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PATRIMÔNIO E HISTÓRIA
na Fazenda Buritizinho-Altos-PI
Ivan Francisco Viana de Lima1, Márcio Douglas de Carvalho e Silva2
Resumo
O presente artigo toma a casa de fazenda Buritizinho e seu acervo documental (ce-
râmica, vaso, cartas, mobília e a própria arquitetura da casa) para uma análise his-
tórica patrimonial. O que determinamos como patrimônio cultural em análise, tan-
to preserva a memória quanto constitui herança assegurada à sociedade atual. Uti-
lizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica e de campo. O estudo demons-
trou que a casa de fazenda preserva um significativo acervo de informações sobre a
sociedade que a construiu e/ou deu significado.
Palavras-chave: Memória; Patrimônio; Sociedade.
Abstract
This article takes Buritizinho farmhouse and its documentary collection (pottery,
vase, letters, furniture and the architecture of the house itself) for a historical patri-
monial analysis. What we determine as cultural heritage under analysis, both pre-
serves the memory and constitutes an inheritance assured to the current society. We
12 use as methodology the bibliographical and field research. The study showed that
the farmhouse preserves a significant body of information about the society that
built it and / or gave meaning.
Keywords: Memory; Patrimony; Society.
1
Licenciado em História, Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana - UESPI
2
Licenciado em História, Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – UESPI, Mestre
em Antropologia – UFPI.
ISSN 2447-7354
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano IV, n. 06. Janeiro-Julho de 2018. Parnaíba-PI
ISSN 2447-7354
Ivan Francisco Viana de Lima & Márcio Douglas de Carvalho e Silva
da sociedade piauiense, que nasceu jun- dura, simples ou luxuosa. Foram esses
to aos núcleos fazendários. Muitos dos personagens que construíram os pilares
nossos municípios tiveram suas origens que originou a sociedade piauiense.
em propriedades rurais como fazendas, A cidade de Altos- Piauí, município,
unidades onde se organizava a econo- onde se ergueu a Fazenda Buritizinho,
mia que girava em torno da pecuária, de início foi povoada por migrantes de
espaço que reunia na lida do dia-a-dia, outras regiões, fugindo da seca que cas-
vaqueiros, agregados, moradores, ren- tigava o Ceará “em 1800, com a chega-
deiros e trabalhadores escravizados. da do primeiro colonizador, João de
Foram essas pessoas que deram origem Paiva Oliveira, tem início a história do
à sociedade piauiense. Por isso, a im- nosso município.” (FERREIRA, 1995,
portância de reconhecer as casas de fa- p. 17).
zendas como parte da memória do pas- Nesse período, a posse da terra era
sado, como instrumento de análise de muito disputada, por sesmeiros e possei-
uma sociedade que tinha suas vivências ros, período em que no território pi-
dentro do contexto sertanejo de adapta- auiense a legalidade se dava através da
ção a realidade do espaço habitado. doação da carta de sesmaria, que “no
A fazenda Buritizinho fica situada a ano de 1816 fora concedida a Domingos
aproximadamente 3 Km do centro da de Paiva Dias, a sesmaria denominada
cidade de Altos-Piauí, as margens da Batalha, que está ligada aos primórdios
BR-343 que liga Altos a Teresina. A do nosso povoamento.” (FERREIRA,
fazenda é de propriedade de dona Lina, 1995, p. 17). Dessa forma, a base eco-
14 herança de seus pais. Fundada no ano
de 1848, em seus 176 anos de existência
nômica da região era agricultura, pecuá-
ria e extração vegetal. A criação de
sofre com a ação do tempo. Além da animais porcos, cabras e de aves, como
demolição de alguns cômodos, há inter- galinhas, serviam para o consumo pró-
venções na estrutura que conseguiu ser prio.
mantida. Apesar das modificações, a Os aspectos rurais são fatores ligados
fazenda conserva significativo acervo aos primeiros núcleos populacionais da
documental (cópia da lei que abolia a região, as fazendas. A cidade de Altos
escravidão no Brasil, emitida pelo impe- não fugiu à regra de formação das cida-
rador, inscrição em azulejo descrevendo des piauiense, pois, “aqui chegando,
ano de fundação e localização da fazen- João de Paiva Oliveira constituiu uma
da, além de móveis e da própria estrutu- fazenda, dando-lhe o nome de Fazenda
ra da fazenda que contém muitas infor- São José dos Altos” (DIAS, n/d). Hoje
mações da sociedade na qual a mesma o município de Altos, apesar de ter sua
se ergueu) que nos guia ao conhecimen- economia movida pelo comércio ainda
to de uma sociedade que se estruturou mantém forte ligação com os setores
nos espaços em que a pecuária era a rurais. Segundo Lima, (2012, p. 37),
maior fonte de renda. Os aspectos de ruralidade denotam a
Dessa forma, tanto a estrutura – ar- relação que o urbano tem com o campo.
quitetura e matéria prima utilizada – Parte significativa da população urbana
como móveis e documentos que com- ainda mantém vínculos muito fortes
põe o acervo da fazenda, evidenciam as com o campo. Dos quintais, retira-se
práticas adquiridas pela sociedade pecu- parte de sua subsistência: a laranja, a
arista. Quando falamos em sociedade manga, a mandioca ou criação de ani-
pecuarista nos referimos aos senhores, mais, como porcos e galinha, além de
escravos, agregados, vaqueiros; de vida cultivarem um canteiro com verduras.
