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JULIANA DO COUTO BEMFICA

ESTADO, MERCADO E REDES TRANSNACIONAIS NA


CONSTITUIÇÃO DA ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’
Um estudo sobre os princípios norteadores das políticas para a
infra-estrutura de informação

Tese apresentada ao Programa de Pós


Graduação em Ciência da Informação,
Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito à obtenção do título de
Doutor em Ciência da Informação

Linha de Pesquisa: Informação e Sociedade

Orientadora:
Profa. Dra Ana Maria Pereira Cardoso
Co-orientador:
Prof. Dr. Carlos Aurélio Pimenta Faria

BELO HORIZONTE
UFMG
2002
ESTADO, MERCADO E REDES TRANSNACIONAIS NA
CONSTITUIÇÃO DA ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’
Um estudo sobre os princípios norteadores das políticas para a
infra-estrutura de informação
Para Imara e Aiano, meus queridos filhos.
À memória de meus pais, José Nardelli e Maria da Conceição.
Para Nilo, meu neto, que um belo dia me chegou de presente.
ii

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto de uma teimosia que começou no momento em que decidi
aplicar-me para o programa de doutorado.

Havia recém saído de um tardio mestrado e eu sabia que, se parasse,


dificilmente seria possível retomar os estudos. Tudo iria conspirar contra: a idade, o
excesso de trabalho e as inúmeras atividades de mãe, chefe de família, profissional e
professora. Assim, como um ato reflexo, candidatei-me e fui aprovada.

Cinco anos se passaram entre aquele dia e este momento. Cinco anos de muito
esforço para não sucumbir, muito cansaço, muitas dúvidas e muitas brigas. Mas cinco
anos também de frutífera convivência com professores e colegas, de quem tive a
amizade e o apoio. Foram, também, muitas as oportunidades de apresentar e debater os
resultados dos meus estudos, no Brasil e fora dele, em círculos acadêmicos e
profissionais. Foi um tempo em que pude contar com o apoio institucional – formal e
informal – do Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação, PPGCI/UFMG;
da Faculdade de Engenharia e Arquitetura, FEA/FUMEC; e da Empresa de
Informática e Informação do Município de Belo Horizonte, Prodabel. Sem esse apoio
seria, por certo, muito mais difícil chegar ao fim.

Fiquei velha. Muito mais velha do que estaria, se ao invés de ter teimado em
titular-me eu tivesse optado por desfrutar mais a vida. No entanto, sei que não havia
outra opção. Creio que a dita ‘liberdade de escolha’ resume-se, tão somente, à
liberdade de ‘escolhermos fazer exatamente aquilo que temos que fazer’.

Este trabalho é, também, fruto das mais diversas contribuições, pois que é
resultado da produção de conhecimento dos inúmeros outros autores nos quais me
apóio, embora por sua formulação final, caiba a mim responder. Resulta também da
soma de pequenos fatos e gestos cotidianos, e de outros, não tão pequenos e nem tão
regulares, os quais compuseram os meus vários humores ao longo desses anos. Muitas
iii

vezes esses humores foram fortes o bastante para matizarem meu olhar sobre o objeto
de pesquisa.

Quero expressar aqui, portanto, meu agradecimento a todos os que, direta ou


indiretamente, compartilharam esse tempo comigo. Sei que, por maior que fosse a
minha lista, ainda assim seria impossível lembrar-me de todos.

Há, entretanto, algumas pessoas cuja participação não pode deixar de ser
destacada. Quero, inicialmente, agradecer à professora Ana Maria Pereira Cardoso
que, além de orientadora, foi uma amiga e companheira, que esteve presente até
mesmo em momentos em que a situação estava mais para colo de mãe e, também, em
outros, em que o assunto estava mais para divã de analista. Agradeço também a
colaboração do professor Carlos Aurélio Pimenta de Faria, meu co orientador, por sua
detalhada revisão crítica e pela atenção amiga que me dispensou.

Aos professores que compuseram a Banca de Examinadores, Profa. Dra. Vânia


Maria H. Araújo, Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, Prof. Dr. Maurício Lemos
Borges e Profa. Dra. Regina Maria Marteleto, agradeço pelos comentários, sugestões e
críticas, que contribuíram para a versão final desta tese.

Às minhas queridas colegas de doutorado, Mônica Nassif Borges, Regina


Dolabela e Simone Dufloth, agradeço as oportunidades de discussão, que muito
contribuíram para o desenvolvimento do trabalho, e a convivência calorosamente
amiga. Ao amigo Marco Aurélio C. Cepik, agradeço a atenção com que, sobretudo na
etapa inicial do meu trabalho, se dispôs a discuti-lo comigo.

Agradeço também às professoras Carolina Saliba e Júnia Campas Passos, com


cujo apoio pude contar, nos últimos e tensos momentos de ‘informar’ este trabalho, no
que se refere, respectivamente, à sua normalização e à revisão lingüística.

Na Prodabel, agradeço aos colegas e, principalmente às colegas, que


compartilharam comigo esse tempo de trabalho. Agradeço especialmente, à Sandra dos
Santos Míglio, pelo apoio na localização de referências bibliográficas e eletrônicas, ao
Clodoveu A. Davis Jr., com cujo companheirismo pude contar para o
iv

compartilhamento das minhas atribuições (e atribulações) na Prodabel e à Karla A.


Vasconcelos Borges, amiga que, num momento em que eu pensei que não iria
conseguir chegar ao fim, deu-me um presente que muito me ajudou. À Eugênia Bossi
Fraga, diretora presidente da empresa, e à Vera Lúcia de Moraes, diretora de
Desenvolvimento e Recursos, agradeço pelo apoio, sobretudo nesta etapa final.

Quero agradecer à direção da Faculdade de Engenharia e Arquitetura da


FUMEC pela bolsa concedida, sob forma de auxílio doutorado e de licença durante o
ano de 2001.

Quero também registrar aqui meus agradecimentos póstumos a duas pessoas


que, por diferentes motivos, foram de grande importância quando iniciei minha
trajetória acadêmica. Ao professor Olavo Brasil de Lima Júnior, agradeço a presença
incisiva e a orientação precisa durante a elaboração da minha dissertação de mestrado.
À professora Sigrid Frahia, agradeço o esmero na revisão lingüística daquela
dissertação, através da qual tanto aprendi da minha língua pátria.

Por fim, quero desculpar-me com os meus filhos, pelas vicissitudes de terem
que conviver com uma ‘mãe em tese’. Acredito que deixei a desejar. Sei, porém, que
este é um tempo passado. E espero que, no futuro, possamos nos lembrar, em relação a
ele, como um tempo em que, em meio ao caos, nossas vidas seguiam seu curso.
v

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS........................................................................................... viii

RESUMO............................................................................................................ xi

ABSTRACT........................................................................................................ xii

ABSTRACTO...................................................................................................... xiii

1 INTRODUÇÃO: A ‘Sociedade da Informação’ como estratégia para a


sociedade mercadorizada................................................................................ 1

2 GLOBALIZAÇÃO E ‘SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO’: Elementos 14


construtivos da sociedade mercadorizada.....................................................

2.1 Globalização, Estado neoliberal e regime de governança......................... 18


2.1.1 A ‘globalização’................................................................................ 24
2.1.2 Regimes de governança na economia internacionalizada...................... 39
2.2 Informação, tecnologia e mudança social: os vários olhares................... 48
2.2.1 As ‘idéias de sociedade da informação’................................................... 56
2.2.2 A perspectiva crítica.................................................................................. 61
2.2.2.1 A ênfase na questão espacial.................................................................... 65
2.2.2.2 A acumulação flexível.............................................................................. 67
2.2.2.3 A modernidade extremada........................................................................ 69
2.2.3 A abordagem da pós-modernidade.......................................................... 70
2.3 Comunicação, tecnologias de informação e desenvolvimento: a rota da 74
sociedade mercadorizada.............................................................................
2.4 Infra-estrutura de informação e regime de governança internacional... 78

3 ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’: Políticas, estratégias e ação............ 88

3.1 Iniciativas rumo à ‘Sociedade da Informação’: a infra-estrutura de


informação na agenda internacional dos anos 1990.................................. 92
vi

3.2 Estados Unidos: agenda para a constituição da infra-estrutura de


informação.................................................................................................... 97
3.2.1 O princípio dos princípios: a agenda de ‘cooperação’........................... 107
3.2.2 A regulação dos reguladores nacionais: o guia para a ‘comunidade’
de informação global.................................................................................. 109
3.3 União Européia e ‘Sociedade da Informação’: da unificação via infra-
estrutura de informação à internet comercial........................................... 113
3.4 ‘Sociedade da Informação’: estratégias de disseminação......................... 139
3.4.1 A “Conferência Mundial para o Desenvolvimento das
Telecomunicações”: a UIT e as diretrizes para os países periféricos.... 142
3.4.2 A “Conferência do G7 para a Sociedade da Informação”: os
princípios norteadores da constituição da infra-estrutura de
informação global....................................................................................... 147
3.4.3 A ‘Sociedade da Informação’ nos países da OCDE: a adoção dos
princípios firmados pelo G7...................................................................... 157
3.5 A ‘Sociedade da Informação’ e o caminho da mercadorização: a
reprodução das desigualdades.................................................................... 161

4 A ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’ COMO ARGUMENTO PARA


O CONSUMO DE TECNOLOGIA: A mercadorização da
sociedade........................................................................................................... 166

4.1 Os princípios da ‘Sociedade da Informação’ e sua disseminação............ 171


4.2 A ‘Sociedade da Informação’ e a mercadorização da sociedade.............. 176
4.3 Infra-estrutura de informação e consumo.................................................. 180
4.4 O ‘novo’ papel do setor público: a ‘Sociedade da Informação’ e o
Estado............................................................................................................ 184
4. 5 Da ‘autopista de informação’ à ‘internet’................................................. 187
4.6 As iniciativas de ‘Sociedade da Informação’; elementos do projeto
neoliberal para o mercado ‘global’............................................................. 191
4.6.1 A tecnologia como motor de mudanças: as ‘idéias da sociedade da
informação’ da década de 1970................................................................. 192
4.6.2 Competitividade, liberalização e privatização: os elementos de uma
infra-estrutura de informação centrada no mercado............................. 195
vii

4.6.3 Cooperação internacional: a delegação de poder às instâncias


internacionais.............................................................................................. 197
4.6.4 Atribuições dos governos: a privatização do ‘público’......................... 199

5 CONCLUSÕES................................................................................................ 206

6 REFERÊNCIAS............................................................................................... 221

6.1 Documentos objeto de análise...................................................................... 221


6.2 Referências.................................................................................................... 226
6.2.1 Referências bibliográficas......................................................................... 226
6.2.2 Referências em mídia eletrônica.............................................................. 232

ANEXO: Instrumentos de coleta de dados........................................................ 237


viii

LISTA DE SIGLAS

BDT -Bureau de Développement des Télécommunications

CEI - Comunidade dos Estados Independentes

CLADES - Centro Latinoamericano de Documentación Económica y Social

CPSR - Computer Professionals for social Responsibility (EEUU)

DG/INFO - Directorate General – Information Society (União Européia)

EEUU - Estados Unidos

FCC - Federal Communications Commission (EEUU)

FMI - Fundo Monetário Internacional

G7 - Grupo dos 7 (Alemanha, Canadá, EEUU, França,Grã Bretanha,


Itália, Japão)

G8 - Grupo dos 8 (Países do G7 e Rússia)

GATS - General Agreement on Trade in Services

GATT - General Agreement on Tariffs and Trade

GII - Global information Infrastructure

IITF - Infrastructure Information Task Force (EEUU)

ISAC - Information Society Activity Center (UE)

ISO - International Organization for Standartization

ISPO (1) - Information Society Project Office (UE)

ISPO (2) - Information Society Promotion Office (UE)

IT2 - Information Technology for the 21st Century

ITU - International Telecommunications Union


ix

LSN/HPC - Large Scale Network/High Performance Computing and


C Communications

NAFTA - North American Free Trade Agreement

NAS - National Academy of Sciences (EEUU)

NGI - New Generation Internet

NII - National Information Infrastructure

NIIAC - National Information Infrastructure Advisory Council (EEUU)

NITRD - National Coordination Office for Information Technology Research


and Development (EEUU)

NTIA - National Telecommunications and Information Administration


(EEUU)

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMC - Organização Mundial do Comércio

OMPI - Organização Mundial de Propriedade Industrial

OMT - Organização Mundial do Trabalho

OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo

P&D - Pesquisa e Desenvolvimento

PIB - Produto Interno Bruto

PITAC - President´s Information Tecnology Advisory Committee (EEUU)

SME - Small and Medium Enterprises

TOP - Technology Opportunity Program (EEUU)

UE - União Européia

UIT - União Internacional de Telecomunicações

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization


x

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

US - United States

WTDC - World Development Telecommunications Conference


xi

RESUMO

O trabalho discute a origem e a disseminação, ao longo da década de 1990, de


iniciativas voltadas para a constituição da ‘sociedade da informação’ global,
enfocando, especificamente, proposições apresentadas pelos Estados Unidos (EEUU) e
pela União Européia. Tem-se, como hipótese, que tais iniciativas são integrantes de
um processo voltado para a internacionalização da economia e para a generalização de
relações de consumo a âmbitos anteriormente não mercantis. Essas iniciativas são
consideradas como uma modalidade de política de comunicação e informação que,
tendo suas diretrizes estabelecidas em instâncias internacionais, objetiva garantir a
instalação de uma plataforma tecnológica capaz de viabilizar uma economia livre dos
óbices das fronteiras territoriais, plataforma essa, necessária para atender aos setores
econômicos hegemônicos.

A perspectiva adotada inscreve os programas de ‘sociedade da informação’ como parte


da ideologia neoliberal e do pensamento único, orientadas para promover –
tecnologicamente - o aprofundamento dos processos de internacionalização da
economia e de generalização do consumo, sob a hegemonia dos EEUU. O referencial
teórico adotado, além de levar em conta as perspectivas que abordam as tecnologias de
informação e comunicação no seu relacionamento com a mudança social, inclui a
questão da globalização e da ‘sociedade de consumidores’, em conexão com a
ideologia neoliberal e com o advento dos regimes de governança internacionais.
Ao final, destaca-se a presença, nos documentos, de um discurso ideológico vinculado
às ‘idéias da sociedade da informação’, formuladas na década de 1970, e ao
‘pensamento único’, forjado na década de 1980. Os aspectos enfocados são: a primazia
dos princípios de mercado, a centralidade da dimensão internacional e a privatização
do espaço público. Esta é observada a partir das atribuições do setor governamental
decorrentes do ‘novo’ papel do Estado. Discorre-se, também, sobre as mudanças que
levaram a autopista de informação de fins da década de 1980 a transformar-se na
tecnologia internet.
Na sua conclusão, fornecem-se evidências que confirmam a hipótese de que as
iniciativas de sociedade da informação destinam-se ao aprofundamento do processo de
mercadorização da sociedade, à constituição dos consumidores e à sedimentação de
um quadro de internacionalização assimetricamente interdependente.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade da informação; Infra-estrutura de informação;


Sociedade mercadorizada; Regime internacional de comunicação e informação; Estado
neoliberal
xii

ABSTRACT

This work discusses the origin and the diffusion, throughout the 1990s, of initiatives
for the constitution of a global ‘information society’. It focuses on the initiatives
proposed by the United States and by the European Union and their diffusion. The
hypothesis is that those initiatives are part of an asymmetric process of economic
internationalization and of extension of the consumption to contexts previously not
mercantile. In this sense, those initiatives are taken as a kind of ' communication and
information policy' that, based on an international regime, intends to assure a
technological platform capable to enable an economy free from territorial borders.
The adopted perspective includes these initiatives as part of the neoliberal ideology
and of the 'unique thought', oriented in order to promote – technologically – the
deepening, under the hegemony of the United States, of the processes of economic
internationalization and of the expansion of consumption. The theoretical framework
includes the perspectives that relate information and communication technologies with
social change, the globalization and the 'consumption society' concepts, the neoliberal
ideology and the emerging of the international governance regimes.
It is noted on the documents the presence of an ideological speech related to the 1970s
‘information society ideas’ and to the 'unique thought' forged in the 1980s. The
primacy of the market principles, the centrality of the international dimension and the
privatization of the public sphere are pointed out. The privatization of the public
sphere is observed, taking into consideration the new roles of the public sector. The
changes that moved the information superhighway from the 1980s towards the internet
technology are also discussed. Evidences are supplied that confirm the hypothesis that
the initiatives of the ‘global information society’ are oriented to deepening the
‘marketization’ of the society, to the formation of a consumer body and to the
confirmation of the asymmetric interdependent internationalization process.

