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Das questões e dos processos incidentes

Trata das questões incidentais e dos processos que eventualmente aparecem como
necessários à solução do mérito no processo penal.

1. Introdução

O processo penal tem por finalidade resolver uma dupla questão fundamental: se o delito
realmente existiu (materialidade) e se o réu cometeu o crime (autoria). Se as duas questões
forem respondidas de modo afirmativo, o acusado será condenado e, caso contrário, será
absolvido.Porém, podem aparecer controvérsias que devem ser resolvidas antes da questão
principal. Tais controvérsias são chamadas de questões e processos incidentes, ou seja,
discussões que têm relação com o crime ou com o processo e devem, necessariamente, ser
resolvidas, antes da questão principal.

São espécies de questões e processos incidentes:

I) questões prejudiciais (arts. 92 a 94);

II) processos incidentes (arts. 95 a 154), que se dividem em: a) exceções (arts. 95 a 111); b)
incompatibilidade e impedimentos (art. 112); c) conflito de jurisdição (arts. 113 a 117); d)
restituição das coisas apreendidas (arts. 118 a 124); e) medidas assecuratórias (arts. 125 a
144); f) incidente de falsidade (arts. 145 a 148); g) incidente de insanidade mental do acusado
(arts. 149 a 154).

2. Questões prejudiciais (arts. 92 a 94)

São aquelas relativas à existência do crime e que condicionam a decisão da questão principal.
São espécies de questões prejudiciais:
I) questões prejudiciais homogêneas – devem ser decididas no próprio juízo penal (ex: exceção
de verdade no crime de calúnia – art. 138, § 3°);
II) questões prejudiciais heterogêneas – devem ser resolvias em outro ramo do direito (cível,
trabalhista, administrativo etc) e dividem-se em: a) obrigatórias – art. 92 – versa sobre estado
civil e torna imperativo a suspensão do processo (ex: ação de anulação de casamento e crime
de bigamia); b) facultativas – art. 93 – aborda outras questões, sendo permitido ao juiz
suspender ou não o processo (ex: controvérsia sobre a propriedade e crime de furto).

3. Processos incidentes (arts. 95 a 154)

São eventualidades que podem aparecer no decorrer do processo e devem ser resolvidas no
próprio juízo criminal.

3.1 Exceções

O acusado pode se defender de duas formas: a) diretamente, quando ataca a imputação que
lhe é feita pela acusação (negando a autoria, por exemplo); ou b) indiretamente, quando ataca
o próprio processo, com o objetivo de extingui-lo sem o julgamento do mérito ou de,
simplesmente, retardar o seu prosseguimento.Essa defesa indireta é denominada exceção e se
divide em: a) peremptória, que impede o processo e julgamento do fato (coisa julgada e
litispendência); b) dilatória, que prorroga a duração do processo, possibilitando, ainda, o
julgamento do fato (suspeição, incompetência e ilegitimidade de parte).

3.1.1 Exceções peremptórias


Uma pessoa não pode ser processada ou julgada mais de uma vez pelo mesmo fato (proibição
do bis in idem). Assim, se dois ou mais processos correrem simultaneamente dar-se-á a
litispendência e o que se iniciou por último deve ser extinto.Da mesma forma, se um processo
chegou ao fim, isto é, a sentença transitou em julgado, impedindo qualquer recurso, a pessoa
não pode mais ser julgada com relação àquele fato. Esse fenômeno é denominado coisa
julgada e também impede a instauração de novo processo sobre o crime já julgado.
3.1.2 Exceções dilatórias (arts. 95 a 111)

Podem ser de:

a) suspeição – os órgãos responsáveis pela condução do processo penal devem ser imparciais,
assim, se o juiz, o Ministério Público (MP) ou mesmo o perito incidirem tiverem relação com
alguma das partes (art. 254) devem ser afastados do processo e os atos praticados serão
considerados nulos (art. 564, I);

b) incompetência – todo juiz tem o poder de “dizer o direito”, isto é, aplicar o direito ao caso
concreto (jurisdição). Porém, esse poder não é absoluto, devendo ser observadas algumas
regras que o delimitam. Essa delimitação é denominada competência. A exceção é dirigida ao
próprio juiz, que pode aceitá-la, remetendo os autos ao juiz competente, ou recusá-la,
continuando no feito (art. 108). Da decisão que aceitar, cabe recurso em sentido estrito (art.
581, II) e da decisão que recusar a exceção, cabe habeas corpus;

c) ilegitimidade de parte – para atuar nos pólos passivo (réu) ou ativo (acusador) do processo
penal é preciso que sejam preenchidos determinados requisitos (ex: nas ações penais privadas,
apenas o ofendido ou o CADI podem figurar no pólo ativo). O fato pode voltar a ser julgado se
as partes legítimas estiverem em seus pólos.

3.2 Incompatibilidades e impedimentos (art. 112)

O impedimento, tal qual a suspeição, afeta a parcialidade dos órgãos responsáveis pela
condução do processo. Porém, é mais grave, pois o juiz não pode exercer jurisdição no
processo, por estar interessado em determinada solução da causa. As hipóteses de
impedimento estão previstas no art. 252 e 253 e tornam o ato inexistente. Já a
incompatibilidade cuida dos casos de parcialidade não previstos para a suspeição e
impedimento e geralmente são previstas nas leis de organização judiciária.

