do espaço como algo
que se repete. Eles veem o tempo e o espaço em movimento circular e não linear, como os
cristãos e judeus os concebem. Os quíchuas percebem o tempo como o bater do coração e o ir
e vir das marés.
As categorias básicas do tempo para eles não são o passado e o futuro, nem atrasado e
adiantado, mas o antes e depois. O tempo não é visto de modo quantitativo, mas qualitativo.
Fala-se de ''tempo denso'' e ''tempo fraco''. Estermann afirma que " em algo a temporalidade
andina se assemelha com a concepção grega de Kairos. ... Cada tempo (época, momento,
lapso) possui um propósito específico." (DUSSEL; MENDIETA; BOHÓRQUEZ, 2009, p. 40). Há
tempos favoráveis para cada coisa (semeadura, poda, colheita, e assim por diante) e o homem
não pode mudar esse propósito. Não se pode pressionar o tempo. Os supostos ganhos de
tempo, apreciados por nossa cultura, para esse povo é, de fato, perda de tempo.
O que devemos e podemos fazer para salvar esse pensamento que está sobrevivendo a duras
penas depois da cruel conquista espanhola até hoje? Trata-se de uma opção filosófica que
questiona frontalmente nossa sociedade de consumo e individualista, sobretudo a redução de
todos os entes humanos a objetos descartáveis e a destruição da natureza em que habitamos.
É possível construir outro mundo – diferente do nosso atual onde reinará justiça, respeito pelo
outro e pela natureza – dentro dos pressupostos de nossa cultura europeia capitalista? Muitos
pensam que será vã nossa luta por um mundo mais justo se não desconstruirmos os grandes
pressupostos que sustentam nossa cultura. E, no trabalho de reconstrução, o pensamento dos
povos originários tem muito a nos dizer.
Mas como fazer para que eles sejam preservados e falem ao homem desumanizado de hoje?
Você sabe como?
A Filosofia Mapuche
Diálogo Cultural
E essa mentalidade de dialogar com outras culturas, sem se deixar dominar por elas - e, ao
mesmo tempo, lutar por seus direitos - vem desde os primórdios de sua civilização até hoje.
Dessa forma é um pensar que vai se questionado e se reconstituindo ao longo de sua história
feita de encontros e desencontros com outras culturas. Isso explica porque até hoje, mesmo
estando subjugados politicamente pelos invasores espanhóis, continuam independentes no
que diz respeito a sua cultura e pensamento. Nesse sentido também é preciso perceber que a
originalidade do pensamento mapuche está nesse confronto de ideias que permite uma
reconstrução constante de seus próprios conhecimentos primitivos. Dessa forma, o que vamos
estudar aqui não é o pensamento puro dos primórdios, mas é esse mesmo pensamento
reconstituído e constantemente reinterpretado ao longo de sua experiência histórica.
De outro lado, esses conhecimentos, elaborados por eles ao longo de sua história, são
guardados com zelo por seus intelectuais (homens e mulheres com saberes, sábios e
pensadores, mensageiros e personalidades religiosas). Os intelectuais, contudo, afirmam que
nem todos os conhecimentos podem ser dados indiscriminadamente para os mapuches. Há
tipos de saberes que são reservados para os iniciados dos mistérios.
A visão mapuche do mundo da vida foi desconhecida durante séculos pelos pesquisadores
estrangeiros, pois utilizavam métodos das ciências ocidentais e positivistas que tornavam
impossível captar o que era próprio desse pensamento. Só é possível ter acesso a sua visão de
mundo se a pesquisa for realizada a partir de suas práticas, formas cognitivas e suas
constantes ressignificações históricas. É imprescindível escutar com atenção e respeito os
próprios mapuches narrando suas experiências, interpretações e análises deles próprios. Há
uma nova geração de pensadores desse povo que estão organizados para recuperarem e
guardarem o pensamento e as práticas de sua milenar cultura. Só assim se pode compreender
e conhecer as formas de saber e convivência da cultura desse povo inserido nas sociedades
chilenas e argentina. Passemos a ver algumas noções básicas do pensamento desse povo
originário, como Astraín propõe.