KEYWORDS: Information society; Information infrastructure; Marketization of the


society; Communication and information international regime; Neoliberal State
xiii

ABSTRACTO

Este trabajo discute el origen y la difusión, a lo largo de los años noventa, de


iniciativas para la constitución de una sociedad de información global. Enfoca las
iniciativas propuestas por los Estados Unidos y por la Unión Europea y su difusión. La
hipótesis es que esas iniciativas son parte de un proceso asimétrico de
internacionalización económica y de extensión del consumo a los contextos
previamente no mercantiles. En este sentido, esas iniciativas se toman como un tipo de
'política de comunicación y de información' que, con base en un régimen internacional,
intenta asegurar una plataforma tecnológica capaz de engendrar una economía libre de
las fronteras territoriales.
La perspectiva adoptada incluye estas iniciativas como parte de la ideología neoliberal
y del 'pensamiento único' de los años ochenta, orientado para promover -
tecnológicamente - la profundización de los procesos de internacionalización
económica y de la expansión de consumo, bajo la hegemonía de los Estados Unidos.
El referencial teórico incluye las perspectivas que relacionan las tecnologías de
información y de comunicación con el cambio social, la globalización y los conceptos
de 'sociedad de consumo’, la ideología neoliberal y el surgimiento de los régimenes de
internacionales.
Es noticiado en los documentos la presencia de un discurso ideológico relacionado a
las ideas de sociedad de información de los años 70 y al ' lo pensamiento único'
forjado en los años ochenta. La primacía de los principios del mercado, la centralidad
de la dimensión internacional y la privatización de la esfera pública son destacados. La
privatización de la esfera pública es observada tienendo en cuenta los nuevos papeles
del sector público. También se discuten los cambios que movieron la 'infovia' de
información de fines de los años ochenta hacia la tecnología del internet. Se
proporcionan evidencias que confirman la hipótesis de que las iniciativas de la
'sociedad de información' global se orientan a la profundización de la mercadorización
de la sociedad, a la formación de consumidores y a la confirmación del proceso de
internacionalización interdependiente asimétrico.

PALABRAS-CLAVE: Sociedad de información; Infraestructura de información;


Mercadorización de la sociedad; Régimen internacional de comunicación y
información; Estado neoliberal
1

1. INTRODUÇÃO

A ‘Sociedade da Informação’ como estratégia para a ‘sociedade


mercadorizada’

Muito falamos hoje nos progressos e nas promessas da engenharia


genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico, algo
que ainda é do domínio da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se
fala das condições, também hoje presentes, que podem assegurar uma
mutação filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à
existência de cada pessoa e, também, do planeta.

Milton Santos

A expansão da ideologia neoliberal ao longo das décadas de 1980 e 1990 e o


concomitante processo de ‘globalização’ econômica estão associados à redução do
poder da maioria dos estados nacionais e à emergência de atores políticos de
dimensões transnacionais configurando ‘regimes de governança’ internacionais como
expressão da maior interdependência entre os países. Esses regimes, freqüentemente,
inscrevem-se na matriz do ‘pensamento único’1, da qual fazem parte conceitos como a

1
O pensamento único é considerado como a tradução, “em termos ideológicos, dos interesses
de um conjunto de forças econômicas, em particular do capital internacional, em ‘interesse
geral’ com pretensão universal. Suas fontes principais são as grandes instituições
econômicas e financeiras – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Organização Mundial do Comércio,
Comissão Européia, Bundesbank, Banque de France, etc – que, através do seu
financiamento, alistam centros de pesquisa, universidades, fundações, a serviço de suas
idéias, os quais, por sua vez, aprimoram e difundem a boa palavra por todo o planeta”
(RAMONET, 1998).
2

liberalização da economia, a privatização de empresas estatais, a desregulamentação


do mercado, a concorrência e a competitividade, o livre-comércio sem fronteiras. Em
suas pretensões globais e sua ideologia capitalista, o ‘pensamento único’ enfatiza a
idéia-força de um ‘mundo em rede’ no qual espaço e tempo são ‘comprimidos’,
modificando sua relevância em relação à que têm no ‘mundo territorializado’ da
produção material.2

Nesse ‘mundo em rede’, viabilizado pelas novas tecnologias de informação e


comunicação, estas são apontadas como motores de transformações sócio-culturais e
indutoras – per se - ou, no mínimo, potencializadoras, de inovações que impactam a
produtividade econômica. Há quem fale até mesmo da configuração de um novo
‘habitat’, um ‘habitat informático’, no qual: “a sociedade se desenvolve de uma nova
maneira e seus atores se transformam: o estado, a relação cidadão-estado, as
organizações, o sistema produtivo, o comércio e a criação e difusão do conhecimento”3
(ZUBIETA, 2001).

A importância atribuída às tecnologias de informação e comunicação, em


especial àquelas qualificadas com o adjetivo ‘novas’, fez com que a temática da
informação passasse a freqüentar discursos científicos, como a ciência econômica, a
ciência política, as ciências administrativas, e ensejou o surgimento da ciência da
informação.4

Em grande parte desses discursos, a informação é enfatizada, sobretudo, como


recurso de produção e mercadoria, envolvendo, entre outros, a discussão acerca de
‘fluxos informacionais’, estudos relativos à ‘gestão de sistemas de informação’ e

2
A funcionalidade da ‘infra-estrutura de informação’ como tecnologia que redimensiona a
relevância do espaço e ‘elimina’ o tempo na economia capitalista é essencial aos
argumentos da globalização. Esse redimensionamento permite que o mercado financeiro
possa atuar em ‘tempo real’ e que a divisão internacional do trabalho seja reformulada em
virtude das inovações na organização e coordenação da produção.
3
Texto original em língua espanhola. Sua versão para o português assim como a versão das
demais citações lidas no original em língua espanhola ou inglesa foram feitas pela autora
desta tese.
4
Ver, a propósito, Cardoso (1996), Wersig (1991), Saracevic (1996), Araújo e Freire (2001).
3

questões relacionadas com ‘infra-estrutura de informação’ necessária como aparato


tecnológico.

Por sua vez, pelo que as tecnologias de informação e comunicação passaram a


permitir em termos de ‘armazenamento’, ‘recuperação’ e ‘compartilhamento’ de
conteúdos informacionais, a expressão ‘sociedade do conhecimento’5 passou a ser
utilizada para fazer referência à ‘nova’ sociedade em gestação. Entretanto, a
concepção de conhecimento aí subentendida refere-se, mormente, a uma dimensão
pragmática e operacional do ‘conhecimento’, cuja principal característica é o fato de
poder ser codificado em bits. Conseqüentemente, a informação como conteúdo que
possibilita o conhecimento perde importância para a informação como possibilidade
tecnológica, identificada como ‘manifestação digital’ de qualquer som, imagem ou
signo alfabético. O foco passa a ser a mídia como suporte tecnológico que permite o
fluxo da informação, juntamente com os requisitos necessários para que esse fluxo seja
‘livre’ de óbices como fronteiras e legislações nacionais, bem como de
incompatibilidades tecnológicas.

Ao modificarem as dimensões espaço-temporais da sociedade e ensejarem a


substituição de relações sociais interpessoais diretas por relações sociais mediadas por
um aparato tecnológico, essas tecnologias permitem substituir experiências vividas
(como certas práticas socioculturais e de lazer), por ‘experiências virtuais’
individualizadas, possibilitadas a partir da simulação digital das mesmas, que são
adquiridas como um produto ou serviço de informação no mercado.

As estratégias planejadas para acelerar a constituição – em âmbito mundial – de


uma plataforma que permita essa generalização dos fluxos de bits como forma de
comunicação par excellence têm sido denominadas de ‘sociedade da informação’. A
partir da década de 1990, foram propostas e apresentadas diversas iniciativas
institucionais nesse sentido. Neste trabalho discutiremos sua origem e disseminação.

DDD

5
Nehmy (2001) aborda o tema de ‘sociedade do conhecimento’.
4

Como afirmamos há pouco, a ciência da informação está historicamente


associada à crescente importância das tecnologias de informação e comunicação em
uma sociedade que se internacionaliza6 e se torna anônima, demandando cada vez
mais o desenvolvimento de instrumentos de organização e controle. Essa ciência
acolhe, em seu campo, perspectivas analíticas relacionadas com as implicações sociais
decorrentes da generalização do uso e consumo dessas tecnologias.

Nesse sentido, entendemos que a mercadorização do ‘espaço da vida’


potencializada pela generalização do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação coloca-se como uma questão relevante para o campo da ciência da
informação. Para abordar esta questão, enfocamos iniciativas para a constituição da
‘sociedade da informação’/‘infra-estrutura de informação’ propostas pelos Estados
Unidos (EEUU) e pela União Européia, e sua disseminação ao longo da década de
1990. A perspectiva aqui adotada inscreve essas iniciativas como parte da ideologia
neoliberal e do pensamento único, orientadas para promover – tecnologicamente - o
aprofundamento do processo de internacionalização da economia e da generalização
do consumo, sob a hegemonia dos EEUU.

Como iremos mostrar, essas iniciativas têm-se apoiado em argumentos dos


ideólogos da ‘sociedade da informação’. Tais argumentos sucederam àqueles que, nas
décadas de 1960 e 1970, deram origem ao discurso da ‘revolução da comunicação’.
Nesse sentido, a construção da ‘sociedade da informação’ é colocada como iniciativa
indispensável para o ‘crescimento’ e a ‘competitividade’ das economias nacionais e
como a alternativa capaz de promover o bem estar de suas populações. O seu discurso
vai revelar a centralidade do ‘mercado’ como organizador da ‘sociedade
mercadorizada’, em relação à qual o esgarçamento das fronteiras nacionais é
prioritário. Por sua vez, esse esgarçamento vai ser possibilitado por intermédio das
diretrizes regulatórias para as redes de telecomunicações estabelecidas em âmbito
internacional.

6
Um processo de internacionalização que se dá, como destacam Keohane e Nye (2000) e
Canclini (1999), de forma interdependente e assimétrica.
5

Nesse sentido, propomo-nos a analisar o modo como a ideologia da ‘sociedade


da informação’ se traduz em diretrizes orientadas para a constituição das bases
tecnológicas de uma ‘sociedade de consumo’.

Procuraremos, especificamente, evidenciar a presença de um discurso que tem


por pressupostos as tecnologias de informação e comunicação como motor de
mudança social, a supremacia do ‘livre mercado’ como organizador da sociedade e a
informação como mercadoria cujo ‘livre fluxo’ é dinamizador da sociedade.
Procuraremos também mostrar que os princípios propostos pelos EEUU para pautar as
iniciativas de constituição da plataforma tecnológica para a ‘sociedade da informação’
(a infra-estrutura de informação) e disseminados através de instâncias internacionais e
transnacionais podem ser compreendidos como estratégias para promover a
configuração desse ‘livre mercado’. Faremos isso evidenciando-os como princípios
voltados para induzir a geração de consumo, para legitimar instâncias internacionais
como formuladoras de diretrizes para as políticas nacionais relacionadas com a infra-
estrutura de informação e para definir, como papel dos governos, o de promotores
dessa sociedade de consumo.

Como discurso ideológico, entendemos que as iniciativas ‘rumo à sociedade da


informação’ ocultam contradições entre o ‘livre’ mercado global que preconizam e a
necessidade de um quadro regulatório para fazê-lo funcionar; entre os princípios de
liberalização e privatização, que orientam esse ‘livre mercado’, e o princípio de
ampliação do acesso à informação, que requer a intervenção do setor governamental
para viabilizá-la; entre o pressuposto do mercado como organizador da vida social e a
necessidade de promovê-lo através dos governos; entre o princípio da ‘cooperação’
internacional e a expressão dessa cooperação em diretrizes que privilegiam
desigualmente os diversos interesses.

Partimos da premissa de que as iniciativas rumo à ‘sociedade da informação’,


como integrantes de um projeto de infra-estrutura de informação global, configuram
6

uma modalidade de ‘política de comunicação e informação’7 centrada nas redes de


telecomunicações. Por sua vez, tais redes requerem um regime internacional para
assegurar uma plataforma tecnológica para uma economia livre dos óbices das
fronteiras territoriais. Ao mesmo tempo, em cada território nacional, esse regime
precisa contar com o poder de obrigar do Estado, que vai ser, assim, o seu agente
coercitivo.

Tal quadro, paradoxal, que busca estabelecer uma dimensão global para a infra-
estrutura de informação e requer a autoridade dos estados nacionais para impor a sua
regulação, evidencia a dimensão ideológica do discurso do ‘livre mercado’. Por sua
vez, a efetividade dessa dimensão ideológica revela-se na subordinação que impõe às
políticas nacionais, ao demandar dos governos que assegurem – no âmbito de cada
país – o cumprimento das suas regras de funcionamento.

Como expressão concreta dessa perspectiva ideológica, as novas tecnologias de


informação e comunicação são importantes na medida em que constituem a base
tecnológica capaz de viabilizar o ‘mercado em rede’, tradução do ‘mercado global
desterritorializado’. Para cumprir esse papel, tais tecnologias precisam conformar uma
unicidade funcional como ‘rede de redes’, o que demanda que sua implantação seja
inscrita como prioridade da agenda internacional.

Sintetizando os aspectos aqui destacados, entendemos que as iniciativas rumo à


‘sociedade da informação’ constituem uma política de comunicação e informação que
se inscreve em um contexto de crescente, aprofundado e assimétrico processo de

7
Como colocado por Aun (1997), tais políticas estariam ganhando importância entre as
políticas públicas dos governos de países industrializados, que procurariam reorientá-las de
forma a facilitarem sua atuação no mercado global. Nesse sentido, seriam reveladoras da
tendência a “harmonizar as instâncias nacionais e suas especificidades culturais com as
demandas internacionais e sua perspectiva mercadológica” (p.45). Seus objetivos estariam
marcados pela tensão entre a “natureza de informação com significado de ‘bem público’,
característica original que lhe confere a propriedade de transferência e de livre acesso na
distribuição, e a informação como produto ou serviço de valor agregado”, ou seja como
‘bem mercadológico’. Por essa razão essas políticas vão incluir discussões relativas a
“acesso versus privacidade, serviços de informação universais, propriedade intelectual,
liberdade de expressão, além das considerações econômicas e técnicas, com o maior
envolvimento do setor privado” (idem).
7

interdependência internacional (entendido por muitos como globalização) que, do


ponto de vista político, é orientado pelo ideário e pelas práticas neoliberais e, do ponto
de vista ideológico, destaca o mercado livre e ‘desregulamentado’ como entidade a ser
preservada acima de todas as coisas.

Neste trabalho analisamos, especificamente, o conteúdo de proposições


oriundas dos EEUU e da União Européia, dois dos integrantes da ‘Tríade’8 que,
juntamente com o Japão, exerce a dominação econômica, tecnológica e cultural sobre
o resto do ‘mundo ocidental’ e se utiliza de instâncias como o Grupo dos 7 (G7), a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outras mais
específicas, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a
Organização Mundial do Comércio (OMC) ou a União Internacional de
Telecomunicações (UIT) para determinar ou, no mínimo, influenciar decisivamente as
políticas públicas nacionais.

