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ISSN: 1516-3865
rca.cse@contato.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil
EMPREENDEDORISMO FEMININO:
DIFICULDADES RELATADAS EM HISTÓRIAS DE VIDA
Resumo Abstract
O objetivo deste artigo é analisar os problemas The objective of this paper is to analyze the problems
encontrados ao longo do processo empreendedor, a detected along the entrepreneurial process, from the
partir das histórias de vida das participantes do Prêmio life stories of the SEBRAE Award Business woman
SEBRAE Mulher de Negócios em Santa Catarina. participants in Santa Catarina state. Therefore, were
Para tanto, analisou-se as histórias empreendedoras analyzed the stories of 86 entrepreneurs participating
das 86 participantes do Prêmio edição de 2010. Esses of Prize 2010 edition. These reports were analyzed
relatos foram analisados de forma interpretativa. by interpretation. How to difficulties encountered in
Destaca-se, como dificuldades encontradas no processo the entrepreneurial process are the perceived lack of
empreendedor, a percepção da falta de confiança nelas trust placed in them, as well as the personal, family
depositada e o conflito pessoal, familiar e empresarial, and business conflict, being the latters conflicting
sendo estas últimas dimensões conflitantes na vida dimensions in the lives of these women as competing
dessas mulheres, pois concorrem por sua atenção. for their attention. Are still pointed aspects of business
São apontados, ainda, aspectos relativos à gerência do management, and financial issues and market the most
negócio, sendo as questões financeiras e as de mercado serious.
as mais graves.
Keywords: Women. Entrepreneurship. Life History.
Palavras-chave: Mulher. Empreendedorismo. História Difficulties.
de Vida. Dificuldades.
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entraves que se colocam ao empreendedor. As mulhe- reação dos maridos e homens próximos, pelo ciúme,
res, por conta de sua construção histórica atrelada ao inveja e rivalidade.
gênero feminino, enfrentam ainda dificuldades extras Outro conflito vivido específico da mulher em-
quando empreendem. preendedora, conforme destacado por Mcgowan, Re-
Mcgowan, Redeker, Cooper e Greenan (2012) deker, Cooper e Greenan (2012), é de ordem pessoal.
constataram em sua pesquisa que, para muitas mu- O conflito trabalho-família envolve o embate entre as
lheres, o prazer experimentado no gerenciamento de atividades tradicionalmente exercidas pela mulher na
sua própria empresa resultante da maior liberdade e sociedade, tais como o trabalho doméstico e o cuidado
flexibilidade é temperado por descontentamento, em dos filhos, e o empreendimento. Sobre essa questão, o
função das demandas de tempo entre as necessidades estudo de Buttner e Moore (1997) destaca a influência
de equilibrar as exigências do negócio e os interesses da família na decisão de empreender como um dos
dos filhos e outros dependentes. Assim, a realidade fatores mais citados, sofrendo, muitas vezes, pressão
da experiência empreendedora feminina muitas vezes tanto do marido quanto dos filhos (STROBINO, 2009).
apresenta aspectos negativos e uma fonte de tensão Nesse sentido, Porto (2002) aborda a culpa sentida
real. As experiências negativas surgem a partir de ques- pelas mulheres empresárias, por deixarem os filhos
tões como os compromissos conflitantes, sentimentos aos cuidados de outros, na buscar pela realização
de culpa e as tensões decorrentes de seus pontos de profissional.
vista e dos outros sobre o papel tradicional das mulhe- A figura do marido também exerce um papel
res na sociedade, especialmente seu papel de mãe e crucial na vida das mulheres empreendedoras. Embora
cuidadora principal. Outros aspectos são decorrentes esse laço seja forte e a divergência de pensamento
de questões de saúde pessoal, bem-estar emocional, e opinião possa limitar essa relação, é uma fonte de
níveis de energia, sentimentos de isolamento e estresse apoio emocional de destaque no fortalecimento do
dentro das relações pessoais. Do ponto de vista profis- ato de empreender pela mulher (BRUCE, 1998).