3.3 Conflito de jurisdição (arts. 113 a 117)

Como visto, a competência é a delimitação da jurisdição. Se o réu considerar que determinado


juiz é incompetente para o julgamento da causa, essa incompetência pode ser argüida por
meio de exceção. Porém, essa não é a única forma de resolver as controvérsias relativas à
competência, o que pode ser feito também por meio do chamado “conflito de jurisdição” (art.
113).O conflito de jurisdição pode ocorrer nos seguintes casos (art. 114): a) dois ou mais juizes
se consideram competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para julgar
a causa; b) quando aparecer controvérsia sobre junção ou separação de processos. Ao
contrário da exceção de suspeição, em que só o réu pode suscitar o incidente, no conflito de
jurisdição, podem fazê-lo (art. 115): a) qualquer das partes (autor e réu); b) o MP, mesmo
quando não for parte; c) qualquer dos juizes ou tribunais interessados na causa.

3.4 Restituição das coisas apreendidas (arts. 118 a 124)

Uma das primeiras atribuições da autoridade policial durante o inquérito é apreender os


objetos que tenham relação com o fato criminoso (art. 6°, II). Também existe durante o
processo a medida cautelar de busca e apreensão (art. 240). O objetivo desses procedimentos
é auxiliar na elucidação do crime.Desses objetos apreendidos, podem ser restituídas, antes de
transitar em julgado a sentença condenatória, aquelas peças que não interessarem a o
processo (art. 118). Nos outros casos, a restituição se dá com o trânsito em julgado da
sentença (art. 119), a não ser que se trate de (CP, art. 91, II): a) instrumentos do crime, cujo
uso, porte ou fabricação, seja considerado ilícito; b) produto do crime ou qualquer bem ou valor
que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do crime. Mesmo nesses casos, a
restituição pode ser feita se os objetos pertencerem ao lesado ou terceiro de boa-fé.
3.5 Medidas assecuratórias (arts. 125-144)

A finalidade principal do processo penal é descobrir a verdade dos fatos, condenando ou


absolvendo o réu. A sentença condenatória, além de aplicar ao réu uma pena, gera também as
seguintes conseqüências: impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa;
dá direito à vítima ao ressarcimento dos danos causados; e pode, eventualmente, obrigar o
condenado ao pagamento de uma pena pecuniária.Para que o processo tenha condições de
gerar essas conseqüências, o CPP previu as medidas assecuratórias: providências tomadas no
curso do processo que objetivam assegurar o direito à indenização da vítima do crime, o
pagamento de eventual pena pecuniária ou evitar que o acusado obtenha lucro com a
atividade criminosa.Nesse sentido, as medidas assecuratórias são as seguintes: a) seqüestro
(arts. 125-133) – medida assecuratória consistente em reter os bens móveis e imóveis do
acusado quando adquiridos com o proveito da infração penal; b) hipoteca legal (arts. 134-137)
- medida assecuratória que torna indisponíveis os bens imóveis do acusado adquiridos
legalmente; c) arresto (art. 137) - medida assecuratória que torna indisponíveis os bens móveis
do acusado adquiridos legalmente.

3.6 Incidente de falsidade (arts. 145-148)

Tendo o processo penal a função de buscar a verdade dos fatos, tal qual eles aconteceram, é
essencial que o juiz utilize provas verídicas, pois uma prova falsa pode levar a um erro
judiciário, condenando um inocente ou absolvendo um culpado. Uma das provas mais
importantes é o documento, que é qualquer objeto que expresse uma idéia a respeito de fato
relevante para o processo.Assim, se houver controvérsia sobre a autenticidade de um
documento, far-se-á um procedimento a parte que definirá a sua veracidade ou não. Esse
procedimento é denominado incidente de falsidade.

3.7 Insanidade mental do acusado (arts. 149-154)

Crime é fato típico e ilícito. A culpabilidade é pressuposto de aplicação da pena e se compõe de


imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial conhecimento da ilicitude. A
imputabilidade é a capacidade de ser responsabilizado por determinado crime. Para ser
imputável, alguém deve ser capaz de compreender o ilícito e de se comportar de acordo com
essa compreensão.A pessoa que não tem esse discernimento e/ou essa liberdade é
inimputável. A causa dessa inimputabilidade pode advir de doença mental, desenvolvimento
mental incompleto ou retardado (CP, art. 26) ou da menoridade (CP, art. 28). Esse último caso
não nos interessa, pois o menor de 18 anos e maior de 12 que cometa crime (chamado de ato
infracional) é julgado de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o menor
de 12 anos não é responsabilizado, podendo contar ainda com medidas protetivas.A pessoa
portadora de insanidade mental não pode ser punida, nem condenada, pois não tem
capacidade de se responsabilizar pelos próprios atos. Pode, porém, ser processada, e, caso o
juiz considere que o réu cometeu um fato típico e ilícito, lhe aplicará uma medida de
segurança, espécie de sanção voltada para a cura e tratamento.Pois bem. Se, durante o
processo ou inquérito, surge dúvida a respeito da sanidade mental do acusado, o juiz deve
instaurar uma perícia médico-legal para esclarecer a situação. A perícia pode mostrar uma das
seguintes possibilidades:

a) o acusado não é insano – o processo continua normalmente;


b) o acusado é insano – o juiz deve nomear um curador, que é um representante legal do réu.
Podem ocorrer as seguintes hipóteses:
I) o acusado se tornou insano após o cometimento do crime – o processo fica suspenso
até o seu restabelecimento, podendo ser internado em manicômio (CPP, art. 152);
II) o acusado já era insano ao tempo do crime. A insanidade pode ser verificada no
inquérito, durante o processo ou mesmo após a condenação. No último caso, a pena
será substituída por medida de segurança (LEP, 183).

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