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Farmacologia colinérgica – Aula 5

1. FISIOLOGIA DA NEUROTRANSMISSÃO COLINÉRGICA


A farmacologia colinérgica trata das propriedades do neurotransmissor acetilcolina
(ACh). As funções das vias colinérgicas são complexas, porém envolvem geralmente a junção
neuromuscular (JNM), o sistema nervoso autônomo e o sistema nervoso central.
A síntese, o armazenamento e a liberação da acetilcolina obedecem a uma sequência
semelhante de etapas em todos os neurônios colinérgicos. Os efeitos específicos da ACh em
determinada sinapse colinérgica são determinados, em grande parte, pelo tipo de receptor de
ACh presente nessa sinapse.
Síntese de ACh
A acetil-CoA utilizada na reação de síntese provém principalmente da glicólise e é
produzida, em última análise, pela enzima piruvato desidrogenase.
No SNC, a colina utilizada na síntese de acetilcolina origina-se de uma de três fontes.
Cerca de 35 a 50% da colina produzida pela acetilcolinesterase na fenda sináptica são
transportados de volta à terminação axônica, onde constituem aproximadamente metade da
colina usada na síntese de ACh. As reservas plasmáticas de colina também podem ser
transportadas até o cérebro, como parte da fosfatidilcolina lipídica, então metabolizada a
colina livre. A colina também é armazenada em fosfolipídios, na forma de fosforilcolina, a
partir da qual pode ser utilizada, quando necessário.

Armazenamento e liberação de ACh


Uma vez sintetizada no citoplasma, a ACh é transportada até o interior de vesículas
sinápticas para armazenamento. A energia necessária para esse processo é fornecida por uma
ATPase que bombeia prótons para dentro da vesícula (canal antiportador de ACh-H+).
A liberação de ACh na fenda sináptica ocorre por meio da fusão da vesícula sináptica
com a membrana plasmática. O processo depende da despolarização da terminação axônica e
da abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem.
O aumento na concentração intracelular de Ca 2+ facilita a ligação da sinaptotagmina
às proteínas do complexo SNARE, que, em seu conjunto, medeiam a fixação e a fusão da
vesícula à membrana. Como resultado, o conteúdo da vesícula é liberado na forma de
separados “quanta” na fenda sináptica.
Receptores colinérgicos
Os receptores colinérgicos são divididos em duas classes principais:
Os receptores muscarínicos (mAChR), são receptores metabotrópicos ligados à
proteína G e expressos nas sinapses terminais de todas as fibras pós-ganglionares
parassimpáticas e de algumas fibras pós-ganglionares simpáticas, nos gânglios autônomos e
no SNC;
Nas células, foram detectados e isolados cinco cDNA distintos para os receptores
muscarínicos humanos, denominados M1-M5. Esses tipos de receptores formam dois grupos
funcionalmente distintos.
Os receptores M1, M3 e M5 estão acoplados a proteínas G responsáveis pela
estimulação da fosfolipase C (efeito excitatório).
Por outro lado, os receptores M2 e M4 estão acoplados a proteínas G responsáveis
pela inibição da adenilciclase e pela ativação dos canais de K+ (efeito inibitório).
Os receptores nicotínicos (nAChR), canais iônicos regulados por ligantes e
concentrados pós-sinapticamente em numerosas sinapses autônomas excitatórias e pré-
sinapticamente no SNC.
A ligação de duas moléculas de ACh a um nAChR desencadeia mudança na
conformação do receptor, criando um poro seletivo para cátions monovalentes através da
membrana celular. Os canais abertos do nAChR ativado são igualmente permeáveis aos íons
K+ e Na+.
Por conseguinte, quando abertos, esses canais produzem uma corrente efetiva de
entrada de Na + que despolariza a célula. A estimulação de múltiplos nAChR pode
despolarizar a célula o suficiente para produzir potenciais de ação e abrir os canais de cálcio
dependentes de voltagem. Esta última ação e a entrada direta de Ca 2 + através do poro do
nAChR podem acarretar a ativação de diversas vias de sinalização intracelulares.
Os receptores colinérgicos nicotínicos presentes nos gânglios autônomos e no sistema
nervoso central (denominados N2 ou Nn) assemelham-se aos receptores na JNM (N1 ou Nm).
Degradação de ACh
A acetilcolinesterase (AChE), enzima responsável pela degradação da acetilcolina, é
um importante alvo farmacológico.
A degradação da ACh é essencial não apenas para impedir a ativação indesejável dos
neurônios ou das células musculares adjacentes, mas também para assegurar o momento
apropriado de sinalização nas células pós-sinápticas. Em geral, uma única molécula do
receptor é capaz de distinguir entre dois eventos sequenciais de liberação pré-sinápticos, visto
que a degradação da ACh na fenda sináptica ocorre mais rapidamente do que a ativação do
nAChR.
Como a ACh dissocia-se rapidamente das moléculas receptoras no estado ativo, e a
acetilcolinesterase degrada rapidamente a ACh livre (não ligada) na fenda sináptica, a
despolarização mediada pelos nAChR é breve (< 10 ms).

2. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS


Inibidores da síntese, do armazenamento e da liberação de acetilcolina
O hemicolínio-3 bloqueia o transportador de alta afinidade da colina, por isso impede
a captação da colina necessária para a síntese de ACh (em pesquisas).
O vesamicol bloqueia o antiportador de ACh-H+ utilizado para transportar a ACh nas
vesículas, impedindo, assim, o armazenamento de acetilcolina (em pesquisas).
A toxina botulínica A, produzida por Clostridium botulinum, degrada a SNAP-25,
portanto impede a fusão da vesícula sináptica com a membrana da terminação axônica (pré-
sináptica). Hoje em dia, essa propriedade indutora de paralisia é empregada no tratamento de
várias doenças associadas a aumento do tônus muscular, como torcicolo, acalasia, estrabismo,
blefarospasmo e outras distonias focais. A toxina botulínica também foi aprovada para o
tratamento estético de linhas faciais ou rugas e é usada no tratamento de várias cefaleias e
síndromes dolorosas.
Inibidores da acetilcolinesterase
Os agentes pertencentes a essa classe ligam-se à AChE e inibem-na, elevando, assim, a
concentração de ACh endógena liberada na fenda sináptica. A ACh acumulada ativa,
subsequentemente, receptores colinérgicos adjacentes. Os fármacos incluídos nessa classe são
também designados como agonistas dos receptores de ACh de ação indireta, visto que
geralmente não os ativam de modo direto.
Classes estruturais:
Álcool simples  o edrofônio inibe a AChE por meio de sua associação reversível
com o sítio ativo da enzima. Devido à natureza não covalente da interação entre o álcool e a
AChE, o complexo enzima-inibidor persiste por apenas 2 a 10 min, ocasionando bloqueio
relativamente rápido, porém totalmente reversível (usado para métodos diagnósticos).
Ésteres do ácido carbâmico  a neostigmina e a fisostigmina são hidrolisadas pela
AChE, com consequente formação de ligação covalente lábil entre o fármaco e a enzima.
Todavia, a velocidade com que essa reação ocorre é muitas ordens de magnitude mais lenta
que a da ACh. O complexo enzima-inibidor resultante apresenta meia-vida de
aproximadamente 15 a 30 min, o que corresponde a uma inibição efetiva de 3 a 8 h de
duração.
Organofosforados  o di-isopropil fluorofosfato, é hidrolisado pela AChE, porém o
complexo enzimático fosforilado resultante é extremamente estável e dissocia-se com meia-
vida de centenas de horas.
Agonistas dos receptores
Todos os agonistas dos receptores colinérgicos ligam-se ao sítio de ligação da ACh
desses receptores. Podem ser divididos em agentes seletivos para receptores muscarínicos e
receptores nicotínicos, embora seja observada alguma reatividade cruzada com praticamente
todos esses agentes.
Agonistas dos receptores muscarínicos:
Os agentes dessa classe são divididos estruturalmente em ésteres de colina e
alcaloides.
Ésteres de colina  são moléculas de carga elétrica e altamente hidrofílicas, pouco
absorvidas por via oral e não distribuídas de modo eficiente no SNC. Eles incluem
acetilcolina, metacolina, carbacol e betanecol.
Alcaloides  sua natureza anfipática possibilita sua absorção pela mucosa GI e sua
penetração no SNC. A muscarina é um exemplo de alcaloide amina quaternária que apresenta
baixa biodisponibilidade em virtude de sua natureza permanentemente carregada.
Agonistas dos receptores nicotínicos:
A succinilcolina é um éster de colina com alta afinidade com os receptores nicotínicos
e resistente à AChE. É utilizada para induzir paralisia durante a cirurgia por meio de bloqueio
despolarizante. Esse efeito pode ser produzido por qualquer agonista direto dos nAChR, visto
que tais fármacos ativam os canais colinérgicos e provocam despolarização da membrana
celular. Para ocasionar bloqueio despolarizante, o agente deve persistir na junção neuroefetora
e ativar continuamente os canais dos receptores nicotínicos.
Em primeiro lugar, os canais colinérgicos abertos mantêm a membrana celular em
condição despolarizada, produzindo inativação dos canais de sódio regulados por voltagem,
de modo que estes não podem abrir-se para sustentar potenciais de ação adicionais. Em
segundo lugar, os nAChR ligados a agonistas sofrem dessensibilização, impedindo sua
abertura e resposta a qualquer outro agonista adicional subsequentemente administrado. Por
causa desse mecanismo, qualquer agonista dos nAChR, incluindo a ACh, tem a capacidade de
produzir bloqueio despolarizante em concentrações suficientemente altas.
Em geral, o bloqueio despolarizante com succinilcolina é utilizado apenas para curtas
durações, uma vez que a despolarização prolongada pode acarretar desequilíbrio eletrolítico
potencialmente fatal.
Antagonistas dos receptores
Os antagonistas dos AChR atuam por sua ligação direta ao sítio agonista, bloqueando
competitivamente a estimulação do receptor pela ACh endógena ou pela administração
exógena de agonistas do receptor.
Antagonistas de receptores muscarínicos:
Os compostos anticolinérgicos que atuam sobre os receptores muscarínicos são
utilizados para produzir efeito parassimpaticolítico nos órgãos-alvo. Esses compostos, ao
bloquear o tônus colinérgico normal, possibilitam o predomínio das respostas simpáticas.
A atropina é usada clinicamente para induzir midríase (dilatação da pupila) nos
exames oftalmológicos, reverter a bradicardia sinusal sintomática, inibir o excesso de
salivação e de secreção de muco durante a cirurgia, impedir os reflexos vagais induzidos pelo
traumatismo cirúrgico dos órgãos viscerais e anular os efeitos do envenenamento muscarínico
de certos cogumelos.
Antagonistas de receptores nicotínicos:
Os antagonistas seletivos dos receptores nicotínicos são usados principalmente para
produzir bloqueio neuromuscular não despolarizante (competitivo) durante procedimentos
cirúrgicos. Os bloqueadores não despolarizantes da junção neuromuscular (JNM), como a
tubocurarina, atuam ao antagonizar diretamente os receptores nicotínicos de ACh, impedindo,
assim, a ligação da ACh endógena e a despolarização subsequente das células musculares.
Isso resulta em paralisia flácida, cuja apresentação assemelha-se à paralisia da miastenia
gravis.

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