sional, as mulheres também apresentam dificuldades A relação estabelecida entre a mulher empreendedora
decorrentes de sua falta de experiência como empre- e o marido tanto pode auxiliar no processo empreende-
endedoras, medo do risco financeiro e da dívida, falta dor, como pode se revelar um entrave. Muitas mulheres
de modelos e o baixo nível de assistência. recorrem ao marido como fonte de recursos, apoiando
É possível elencar as dificuldades listadas na e financiando suas ideias. A figura masculina também
literatura brasileira e estrangeira acerca do empre- é comumente citada como conselheira na tomada de
endedorismo feminino. Sem considerar a ordem de decisão.
importância dessas dificuldades, a primeira delas Os conflitos trabalho-família também foram in-
relaciona-se à inserção da mulher em alguns setores vestigados por Strobino (2009). O estudo baseou-se
de atuação tidos como carreiras masculinas. Um em três dimensões: tempo dispensado ao trabalho,
exemplo disso é o setor de tecnologia da informação muitas vezes maior do que o vivido quando atuavam
composto por maioria de homens, prevalecendo uma como funcionárias de empresas; tensão ocasionada
baixa representatividade de empresas constituídas por pelos problemas gerados pela dedicação ao negócio; e
mulheres nas incubadoras tecnológicas (BOTELHO comportamento, que é resultante da carga elevada de
et al., 2008). Nessa perspectiva, Noguera, Alvarez e trabalho e responsabilidades com a família. A autora
Urbano (2013) destacam o medo do fracasso e a per- aponta que o conflito é mais comumente encontrado
cepção de capacidades como os fatores socioculturais em proprietárias de pequenas empresas, cuja fronteira
que mais influenciam no empreendedorismo feminino. entre o trabalho, vida pessoal e a família não está bem
Porto (2002) também verificou resistência e discrimi- definida. Um fator de destaque que contribui para o
nação em alguns setores profissionais, como medicina, aumento das pressões sentidas pelas empreendedo-
farmácia e advocacia. Como resultado dessa atitude, ras é a ausência de colaboração por parte dos filhos
muitas mulheres acabam por tentar imitar os homens e do cônjuge. No intuito de alcançar um equilíbrio
na forma de se vestir ou agir. As empreendedoras es- entre o aspecto profissional e o pessoal, as mulheres
tudadas por Porto (2002) também sofreram o peso da empreendedoras buscam o controle das emoções na
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tentativa de evitar discussões, o equilíbrio de horários, de familiares e amigos. Penhor de joias e venda de
o compartilhamento com a família das atividades imóvel também foram fontes encontradas na pesquisa
domésticas, a busca do diálogo e o apoio na família das autoras. Já entre as empreendedoras francesas
(STROBINO, 2009). Apesar desse conflito, Powell e verificou-se maior proporção de captação de recursos
Eddleston (2013) constataram em estudo com 253 em- junto a bancos, do tipo hipoteca. Um agravante frente
preendedores de ambos os sexos que o apoio familiar aos entraves encontrados pelas mulheres em captar
para as mulheres está positivamente relacionado com recursos é o setor de atuação no qual empreendem
o sucesso empreendedor ao passo que o estudo não (JONATHAN, 2003), pois, nos setores que necessitam
ofereceu suporte para a noção de que empreendedo- de inovação intensiva, existe maior dificuldade de
res do sexo masculino se beneficiam destas ligações. recursos para financiar essas atividades.