As pretensões dos EEUU em relação a essa infra-estrutura de informação global


foram explicitadas no início da década de 1990 e estão vinculadas aos interesses desse
país em constituir as bases tecnológicas para uma economia apoiada na mídia digital.
Sua liderança no desenvolvimento tecnológico e o elevado grau de interdependência
da economia internacional foram considerados, pela União Européia, como elementos
de risco para sua indústria, a ser levado em conta no âmbito dessa comunidade. Para
responder a um quadro que já apontava para a perda de mercados em relação à
indústria de conteúdos, em 1993 o ‘livro branco’ da União Européia sobre o
crescimento, competitividade e geração de emprego tratou o tema da ‘sociedade da
informação’ como um capítulo específico para a promoção da economia européia.

Na análise das proposições dos EEUU nota-se o predomínio do tripé


‘liberalização/privatização - regulação – cooperação internacional’ na agenda de
implantação da infra-estrutura global de informação. Destacamos a ênfase dada à
coordenação internacional como estratégia para ‘harmonização’ do quadro regulatório

8
O termo ‘tríade’ é utilizado por diversos autores, entre eles Fiori (1998a), Ramonet (1998),
Hirst e Thompson (1998), para referirem-se aos EEUU, Japão e União Européia.
8

necessário à regulação, tanto nos seus aspectos tecnológicos como comerciais e legais,
das redes de telecomunicações ‘liberalizadas e privatizadas’, elementos fundamentais
dessa infra-estrutura.

O foco do discurso da Comissão Européia destaca a necessidade de se construir


uma ‘sociedade da informação’ apoiada no comprometimento do conjunto dos seus
países membros. Nesse sentido, às questões diretamente relacionadas com a
materialização da ‘infra-estrutura de informação’, somam-se as considerações relativas
às suas implicações sociais, societais9 e culturais, sob uma perspectiva que inclui uma
espécie de ‘preparação’ da sociedade européia para a entrada na ‘era da informação’.
Entre as preocupações presentes estavam a questão dos conteúdos10 informacionais, da
diversidade cultural e lingüística e as modificações que teriam lugar na ‘forma de viver
e trabalhar’11 dos europeus, para usar uma expressão freqüente nos documentos
relativos às iniciativas rumo à ‘sociedade da informação’ que analisamos.

Como vamos mostrar, com o correr do tempo as proposições apresentadas pela


Comissão Européia substituem seu enfoque inicial, mais voltado para o fortalecimento
da ‘sociedade da informação’ como um projeto comunitário, por uma perspectiva mais

9
O “Novo Aurélio – Século XXI” (FERREIRA, 1999) e o “Oxford Advanced Learner’s
Dictionary” (COWIE, 1989) não contemplam o termo ‘societal’. Já o “Dictionary of
Sociology” (ABERCOMBIE et. al., 1994) define o mesmo como “referindo-se às
características de uma sociedade como um todo”, que é o sentido segundo o qual o termo
tem sido utilizado na literatura em inglês, no contexto das políticas de informação.
‘Societal’ refere-se, portanto, às instituições sociais mais gerais da sociedade e, assim,
engloba questões ‘sociais e culturais’. Portanto, tal como utilizado – e como estará sendo
usado no presente trabalho – refere-se às relações estruturais da sociedade, às regras mais
gerais que caracterizam a organização dessa sociedade, como, por exemplo, as relações
sociais de produção entre capital e trabalho, as relações entre indivíduo e sociedade.
10
Conforme Miranda et.al. (2000) “os recursos, produtos e serviços de informação são
identificados na internet com o nome genérico de conteúdos” (p.1). A despeito da
redundância, optamos por utilizar essa denominação acompanhada do qualificativo
‘informacional’ com vistas a tornar mais claro o termo, que não é auto explicativo e nem de
domínio geral.
11
Nesse sentido, como comentado por Aun (2001), do ponto de vista da União Européia seriam
indispensáveis, entre outras, as iniciativas de formação profissional inovadoras “a fim de
familiarizar os trabalhadores com as novas possibilidades profissionais oferecidas aos
participantes da Sociedade da Informação” (p. 99).
9

preocupada com a posição relativa da União Européia na economia mundial, passando


a enfatizar as dimensões tecnológicas e comerciais da infra-estrutura de informação.

Vamos observar uma preocupação, tanto da União Européia como dos EEUU,
de incorporar a participação dos países periféricos nas suas iniciativas. Entretanto,
como alguns autores chamam atenção, as condições de participação destes países
foram, e têm sido sempre, explicitamente desiguais, o que se evidencia pela
desigualdade das trocas informacionais das quais participam (MATTELART, 1994;
BABE, 1995), pela sua participação secundária nos projetos de pesquisa e
desenvolvimento - P&D -, excluídos que são da pesquisa básica (TAKAHASHI,
2000), e pela inequívoca assimetria de poder, claramente desfavorável para esses
países, nas instâncias internacionais e transnacionais (HIRST; THOMPSON, 1998), na
definição dos termos comerciais e das diretrizes técnicas e tecnológicas relativas às
regras para a infra-estrutura de informação.

O advento e a disseminação das diretrizes norteadoras da implantação da


‘sociedade da informação’ global, entendida como base tecnológica para a ‘sociedade
de consumo’, serão analisados, tendo como referente empírico as iniciativas
institucionais propostas pelos EEUU e União Européia na década de 1990, e a sua
disseminação através de instâncias internacionais e transnacionais.

Para fazê-lo, utilizamos a documentação referente à agenda dos EEUU para a


constituição da sua ‘infra-estrutura de informação’ e suas proposições em relação às
bases para uma infra-estrutura global de informação e sua regulação; na União
Européia, analisamos as comunicações e relatórios produzidos pela Comissão
Européia acerca da ‘sociedade da informação’; e em relação à disseminação das
iniciativas de implantação da ‘infra-estrutura de informação’ global para a ‘sociedade
da informação’ global, examinamos os documentos da “World Telecommunications
Development Conference”, promovida pela UIT, os documentos relativos à “G7
Information Society Conference” ocorrida em Bruxelas, em fevereiro de 1995, o
“Information Infrastructure Policies in OCDE Countries”, preparado pela OCDE e o
10

“Information for All Programme”12, programa da Organização das Nações Unidas


para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) publicado em 2000, tendo em vista
lidar com as conseqüências sociais, societais e econômicas dessas iniciativas.

A seleção de documentos resultou de um processo que teve como premissa que


os mesmos estivessem disponíveis na internet. Esse critério se justifica pelo fato de
que o objeto de pesquisa refere-se à implementação de uma infra-estrutura tecnológica
que tem na internet o seu meio par excellence. Outra condição de seleção foi a de que
o material deveria integrar o acervo de alguma instância – dos EEUU ou da União
Européia – diretamente envolvida com a iniciativa de construção da ‘infra-estrutura de
informação’/‘sociedade da informação’.

No caso dos EEUU, incluímos, pela sua importância para a questão da


regulamentação, o guia13 elaborado pela Federal Communications Commission (FCC)
para os agentes reguladores dos países ‘em desenvolvimento’. No caso da União
Européia, examinamos também documentos relativos a questões sociais e societais,
por caracterizarem a especificidade da abordagem do tema na Europa14.

No caso dos documentos relativos aos EEUU, utilizamos o engenho de busca


Google a partir da combinação dos termos “information society” e “United States”.
Com isso obtivemos acesso à página da “United States National Information
Infrastructure Virtual Library”15. por meio da qual foi possível ter acesso ao

12
URL: http://www.unesco.org/webworld/future.
13
Trata-se do “Connecting the Globe – A Regulator’s Guide to Building a Global Information
Community”.
14
A ênfase nos aspectos sociais, societais e culturais específica dos documentos preparados
pela União Européia decorre do fato de constituir-se a mesma em uma entidade
supranacional da qual participam países de características culturais, linguísticas, econômicas
e sociais muito diversificadas.
15
A “USA National Information Infrastructure Virtual Library” (NIST, 1996d) é uma página
na internet destinada ao projeto “Global Inventory Project” (NIST, 1996c) a partir da qual
têm-se referências específicas para iniciativas e instâncias relacionadas com a ‘infra-
estrutura nacional de informação’, a NII dos EEUU. Tem-se aí, também, acesso ao conjunto
dos projetos integrantes do “G8 Pilot Projects” e, especificamente, àqueles desenvolvidos
nos EEUU, a saber, o “Global Inventory Project”, o “G8 SME” e o “G8 Global Marketplace
SME testbeds”, projetos estes definidos na Conferência do G7 em Bruxelas, 1995.
11

Infrastructure Information Task Force (IITF), à Global Information Infrastructure


(GII) e também à G7 Global Information Society.16

Em relação aos documentos da União Européia, os mesmos foram localizados a


partir do acesso ao portal dessa instância, em particular, através do Information Society
Promotion Office (ISPO)17. Beneficiamo-nos da existência de um domínio exclusivo, o
domínio europe.eu e do portal específico para a ‘sociedade da informação’, no qual
localizamos, inclusive, o histórico das iniciativas e documentos produzidos, o History
Towards the Information Society (COMISSÃO EUROPÉIA, 2001), que serviu de
referência para identificação de outros documentos.

Por fim, no caso dos documentos do G7 relacionados com a ‘sociedade global


da informação’, os mesmos foram também localizados a partir do site da União
Européia, instância que domiciliou a conferência desse grupo, realizada em Bruxelas
em 1995 para tratar exclusivamente da ‘sociedade da informação’.

As referências completas dos documentos que foram objeto de análise estão


relacionadas na seção 6.1 e os instrumentos utilizados para a coleta dos dados
encontram-se anexos.

Desenvolvida pelo Information Technology Laboratory do NIST, essa biblioteca virtual


possibilita a pesquisa de projetos referentes aos países que participaram da elaboração do
Global Inventory Project e é também o repositório para o registro internacional do G8
Global MarketPlace SME TestBeds. Sua realização foi co-patrocinada pela Information
Infrastructure Task Force e pelo Council on Competitiveness. Esse conselho foi criado em
1986. Constituía-se de chefes executivos dos setores de negócios, educação e trabalho. Foi
organizado tendo em vista melhorar a habilidade das companhias estadunidenses e de seus
trabalhadores para que pudessem ser mais competitivos nos mercados mundiais e,
internamente, aumentar o padrão de vida.
16
Outra forma de acesso, no caso dos EEUU, foi a página do NIST relativa à infra-estrutura
nacional de informação (NIST, 1996a).
17
Criado inicialmente como Information Society Project Office (ISPO), esse escritório cedeu
lugar ao Information Society Promotion Office (ISPO) a partir de novembro de 1998,
passando a ter como principais atividades 1- servir como one stop shop na provisão de
serviços de informação tanto por meio eletrônico como tradicional, para conscientização e
promoção de ações relacionadas com a sociedade da informação; 2- elaborar o inventário de
projetos e ações para a sociedade da informação, a identificação e a disseminação das
melhores práticas; 3- promover a articulação da rede de atores da sociedade da informação;
4- apoiar projetos e ações específicos para a promoção da sociedade da informação. (URL:
http://europa.eu.int/ISPO).
12

O trabalho está organizado em cinco capítulos, incluindo a presente introdução.


No próximo capítulo estabelecemos os fundamentos teóricos que orientam a análise.
Para isso, tecemos, inicialmente, o pano de fundo do nosso estudo, discutindo
globalização e neoliberalismo; em seguida destacamos a sociedade da informação, a
qual apresentamos sob as várias perspectivas acadêmicas que enfocam o
relacionamento entre tecnologias de informação e comunicação e mudança social.
Abordamos também o enfoque que discute a ‘revolução da informação’ como
sucedânea da ‘revolução das comunicações’, perspectiva esta, que tomava o acesso aos
meios de comunicação de massas como indicadores de desenvolvimento econômico-
social. Concluímos discutindo a efetivação da infra-estrutura de informação no
contexto de privatização do espaço público, característico do atual processo de
mercadorização da sociedade, processo este do qual os regimes de governança
internacionais fazem parte. Procuramos, também, apontar os fundamentos ideológicos
das iniciativas de construção da ‘sociedade da informação’.

No terceiro capítulo discorremos sobre as iniciativas que deram origem à


inscrição do tema da ‘sociedade da informação’ na agenda internacional e como
políticas nacionais. Discutimos as iniciativas dos EEUU, destacando o papel do
governo federal, na medida em que se trata do país que propôs uma agenda
internacional para a infra-estrutura de informação, a qual vai apontar, como parte do
papel do Estado em relação a essa infra-estrutura, um elenco de atribuições sobretudo
associadas à promoção do consumo das tecnologias de informação e comunicação. Em
seguida discorremos sobre as iniciativas da União Européia para a ‘sociedade da
informação’, evidenciando o redirecionamento ocorrido nos anos 1996/97. Detalhamos
aspectos sociais e societais em relação às suas iniciativas, uma vez que, como
veremos, as considerações relativas aos mesmos constituem um diferencial dessas
iniciativas em relação aos EEUU. Por fim abordamos a concepção política e as
estratégias de disseminação que vão resultar na adoção, por diversos países, de uma
mesma cartilha para a estruturação da ‘sociedade da informação’.

No quarto capítulo apresentamos os resultados da análise dos documentos


discutidos, destacando a disseminação dos princípios norteadores das iniciativas, os
13

elementos da ‘sociedade da informação’ na conformação da ‘sociedade


mercadorizada’, o papel da geração de consumo na viabilização da infra-estrutura de
informação, os elementos que apontam para a redefinição do papel do governo, o
advento da ‘tecnologia internet’18 e os elementos do projeto neoliberal para o mercado
‘global’ presentes nas iniciativas de ‘sociedade da informação’. Nesse último caso,
destacamos a presença da ideologia da tecnologia como o ‘motor’ das mudanças, a
centralidade do mercado, a redução da capacidade decisória nacional em favor de
instâncias internacionais e a privatização do público.

Por fim, no quinto capítulo, apresentamos as nossas conclusões, destacando os


principais aspectos da análise do capítulo precedente e sua associação com o quadro
teórico descrito no segundo capítulo. Enumeramos algumas possibilidades de estudos
futuros relacionados à temática da ‘sociedade da informação’ e sua compreensão no
contexto mundial.

18
A adoção da ‘tecnologia internet’ nos termos postos por Takahashi e Bastos (2001) é
“refletida em conceitos e técnicas como ‘packet switching’, ‘voice over IP’, ‘IP over fiber’,
etc.”, segundo esses autores, permitem “vislumbrar para o futuro (e planejar concretamente)
uma única infra-estrutura física e lógica que servirá para tudo: voz, rádio, televisão e, até...
acesso à internet” (p.2, grifo nosso). Note-se que, tal como considerada, a ‘tecnologia
internet’ vai muito além do que é usualmente referido como ‘internet’. Neste último
sentido, como uma alternativa de comunicação e informação, entre várias outras, a internet
tem origem nos anos 1960.
14

2. ‘GLOBALIZAÇÃO’ E ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’

Elementos constitutivos da sociedade mercadorizada

A história é comandada pelos grandes atores desse tempo real, que


são, ao mesmo tempo, os donos da velocidade e os autores do
discurso ideológico. Os homens não são igualmente atores desse
tempo real. Fisicamente, isto é, potencialmente, ele existe para todos.
Mas efetivamente, isto é, socialmente, ele é excludente e assegura
exclusividades, ou, pelo menos, privilégios de uso.

Milton Santos

Quanto mais nos afastamos, no tempo, em relação às situações críticas, mais se


pode fazer delas uma leitura menos apocalíptica, e mais se torna possível relacionar
episódios que, anteriormente, não pareciam estar inter-relacionados.

Sob esse ponto de vista é que procuramos compreender as iniciativas planejadas


para a ‘construção’ de uma ‘infra-estrutura de informação’ de pretensões globais, na
maioria das vezes referida na literatura institucional19 como ‘sociedade da
informação’. Não temos a pretensão de esgotar o assunto e nem de afirmar que seja
esta reconstrução a única maneira possível de explicar essas iniciativas. Entretanto
acreditamos que, contextualizadas como se segue, tais iniciativas se apresentem isentas
de parte das fabulações que as encobrem.