ISSN 2447-7354
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano IV, n. 06. Janeiro-Julho de 2018. Parnaíba-PI
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Ivan Francisco Viana de Lima & Márcio Douglas de Carvalho e Silva
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também trabalho pesado, pouco gratifi- Fig. 02: Piso da casa de fazenda Buritizinho
cante para o homem livre. (BRAN-
DÃO, 1999, p. 28)
Mesmo nos locais mais distantes dos
grandes centros produtores da monocul-
tura, coexistiam, homens escravizados,
livres e libertos, os primeiros estavam
sempre buscando conseguir sua eman-
cipação do sistema que lhe mantinha
sobre o regime de servidão. A principal
forma de resistir à submissão do cativei-
ro era fugir e buscar locais distantes dos
olhos dos senhores e seus comandados,
geralmente os quilombos1 eram os des- Fonte: Acervo pessoal Carlos Dias
tinos de muitos cativos que conseguiam
escapar das propriedades que lhes man- Fig. 03: Estrutura do telhado da Buritizinho
tinham submisso.
O sistema escravista só teve fim na
segunda metade do século XIX, por
decreto expedido pela princesa Isabel,
que dava como extinta a escravidão no
Brasil. Uma cópia desse documento se
18 encontra na sede da fazenda Buritizinho
(figura 02) enviada pelo Império brasi-
leiro para as propriedades que dispu-
nham de trabalho escravo, e declara a
extinção do cativeiro no Brasil, a exis-
tência dessa carta na fazenda aponta Fonte: Acervo pessoal Carlos Dias
para utilização de mão–de–obra cativa
na propriedade. A estrutura física da casa de fazenda
tem muitas informações da sociedade
que lhe originou, assim como as inter-
venções que vem recebendo para se
adaptar ao tempo presente. Piso de la-
drilho, teto de carnaúba com adaptação
de ripa de madeira cerrada fios com
instalação de energia elétrica, preservam
alguns traços do passado, mas readapta
a construção aos arranjos e avanços téc-
nicos contemporâneos.
1
Locais em que se concentravam os escravos que
A casa e seus cômodos: estru-
fugiam das fazendas, minas e casas de família, tura que conta um pouco
onde eram explorados e sofriam maus tratos. Os de nossa história
escravos, para não serem encontrados, escondiam-
se nas matas, nos lugares mais inacessíveis, como Para o piauiense a casa é um lugar
o alto das montanhas. em que estão presentes, são respeitadas,
ensinadas e transmitidas às novas gera-
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cozinha havia o fogão feito de barro e mitiram seus hábitos, costumes e valo-
movido a lenha, para o preparo das re- res.
feições um forno também movido a le-
nha para os assados e bolos, mesa e ca- Referências
deiras que serviam para os empregados AFONSO, A. Arquitetura e cultura.
fazerem suas refeições. Era momento de s/d.(no prelo).
aprendizado, mas também de sociabili- BLOCH, Marc Leopold Benjamin.
dade, já que as mocinhas se faziam pre- Apologia da História ou oficio do his-
sente para ajudar a providenciar os ali-
toriador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
mentos e assim aprender as receitas das
2002.
“mais venhas” e os modos certos de
BRANDÃO, T. M. P. A elite colonial
prepará-las. Era dessa relação entre as
piauiense: Família e Poder. Teresina:
gerações que provem o que determina-
Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
mos como patrimônio imaterial, ou se-
1995.
ja, o conhecimento que passa de gera-
ção a geração. _________________. O escravo na
formação social do Piauí: perspectiva
histórica do século XVIII; Apresentação
Considerações Finais de Armando Souto Maior. Teresina:
Identidade, talvez seja o grande elo Editora da Universidade Federal do
que nos leva ao conhecimento da reali- Piauí, 1999.
dade presente. Mais o que existe de tão COSTA FILHO, A. Escola do sertão:
comum entre os hábitos sociais, que ensino e sociedade no Piauí, 1850-
20 determina nossos modos de ser e pen-
sar? No que uma sociedade que se cons-
1889. Teresina: Fundação Cultural
Monsenhor Chaves. 2006.
tituiu nos primórdios da colonização do DIAS, Carlos. Fazenda Buritizinho.
espaço sertanejo, que se adaptou ao Disponível em https://goo.gl/1bah81.
meio, vivendo de forma simples sobre Acesso 26 jan. 2011.
os limites que a região lhes proporcio-
FERREIRA, Francisco. Cotidiano e
nava influencia em outra que não se
memória. Altos: edição do autor, 1995.
limita aos espaços, pois, tem como ca-
Instituto do Patrimônio Histórico e Ar-
racterística o acesso rápido a uma con-
juntura social globalizada? tístico Nacional (IPHAN). O registro
A discussão que propomos neste do patrimônio imaterial: dossiê final
trabalho é justamente a ambientação do das atividades da Comissão e do Gru-
que determinamos como patrimônio po de Trabalho Patrimônio Imaterial;
cultural aos espaços do ontem e do hoje, organização, Márcia G. de Sant`Anna.
ou seja, do passado que os formou ao 5 ed. Brasília, DF: IPHAN, 2012.
presente que herdou hábitos e costumes LEMOS, C. A. C. O que é patrimônio
e a transmissão dos mesmos de uma histórico. São Paulo: Brasiliense, 2004.
geração a outra. LIMA, I. F. V de. Uma foto(grafia) da
Assim, Ao longo do tempo, em farinhada em Altos - Piauí. 2012. 96 f.
decorrência do espaço que ocupa e da Trabalho de Conclusão de Curso (Li-
sociedade que atua, o homem readapta cenciatura Plena em História) – Univer-
suas acomodações, o que de fato pode sidade Estadual do Piauí, Campo Mai-
destruir o patrimônio ou somente mu- or, 2012.
dar o cenário preservando a história e a LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. A
memória das sociedades que nos trans- Família Moura Fé no Piauí In: ARAÚ-
JO, Maria Mafalda Baldoino de, João
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Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano IV, n. 06. Janeiro-Julho de 2018. Parnaíba-PI
21
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