Segundo os autores, as mulheres podem experimentar Porto (2002) destaca, ainda, a existência de uma
esses benefícios justamente em função de sua relativa forte pressão por parte dos maridos no que se refere
falta de acesso a outros recursos, como humano, social à provisão do lar, mostrando uma grande resistência
e capital financeiro e porque o papel do sexo feminino nas transformações quanto às tradicionais atribuições
encoraja-as a buscar a sinergia trabalho-família. femininas e masculinas. Em seu estudo, foi frequente
Outra dificuldade, apontada na literatura em o discurso das mulheres entrevistadas que fingiam ser
relação ao processo empreendedor feminino, diz res- o marido o principal provedor da família de forma a
peito à desvantagem sentida no tocante às fontes dos manter a crença de dependência a eles. Contudo, em-
recursos. Muitas empreendedoras, na falta de recursos bora a pesquisa de Porto (2002) evidencie o peso que
próprios para montar seu próprio negócio, se veem as mulheres dão ao trabalho, a família ainda aparece
dependentes do aporte de capital pelo marido, o que como valor de destaque.
pode vir acompanhado de cobranças ou do medo
do fracasso. Nesse sentido, a captação de recursos
no mercado é vista como um processo com diversas 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
barreiras: acesso a recursos financeiros, humanos e de
capital social. Lockyer e George (2012) destacam que Considerando as características do objeto de
em seu estudo sobre as barreiras ao empreendedorismo estudo, adotou-se nessa pesquisa uma abordagem
feminino na Inglaterra, o risco financeiro foi um dos qualitativa a partir das histórias de vida de mulheres
principais entraves. empreendedoras. Técnicas estatísticas simples também
De acordo com Filion, citado no relatório GEM foram utilizadas com o intuito de caracterizar o universo
(2010), 25% das mulheres acreditam que são tratadas pesquisado. A população abrange as empreendedoras
de forma diferente pelas instituições financeiras. Frente de Santa Catarina. O nível de análise da pesquisa é o
a isso, a busca de recursos para empreender, no caso individual e o foco restringiu-se às dificuldades encon-
das mulheres, ainda configura-se como um entrave tradas na experiência empreendedora de mulheres a
no processo. Uma barreira está atrelada às garantias partir do contexto social vivido.
exigidas pelas instituições financeiras, visto que, comu- A seleção da amostra foi intencional, ou seja,
mente as mulheres são dependentes de outros, como definida propositadamente, baseando-se na conve-
maridos ou outras figuras masculinas, carecendo do niência e acessibilidade do pesquisador aos dados
aval destes para viabilizar o financiamento. Tal posição (FLICK, 2009). A amostra compreende o grupo de
de subjugação confere à mulher uma postura mais mulheres participantes do Prêmio SEBRAE Mulher de
conservadora no que concerne ao risco, resultando Negócios de Santa Catarina no ano de 2010, a qual
na baixa proporção de recursos de terceiros na capi- contempla as participantes da modalidade proprietária
talização inicial da empresa. (BARBOSA et al., 2011) de micro e pequenas empresas e membros de grupos
Machado et al. (2003) verificou que a fonte de de produção formais (cooperativas e associações).
capital inicial das empresas criadas por mulheres no A amostra definida é composta por uma repetição do
Brasil, Canadá e França, são os recursos provenien- sujeito típico, o qual possui as características que o
tes de economias pessoais, assim como empréstimo fazem representativo da população, ou seja, todas as
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participantes do prêmio são mulheres, catarinenses e uma percepção geral e refletir sobre o significado das
empreendedoras. (RICHARDSON, 1999) histórias contadas. Nesta etapa muitas ideias foram
A escolha pela utilização das histórias do Prêmio sendo anotadas ao longo dos relatos.