... com a ideia de ser humano, tendo como eixo principal o termo mapu, que significa a terra
habitada pelos che. Como o diz Curivil: "Ser mapuche é ser do mapu, da terra e desta terra. É
mais que ser originário do lugar, é ter nascido do mapu, e ser, ao mesmo tempo, parte do
Mapu". Não cabe neste contexto separar o lugar físico do conceito mais amplo dos vínculos
das famílias (lof) e de sua inscrição territorial; trata-se decisivamente de uma noção
polissêmica na qual mapu se refere não só aos quatro pontos cardeais, mas também aos níveis
ontológicos superpostos.
Cada um desses níveis se refere a modos de vida de seres e formas religiosas relacionadas com
formas de sabedoria dos ancestrais, que fundam os laços religiosos. Vemos que o cosmos não
é compreendido enquanto é natureza, como fazem a ciência e a filosofia no Ocidente; ao
contrário é um conceito aberto, relacionado não só com seu habitante homem, mas com todos
os entes míticos e religiosos do mundo além-natural.
Depois da anexação dos territórios pelos governos argentino e chileno, se tornou difícil para
eles a coordenação política da comunidade, pois os organismos desses países tornaram
impossível a autoridade comunitária tradicional. Mas, apesar disso, os mapuches continuam
afirmando sua identidade cultural e reclamando permanentemente suas terras anexadas,
havendo permanentes mobilizações por parte deles nas últimas décadas.
Os princípios da moralidade mapuche estão ligados ao modo de como chegar a ser che
(pessoa) que está enraizada na terra. Esse povo exalta - de modo relevante - a dignidade
humana. Dos ancestrais vem um dito que revela isso: "eu também sou gente!". O ideal do
homem bom valoriza o saber, a força e a retidão e acentua a importância da vida comunitária
tendo um respeito profundo aos outros e à terra. Existem os conselhos morais para valorização
dos outros. Seus princípios ético-políticos pressupõem a igualdade, a reciprocidade, a
redistribuição e a horizontalidade, o que impedia uma verticalidade hierárquica no campo
político. Isso nunca foi entendido nem pelos investigadores positivistas nem pelos povos
brancos dominadores da Argentina e Chile.
Esse pensamento é muito diferente do modo de pensar e ver da cultura e filosofia ocidentais
eurocêntricas. Trata-se de um modo de conceber a vida individual, social e política de maneira
muito dinâmica e valorada. No que concerne especificamente ao conhecimento filosófico, toda
verdade é estabelecida em debate não só entre eles, mas também em diálogo com outras
culturas. Nesse particular, antecipam a filosofia intercultural de Fornet-Betancourt. Isso tudo
interpela e questiona, com veemência, a filosofia monológica, que se fecha dentro de seus
parâmetros. Além de tudo, é uma filosofia em que tanto o indivíduo quanto a comunidade
está sempre se fazendo; está sempre em devir.
A Filosofia Guarani
Assim, os guaranis são considerados povos que ainda não acederam e nem tem capacidade de
aceder à plenitude da ciência e civilização; por isso são inferiores aos brancos ocidentais
europeus. Seu pensamento e práticas são importantes apenas por serem folclóricas, curiosas e
exóticas. Assim, podemos dizer como Melià (DUSSEL; MENDIETA; BOHÓRQUEZ, 2009, p. 47-48)
que o eventual pensamento guarani foi buscado por historiadores e literatos, que não
conseguiram ver a riqueza específica do pensamento indígena, porque esse estudo foi
realizado com métodos estranhos e inadequados a essa cultura.
Percebeu-se então que - a história dos guaranis, a fim de ser significativa e dar conta do
específico de sua cultura - devia ser contada por eles mesmos.
A partir dessas questões, tentemos, seguindo o roteiro de Melià, rascunhar uma filosofia moral
dos comportamentos, atitudes e princípios de ação dos guaranis, analisando estas noções que
seguem: teko (modo de ser ou cultura), ñe'ê (palavra), Tupã (Deus), jopói (dádiva recíproca),
tepy (vingança e preço das coisas). Esses termos sugerem, ademais, conceitos e formas de
filosofia da comunicação, da participação, de exercício de linguagem.
Podemos dizer que houve uma revolução sem precedentes, em relação ao conhecimento e
cultura guaranis quando, Curt Unkel Nimuendajú (1883-1945) em sua obra que narra sua
experiência de convivência com os guaranis do Brasil. Os mitos da criação e destruição do
mundo como fundamentos da religião dos Apapokúva-Guaraní, publicada em alemão, não
fala dele, mas deixa os próprios guaranis falarem. Foi uma obra pioneira, pois não estuda a
cultura guarani de um ponto de vista europeu, mas a partir da perspectiva do próprio nativo
ameríndio.