O pano de fundo sobre o qual essas iniciativas foram desenhadas compreende


um momento de crise do capitalismo, na década de 1970, quando se encerrou o
prolongado período de crescimento econômico e pleno emprego nos países avançados
15

o qual, desde a Segunda Guerra, havia sido “sustentado por estratégias de ativa
intervenção estatal nacional e por um regime de administração multilateral da política
comercial e monetária, sob hegemonia dos Estados Unidos” (HIRST; THOMPSON,
1998). Foram elementos dessa crise o colapso do sistema Bretton Woods e a crise do
petróleo da OPEP, sendo um de seus resultados um processo acelerado de inflação. A
partir dessa crise, tanto o Estado como a organização da produção econômica serão
alvo de mudanças Significativas.

Como Afirmam Hirst e Thompson (1998), o consenso que havia sido difundido,
entre as décadas de 1950 e 1960, de que o “futuro pertencia a um capitalismo sem
perdedores seguramente administrado por governos nacionais atuando em conjunto”
(p.20), foi substituído nas décadas seguintes, de 1980 e 1990, pelo consenso

de que os mercados globais são incontroláveis e de que o único


caminho para evitar tornar-se um perdedor – seja como nação,
empresa, ou indivíduo – é ser o mais competitivo possível.
...........................................................................................................
A noção de uma economia mundial ingovernável é a resposta para o
colapso das expectativas geradas pelo keynesianismo e tornadas mais
sóbrias pelo fracasso do monetarismo em fornecer uma rota
alternativa para a prosperidade de base ampla e para o crescimento
estável. (p.20)

Assim, como resposta ao capitalismo em crise, vão ser retomadas antigas teses
do liberalismo econômico e, em seguida, atualizadas sob a forma de um
‘neoliberalismo’ que admite a presença do Estado na economia desde que para
assegurar os interesses de um mercado desregulamentado. Como algo suspenso entre o
tecido internacional e as corporações de empresas, esse mercado, que se afirma global,
demanda regras que não se limitem às fronteiras nacionais e que precisam ser
apreendidas como resultantes da harmonização dos múltiplos interesses envolvidos no
seu funcionamento. Um contexto como esse vai sugerir a instauração de regimes de

19
Estamos nos referindo como ‘literatura institucional’ à literatura produzida por instâncias e
órgãos vinculados ao setor governamental, tais como proposições, projetos, planos de ação,
agendas, etc.
16

governança internacionais que, ao mesmo tempo, se apóiam na autoridade dos


governos nacionais, como os atores políticos dotados do poder de obrigar.

Nesse sentido, queremos fazer um parêntese para comentar, brevemente, que o


poder de obrigar, no Estado de direito, caracteriza-se pela paulatina substituição da
‘força bruta’ pela ‘razão’, o que oculta, sob o argumento da racionalidade, uma forma
de exercício de poder talvez mais cruel, na medida em que não se evidencia como tal.
Esse gradativo ocultamento pode ser observado, por exemplo, quando se faz uma
retrospectiva das relações entre as nações no que se refere aos recursos de poder do
colonialismo, do imperialismo e das atuais instâncias e instrumentos normativos das
relações internacionais, associados aos regimes de governança internacionais.
Podemos destacar que, de um contexto de exercício explícito de força, se passa a um
contexto no qual esse exercício se ‘virtualiza’, ocultando-se sob a forma de um
‘consenso’ na aceitação de regras estabelecidas, sem, entretanto, entrar no mérito da
sua genealogia20.

A importância dessa consideração no presente trabalho decorre do fato de que


estaremos falando de uma infra-estrutura tecnológica que está baseada nas tecnologias
de informação e comunicação, as quais estão, imaginária e concretamente, associadas
às atividades intelectuais, a ponto de levar os seus arautos mais entusiasmados a
proclamarem o advento de uma ‘sociedade do conhecimento’ na qual a ‘busca do
lucro’ seria substituída pela ‘busca do conhecimento’. Uma sociedade que, para esses
arautos, degredaria todos aqueles que, indivíduos e nações, não conseguissem tomar o
‘bonde do progresso’, representado pela incorporação de tais tecnologias não apenas
no mundo da produção, como, também, na esfera da vida, do lazer e da cultura.

Retomando, então, o fio condutor deste trabalho, é em um cenário que se


configura a partir de valores mercantis, da idéia de globalização e da releitura das teses
do liberalismo econômico que a ‘sociedade da informação’ vai ser destacada. Ela vai
ser associada à conformação de um contexto social no qual os interesses do mercado e,

20
Esse comentário tem, obviamente, como referência, as relações internacionais em tempos de
‘paz’.
17

mais especificamente, os interesses das grandes corporações dirigem, de forma quase


explícita, os rumos dos estados nacionais. Essa sociedade em que, cada vez mais,
valores associados ao ‘bem comum’ são identificados com os valores próprios do
mercado, vai caracterizar-se por atributos próprios de consumidores e, portanto, como
uma sociedade de ‘consumidores’, a qual, em termos dos papéis a serem
desempenhados pelo Estado, não se vincula mais a estratégias de geração de emprego
e renda, mas à indução e promoção do consumo.

Como colocado por Canclini (1999), trata-se de uma sociedade que, nas últimas
décadas, impulsionou um modelo no qual muitas das funções do Estado
desapareceram ou foram assumidas por corporações privadas. Para esse autor, a
participação social teria passado a se organizar mais através do consumo, permitindo-
lhe considerar, nesse sentido, o consumo como parte do processo de formação de
cidadania.

Após a crise das décadas de 1960 e 1970, a preocupação com a constituição do


mercado de consumidores passou a enfocar, sobretudo, a promoção, como um fim em
si, do próprio consumo e a mercantilização de outros setores da vida social. Nesse
sentido, estamos falando de um contexto de ‘mercadorização’ da sociedade,
correspondente à penetração de relações mercantis em âmbitos onde, até então,
vigoravam relações sociais ou relações políticas.

Nesse contexto, a ‘sociedade da informação’ vai inscrever-se como parte do


projeto neoliberal de sociedade no qual, como já mencionamos, afirma-se caber ao
mercado – na sua dimensão mundial –a primazia na determinação do interesse público.
Essa ‘sociedade da informação’ refere-se, principalmente, à constituição da base
tecnológica para a circulação e o consumo no mercado ‘virtual e global’ por onde os
setores hegemônicos da economia vão passar a transitar21. Esse mercado viabiliza o

21
Discutindo as perspectivas que as novas tecnologias abririam para o socialismo, Garcia
(2001) aponta a privatização das telecomunicações, a ‘colonização das redes’ e o loteamento
do campo eletromagnético como formas de o ‘capital global’ controlar o acesso e a
exploração do ciberespaço. Conforme este palestrista, a economia vai passar a ter o seu
comportamento analisado por simulações cada vez mais complexas, não mais baseadas na
18

aprofundamento das relações mercantis e a ampliação do consumo transfronteiras ao


promover o aumento da ‘porosidade’ das fronteiras nacionais e possibilitar a atuação
de agentes comerciais, segundo regras do seu interesse.

Para compreender as iniciativas de construção da ‘sociedade da informação’


nesse contexto, recorremos a um referencial teórico que inclui a questão da
globalização e da ‘sociedade de consumidores’ em conexão com a ideologia neoliberal
e com o advento dos regimes de governança internacionais para, então, nos
debruçarmos sobre as perspectivas teóricas que relacionam tecnologias de informação
e comunicação com mudança social.

Este capítulo está organizado segundo quatro seções. A primeira trata do


cenário a partir do qual a ‘sociedade da informação’ vai se configurar, destacando-se a
globalização neoliberal e o advento dos regimes de governança internacional; a
segunda seção discute informação, tecnologia e mudança social sob diversos ‘olhares’;
a terceira concentra-se nos vínculos entre comunicação e tecnologias de informação
como projetos na rota da ‘sociedade mercadorizada’. A quarta, e última, seção discute
o regime internacional de comunicação e informação associado à infra-estrutura de
informação, abordando o caso das redes de telecomunicações, elemento básico da
infra-estrutura de informação.

2.1 Globalização, Estado neoliberal e regime de governança

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os laços de articulação das economias


e dos estados foram reconstruídos de forma não colonial, numa mudança que se fez
acompanhar, do ponto de vista da teoria econômica, pela chamada ‘revolução
keynesiana’, uma perspectiva que rompia com a visão neoclássica de ‘equilíbrio
econômico’ e retomava a concepção marxista do capitalismo como um sistema
instável, cíclico, com crises, sem pleno emprego. Começava-se a considerar legítima a
possibilidade e a necessidade de políticas públicas anticíclicas, reconhecendo-se,

circulação do ‘dinheiro vivo’ mas num fluxo financeiro considerado enquanto


19

portanto, um papel ativo para o Estado, na economia. Segundo Fiori (1998b) “pode-se
dizer que foi dessa linha de rebeldia (...) que se abriram as condições de possibilidade
teórica, mais tarde transformada em vontade política, de estudar e propor estratégias de
indução do desenvolvimento econômico” (p.69).

Como afirma esse autor, se eram possíveis as políticas anticíclicas, tornava-se


igualmente possível que houvesse políticas com objetivos que não fossem de curto
prazo, tendo sido essa perspectiva que, após a Segunda Guerra Mundial, viabilizou a
preocupação e a vontade política relativas ao desenvolvimento econômico. Este passou
a ser visto como um processo passível de ser induzido ou acelerado politicamente.
Esse desenvolvimento econômico, que

implicaria transformações de tipo institucional, estrutural e uma


aceleração do processo de crescimento da acumulação capitalista [foi
a base para o desenvolvimentismo] como a ideologia que justificava,
compreendia e, ao mesmo tempo, legitimava a descoberta e a
consciência de que o mundo era terrivelmente desigual (FIORI,
1998b, p. 69),

na medida em que essa desigualdade era potencialmente superável. Os países que não
haviam crescido como as economias pioneiras poderiam vencer as desigualdades e
reduzir as distâncias econômicas e sociais, a partir da intervenção de fatores extra-
mercado, como forma de sustentar um crescimento a uma velocidade superior à gerada
espontaneamente pelo funcionamento do mercado.

Fiori (1998b) destaca que o impulso inicial dessa preocupação com o


desenvolvimento como projeto para o mundo atrasado ganhou força a partir dos países
centrais. Seu advento significou que se passava a aceitar que a intervenção de um fator
extra-mercado era capaz de sustentar um desenvolvimento econômico mais rápido do
que o que era gerado espontaneamente pelo funcionamento do mercado:

para seus primeiros formuladores, era uma (...) heterodoxia dizer que
não só o Estado devia intervir no curto prazo para controlar o ciclo

potencialidade, ou ‘virtualidade’.
20

dos negócios mas que ele também podia coordenar intervenções de


longo prazo, visando não apenas manter o pleno emprego, mas
crescer, desenvolver-se (FIORI, 1998b, p.70).

Esse autor faz referência, inclusive, a estudos nos quais se encontra a idéia “do
atraso como vantagem, como uma força que pode ser virtuosa do ponto de vista da
aceleração do crescimento” (p.70), dada a possibilidade de serem aceleradas rumo a
um estágio tecnológico mais avançado sem precisar reproduzir o caminho de seus
pioneiros.22

O detalhamento das estratégias de crescimento acelerado aplicadas na economia


capitalista como um todo no período que vai do após Segunda Guerra Mundial até a
década de 1970 vai evidenciar, como informa Fiori (1998b), que elas se fundavam,
sobretudo, no desrespeito sistemático às regras de Bretton Woods, em especial,
algumas regras monetárias e comerciais que haviam ficado informalmente sob a
arbitragem dos EEUU. Ainda segundo esse autor, os países periféricos e, em especial,
a América Latina, viveram, durante o período de 1950 a 1980, uma “era de
desenvolvimento consentido” pela potência central, na medida em que esse
desenvolvimento teria resultado da ‘permissão’ do exercício do protecionismo e do
intervencionismo estatal nestes países, fruto da aplicação discricionária das regras de
Bretton Woods.

No espaço de autonomia das políticas nacionais, em que o Estado


tinha margem de liberdade para tratar da renda interna, da
distribuição, de incentivos à demanda e ao crescimento, mantendo as
regras internacionais graças à soltura da política monetária norte-
americana, os europeus fizeram o Welfare State. Nesse espaço fizemos
[no Brasil] a nossa industrialização (p.76).

De uma perspectiva semelhante, Hirst e Thompson (1998) afirmam que “o


poder econômico e militar dos EEUU possibilitou a pax Americana após 1945, uma
tentativa política deliberada de reabrir a economia internacional, que teve
extraordinário êxito” (p.33) e que, de certa forma, continua, na medida em que, apesar
21

de todas as mudanças, os EEUU são o “único avalista possível do sistema de livre


comércio mundial” (p.33). Esses autores enfatizam que a abertura dos mercados
mundiais segue dependendo da política estadunidense. Nesse sentido, os EEUU
“detêm mais do que elementos residuais de hegemonia”, de sorte que seus
concorrentes políticos óbvios - Europa ou Japão - não têm capacidade para se
apropriar desse seu papel mundial (p.33).

A retomada do crescimento econômico dos EEUU, a partir da primeira gestão


Clinton -1993/1996 – foi fundamental para as intenções deste país quanto à política
internacional. Seu domínio expressou-se sobretudo nos campos da aeronáutica, da
informática e das redes telemáticas (RAMONET, 1998), permitindo que se
configurasse um contexto em que a definição da pauta de ações mundiais no âmbito
das telecomunicações iria ser fortemente influenciada pelos interesses dos EEUU, o
que se refletiu, no plano econômico, pelos acordos do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT)23, na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que
“consagra o triunfo do livre-comércio” (p.45) e no estabelecimento do Acordo de
Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA) com México e Canadá, que “cria um
mercado de 400 milhões de consumidores” (idem).

O laissez faire ressurgiu como ideário pelas mãos de economistas como Milton
Friedman, num quadro em que o setor público estatal era fortemente criticado por
ideólogos liberais e questionado pela opinião pública. Suas teses foram aplicadas de
forma rigorosa nos EEUU, por Ronald Reagan, e, no Reino Unido, por Margareth
Thatcher, no curso da década de 1980. Suas conseqüências sociais foram, entre outras,
o agravamento das desigualdades, o aumento do desemprego, a desindustrialização, a
degradação dos serviços públicos (RAMONET, 1998, p.25).

Assim, ainda que os economistas monetaristas defendessem a aplicação dessa


doutrina econômico-política argumentando que a ‘mão invisível do mercado’ e o
crescimento macroeconômico iriam resolver tais problemas, os resultados das

22
O que é conhecido como estratégia de catch up.
22

experiências no Reino Unido e nos EEUU reforçaram os limites do mercado e


resultaram no redirecionamento da concepção que privilegiava a dicotomia absoluta
entre ‘mercado’ e ‘sociedade’ para discussões sobre a ‘regulação’ e ‘desregulação’ do
mercado, que deram origem a idéias e práticas de desregulamentação amplamente
disseminadas ao longo dos anos 1980, com experiências que atingiram vários setores,
em inúmeros países (RAMONET, 1998; HEBER; FISCHER, 2000).

A disseminação desse modelo ‘neoliberal’ pelos demais países, especialmente


pelos países periféricos, foi facilitada pela atuação de organizações financeiras como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) com os quais estes países se
relacionavam. Esse processo fez alastrar no mundo a crença de haver apenas uma
forma – a neoliberal - para conduzir a economia de um país, devendo a mesma ser
orientada para o ‘mercado total’, com suas leis baseadas na concorrência e na
competitividade.

Como destaca Harvey (1994),

na medida em que o aumento da competição internacional em


condições de crescimento lento forçou todos os Estados a se tornarem
mais ‘empreendedores’ e preocupados em manter um clima favorável
aos negócios, a força de trabalho organizado e de outros movimentos
sociais tinha de ser contida. (...) A austeridade, as reduções fiscais e a
erosão do compromisso social entre o grande trabalho24 e o grande
governo25 se tornaram lemas de todos os estados do mundo capitalista
avançado (p.158).