SEBRAE Mulheres de Negócios se deu em virtude Após essa primeira fase, os documentos foram
do reconhecimento que a instituição possui e pela novamente lidos, dessa vez buscando os significados
tradição do prêmio que ocorre desde 2002, passan- a partir do objetivo proposto, ou seja, desvelar as
do por correções e reformulações. Acrescenta-se a dificuldades das mulheres em suas experiências em-
isso o trabalho de divulgação feito em todo o país preendedoras, já que este era um fator que chamou
que engrandece o projeto e atinge um alto índice de a atenção das pesquisadoras na etapa de pré-análise.
participação. Zahra e Wright (2011) sugerem que o As informações foram então tabuladas em pla-
contexto empreendedor deva ser tratado não como nilha Excel. Dessa forma, foi possível agrupar relatos
uma variável de controle, mas como parte da história. semelhantes segundo essa dimensão definida, propor-
O contexto, em empreendedorismo é, para os autores, cionando a correspondência das diferentes percepções
útil para descobrir problemas e questões para serem acerca do mesmo enfoque, trazendo evidências que
estudadas, ao invés de ser definido, a priori, ajudando corroborariam ou refutariam o quadro teórico no qual
a estabelecer sua relevância teórica e prática. Foi nes- a pesquisa se baseou e revelando outras.
se sentido que o objetivo aqui proposto foi descrito. O material foi organizado na sequência que se
A partir da análise das histórias foi possível perceber as adotou para a análise de modo a facilitar o processo.
dificuldades empreendedoras como fator de destaque Dos relatos foram somente retirados os conteúdos re-
no material analisado. levantes para o esclarecimento do objetivo do estudo.
Conforme destacado na introdução do trabalho, Releituras foram realizadas com vistas a não deixar que
o Estado de Santa Catarina foi escolhido em função nenhum dado importante se perdesse, prejudicando
de sua relevância em relação à taxa de sobrevivência assim o processo de análise.
das empresas empreendidas por mulheres (82%) Os dados que puderam ser quantificados so-
segundo dados do IBGE (2010), estando, portanto freram análises estatísticas simples, principalmente a
acima da média nacional (78,1%) e de estados como distribuição de frequência de respostas, gerando dados
São Paulo (78,7%), Minas Gerais (79,6%) e Rio de percentuais.
Janeiro (80,5%). Conforme recomenda Flick (2009) a etapa de
As empreendedoras pertencem a diferentes coleta de dados e análise das 86 histórias de vida das
regiões do estado e representam realidades distintas. empreendedoras foi interligada, acontecendo entre
No estudo abrange-se 86 participantes inscritas no os meses de setembro de 2011 e fevereiro de 2012.
prêmio, as quais realizaram inicialmente a inscrição
no site do SEBRAE e que, posteriormente, enviaram
sua história. O uso das histórias das empreendedoras 4 RESULTADOS
como fonte de dados, é possibilitado por uma cláusula
no regulamento que permite ao SEBRAE o direito ao Quanto ao perfil, pode-se constatar que as mulhe-
uso dos relatos. Ao descrever sua história de vida, as res de Santa Catarina pesquisadas e que ingressam no
mulheres buscaram reconstruir os passos que deram na mundo empreendedor são jovens, ou seja, 84% delas
caminhada rumo ao esperado sucesso, relembrando os empreenderam com menos de 44 anos. A média de
fatos marcantes e suas interpretações sobre as experiên- idade na abertura da empresa é de 29 anos. Do total
cias vividas. A coleta de dados ocorreu, portanto, nas das histórias analisadas, 37% das mulheres estão na
histórias de vida autobiografadas das empreendedoras. faixa dos 25 aos 34 anos, 21% até de 24 anos, 26%
A análise dos dados foi conduzida de forma entre 35 e 44 anos. Poucas empreenderam após os 45
interpretativa e foi aplicada nos textos que descrevem anos e 7% de 45 a 54 anos. Do total, sete empreende-
as histórias das empreendedoras catarinenses. A pri- doras assumiram empresa familiar.
meira etapa da análise ocorreu a partir da leitura de A grande maioria é casada (58%) e, dessas,
todas as histórias. Essa etapa foi crucial para obter quase todas possuem filhos (52%). Poucas citam serem
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chefes de família (36%), outras (17%) evidenciam ou amigos. Porém, algumas sociedades foram desfeitas
a participação de ambos os cônjuges nas despesas por problemas nessas relações.