Das experiências e dos comentários do autor do livro, destacam-se três temas, segundo Melià:
Para os guaranis a palavra é tudo. Assim, "fazer florescer em si a palavra" significa fazer com
que algo se faça. Ñamandú reflete para saber com quem ele vai repartir a palavra e o canto:
Para eles a palavra é fundamental, é o que há de mais precioso para o homem. E o ser humano
participa da palavra criadora por dom do pai divino. Esse modo de conceber a palavra nos faz
lembrar o Logos grego e o Verbum cristão que também muito valorizam a palavra. Melià
apresenta esta ideia de um modo criativo quando diz:
O homem, ao nascer, será uma palavra que se põe de pé e se ergue até sua estatura
plenamente humana. A educação consiste em desenvolver a palavra na história, enquanto
escutada e proferida.
Na cultura guarani a palavra proferida é tudo; os guaranis são discípulos da palavra viva,
escutam a palavra do outro, escutam o outro que profere a palavra. Ainda se pode encontrar
cantos e expressões similares às que vimos acima, nas diversas etnias guaranis no ritmo das
quais cantam e dançam.
Há também os poetas, profetas e sábios da selva que trazem gratuitamente o dom das
palavras profundas e coerentes que questionam a realidade e buscam a sabedoria.
Outros temas filosóficos se articulam com a filosofia da palavra. Clastres (1974) desenvolveu
um discurso de filosofia política que se constitui na teoria de "uma sociedade contra o Estado".
A metafísica tupi-guarani segundo Viveiros de Castro (1987, p. xxxiii), ensina que "é possível
superar a condição humana de modo radical, pois a distância entre os deuses e os homens é,
ao mesmo tempo, infinita e nula". As palavras não podem morrer, pois o divino está imanente
ao homem.
As diversas etnias guaranis vivem sem Estado. Isso não significa que são um povo anárquico ou
que lutam contra o Estado, como alguns pesquisadores interpretaram. Eles possuem sua
maneira própria de gerir suas comunidades. A verdade é que os países em que eles vivem,
desde a conquista europeia, impuseram para os indígenas a dominação do Estado. Isso fez e
continua fazendo a desestruturação de todas as suas comunidades. E assim, eles se sentem no
dever e possuem todo o direito de reclamar contra as interferências indevidas que destroem
elementos poder milenares de sua cultura. Importante também é sua economia de
reciprocidade que é uma economia de intercâmbio, fundada não na busca de interesses para
si, mas para os outros; está fundada no dom gratuito que a economia do Ocidente não
conhece e exorciza.
Vimos que há vários pensadores debruçados sobre a cultura e pensamento guarani. Mas esses
estudos estão ainda no começo. Penso que é necessário, antes de tudo, escutar mais os
próprios indígenas que falam sobre sua cultura, seus valores e seu pensamento, a fim de que
eles mesmos elaborem sua ética, estética, política e outros elementos filosóficos; no mínimo,
que deem todos os elementos para a elaboração de uma filosofia a partir dos pontos chaves
de sua cultura.
Finalizando...
Vimos que os Guaranis se destacam, sobretudo, por dois temas diferentes de nossa cultura, a
saber, gerenciamento comunitário de seu povo sem haver Estado e a economia baseada não
no lucro, mas no dom gratuito, manifestando, assim, um respeito impar pelo outro.
Igualmente os Mapuches apontam para dois elementos notáveis, a saber, o grande dinamismo
da vida individual, social e política: tudo é constante devir; e, do ponto de vista filosófico, eles
concebem, desde os primórdios de sua cultura, a construção da verdade como confronto e
diálogo com outras culturas. Os quíchuas, por fim, se destacam pela ideia central de seu
pensamento ao afirmar que - ao contrário do pensamento ocidental que diz que todas as
coisas são substâncias separadas – todos os entes são apenas relações, explicadas pelos
princípios de relacionalidade, correspondência. Complementaridade, reciprocidade e
ciclicocidade.
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Saiba Mais
Para ampliar seu conhecimento a respeito dos temas tratados nesta aula, veja abaixo a(s)
sugestão(ões) do professor:
Os povos indígenas têm cada vez menos terras e florestas para poder sobreviver
tranquilamente e menor espaço cultural para preservar suas culturas. Sua sobrevivência e sua
cultura estão em perigo. Leia o texto Povos indígenas da floresta.
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Referências
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