Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A autora usa Norbert Elias e O processo civilizador para falar sobre a cultura de
corte e o nascimento da burguesia que advém vitoriosa da dupla revolução.
[...] E a burguesia, que emergiu como classe vitoriosa naquele momento histórico da dupla
revolução, ainda estava profundamente atrelada aos modos e costumes da sociedade de
corto – o modelo hegemônico. Ser um nobre ainda era o que instigava a fantasia burguesa.
[...] ao ascender como nova classe social, a burguesia tomou como modelo de conduta a
classe que superou, ao mesmo tempo que buscou criar seu estilo próprio de modo que
também se distanciasse dos que estavam abaixo na escala social que, por sua vez, buscavam
se nivelar pelo modo de ser burguês [...] resta considerar que foram as duas capitais –
Londres e Paris – as irradiadoras de um modo de vida ocidental que passou a ser
denominado “civilizado” e que encontraria, no desenvolvimento material obtido pela
revolução industrial, um modo próprio de se expressar que tinha no controle das emoções
seu epicentro
Esse controle está vinculado ao espírito do K do qual falou Weber, mas também ao
controle dos comportamentos próprios da corte. Na nota de rodapé 11, a autora traz
Norbert Elias para falar que os EUA absorveram o código moral inglês, mais
vinculado à classe média ao invés do código da corte francesa – o que os tornou
dispostos à expansão da cultura do consumo .
Mas criar seu próprio código de conduta é fundamental na formação identitária de uma
classe. Embora o controle das emoções – apreendido da vida da corte – continuasse sendo o
que distinguia a burguesia como classe superior, ele se misturou à criação de um mundo
privado na instituição da família burguesa, que passou a definir o modo de ser burguês.
O lar burguês, o domínio privado, tornou-se o espaço no qual se poderia vivenciar aquilo
que era considerado o “verdadeiro eu”. Nesse momento, os objetos produzidos para
consumo já sob a forma-mercadoria, começavam a ganhar centralidade, pois se viram à
nascente burguesia como marcação para um novo tipo de vida e para dar conformação a
afetos relacionados a uma forma de localização nesse novo mundo, através de maneiras
diferenciadas de se vestir, se divertir, se educar, morar. A necessidade de escoamento das
mercadorias encontrava, assim, ressonância em um momento histórico no qual o consumo
dos objetos favorecia a definição de outro modo de vida. Mas esse ainda era um mundo no
qual as mercadorias eram compradas para serem preservadas – os objetos materiais eram
adquiridos para durar e duravam.
Trabalhar por exemplo, era algo constitutivo dessa nova classe, a burguesia. E foi na esfera
do trabalho que o desafio da autodisciplina, da racionalização, do controle das emoções, do
espírito de previsão tornou-se central. Nessa esfera, o autocontrole se impõe como mais
rígido e necessariamente regular, não apenas por conta da posição central de funções que os
membros desses setores passam a assumir, como também porque isso se torna uma forma
de diferenciação social. [o uso da ideia de controle para a corte e de autocontrole para a
burguesia causam confusão. A corte controla seu comportamento e o consumo no sentido de
controlar os significados, mas não tinha indisposição em consumir, no caso da burguesia,
para se diferenciar da corte houve a indisposição ao consumo visto como exacerbado e era
conservada a ideia de vida frugal]
Embora essas duas classes [burgueses e trabalhadores], internamente, tenham se
caracterizado por uma situação de interdependência e conflito, do ponto de vista da lógica
do trabalho e de sua divisão elas começaram a se guiar por um mesmo código moral e de
conduta, diferenciando-se de estratos urbanos inferiores ou agrário [...] mesmo com nuances
específicas de classe, o modo de organização do trabalho passou a requerer, de ambas, um
mesmo controle das paixões e ações e uma mesma forma de racionalização da vida.
É em oposição a esse modelo árido, e muitas vezes sofrido, da necessária racionalização das
paixões e do controle emocional pela via do trabalho, que a cultura do consumo emergente
começou a se apresentar não apenas como a resposta necessária ao escoamento de
mercadorias da revolução industrial, mas, igualmente, como a oportunidade de escape, fosse
pelos próprios objetos disponibilizados, fosse pelo espaço encantado dos lugares para
consumo.
Na luta pela diferenciação social e em busca do afrouxamento dos controles para o qual o
mundo do consumo convidava, burgueses e trabalhadores – o indivíduo moderno-
começavam, de fato, a ganhar a nova forma identitária do consumidor em fins do século
XIX. Embora ainda não estivesse claro, esse indivíduo moderno começava a ser moldado
no contexto de um mundo que também já se configurava segundo a lógica da mercadoria,
em que as relações sociais e os elementos culturais passaram a ser continuamente
ressignificados a partir da necessidade da realização do valor, via consumo.
Essas práticas, que já vinham sendo adotadas de forma intuitiva por aqueles que poderiam
ser considerados seus pioneiros, tornaram-se objeto de novas disciplinas, ou seja, tornaram-
se objeto de um “saber”. Entre essas novas disciplinas que se tornaram centrais para a
constituição da cultura do consumo, encontram—se as relações públicas e o marketing. Para
a constituição de ambas, outros saberes contribuíram, entre eles, em especial, a psicanálise e
a psicologia que, ganharam uma feição e uma função próprias naquela que moldaria o que o
mundo passou a entender como cultura do consumo: a sociedade norte-americana.