familiares. A implementação da empresa também ocorreu de
As empreendedoras cujas histórias foram estu- forma diferenciada. No início mais informal, iniciaram
dadas preocupam-se com os estudos. Mesmo com na casa da empreendedora ou em local cedido por
as dificuldades para estudar, a maioria possui ensino amigos ou parentes. Os primeiros clientes são fami-
médio (38%), ensino superior (34%) e até especiali- liares e amigos, os funcionários da empresa são os
zação (20%). Aquelas que não concluíram o ensino sócios, e os familiares também são chamados a ajudar.
superior por dificuldades familiares buscaram fazê-lo Os recursos materiais para a consecução dos negócios
ao longo da jornada como empreendedoras. Os relatos são familiares, emprestados ou financiados com for-
revelam que a busca de conhecimentos é importante necedores. O marketing e a propaganda ocorrem por
para essas mulheres. São mulheres típicas de famílias meio da rede informal.
de classe média, cuja cultura tradicional é a de estudo A fonte de capital para o estabelecimento da
e trabalho para melhorar de vida. empresa é, em geral, via recursos próprios (57%). Das
As empreendedoras catarinenses possuíam histórias 43% apontam recursos de terceiros comple-
experiência prévia anterior (71%) o que impactou mentando o capital inicial da empresa, sendo recursos
na decisão por empreender. A maioria das empresas advindos de familiares, principalmente dos maridos,
constituídas pelas mulheres é do setor de comércio amigos, negociação com fornecedores e apenas 8%
(47%) e serviços (34%). Poucas são indústrias (13%). de instituições financeiras.
A localização das empresas também segue uma
distribuição homogenia no estado, com maior con- 4.1 Dificuldades Relacionadas ao Fato de
centração na região Norte, seguido do Vale do Itajaí Serem Mulheres
e menor incidência das empresas no extremo oeste e
serra catarinense. De acordo com os relatos das mulheres cujas
Com relação ao tempo de abertura, a maior parte histórias foram analisadas, a maior barreira que ul-
das empresas é jovem e apenas 6% são empresas de trapassaram diz respeito ao preconceito por serem
segunda ou terceira geração. O tempo médio de cons- mulheres e empreenderem em ramos tidos como
tituição é de 14 anos, fato que se traduz em alta taxa masculinos o que gerou falta de credibilidade de outras
de sobrevivência das empresas. pessoas, corroborando o trabalho de Botelho et al.
A grande maioria das empresas possui a menor (2008). Além disso, um agravante maior é o fato de
faixa de tamanho, entre micro e pequena, tendo como serem jovens, além da necessidade de conciliação de
base o faturamento abaixo de R$ 240 mil ao ano. múltiplos papéis.
No que se refere ao número de empregados, a maior Das histórias analisadas, cinco mulheres rela-
parte possui poucos funcionários e 48% com até cinco taram dificuldades por estarem empreendendo em
colaboradores. áreas tidas como masculinas. Esses casos mostram
O empreendedorismo motivado por oportuni- que as mulheres demoraram mais tempo para ganhar
dade é mais frequente entre as mulheres catarinenses reconhecimento. Seu histórico como empreendedoras
(70%). Dentre as necessidades que motivam a ação, inicia-se, na maioria das vezes, ao assumir empresa
destacaram-se, sobretudo as necessidades intrínsecas familiar, consequência de uma sucessão planejada ou
(abordada em 62% das histórias), necessidades ex- inesperadamente pelo falecimento do patriarca.
trínsecas (visto em 16% dos casos), necessidade de
[...] sendo a função técnica voltada ao perfil
segurança e bem estar da família (verificado em 13% masculino, do dia para noite fui obrigada a me
dos relatos) e a necessidade de autonomia e indepen- interar dos processos de produção da empresa.