O surgimento de novas arenas de conflito entre Estado-nação e capital


transnacional e a reacomodação dos papéis dos agentes colocaram o Estado diante da
situação paradoxal de, ao mesmo tempo, ser chamado para regular as atividades do
capital corporativo no interesse da nação, e - também no interesse da nação – ser

23
A partir de 1995 o GATT foi substituído pela Organização Mundial do Comércio – OMC
(RAMONET, 1998, p.53).
24
A força de trabalho organizado.
25
O governo do Estado do bem estar social.
23

forçado a criar um “bom clima de negócios para atrair o capital financeiro


transnacional e global e a conter a fuga de capitais” (HARVEY, 1994).

A ‘liberdade de empreender’ e a ‘empresa’ tornaram-se o centro de gravidade


da sociedade, dando-se a estas, em particular às grandes corporações, maior
visibilidade como atores políticos. Com isso, destaca Mattelart (1994), as hierarquias,
as prioridades e o papel dos demais atores foram redistribuídos, evidenciando-se a
mudança no “modo de produzir o consenso e cimentar a vontade geral” (p.246).

Queremos destacar, como pontos que nos interessam nesta brevíssima


retrospectiva, a consideração de Fiori (1998b) acerca da ideologia
‘desenvolvimentista’, na medida em que identificamos algumas semelhanças entre esta
e o discurso da ‘sociedade da informação’. Entendemos que, sob a ótica neoliberal, o
‘desenvolvimentismo’ refere-se às possibilidades de desenvolvimento econômico que
irão resultar da ‘livre atuação do mercado’ a partir da ‘desregulamentação’ e da
abertura ampla e irrestrita dos mercados, aí incluída a privatização das empresas do
aparato produtivo público, como ações promovidas pelo Estado, e do próprio
retraimento desse Estado no que se refere às políticas sociais. Nesse sentido, as
chances de se promover esse desenvolvimento são colocadas como decorrentes da
integração dos países à economia internacionalizada por intermédio da sua ampla
abertura ao exterior, integrando um ciclo virtuoso de inovações que possam vir a
resultar no aumento da sua produtividade.

Outro ponto que nos interessa são as relações internacionais, as quais são
sempre desiguais, assimétricas, hierárquicas. Como destacado por Fiori (1998b), “a
questão é como se particularizam, em cada momento histórico, essas assimetrias e
como se define o eixo central das relações entre os hierarquicamente diferentes” (p.
77). Chega-se, então, ao terceiro ponto a destacar, o qual se refere aos meios com que
esse poder diferencial é exercido, num contexto em que os interesses e relações
internacionais se imbricam, explicitamente, aos interesses e relações
interorganizacionais de setores da esfera privada e do ‘terceiro setor’. Esse contexto,
que tem sido referenciado como ‘globalização’, é o foco da discussão que se segue.
24

2.1.1 A ‘globalização’

Nos anos 1990, o termo globalização tornou-se moda. Sua conceituação é


imprecisa, dada a multiplicidade de características a ele associada e a diversidade de
enfoques que permite. Nos discursos acadêmicos, nos projetos institucionais, nos
jargões jornalísticos, ou na fala cotidiana, está associado à mudança nas relações
internacionais, à redefinição dos loci de ordenação econômica, à redução do poder das
autoridades nacionais nas definições das diretrizes econômicas e no estabelecimento
de políticas. No nível cotidiano, as mudanças vão se expressar, entre outros, na
reestruturação produtiva, na modificação das relações entre trabalho e capital, na
ampliação quantitativa e qualitativa da exclusão26 social, no aumento do leque de
mercadorias e serviços das mais diversas procedências.

Sua construção ideológica tem origem na turbulência dos anos 1970, após o
prolongado período de crescimento econômico e de pleno emprego nos países centrais
– o qual, como mencionamos, se sustentou com a ativa intervenção dos estados
nacionais e a partir de um regime multilateral de administração, sob a hegemonia dos
EEUU, da política comercial e monetária. Aquela década presenciou numerosas e
significativas mudanças, num quadro de colapso do sistema de Bretton Woods e crise
do petróleo da OPEP, com os esforços das instituições financeiras e dos setores
industriais para compensarem a incerteza doméstica buscando canais mais amplos para
investimentos e mercados adicionais; a aceleração da política pública de
internacionalização dos mercados financeiros; a tendência à ‘desindustrialização’ na
Inglaterra e nos EEUU; o desenvolvimento relativamente rápido de vários ‘novos’
países industrializados do Terceiro Mundo e sua penetração nos mercados do Primeiro

26
Neste trabalho estaremos utilizando o termo ‘exclusão’ para nos referirmos às “formas
anômalas e injustas de inclusão” social, como bem coloca José de Souza Martins. Esse autor
critica a concepção de ‘exclusão’ e da ideologia dela decorrente, por considerar que a
mesma “oculta o verdadeiro problema a ser debatido e a ser resolvido: as formas perversas
de inclusão social que decorrem de um modelo de reprodução ampliada do capital, que, no
limite, produz escravidão, desenraizamentos, pobreza e também ilusões de inserção social”
(MARTINS, 2002). Nesse sentido, a ‘exclusão’ ocupa o lugar da ‘marginalidade’, termo
utilizado nas décadas de 1960 e 1970, para referir-se ao processo desigual de
desenvolvimento econômico e urbanização ocorrido nos países do Terceiro Mundo.
25

Mundo; e a mudança da produção em massa, padronizada, para métodos de produção


mais flexíveis.

Um dos resultados dessa crise foi a adoção do regime monetário de taxa


flutuante, que resultou em políticas de abandono dos controles cambiais e na
liberalização dos mercados financeiros internacionais (HIRST; THOMPSON, 1998).
Como colocam esses autores, a esse regime monetário seguiu-se uma regularização
parcial, com o Sistema Monetário Europeu (1979) e os acordos do Louvre e do Plaza,
firmados entre os países industrializados avançados do G7, na década de 1980. Por sua
vez, a Rodada Uruguai do GATT possibilitou que o sistema de comércio mundial se
mantivesse aberto e potencialmente sujeito a regras presumíveis.27 Para os autores
mencionados, tais evidências comprovam que não se produziu um sistema baseado em
mercados supranacionais não regulados, o que lhes permite contestar a vigência da
‘globalização’, entendida como uma economia mundial ingovernável.

No seu sentido corrente, observa Galvão (2002), “a globalização não tem


sujeito definido, a não ser, vagamente, o próprio globo”, o que lhe dá um caráter
“determinista e totalizante”: “brota das forças do mercado, dos avanços tecnológicos”.
Está associada à determinação do econômico sobre o político e do global sobre o
nacional, como indutores ou condicionadores do processo de tomada de decisão,
sugerindo uma inevitabilidade e um ajustamento passivos à trajetória desenhada pela
ideologia do ‘pensamento único’.

Para o senso comum, a globalização é entendida “como resultante exclusiva das


forças de mercado”. Como coloca Fiori (1998a), essa “visão (...) do fenômeno da
globalização projeta sobre o fim do século XX (...) uma versão atualizada da ideologia
econômica liberal [e um retorno] às raízes mais profundas e utópicas do liberalismo”
(p.87), que explicariam a força e a difusão da idéia de globalização28.

27
A Rodada Uruguai de negociações do GATT, em 1994, bem como a formação da OMC entre
1994/1995 formalizaram o atual modus operandi do comércio mundial. (HIRST;
THOMPSON, 1998).
28
Como coloca Quéau (1998), a concepção de uma ‘civilização global’ é um “sonho sectário de
uma minoria extremamente privilegiada (“os senhores globais”), um grupo muito pequeno
26

As mudanças ocorridas a partir da década de 1970 são indubitáveis. Como


destacam Hirst e Thompson (1998), “a visível perda de controle nacional, a maior
incerteza e imprevisibilidade das relações econômicas e a rápida mudança institucional
foram um choque nas mentes condicionadas a acreditarem que a pobreza, desemprego
e ciclos econômicos poderiam ser controlados ou eliminados em uma economia de
mercado baseada no lucro” (p.20).

Para esses autores, a avaliação da questão da globalização requer o


estabelecimento de modelos que permitam identificar as especificidades do que seja
uma ‘economia global’ em termos de constituir-se a mesma como uma nova fase na
economia internacional e, também, em termos de ser ela um “ambiente inteiramente
mudado para os atores políticos internacionais” (p.21). Para isso, Hirst e Thompson
(1998) desenvolvem dois tipos ideais básicos de economia internacional. Um deles, o
de uma economia totalmente globalizada, e o outro, de uma economia internacional
aberta, caracterizada por trocas entre economias nacionais relativamente distintas e na
qual “resultados, tais como o desempenho competitivo de empresas e setores, são
substancialmente determinados por processos que ocorrem no nível nacional” (p.22).
Tomando-se como referência esses tipos ideais, esses autores consideram que “a
proeminência do comércio exterior e os consideráveis fluxos internacionais do capital
não são per se, evidência de um novo e distinto fenômeno chamado ‘globalização’”
(p.22). Hirst e Thompson (1998) destacam como conseqüências da economia
globalizada, nos termos postos pelo seu tipo ideal, o caráter problemático fundamental
de sua governabilidade já que, mesmo supondo a cooperação efetiva entre os
reguladores e a coincidência de seus interesses, seria difícil regular mercados globais
socialmente descontextualizados. Uma outra conseqüência de uma ‘economia
internacional globalizante’ seria a transformação de corporações internacionais em
corporações transnacionais29 como principais atores na economia mundial. Uma

deste planeta. A maioria esmagadora não vive, não compreende e menos ainda se beneficia
da globalização, embora esteja de fato sofrendo suas conseqüências e seja direta ou
indiretamente afetada por ela de modo efetivo e profundo” (p.198)
29
Esses autores fazem a distinção entre corporação multinacional e corporação transnacional,
entendendo que esta última refere-se à corporação que “não poderia ser controlada ou
27

terceira conseqüência da globalização seria “o maior declínio da influência política e


do poder de barganha econômica do trabalhador organizado” (p.30) e a conseqüência
final e inevitável da globalização seria, para esses autores, “o crescimento da
multipolaridade fundamental no sistema político internacional. O poder hegemônico
nacional, vigente até então, não poderia mais impor seus próprios objetivos de
regulação em seus próprios territórios ou em qualquer outra parte do mundo, e
agências menores (públicas e privadas) desfrutariam, assim, de mais poderes de veto e
de evasão vis a vis qualquer aspirante à ‘hegemonia’ (p.31). Como ponderam esses
autores, os dois tipos de economia não são mutuamente exclusivos, querendo, com
isso, destacar que, “em certas situações a economia globalizada englobaria e
submeteria a economia inter-nacional. A economia globalizada rearticularia muitas das
características da economia inter-nacional, transformando-as assim como reforçando-
as” (p.35). Para esses autores, o problema em relação ao que está ocorrendo com a
economia mundial é o de “identificar tendências dominantes: o crescimento da
globalização ou a continuação dos padrões internacionais existentes” (p.36). Sob o
ponto de vista desses autores, não estaria ocorrendo o processo de hibridização’
mencionado acima. Na sua perspectiva, os fenômenos em curso são consistentes com
uma ‘economia inter-nacional contínua’.

Ainda para Hirst e Thompson (1998), os argumentos que sustentam a


concepção de globalização destacam o surgimento de uma economia global na qual as
distintas economias nacionais e suas estratégias próprias de administração econômica
estariam se tornando cada vez mais irrelevantes. As forças de mercado estariam fora
de controle nessa economia mundial internacionalizada e os principais atores
econômicos e agentes de troca seriam corporações verdadeiramente transnacionais,
“que não devem lealdade a Estado-nação algum e se estabelecem em qualquer parte do
mundo em que a vantagem de mercado impere” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.13).
Contestando a ocorrência desse quadro, esses autores consideram que, não apenas os

mesmo restringida pelas políticas de Estados nacionais particulares. Ou melhor, ela poderia
praticamente escapar dos padrões de regulação internacionais comumente aceitos e em
vigor” (p.29).
28

mercados nacionais continuam preponderantes como, além disso, até as empresas que
operam intensamente no campo internacional continuam mantendo seu vínculo com os
países de origem, o que permite identificar claramente o centro de gravidade nacional
dessas empresas, não se podendo, portanto, considerá-las como ‘empresas
transnacionais’.

Por sua vez, em relação à globalização, Santos (2001) vai falar da necessidade
de serem levados em conta “três mundos num só” a saber, “o mundo tal qual nos
fazem vê-lo: a globalização como fábula; (...) o mundo tal como ele é: a globalização
como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.”
(p.18)

Visto como fábula, o mundo globalizado “erige como verdade um certo número
de fantasias, cuja repetição (...) acaba por se tornar uma base aparentemente sólida de
sua interpretação”, afirma esse autor. Ademais, para a grande maioria da humanidade,
essa globalização se impõe como uma perversidade que está na raiz da “evolução
negativa da humanidade [e que se relaciona] com a adesão desenfreada aos
comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas”
(SANTOS, 2001, p.20). Entretanto, esse autor acredita possível a construção de um
outro mundo a partir de uma “globalização mais humana”, obtenível tendo por bases
técnicas aquelas atualmente disponíveis, porém “postas a serviço de outros
fundamentos sociais e políticos” (p.20).

Considerando a globalização como “ápice do processo de internacionalização


do mundo capitalista”, Santos (2001) destaca que, para entendê-la (assim como a
qualquer período da história), “há dois elementos fundamentais a se levar em conta: o
estado das técnicas e o estado da política” (p. 23). Nesse sentido, o autor coloca que,
ao final do século XX, o sistema de técnicas produzido foi presidido pelas técnicas da
informação, “que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unido-as e
assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária” (p. 23). A unicidade da
técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a ‘mais valia
29

planetária’ estão entre os fatores que contribuem para a explicação da ‘arquitetura da


globalização atual’.

Com relação à unicidade da técnica, Santos (2001) destaca que a época atual
tem, como elemento representativo do seu sistema de técnicas, a técnica da
informação, por intermédio da cibernética, da informática e da eletrônica. Esta técnica
vai possibilitar que as demais técnicas existentes possam se comunicar e vai permitir,
em todos os lugares, “a convergência dos momentos, assegurando a simultaneidade
das ações” (p.25). Esse conhecimento instantâneo do acontecer do outro, que Santos
(2001) denomina de unicidade do tempo ou convergência dos momentos, é o chamado
‘tempo real’. Um tempo real que não existe para todos, mas apenas para uma parte dos
atores, ainda que potencialmente exista para todos. Quanto à ‘mais valia universal’,
Santos (2001) entende que a mesma tem como uma de suas formas de exercício a atual
competitividade das empresas:

o exercício da competitividade torna exponencial a briga entre as


empresas e as conduz a alimentar uma demanda diuturna de mais
ciência, de mais tecnologia, de melhor organização, para manter-se à
frente da corrida (p.31).

Como parte dos elementos constitutivos da globalização no seu caráter perverso


atual, Santos (2001) destaca a forma como a informação é oferecida à humanidade, na
medida em que, ao serem apropriadas por alguns estados e algumas empresas, as
técnicas da informação vão aprofundar o processo de geração de desigualdades.
Adicionalmente, Santos (2001) vai ressaltar que, atualmente, “as empresas
hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos” (p. 48).

Como indicador da mudança do uso das técnicas na atual fase de globalização,


Santos (2001) vai referir-se ao fato de se ter passado de um uso ‘imperialista’ - que
também era um uso desigual e combinado dessas técnicas - para uma “presença
obrigatória em todos os países dos sistemas técnicos hegemônicos, graças ao papel
unificador das técnicas de informação” (p.52).
30

Com a globalização, as técnicas vão se tornar mais eficazes e “sua presença


confunde-se com o ecúmeno, seu encadeamento praticamente espontâneo se reforça e,
ao mesmo tempo, o seu uso escapa, sob muitos aspectos, ao domínio da política e se
torna subordinado ao mercado” (p.53).

