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NOVAES, A. L. et al.

Turismo e pandemia de Covid-19 no Mato Grosso do Sul

Sabrina Sales Araújo

Esse ensaio crítico faz uma caracterização inicial do impacto da pandemia de


Covid-19 em Mato Grosso do Sul, através do acesso a diversas bases de dados públicos
e alguns contatos com agentes de turismo da região. A pesquisa faz parte de um projeto
de pesquisa mais amplo denominado “Turismo em tempos de pandemia: uma análise
multi e trans-escalar” que conta com pesquisadores representantes de vários estados
brasileiros além de pesquisadores de outros países.
Os autores apresentam o Estado de Mato Grosso do Sul e as suas nove regiões
turísticas, recortando como locus da pesquisa os dois polos principais: Pantanal e
Bonito/Serra da Bodoquena, que compreendem respectivamente os municípios de
Corumbá, Aquidauana e Miranda; e Bonito, Jardim e Bodoquena que abarcam o Parque
Nacional da Serra da Bodoquena. Os critérios para esse recorte espacial foram definidos
com base no maior número de turistas que recebe e que o caracteriza como mais
dependente economicamente do turismo, consequentemente com mais
estabelecimentos, empregos e trabalhadores a ele vinculados.
O texto é desenvolvido com base em eixos temáticos: evolução do vírus no
Estado, as finanças dos municípios, atividades turísticas e setor privado, empregos e
benefícios ao setor turístico e, por fim, o fluxo de turistas.
No Estado de Mato Grosso do Sul os primeiros casos de morte causada por
Covid -19 confirmados, ocorreram em 14 de março de 2020, ambos na capital, Campo
Grande, apenas dois dias após a primeira morte registrada no Brasil. Na semana
seguinte, foi decretado estado de calamidade pela Assembleia Legislativa e entrou em
vigor medidas restritivas relacionadas ao setor turístico, como o controle sanitário no
Aeroporto de Campo Grande. Em Corumbá e Miranda, os primeiros casos confirmados
ocorreram em Abril, enquanto Bonito, Jardim e Bodoquena confirmaram casos a partir
do mês de Maio, quando já era possível identificar a interiorização e crescimento de
contágio pelo vírus no Estado, culminando em um surto no município de Guia Lopes da
Laguna. Até o mês de Julho, Mato Grosso do Sul tinha um número de óbitos pequeno e,
dentro do recorte desse estudo somente Corumbá registrava duas mortes. Em Bonito,
desde março as atividades turísticas já haviam sido interrompidas, com prazo de cerca
de noventa dias com retorno facultativo a partir do mês de junho.
Os autores tiveram dificuldade de encontrar dados a respeito das despesas e
finanças relacionadas a atividade turista, sobretudo, nos municípios menores. Em todo o
Estado, 289 empresas do setor turístico encerraram as suas atividades, principalmente
àquelas vinculadas à alimentação e hospedagem. Trata-se de mais de 50% em relação ao
ano de 2019. As razões para isso são, principalmente o fato de que nessa região, há
principalmente pequenas e médias empresas que não possuem reservas para manter os
negócios de portas fechadas e com as atividades suspensas. No Pantanal, as cidades de
Corumbá e Aquidauana registraram aumento de despesas e em bonito, houve redução
das despesas do setor.
Em trabalho de campo na região pesquisada os pesquisadores identificaram que
muitos empreendimentos hoteleiros estavam funcionando e recebendo turistas, embora
de forma reduzida, o que contrastava com os dados municipais que apontavam que, em
relação ao ano anterior a taxa de ocupação dos hotéis na mesma época teve queda de
50%. De toda maneira, houve redução no número de turistas e no atendimento que
resultou na diminuição dos postos de serviço e, consequentemente, em desemprego.
Numa análise comparativa (2019-2020) do número de empregos, admissões e
demissões no Estado, os autores identificaram que, nos menores municípios do recorte
do estudo, o impacto no número de admissões e demissões não foi significativo,
inclusive em Mirada, houve aumento de contratações no setor em 2020. Em Corumbá e
Bonito, cidades que concentram mais ofertas e estabelecimentos turísticos, o número de
demissões foi mais significativo. De modo geral, a pandemia intensificou o número de
desligamentos e reduziu o de admissões.
Em Bonito, de acordo com falas de agentes de turismo, 46 empresas
conseguiram o benefício do programa de auxílio emergencial do governo federal até
junho de 2020. Esse dado não consta, no entanto, nas bases de dados oficiais. Com
relação aos trabalhadores, o auxílio emergencial para trabalhadores informais e de baixa
renda contribuintes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), estabelecido pela
Lei n. 13,982/2020, contribuiu para reduzir o impacto negativo da pandemia na
economia.
Por fim, os autores se depararam novamente com a ausência de registros
relacionado agora ao controle de fluxo terrestre nas rodovias do Estado. Com dados
disponíveis apenas do fluxo aérea dos aeroportos de Corumbá e Bonito (os únicos no
recorte da pesquisa), resolveram incorporar os dados do aeroporto de Campo Grande,
visto que é comum e mais barato o acesso aos polos turísticos do Estado ocorrerem por
meio dele, acrescidos de um percurso terrestre via ônibus ou vans. Nos três aeroportos o
fluxo apresentou redução de 3,9% e o de Corumbá teve queda acentuada com mais de
65%. O aeroporto da capital apresentou queda de 3,8%. Nesse período eventos
importantes do calendário turístico do Estado foram cancelados como o Festival de
Inverno de Bonito e a festa de São João de Corumbá. No primeiro semestre de 2020,
somente o carnaval foi mantido e que em Corumbá por ser tradicional movimento um
contingente de turistas bastante relevante. Em ambos os municípios de extrema
relevância para o turismo na região, o turismo foi mantido durante o primeiro semestre
de 2021 em decorrência do fluxo interno, sobretudo das cidades de Campo Grande e
Dourados, o que permitiu a sobrevivência de alguns empreendimentos turísticos e o
vínculo empregatícios de seus trabalhadores, mas cujo custo social pode ser intangível,
haja vista que não é possível mensurar o impacto desse fluxo no número de casos e
mortes.
Essa caracterização sobre a situação e o impacto da pandemia não deixa dúvidas
quanto as dificuldades que os pesquisadores encontram quando buscam informações a
partir das bases de dados governamentais que, frequentemente encontram-se defasadas.
É urgente, sobretudo em situações de calamidade como essa que as informações estejam
disponíveis para serem utilizadas para acompanhamento da situação e para propor
medidas e políticas públicas eficientes. A conclusão que pode ser tirada dos dados
apresentados, ao menos por hora, é que na região estudada, sobretudo nos municípios de
Corumbá e Bonito que concentram grande número de estabelecimentos turísticos e alta
dependência deste setor em sua economia, a pandemia acarretou em grandes
dificuldades seja para os empreendimentos, seja para os trabalhadores, o que só foi
amenizado pelos programas de auxílio emergencial do governo federal. Mesmo assim,
faltou por parte da gestão pública programas que garantissem estabelecimentos e
funcionários seguros, isto é, que possibilitassem a real suspensão das atividades
turísticas, visando e privilegiando a saúde da população.

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