dência (verificado em 6% das histórias). [...] Hoje em dia a dificuldade sentida é ainda a
A constituição jurídica adotada pela maior parte discriminação pela parte masculina na questão
metalúrgica em fabricação de engrenagens.
das empresas foi a sociedade, conforme se identifica
Atividades que anteriormente só homens eram
nos relatos. Essa sociedade se deu com marido, pais
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Para poder aceitar essa tragédia, entrei no dedoras, como assaltos recorrentes. Duas mulheres
trabalho de uma maneira que nunca imaginei citaram ter sido avalistas de outras pessoas e acaba-
na minha vida, fato esse que surgiu de inspi-
ram arcando com a dívida e problemas na sociedade,
ração para entrar em um outro ramo pioneiro
quando sócios que, por desentendimentos, decidiram
na minha cidade, o aluguel de roupas sociais
(História 38). se retirar da empresa, acarretando despesas extras, em
momento financeiro difícil.
[...] passamos por um momento muito triste
onde ocorreu o falecimento repentino de meu
[...] arrombaram a loja e levaram tudo que tinha
pai. Essa época acho que foi de todas a pior,
dentro, inclusive os cabides e a cortina do prova-
pois estávamos destruídos psicologicamente e a
dor. Todos pensavam que tudo tinha acabado,
estrutura da empresa não poderia ficar abalada,
e então vieram as acusações e críticas: - Eu não
pois o sonho tinha que continuar (História 15).
disse que não iria dar certo?... Sem mercado-
rias, com os cheques devolvidos e as duplicatas
Os problemas financeiros também foram eviden- protestadas, como fazer? (História 23).
ciados, principalmente os relacionados a desequilíbrios
de caixa e pela falta de recursos para investir no cres- Por falta de recursos para investir, utilizaram-se
cimento da empresa. Os problemas de caixa se dão da criatividade.
pela falta de clientela e inadimplência, resultados da
falta de maiores cuidados (ou conhecimentos) sobre O início foi difícil. Muitas vezes, eu colocava
a gestão financeira. Problemas econômicos também algumas caixas vazias embaixo das pilhas de
sapatos para dar a impressão de quantidade.
assolaram as empresas que sentiram a instabilidade que
Comprava sempre a quantidade mínima para
trazia incerteza para o mercado, como as mudanças ter bastante variedade (História 25).
de moeda.
Os problemas foram resolvidos com planejamen-
[...] a falta de experiências no ramo que acabou
to, o que ajudou a reverter a situação e a dar continui-
a acarretar alguns erros, a abertura de crédito foi
um dos pontos negativos para a empresa, pois
dade ao negócio. Planejaram, realizaram parcerias e
não foi feita uma análise correta de abertura trataram com cuidado os clientes.
de crédito e as coisas começaram a desandar,
já que os clientes não tinham limite para com- [...] conversamos com fornecedores e fizemos
pras nem data definida para pagamento. Toda parcerias, renegociamos dividas, reestruturamos
essa situação foi se prolongando, pois o capital o crediário, fizemos promoções. A reestrutu-
de giro ficou todo comprometido no crediário ração do crediário foi o passo mais delicado;
(História 63). optamos por fazer um informativo repassando
que estávamos reestruturando e que para isso
Tanto para o início como na maturação do ne- haveria algumas mudanças, as quais eram:
todos os produtos em ofertas e produtos da
gócio, muitas empreendedoras se viram sem recursos
padaria não seriam vendidos no crediário e sim
para financiar as operações da empresa, o chamado somente a vista. E o resultado veio, colocamos
capital de giro, assim como para investir no crescimento a terça-feira da fruta e verdura a um preço
porque não tinham recursos disponíveis. único (realizado parceria com o fornecedor
de verduras); aos poucos os clientes estão se
Nesta época consegui outro empréstimo junto acostumando a comprar a vista. (História 63).
ao SEBRAE e fizemos uma pequena reforma
na confeitaria. Muito trabalho, muito despren- Por fim, as histórias evidenciaram problemas
dimento e muitas dívidas. Trabalhávamos para com a gestão. A falta de planejamento e conhecimento
manter a empresa viva e não fazíamos quase
sobre o mercado de atuação foi o maior responsável
nada de retiradas, pois haviam os empréstimos,
as despesas bancárias mensais que nos sufoca-
por estas questões.
vam (História 16).