De uma forma sintética, para Santos (2001),

[a] globalização tem de ser encarada a partir de dois processos


paralelos. De um lado, dá-se a produção de uma materialidade, ou
seja, das condições materiais que nos cercam e que são a base da
produção econômica, dos transportes e das comunicações. De outro há
a produção de novas relações sociais entre os países, classes e pessoas.
A nova situação vai se alicerçar em duas colunas centrais. Uma tem
como base o dinheiro e a outra se funda na informação. Dentro de
cada país, sobretudo entre os mais pobres, informação e dinheiro
mundializados acabam por se impor como algo autônomo face à
sociedade e, mesmo, à economia, tornando-se um elemento
fundamental da produção, e ao mesmo tempo da geopolítica, isto é,
das relações entre países e dentro de cada nação (p.65).

A política passa a ser feita no mercado, mas esse ‘mercado global’ não existe
como ator e sim como ideologia, como símbolo. Atores são “as empresas globais, que
não têm preocupações éticas nem finalísticas” (p.67). Como destaca esse autor,
assiste-se a uma política feita pelas empresas, especialmente pelas maiores.
Destacando, como a grande mutação tecnológica, a emergência das técnicas da
informação, Santos (2001) é otimista quanto às possibilidades de democratização da
sua utilização. Nesse sentido, como técnicas constitucionalmente divisíveis, flexíveis e
dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, esse autor acredita que “essas técnicas
doces (sic) estarão ao serviço do homem” (p.174).

Por sua vez, Canclini (1999) considera como internacionalização o processo de


abertura de fronteiras geográficas das sociedades para incorporarem bens materiais e
simbólicos umas das outras, ao passo que a globalização

supõe uma interação funcional de atividades econômicas e culturais


dispersas, bens e serviços gerados por um sistema como muitos
31

centros, no qual é mais importante a velocidade com que se percorre o


mundo do que as posições geográficas a partir das quais se está agindo
(CANCLINI, 1999, p.41).

Para esse autor, o mercado teria desacreditado a atividade política, não só


lutando contra ela e exibindo-se como “mais eficaz para organizar as sociedades”,
mas, também, “submetendo a política às regras do comércio e da publicidade, do
espetáculo e da corrupção” (CANCLINI, 1999, p.44). Considera necessário voltar-se
para o que seria o núcleo do que seja a relação social na política, vale dizer, ‘o
exercício da cidadania’, mas mantendo o vínculo com o que, na atualidade, seria o
indicativo do pertencimento, ou seja, enfocando o consumo. Sua proposta é a de
superar a separação entre consumidor e cidadão, em busca de tentar reconceber o
público. Para esse autor, a esfera pública reconstituiu-se simultaneamente na tensão
entre Estado e sociedade civil. Ele situa como desafio

a revitalização do Estado como representante do interesse público,


como árbitro ou assegurador das necessidades coletivas de
informação, recreação e inovação, garantindo que estas não sejam
sempre subordinadas à rentabilidade comercial” (CANCLINI, 1999, p.
278).

Entende que, frente a um processo de “integração transnacional, a reivindicação


do público não pode ser uma tarefa para ser desenvolvida apenas dentro de cada
nação” (CANCLINI, 1999, p.281), na medida em que as ‘macroempresas’, ao
reordenarem o mercado conforme princípios de administração global, teriam
constituído uma espécie de ‘sociedade civil mundial’, da qual elas seriam os principais
atores. Essas macroempresas remodelam o espaço público e subordinam a ordem
social aos seus interesses privados. Para esse autor,

a esfera pública não se esgota no campo das interações políticas, nem


no âmbito do nacional. O público não abrange somente as atividades
estatais ou diretamente ligadas a atores políticos, mas também o
conjunto de atores – nacionais e internacionais – capazes de influir na
organização do sentido coletivo e nas bases culturais e políticas da
ação dos cidadãos” (CANCLINI, 1999, p. 281).
32

Esse autor acredita possível pensar na cidadania como resultante da participação


crescente através do consumo. Em oposição aos críticos do consumismo, que
ressaltam que a organização individualista do consumo tende à desconexão, como
cidadãos, no que se refere às questões relacionadas com a solidariedade coletiva,
Canclini (1999) acredita que a expansão das comunicações e do próprio consumo
geram associações de consumidores e lutas sociais.

A permanência da idéia da globalização no discurso das elites mundiais


independe da sua comprovação empírica, na medida em que decorre de uma ‘inversão
ideológica’ que, ao realizar uma ‘inversão’ da própria realidade, desvela e oculta, ao
mesmo tempo, aspectos parcialmente reais do mundo contemporâneo (FUKUYAMA,
1996; FIORI, 1998a).

Menos popular que o termo ‘globalização’, a concepção de ‘interdependência’,


termo cunhado em 1968 por Robert Cooper e que esteve em voga nos anos 1970, tem
voltado à cena para referir-se aos processos genericamente descritos como
globalização, no intuito de destacar aspectos desse processo que são omitidos na idéia
de ‘globalização’. Entre esses aspectos destaca-se a noção de “mutualidade e sujeitos
definidos” dependentes uns dos outros, que agem de modo próprio, mas são afetados
pelos outros (GALVÃO, 2002).

Historicamente, a noção de interdependência está associada ao período em que


os países desenvolvidos foram obrigados a

tomar consciência de sua vulnerabilidade e da integração de seus


destinos aos do resto da humanidade [enquanto o termo globalização]
surge nos anos 90, quando o ‘centro’ passa a se sentir invulnerável
(antes dos ataques de 11/09/01) e hegemônico (GALVÃO, 2002).

No primeiro caso considerou-se que o Estado tinha um papel ativo na condução


da economia, ao passo que, no caso da globalização, o que está implícito é a noção de
subordinação dos estados nacionais aos ditames de uma ‘ordem global’.
33

Um outro aspecto importante é que o termo interdependência não significa


simetria de poder, havendo diferenças em termos de capacidade, do poder de
influenciar e de resistir, de sensibilidade e vulnerabilidade às pressões e limitações
externas que vão se refletir nas relações internacionais como desiguais relações de
poder.

A interdependência como reciprocidade, e não como simetria, é destacada por


Keohane e Nye (1977), citados por Galvão (2002), que vão adjetivá-la como uma
‘interdependência assimétrica’ ou ‘interdependência complexa’, destacando sobretudo
a multiplicidade de atores e canais de comunicação que passam a estar presentes nas
relações, não entre estados nacionais, mas entre as sociedades nacionais.

Passados mais de vinte anos das considerações de Keohane e Nye, mencionadas


acima, e estes autores vão procurar estabelecer uma analogia entre o termo
‘globalização’, utilizado nos anos 1990, e o termo ‘interdependência’, dos anos 1970.
Para esses autores, a concepção de ‘globalização’ é a de um fenômeno que
compreende, ao mesmo tempo, a continuidade do processo de internacionalização em
curso, ao longo do século XX, e propõe uma ruptura em relação ao processo
antecedente. Para fazê-lo utilizam-se do conceito de ‘globalismo’, que definem como
“um estado do mundo que envolve redes de interdependência” (KEOHANE; NYE,
2000, p. 2). Como características do globalismo, destacam o fato de referir-se a ‘redes
de conexões’ e não a ‘relações singulares’ e o fato de serem relações que envolvem
distâncias multicontinentais. Nesse sentido, o termo faz referência, sobretudo, ao
encurtamento das distâncias em grande escala. Do ponto de vista conceitual, a
‘globalização’ é um processo de aumento do globalismo, em qualquer época.

A globalização contemporânea seria, para Keohane e Nye (2000), o processo


pelo qual o globalismo se torna cada vez mais ‘espesso’, ou seja, aumenta a densidade
de redes de interdependências. Esse espessamento crescente do globalismo significa
que diferentes relacionamentos de interdependência se interceptam mais
profundamente e em pontos mais diversos, permitindo que afirmem que a globalização
34

contemporânea ocorre mais rapidamente, de forma mais barata e com maior


profundidade.

Esses autores chamam atenção para o fato de que nem o globalismo significa
universalidade e nem a globalização significa o aumento da equidade ou a
homogeneização social ou econômica. Muito ao contrário, reconhecem que a
globalização tem sido acompanhada do aumento do hiato entre ricos e pobres.

Do ponto de vista das relações internacionais, o sistema mundial do século XXI


difere de um sistema de estados unitários que interagem entre si através da diplomacia,
da legislação pública internacional, das organizações internacionais e da guerra. Há
dois outros elementos essenciais ao sistema mundial atual que não são levados em
conta nessa perspectiva. São eles, as redes entre os agentes30 e as normas – padrões de
comportamento esperados – amplamente aceitas entre os agentes. Para melhor
administração de seus negócios, aplicação de estratégias de conquista,
desenvolvimento e imposição de suas normas e defesa de suas posições
monopolísticas no mercado, redes mundiais de empresas concorrentes precisam dispor
das autopistas de informação. Some-se a isso que, como afirmam Ramonet (1998) e
Aun (1997), apoiando-se em Ianni (1996), uma das maiores contribuições das
tecnologias de informação e comunicação para a economia contemporânea foi
promover a aceleração dos movimentos de capitais através dessas autopistas, o que,
como ressaltado por Ianni (1996), conforme Aun (1997), se faz a despeito da
diversidade interna das economias nacionais.

As novas tecnologias permitiram que as finanças, o comércio e a mídia se


tornassem capazes de deslocar seus centros de produção e transferissem seus capitais à
velocidade da luz. Essa ‘revolução da informática e da comunicação’31 acelerou a
mundialização das trocas de signos e implicou a explosão dos mercados financeiros e

30
As novas dimensões dessa ‘globalização’ estão relacionadas com a emergência de um
sistema mundial de interligações de redes privadas entre os principais bancos e empresas
manufatureiras e de serviços nos países da tríade.
35

das redes de informação (RAMONET, 1998). Nesse sentido, esse autor afirma ainda
que “a tecno-utopia da sociedade da informação serve à nova classe dirigente
planetária para afirmar e fazer aceitar a mundialização, isto é, a liberalização total de
todo mercado, por toda parte no mundo” (p.147).

Como afirma Mansell (1994), citado por Cassiolato (1997), “em todas as
variantes das teses sobre a inevitabilidade da globalização, o sistema de redes
telemáticas, de caráter global, é apontado como o eixo principal necessário ao
desenvolvimento dos novos paradigmas produtivos globais” (p.30). A partir dessa
infra-estrutura, tanto a produção e o marketing podem ser conectados no âmbito de
todo o globo, como se torna possível o desenvolvimento de novas estratégias de
interação entre fornecedores, clientes e concorrentes que resultem no aumento da
produtividade (CASSIOLATO, 1997).

Por sua vez, essa ‘sociedade da informação’ demanda uma forma de regulação
que não se restringe aos limites das fronteiras dos estados nacionais. Nesse contexto,
grupos privados, mais poderosos que estados, apropriam-se da informação, enquanto
grupos industriais lutam para controlar os recursos multimídia e as super autopistas de
informação, enquanto os governos submetem-se às instruções gerais da política
econômica definida pelo FMI, pelo Banco Mundial ou pela OMC (RAMONET, 1998).
Ao favorecerem o monetarismo, a desregulamentação, o livre-comércio, o livre fluxo
de capitais e as privatizações maciças, os governos transferem da esfera pública para a
esfera privada decisões essenciais para as sociedades nacionais, a exemplo das
decisões acerca dos investimentos da saúde e educação públicas, da proteção ao meio
ambiente.32 Como ressalta Ramonet (1998), “a globalização e a desregulamentação da
economia favoreceram a emergência de novos poderes que, com a ajuda das

31
Garcia (2001) destaca o maior interesse do capitalismo ‘de ponta’ no controle dos processos
em lugar do controle dos produtos. Com isso o capital, antes de tudo, o capital financeiro,
começa a deslocar-se para o campo do virtual.
32
Há, inclusive, aqueles como Fukuyama (1996), que afirmam que a principal tarefa do Estado
no mundo virtual da informação e das transações eletrônicas é a proteção dos direitos de
propriedade intelectual e a solução dos delitos internacionais.
36

tecnologias modernas, transbordam e transgridem, incessantemente, as estruturas


estatais” (p.60).

Some-se a isso que as novas aplicações das tecnologias de informação e


comunicação estimulam a convergência de diversos ramos de atividade econômica a
elas relacionados, resultando em alianças estratégicas que, longe de estarem moldadas
pela competição, configuram mercados de perfil oligopolista.

Nos países industrializados, vê-se, há alguns anos, que os cabo-


operadores, os serviços de telecomunicações e os operadores de redes
de radiodifusão, assim como as indústrias da informática, da edição e
do lazer têm estabelecido aproximações e alianças estratégicas.
Desejosos de estender suas atividades fora de suas fronteiras
tradicionais propondo serviços interativos, fornecedores e
divulgadores de informação partem, de forma agressiva, ao assalto de
novos mercados (“L´Unesco et la société de l´information pour tous”,
citado por RAMONET, 1998, p.136).

A globalização contemporânea é, sem dúvida, dominada “por atividades


baseadas nos EEUU, seja em Wall Street, no Pentágono, em Cambridge, no Vale do
Silício ou em Hollywood” (KEOHANE; NYE, 2000, p.7). A centralidade dos EEUU
nas redes globais dá origem ao que tem sido chamado de ‘poder brando’: “a habilidade
de fazer os outros desejarem o que os EEUU querem” (KEOHANE; NYE, 2000,
p.8).33 Entretanto, esses autores acreditam que o globalismo de hoje é centrado nos

33
Não se pode deixar de considerar aqui um outro aspecto de importância particular para os
EEUU em relação ao desenvolvimento e utilização das tecnologias de informação. Trata-se
de ser este um recurso que potencializa o poderio político e militar desse país. Na medida
em que liderem a ‘revolução da informação’, os EEUU serão mais poderosos que qualquer
outro, com base na “capacidade para recolher, elaborar, atuar sobre e disseminar
informação, uma vantagem que quase certamente aumentará durante a próxima década”
(NYE; OWENS, 1996). Ao dominar as tecnologias de comunicação e de elaboração de
informação, os EEUU podem manter a “vigilância do espaço, de transmissões diretas,
computadores de alta velocidade” e dispor de uma incomparável capacidade para integrar
sistemas complexos de informação, na medida em que haverá tecnologias com uma enorme
capacidade de reunir, classificar, elaborar, transferir e visualizar informação relativas às
mais diversas áreas geográficas, o que permite inovar as formas de comando, controle,
comunicações e processamento por computadores. Entre as vantagens daí decorrentes está a
capacidade de dissuadir ou derrotar ameaças militares tradicionais a um custo relativamente
baixo; o fortalecimento do vínculo intelectual entre política externa e poderio militar dos
37

EEUU porque grande parte do ímpeto para a ‘revolução da informação’ vem desse
país, no qual, adicionalmente, grande parte do conteúdo das redes de informação
globais é criado.34

Hirst e Thompson (1998) criticam, como ausência de perspectiva histórica, a


tendência a se “retratar mudanças correntes como únicas e sem precedentes,
firmemente fixadas para persistirem por muito tempo no futuro” (p.14). Esses autores
consideram como mito, a globalização tal como ela é concebida pelos seus defensores
mais extremados. Entre os argumentos que oferecem para contestar essa crença, está a
capacidade das grandes potências - o G335 - de exercerem “fortes pressões de
governabilidade sobre os mercados financeiros e outras tendências econômicas”, o que

EEUU; e a oferta de novas formas de se manter a liderança em alianças e coalizões


temporárias. O ‘poder brando’ representado pela “atração da democracia e dos mercados
livres dos EEUU” é destacado como multiplicador de força da diplomacia estadunidense. Os
recursos de informação podem ser usados para fazer com que países como China ou Rússia
estabeleçam diálogos de segurança, evitar que sejam hostis, ou impedir que estados como o
Irã e o Iraque – já hostis – se tornem poderosos. Numa era em que o poder brando influi
cada vez mais nos assuntos internacionais, esta capacidade nascente nos EEUU é uma
“capacidade de negociar com países amigos similar à que antigamente oferecia o dissuasivo
nuclear amplo” (NYE; OWENS, 1996). Agora, a questão central passou a ser a
ambigüidade quanto ao tipo e grau das ameaças, de sorte que a capacidade de esclarecer e
resolver tal ambigüidade torna-se um fundamento para a cooperação. Nesse quadro, na
medida em que seja privativo dos EEUU proporcionar o conhecimento das situações, em
particular as relativas a questões militares de interesse para outras nações, estas estariam
propensas a colaborar com os EEUU em função dos benefícios que pudessem obter. Essa
‘nova paisagem política e tecnológica’ apresenta-se sob medida para que os EEUU possam
capitalizá-la e, com seus instrumentos de poder brando, projetar seus ideais, sua ideologia,
sua cultura, seu modelo econômico e suas instituições sociais e políticas, beneficiando-se
das suas redes internacionais comerciais e de telecomunicações (NYE; OWENS, 1996).
34
A esse propósito, Afonso (2000), ao discutir as possibilidades de acesso universal à internet
no Brasil, ressalta a absoluta predominância dos EEUU no tráfego internacional e o fato de
a quase totalidade das conexões ser paga pelos operadores de outros países: “por ser
inexistente uma infra-estrutura de rede integrada na região [América Latina], todo o tráfego
internacional de informação (incluindo transações confidenciais) não só passa pelos EUA,
como depende da lógica de desenvolvimento (e portanto do plano de negócios) da Internet
norte-americana. E muitos repositórios em nossos idiomas com conteúdos gerados por nós
são ainda hospedados apenas em servidores dos EUA” (p.6/7).
35
Embora não esteja explicitado, ao se referirem ao G3, tudo indica que os autores estejam se
referindo ao que outros, dentre os quais Fiori (1998a) e Ramonet (1998), referem-se como a
‘tríade’.
38

evidencia que “os mercados globais de modo algum estão (...) fora da regulação36 e do
controle, ainda que o alcance atual e os objetivos da governabilidade37 econômica
sejam limitados pelos interesses divergentes das grandes potências e pelas doutrinas
econômicas que prevalecerem entre suas elites” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.15).

Esses autores apontam, como efeitos-chave dessa idéia, a paralisação das


estratégias nacionais de reformas radicais, que são, então, consideradas inviáveis
“diante do julgamento e da sanção dos mercados internacionais” (HIRST;
THOMPSON, 1998, p.14).

36
Como conceito, o termo regulação apresenta um elevado grau de imprecisão, decorrente dos
seus diferentes modelos de apreensão. Pode significar tanto controle como equilíbrio e
mediação de conflitos e tem sido mais aplicado recentemente para justificar as recentes
mudanças no papel do Estado. Tal aplicação tem sido feita mais no sentido de legitimar as
reformas do que para sugerir um aumento da complexidade e sofisticação desse papel
(HEBER; FISCHER, 2000).
37
‘ Por ‘governabilidade’ os autores entendem “o controle de uma atividade, por alguns meios,
de modo que o conjunto de resultados desejados seja obtido (...) [sendo] uma função que
pode ser desempenhada por uma ampla variedade de instituições e práticas públicas e
privadas, estatais e não estatais, nacionais e internacionais” (HIRST; THOMPSON, 1998,
p.284). O sentido que dão a esse termo é, portanto, o de conjunto de instâncias, atores e
instrumentos através dos quais são estabelecidas diretrizes e rumos que orientam as políticas
públicas. Já a governança, esta é entendida por (KEOHANE; NYE, 2000) como “os
processos e instituições – formais e informais – que guiam e restringem as atividades
coletivas de um grupo”, dos quais o governo é o detentor da autoridade capaz de criar
obrigações formais. “A governança não precisa ser (...) conduzida, exclusivamente, por
governos e pelas organizações internacionais às quais estes delegam autoridade” (p.12).
Nessa concepção, empresas privadas, associações de empresas, organizações não
governamentais e associações de organizações não governamentais comprometem-se com a
governança, às vezes até mesmo sem a autoridade governamental. Por sua vez, conforme
definida por Eli Diniz, a governança é “a capacidade governativa no sentido amplo,
envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução
das metas coletivas”. Ainda segundo essa autora, a governance resultaria de pressões
internacionais como forma de governar com maior flexibilidade, ao descentralizar funções e
transferir responsabilidades a parceiros sociais (Diniz (1996), citada em Aun (2001, p.66) e
em (JARDIM, 2000, p.1)). Conforme colocado por este último, a discussão mais recente do
conceito de governança “teria ultrapassado seus aspectos operacionais, incorporando novos
elementos. ‘Incluem-se aí, não apenas os mecanismos tradicionais de agregação e
articulação de interesses, tais como partidos políticos e grupos de pressão, como também
redes sociais informais (de fornecedores, famílias, gerentes), hierarquias e associações de
diversos tipos’. Por outro lado, a ampliação do conceito de governance teria tornado mais
imprecisa, segundo alguns autores, sua distinção do conceito de governabilidade”
(JARDIM, 2000, p.2).
39

Ao contrário da versão ‘forte’ das teses da globalização, que demandam uma


nova visão da economia internacional, as tendências à internacionalização podem ser
compreendidas como uma mudança do sistema econômico mundial na qual as
políticas e atores no nível nacional seguem desempenhando um papel importante.
Além disso, embora as empresas, governos e agências internacionais sejam forçados a
se comportar de forma diferente, no fundamental eles podem usar instituições e
práticas já existentes para atuarem (HIRST; THOMPSON, 1998).

Contrariamente às idéias de uma ‘globalização’, portanto, Hirst e Thompson


(1998) consideram que está em curso uma economia altamente internacionalizada na
qual a maior parte das empresas comercializa a partir de suas bases, nas distintas
economias nacionais, e que as políticas nacionais são essenciais para a preservação dos
“diferentes estilos e forças da base econômica nacional e das empresas que
comercializam a partir dela” (p.287). O fato de ser esta uma economia mundial com
alto e crescente grau de comércio e investimento internacional não significa que a
economia esteja globalizada, uma vez que tanto os estados-nação como as formas de
regulação internacional – criadas e sustentadas pelos primeiros – detêm o papel
fundamental de prover a governabilidade da economia.

Como observam esses autores, a uma economia globalizada se pode contrapor


um “mercado mundial aberto, baseado nas nações comerciais e regulado, em maior ou
menor grau, pelas políticas públicas dos Estados-nação e pelas agências
supranacionais” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.36). Essas características não devem,
entretanto, ser confundidas com características de uma ‘economia global’.

2.1.2 Regimes de governança na economia internacionalizada

Dando seqüência aos argumentos que contestam a economia globalizada,


retomamos aqui a primeira questão à qual Hirst e Thompson (1998) se referem como
primeira questão, e que diz respeito à governabilidade de uma tal economia. Em uma
economia pautada segundo o tipo ideal da economia globalizada apresentado por esses
autores, “a interdependência econômica sistemática dos países e dos mercados de
40

modo algum resultaria necessariamente em uma integração harmoniosa, em que os


consumidores mundiais se beneficiassem da real independência dos mecanismos de
mercado eficientes em termos de alocação de recursos” (p.27).

Em relação ao crescimento de uma “multipolaridade fundamental no sistema


político internacional”, os autores destacam que “os poderes disciplinares distintos dos
Estados nacionais declinariam, ainda que a maior parte de seus cidadãos,
especialmente nos países avançados, mantivesse o limite nacional” (HIRST;
THOMPSON, 1998, p.31).

No que se refere à atual estrutura de governabilidade da economia mundial,


Hirst e Thompson (1998) reconhecem que inúmeros aspectos da atividade econômica
já não se encontram sob o controle nacional direto. A capacidade dos estados de
atuarem de modo autônomo internamente às suas sociedades reduziu-se em função das
restrições que foram impostas aos instrumentos de incentivos e sanções econômicas,
antes à disposição do Estado, na medida em que sua capacidade de efetivar políticas
econômicas de feições exclusivamente nacionais foi reduzida. O ambiente
internacional assim modificado vai requerer novas instituições e estratégias em relação
às quais os autores vão se referir como “regulação econômica policêntrica”. Em
relação à governabilidade, Hirst e Thompson (1998) colocam que “as economias de
mercado necessitam ser apropriadamente governadas para que as expectativas
substantivas de uma ampla gama de atores econômicos sejam desempenhadas
efetivamente” (p.189), de sorte que, para produzirem resultados efetivos, a maioria dos
mercados precisa estar inserida em um contexto de instituições sociais não-mercantis e
de mecanismos de regulação, o que é contraditório com a perspectiva do liberalismo
econômico, tal como defendido pelos mais radicais. Como destacam os autores, o
liberalismo extremo não foi efetivado. Mesmo em época de dominação ideológica
liberal econômica, foram construídas ou mantidas, no nível internacional, estruturas de
regulação do mercado.

Para compreender esse aparente contra-senso, cabe lembrar que o processo de


reformulação do papel do Estado teve origem nos EEUU dos anos 1960, sob o
41

argumento de que era necessária a ‘desregulação’ dos mercados. Essa reformulação


justificava-se, no plano das idéias, pela crença de que qualquer sistema regulatório
gera desperdícios burocráticos e afronta a ‘disciplina dos mercados’ e, no plano da
realidade, pelos elevados custos da regulação pelo governo. A principal justificativa
para a regulação havia sido baseada nas imperfeições do mercado, consideração que
foi perdendo espaço para argumentos que, ao contrário, afirmavam que, se o governo
permitisse, até mesmo os setores caracterizados por um monopólio ‘natural’ poderiam
ser concorrentes38.

Ao examinarem as dimensões políticas da governabilidade, Hirst e Thompson


(1998) exploram a mudança do papel e dos poderes do Estado-nação e outros possíveis
papéis que os mesmos podem desempenhar no fomento e legitimação da
governabilidade ampliada, no sistema internacional. Seu argumento é o de que, longe
de estar enfraquecida pelos processos de internacionalização, a importância do Estado-
nação é fortalecida de diversas formas, destacando, no caso dos principais países
centrais, o G3; a criação de agências de regulação internacional para algumas
dimensões específicas da atividade econômica, com a participação de um número
significativo de estados; o controle de amplas áreas econômicas por blocos comerciais
como a União Européia, a Área de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA; as
políticas de nível nacional que equilibram cooperação e competição entre as empresas
e os principais interesses sociais; e as políticas de nível regional de oferta de serviços
coletivos para distritos industriais. No entanto, é inquestionável que essas formas, em
qualquer que seja o seu nível, não se aplicam hoje a qualquer país, senão àqueles que
são hegemônicos.

38
Esses argumentos estão presentes na teoria dos ‘mercados contestáveis’ de Baumol, que
afirma que a operação desses mercados é eficiente e reproduz os resultados da ‘concorrência
perfeita’ se não existem restrições institucionais, vantagem absoluta de custos, diferenciação
de produto ou qualquer outra restrição à entrada, se não existirem barreiras à saída e se o
tempo de resposta da firma já estabelecida à eventual entrada de uma concorrente for maior
do que o tempo que esta leva para iniciar suas operações (AZEVEDO, 2002). Essa
‘liberdade absoluta’ de entrada e saída das firmas em determinado mercado está associada à
‘perfeita contestabilidade’ do mercado.
42

O crescente poder do setor privado (empresarial) como ator político vai


alimentar e, ao mesmo tempo, ser alimentado por um processo de ‘desregulamentação’
que não vai significar apenas a liberalização ou a supressão de regulamentos e de leis
que cerceiam a liberdade de empreender, mas que, conforme destacado por Mattelart
(1994), “só pode ser interpretado como a promoção de outro princípio de organização
social, outro modo de estabelecer relações entre os indivíduos, grupos, sociedades e
Estados-nações” (p.249). Portanto, para esse autor, a chamada ‘desregulamentação’
seria a continuidade, por outros meios, do princípio de ‘livre fluxo de informação’
defendido pelos EEUU, o qual promove a “fluidificação dos circuitos da finança,
transportes, telecomunicações e meios audiovisuais de comunicação de massa” (idem).

Esse ‘livre fluxo de informação’, entretanto, precisa ser compreendido tendo em


vista interesses comerciais, já que os EEUU domiciliam as maiores companhias de
informação. Nesse sentido, a posição deste país está relacionada a um ‘livre fluxo de
informação’ como mercadoria a ser comercializada em troca de energia, recursos,
moeda estrangeira e bens intensivos em trabalho. Evidência disso foi a pressão
exercida pelos EEUU sobre o GATT e nos tratados de comércio bilaterais para que a
informação passasse a ser considerada apenas, ou sobretudo, como mercadoria e não
como bem público e sua defesa a favor da ruptura das barreiras de comércio
informacional. Como afirma Babe (1995), “os Estados Unidos e as corporações
sediadas principalmente nos EEUU detêm uma vantagem competitiva na produção em
massa de ‘mercadorias’ informacionais.”(p.44)

Retomando a questão da governabilidade, é necessário considerar que o alcance


e o papel das formas de governança são, atualmente, muito diferentes e, além disso,
significam diferentes implicações para o planejamento de governo. A condição para
que exista a estabilidade da economia internacional decorre da possibilidade de que os
estados nacionais possam fazer acertos para regulá-la e que, portanto, concordem em
estabelecer objetivos comuns e padrões de governabilidade. Assim, ao ‘desejo’ das
empresas de um ‘livre comércio’ e de ‘regimes comuns de padrões comerciais’
corresponde, paradoxalmente, a necessidade de que os estados trabalhem juntos “para
43

realizar a regulação internacional comum” que possibilite a realização de tais


‘aspirações’ das empresas.

Os diferentes níveis e funções de governabilidade precisam ser ligados


em uma divisão de controle que sustente a divisão de trabalho. (...) Os
poderes governantes (internacional, nacional e regional) precisam ser
‘suturados’ em um sistema relativamente bem integrado. Se isso não
acontecer, essas lacunas levarão à corrosão da governabilidade em
todos os níveis” (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 285).

O Estado-nação é fundamental nesse quadro, na medida em que suas políticas e


práticas na distribuição do poder, tanto em relação à esfera internacional como no que
se refere às agências subnacionais, é que vão constituir as costuras que irão manter a
união do sistema de governabilidade (HIRST; THOMPSON, 1998).

Ainda em relação à governabilidade dos mercados mundiais, esses autores


consideram que a cooperação seja, certamente, a mínima necessária para administrar
as crises periódicas. Como apontam, a economia internacional é dominada pelos seus
três atores principais (EEUU, Japão e Europa) e por blocos comerciais emergentes.
Embora seus interesses divergentes limitem a cooperação, como o grau de diversidade
em suas relações externas é decrescente, a administração ativa da economia
internacional torna-se possível a partir de condutas de cooperação entre aquelas três
economias (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 198).

Sintetizando, esses autores vão afirmar que

regimes de regulação, agências internacionais, políticas comuns


sancionadas por tratado, tudo isso chega a existir porque os principais
Estados-nação concordam em criá-las e em conferir-lhes legitimidade
compartilhando sua soberania. A soberania é alienável, os Estados
cedem poder para agências supra-Estado (...), mas os Estados
adquirem novos papéis, mesmo quando cedem poder: particularmente,
chegam a ter a função de legitimar e apoiar as autoridades que criaram
por essas concessões de soberania. (...) o Estado tem o papel de fonte
de legitimidade para transferir poder ou sancionar novos poderes
‘acima’ e ‘abaixo’ dele: acima, através de acordos entre os Estados
para estabelecer e cumprir as formas de governabilidade internacional
44

(...). Os Estados-nação (...) são eixos entre agências internacionais e


atividades subnacionais porque provêem legitimidade como a voz
exclusiva de uma população limitada territorialmente. Só podem
praticar a arte de governar como um processo de distribuição de
poder, se puderem convincentemente apresentar suas decisões com a
legitimidade do apoio popular (HIRST; THOMPSON, 1998,
p.294/295).