[...] começamos a trabalhar nas duas casas, foi
um caos, pois não tínhamos planejado, faltou
Outras questões também foram destacadas e que
pessoal para trabalhar, a distância era grande
contribuíram para a situação financeira das empreen- e a filial dependia completamente da matriz,
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assim nos demos conta que a empresa era eu Assim que as empresas entenderam a sazonalida-
e o meu marido, ele na parte comercial e eu na de de seu setor puderam planejar antecipadamente as
financeira. Fizemos um investimento grande, só
oscilações de venda ao longo do ano, principalmente
trabalhamos dois meses, e não deu nem para
na temporada de veraneio. Outras trabalharam melhor
pagar as mercadorias que foram vendidas ali
(História 69). o mercado fazendo com que conhecessem e aceitassem
seu produto, como o caso da farmácia voltada para
As maiores dificuldades encontradas no início o atendimento a clientes diabéticos e a universidade
foram mão de obra qualificada, falta de matéria-prima, à distância.
devido à especificidade do produto, terceirização de Muitas foram as dificuldades encontradas ao
alguns processos da produção (bordado) com empresas implantar esta parceria, sendo a mais forte a falta de
não especializadas e falta de um sistema que organi- credibilidade nesta forma de ensino, uma vez que
zasse a empresa como um todo. sempre foi presencial.
[...] Quanto à mão de obra, ainda sentimos di- No primeiro vestibular conseguimos somente 12
ficuldades de encontrar pessoas especializadas, alunos e nem por isso desistimos, pois quando
os colaboradores da produção são incentivados se acredita que o produto é bom, tem legalida-
e treinados para se especializarem cada vez de, tem mercado, precisamos persistir tentando
mais. A matéria-prima, à medida que fomos todas as possibilidades, só assim seremos vito-
expandindo nossa produção, tivemos que riosos dentro do segmento (História 71).
buscar tecidos e aviamentos em outros países.
O bordado das peças, atualmente, é feito na A falta de credibilidade foi também sentida pelas
empresa. (História 37). empreendedoras, tanto por acreditarem que não eram
capazes de gerir uma empresa, aprender um novo
Nas histórias analisadas foram verificados relatos
ofício ou realizar uma atividade simples, como pela
de que os erros trouxeram o aprendizado necessário
venda porta a porta sem ter a necessidade financeira
para dar continuidade à empresa. A saída para essas
para tal. “Muitas pessoas não entendiam a razão de
questões veio pela busca de conhecimento e informa-
me “sujeitar” àquela atividade (História 24)”.
ções sobre o setor de atuação e gestão de empresas.
Com um bom planejamento conseguiram melhorar a Por ser mulher, muitas portas se abriram e
gestão, prevenir incertezas e definir metas para o futuro. muitas outras se fecharam! [...] Como ninguém
“O maior desafio em ser empreendedora é não estar acreditava muito no projeto tive que fazê-lo so-
limitada ao dia a dia do negócio e sim estar inovando e zinha e paralelamente às demais atividades do
buscando cada vez mais mercado e clientes, atendendo dia a dia, mas não desisti. (História 86).
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A conciliação dos múltiplos papéis de mãe, es- Gartner e Birley (2002) que apontam para o fato de
posa e empreendedora é uma das dificuldades mais que as questões substantivas em empreendedorismo
destacadas. A gestão financeira se coloca como a devam ser estudadas por meio de métodos e aborda-
segunda dificuldade mais citada, muitas vezes refletin- gens qualitativas. Contribuições também são trazidas
do os problemas gerados pela falta de planejamento para a prática, na medida em que podem auxiliar na
prévio. Com as empresas já constituídas aumenta a elaboração de programas educacionais e de suporte as
quantidade de empréstimos bancários para atender políticas públicas que venham a promover a atividade
aos apuros pelos quais a empresa passa. Porém, não empreendedora entre as mulheres, já que muitos dos
é possível afirmar se há algum tipo de preconceito por problemas constatados se dão em função da ausência
parte do mercado para com essas mulheres ou se as de conhecimento do negócio em que atuam.
empreendedoras optam por não recorrerem a outras Em função de seu caráter qualitativo, o trabalho
fontes de recursos. As empreendedoras relatam o não se propõe a generalizar os resultados para toda
aprendizado relacionado a esta questão ao longo do a população de mulheres empreendedoras catarinen-
caminho, ressaltando a importância de conhecer seu ses, o que poderia ser considerada uma limitação.
ramo de atuação antes de empreender, buscar informa- Porém, aborda questões substantivas que raramente
ções do mercado e elaborar plano de negócios, o que são consideradas no campo do empreendedorismo, e
se configura não apenas um problema das mulheres, que só podem ser estudadas por meio de métodos e
mas do empreendedorismo de uma forma geral. abordagens qualitativas.
Porém, de fato, algumas dificuldades são agra-
vadas por essas empreendedoras serem mulheres,
principalmente a falta de credibilidade dos clientes, REFERÊNCIAS
fornecedores e funcionários nas empresas relacionadas
as atividades consideradas masculinas. Preconceitos BARBOSA, Felipe Carvalhal; CARVALHO, Camila
também foram decorrentes da pouca idade das em- Fontes de; SIMÕES, Géssica Maria de Matos; TEIXEIRA,
preendedoras. Rivanda Meira. Empreendedorismo feminino e estilos
Ao longo do processo, as dificuldades trouxeram de gestão feminina: estudo de casos múltiplos com
aprendizado e mais força para dar continuidade ao empreendedoras na cidade de Aracaju-Sergipe. Revista
negócio, o que ocorreu na forma de acertos e erros e da Micro e Pequena Empresa, Campo Limpo Paulista,
que leva à busca constante do conhecimento. v. 5, n. 2, p.124-141, maio-ago., 2011.
Pode-se admitir, ainda, que as mulheres empre-
BOTELHO, Louise de Lira Roedel et al. Desafios
endedoras catarinenses com diferentes perfis, escola-
gerenciais das mulheres empreendedoras: como
ridades, origens, estrutura familiar, conhecimentos e
exercer a liderança em espaços de identidade masculina?
com empresas constituídas em diferentes setores e em
O caso da Alpha Tecnologia. 2008.
épocas distintas, chegam a uma mesma constatação: ir
atrás do sonho de empreender vale a pena. De acordo BRUCE, D. Do husbands matter? Married women
com as narrativas das empreendedoras, apesar dos pro- entering self-employment. Small Business Economics,
blemas enfrentados, as suas jornadas foram marcadas vol. 13, pp. 317–29, 1998.
por uma dose de sonho, força de vontade, mas, acima
de tudo, de muito trabalho e empenho. BUTTNER, H.; MOORE, D. Women’s organizational
Este trabalho contribui para o avanço teórico exodus to entrepreneurship: self-reported motivations and
dos conhecimentos acerca dos fatores socioculturais e correlates with success. Journal of Small Business
familiares que afetam o empreendedorismo feminino, Management, jan. p. 34-47, 1997.
considerando o contexto empreendedor não como
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uma variável de controle, mas como parte da história
e sociais. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
das mulheres, abordagem importante para compre-
ender o fenômeno empreendedor, conforme Zahra
e Wright (2011). O trabalho também se apoiou em
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(PSUHHQGHGRULVPR)HPLQLQRGLILFXOGDGHVUHODWDGDVHPKLVWyULDVGHYLGD
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