A perspectiva de Keohane e Nye (2000) acerca da globalização e da governança


guarda uma proximidade com o ponto de vista de Hirst e Thompson (1998).
Entretanto, os primeiros são menos ortodoxos no uso do termo globalização, pela
própria definição que dão ao mesmo, como evidenciamos na subseção 2.1.1.

Assim, embora mantendo o uso do termo, Keohane e Nye (2000) vão afirmar a
necessidade de uma forma coerente de governança, por considerarem que “sem
regulação – ou o que foi tradicionalmente denominado de ‘proteção’- a insegurança
pessoal para grande parte dos indivíduos poderá se tornar intolerável” (p.14).

Enquanto Hirst e Thompson (1998) discutem as formas de governança


internacional como relações de poder, Keohane e Nye (2000) afirmam que o que se vai
encontrar são regimes, ou seja, são normas, regras e instituições, governando um
grande número de questões de política mundial, cujos fundamentos, entretanto, esses
autores não questionam. Tais regimes podem ter natureza formal ou informal e citam
como exemplos de governança global formal as instituições multilaterais, “nas quais
os estados criam (sic) regimes internacionais e cedem parte do seu poder para
organizações intergovernamentais governarem questões específicas”. Para esses
autores, a solução intermediária entre o ‘governo mundial’ e o laissez faire seria,
assim, “um conjunto de práticas de governança consistentes com a centralidade dos
estados-nação como forma fundamental de organização política, que aumentem a
coordenação e criem válvulas seguras para as pressões políticas e sociais” (p.14).
Nesse sentido, efetivadas por meio de instituições internacionais, essas práticas
significariam a delegação, às instituições, de atribuições amplamente definidas, em
substituição às políticas comerciais, no caso da Organização Mundial de Comércio, e
45

às políticas financeira e de desenvolvimento, nos casos do Fundo Monetário


Internacional e do Banco Mundial, respectivamente.

Esta é, decerto, uma forma pragmática de definir ‘regime de governança’, que


parte da maneira de como vem ocorrendo o processo de definição de diretrizes para as
políticas nacionais. É também uma perspectiva de quem está em posição hegemônica
em relação à própria constituição dessa forma de governança - ou seja, os EEUU –
que, ao contrário de Hirst e Thompson (1998), evita a necessidade de desvendar a
hierarquia dos poderes que ‘governam’ essa governança.

Para esses autores, não se trata da substituição dos estados-nação como


instrumentos básicos de governança, doméstica e global, mas de sua suplementação
“por outros atores – privados e terceiro setor – em uma geografia mais complexa”
(KEOHANE; NYE, 2000, p.12), mantendo-se os primeiros como os atores mais
importantes, mesmo tratando-se de políticas ‘globais’.

A perspectiva desses autores aproxima-se da de Hirst e Thompson (1998), no


que se refere ao reconhecimento de um quadro político mais policêntrico, no qual os
estados tornam-se apenas um dos níveis no interior de um complexo sistema que
envolve agências de governabilidade sobrepostas, que freqüentemente competem entre
si. Para Hirst e Thompson (1998), um sistema de governabilidade no qual agências
internacionais e organismos de regulação já são significativos, os Estados-nação são
agências cruciais de representação. Nesse sistema, os principais Estados-nação, na
qualidade de ‘eleitores globais’, garantem que os organismos internacionais sejam
responsáveis pelo público-chave mundial e que as decisões apoiadas por estes estados
sejam cumpridas pelas agências internacionais “porque serão reforçadas por leis
internas e pelo poder do Estado local” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.296). Além
disso, dentro de um determinado território, o Estado-nação é a fonte original do poder
de obrigar, e sua existência, como fonte de autoridade da lei, é imprescindível para a
regulação através de lei internacional (HIRST; THOMPSON, 1998; KEOHANE;
NYE, 2000).
46

O novo papel do Estado, frente às formas emergentes de governabilidade dos


mercados internacionais e outros processos econômicos, é o de funcionar menos como
entidade ‘soberana’ e mais como integrante de um ‘sistema de governo’ internacional,
cujas funções centrais são as de “prover legitimidade aos mecanismos de
governabilidade supranacionais e subnacionais e garantir a responsabilidade por
eles”39 (HIRST; THOMPSON, 1998, p.264). O Estado, portanto, “permanece uma
instituição crucial, especialmente em termos de criar as condições para uma efetiva
governabilidade internacional” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.263/264).

Entendemos esses organismos internacionais como locais nos quais certos


interesses, considerados como interesses do ‘mercado’, são transformados em
‘interesse geral’ (e ‘global’). Isso é possível uma vez que os mecanismos de
constituição desses fóruns reproduzem os desiguais poderes presentes nas relações
internacionais. Nesse sentido, as diretrizes políticas aí formuladas resultam de posições
que, em maior ou menor grau, mantêm a hegemonia da tríade EEUU, Japão e União
Européia, dada a própria correlação de forças em tais fóruns. Por outro lado, as
‘vontades hegemônicas’ tornadas resultado do ‘consenso’ retornam como diretrizes,
referências ou mesmo como tratados que, por sua vez, vão condicionar e subordinar as
políticas nacionais pela via das complexas e desiguais redes de interdependência.

Fóruns como a OCDE, o G3, ou o G7, designado inicialmente como “fórum


para troca de idéias em uma atmosfera informal” (G8 INFORMATION CENTRE,
2001), são exemplos dessas relações assimétricas de poder. Suas deliberações e
conclusões, fruto da concertação do interesse de uns poucos países, acabam,
entretanto, evoluindo no sentido de se tornarem regras formalizadas ou instrumentos
de monitoração da sua execução.

O ponto chave do argumento, que considero importante destacar aqui, é o de


que os estados-nação seguem sendo as bases de referência para o capital, ao contrário

39
Conforme colocado pelos autores, o “papel do Estado democrático como possuidor de um
território cuja população ele regula lhe dá uma legitimidade definida internacionalmente de
modo que nenhuma outra agência poderia ter, no que diz respeito ao que ele pode dizer para
aquela população” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.264).
47

dos argumentos que falam de sua desterritorialização. Inicialmente porque, por si só, o
mercado não se regula, na medida em que não dispõe de qualquer mecanismo capaz de
estabelecer sequer um princípio original, para o que é preciso que alguma entidade,
dotada de poder, estabeleça as regras e seja capaz de as fazer cumprir.

Para serem válidas nos territórios, essas regras precisam do Estado, que é a
instância dotada de autoridade para impô-las. Além disso, o capital ainda mantém suas
bases territoriais - e, portanto, nacionais – até mesmo para dispor de uma instância
nacional para defender-lhe os interesses -, não sendo, portanto, como afirmam alguns,
um capital transnacional.

Como locais de representação de interesse e ‘formação de consenso’, as


instâncias internacionais e transnacionais refletem a hierarquia dos poderes dos
estados-nação40. Portanto, por via da concertação de interesses entre atores políticos
que dispõem de expressão mundial, essas instâncias estabelecem as estratégias e
diretrizes para políticas nacionais, atuando como mecanismos de ‘transferência’ dos
interesses dos países dominantes para os demais.

Apesar da redução da autonomia dos estados e do menor controle exclusivo


sobre processos econômicos e sociais dentro de seus territórios, os estados continuam
tendo o controle físico de suas fronteiras e do movimento de pessoas que as cruzam.
Em certas áreas ocorreu uma mudança radical do papel do Estado, destacando-se que,
com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação, este perdeu a
“exclusividade de controlar seu território, reduzindo sua capacidade de controle e de
homogeneização” (HIRST; THOMPSON, 1998, p.278). As comunicações
digitalizadas tornaram impossível, na prática, o licenciamento e o controle dos meios
de comunicação pelos estados. Nesse sentido, ao possibilitarem a conexão e interação
de uma série de culturas cosmopolitas, esses meios podem servir de base para uma
‘sociedade civil internacionalizada’, mas ‘virtual’.

40
Seria, a nosso ver, uma ingenuidade acreditar na universalidade das ‘questões globais’ e na
neutralidade do elenco de prioridades delas decorrente, como se as mesmas não possuíssem
uma territorialidade na sua origem.
48

É, sobretudo, pela possibilidade de constituir uma infra-estrutura tecnológica


que ‘acelera’ o rompimento das fronteiras nacionais, e pela importância disso para o
funcionamento da atual economia, que o tema da ‘sociedade da informação’ inscreveu-
se como parte da agenda internacional, muitas vezes sob a forma de ‘infra-estrutura de
informação’.

2.2 Informação, tecnologia e mudança social - os vários olhares

A consideração das mudanças em curso desde a década de 1970 como uma


‘revolução’ associada à idéia de sociedade da informação decorre de uma vertente
analítica que prioriza as tecnologias empregadas como critério de análise. Sua origem
está vinculada às teses de Daniel Bell e Alain Touraine acerca do advento de uma
‘sociedade pós-industrial’, para referirem-se à passagem para uma economia de
serviço e às mudanças sociais e políticas decorrentes (KUMAR, 1997). Essa
‘sociedade pós-industrial’ foi definida por Bell (1978) como a sociedade fundada nos
serviços, de sorte que o que passava a contar não era mais a força física ou a energia,
mas a informação. Segundo essa vertente, a evolução das sociedades é vista da
perspectiva do crescente papel que conhecimento e informação passam a ter na
estruturação do poder decisório, na distribuição do emprego e no estabelecimento do
modo de crescimento. Assim, é constatada uma ‘ruptura’ a partir do deslocamento do
trabalho social do ‘fazer’ para o ‘saber’. O ‘fazer’ perde sua importância relativa e,
com ele, o setor industrial perde o papel de ‘carro-chefe’ da economia. Na origem
desse deslocamento está o crescimento da produtividade do trabalho decorrente da
aplicação do conhecimento ao fazer, ou seja, do ‘uso do conhecimento científico’ na
especificação do modo de fazer as coisas para que as mesmas sejam reprodutíveis. Em
contrapartida, a complexidade dos processos aumenta e a questão chave passa a ser a
de produzir e aplicar o ‘saber’, ou, como tem sido referido, usar conhecimento para
gerar conhecimento. Nessa perspectiva, ao invés de se tomar como referência as
relações de propriedade, essas ‘rupturas’ e ‘continuidades’ em relação ao modo como
49

a produção humana é realizada é que passam a ser as ‘chaves’ para a constatação das
transformações (MALIN, 1994).

A concepção de informação utilizada para fundamentar essas abordagens é a de


Shannon e Weaver (1963), para quem ‘informação’ é uma quantidade medida em bits
e definida em termos de probabilidades de ocorrência de símbolos. Cabe aqui ressaltar
a diferença entre o contexto do trabalho destes pesquisadores - voltado para o estudo
da comunicação entre máquinas de armazenagem e transmissão de símbolos – no qual
essa definição seria adequada - e o contexto social de uma sociedade da informação,
no qual ela é inadequada. Como os próprios autores ressaltaram, não se deve confundir
‘informação’ com ‘significado’ (BABE, 1995) e, em contextos sociais, ‘informação’
não pode ser dissociada de ‘significado’.

Entretanto, essa não é a única perspectiva que toma como foco específico as
tecnologias de informação e comunicação. Além da idéia de ‘sociedade da
informação’, outras abordagens, tendo também esse foco, vão buscar compreender as
intensas mudanças sociais que ocorrem a partir da década de 1970, cujo ‘momento
decisivo’ foi chamado de ‘revolução da informação e da comunicação’, com seus
impactos sobre o trabalho e as empresas, num quadro de crise das ideologias políticas
e das crenças culturais.

Webster (1997) e Kumar (1997) discutem se essas mudanças na sociedade e a


ênfase atribuída às novas tecnologias de informação e comunicação permitem, como
querem diversos analistas, falar de uma transformação nos moldes e características
semelhantes ao que hoje identificamos como ‘revolução industrial’.

Para fazê-lo, Kumar (1997) agrega essa diversidade analítica segundo as


abordagens priorizem a tecnologia, propriamente, seu papel no processo de produção
ou seu impacto sobre o consumo. Essas perspectivas são identificadas,
respectivamente, como ‘sociedade da informação’, entendida como a reformulação da
idéia inicial de ‘sociedade pós industrial’; ‘sociedade pós-fordista’, cujo núcleo são as
mudanças tecnológicas como estratégias para a sobrevivência do regime capitalista; e
‘sociedade da pós-modernidade’, de escopo mais voltado para questões culturais
50

decorrentes do advento das novas tecnologias de informação e comunicação, mas que


apresenta pontos em comum com a teoria do pós-fordismo e com as idéias da
‘sociedade da informação’. Já Webster (1997) agrupa essas abordagens conforme
predomine a perspectiva estritamente tecnológica, cuja idéia chave é a de que as
mudanças no processamento da informação resultaram na aplicação das tecnologias de
informação em, virtualmente, todas as dimensões da vida social41, a perspectiva
econômica, que se baseia em considerações sobre o setor produtivo42; a perspectiva
ocupacional, que é freqüentemente combinada com alguma mensuração econômica e
considera como ‘sociedade da informação’ uma situação na qual predominem
ocupações no trabalho com informação; a espacial, que se vincula à distribuição
geográfica da informação e à sua associação com a mudança social e tem como idéia
predominante o fluxo da informação nas infovias, enfatizando as redes de informação
que conectam localidades e causam impactos na organização do tempo e do espaço; ou
a cultural, que se refere à explosão de signos concomitante com a redução do seu
poder de significar em função da multiplicidade de direções de onde vêm, das suas
contradições, diversidade e mutabilidade.

41
Uma consideração mais elaborada dessa perspectiva destaca a convergência e a imbricação
entre telecomunicações e computação. Seu argumento é o de que o barateamento das
tecnologias de armazenamento e processamento da informação associado com o
desenvolvimento das telecomunicações possibilitaram a interligação dos centros
computadorizados juntamente com o próprio desenvolvimento geral da computação,
resultando no aumento do gerenciamento e na possibilidade de distribuição extensiva da
informação.
42
Conforme Malin (1994), “os novos critérios de classificação estabelecidos para reagrupar a
estrutura produtiva da sociedade em quatro setores [os três setores tradicionais e mais um
quarto setor, o ‘setor informação’] pressupõem que a atividade de informação inclui todos
os recursos envolvidos na produção, processamento e distribuição de mercadorias e serviços
de informação. O resultado é um Setor Informativo amplo, incluindo atividades até então
consideradas díspares e pertencentes a mundos diferentes, como os serviços de jornalismo, a
pesquisa científica, a produção de computadores e a burocracia” (p.12). Alguns trabalhos
têm como categorias os setores primário e secundário da informação e o setor não
informacional. Outros autores, considerando a predominância funcional, utilizam como
critérios de classificação as ‘atividades de informação’ estabelecendo como categorias
educação, meios de comunicação, máquinas de informação, serviços de informação. O
conceito de ‘atividades em informação’ foi formulado por (PORAT, 1977) e deu origem a
uma linha de trabalho de análise e mensuração da ‘economia da informação’.
51

Kumar (1997) não se abstrai de utilizar a expressão ‘revolução da informação’


para referir-se às mudanças decorrentes da generalização das tecnologias de
informação e comunicação, tendo em vista destacar o seu caráter ‘transformador’.
Entretanto, enfatiza que não se trata de uma revolução nos moldes da ‘revolução
agrícola’ ou da ‘revolução industrial’. Nesse sentido, critica o uso do ‘paradigma da
revolução industrial’ como modelo de referência a partir do qual o caráter
revolucionário das mudanças ocorridas a partir da década de 1970 é observado.

Por sua vez, Webster (1997), que argumenta não se tratar de ‘revolução’, busca
evidenciar os limites das análises que defendem tal perspectiva, destancando a
ausência de condições que, a rigor, confirmariam o caráter revolucionário das
mudanças. Esse autor destaca, nos argumentos apresentados em tais análises, a
ausência de qualquer possibilidade de transformação qualitativa, que aponte para
mudanças estruturais na organização da sociedade.

Tanto Webster (1997) como Kumar (1997) consideram que os argumentos dos
autores que falam do advento de uma ‘nova’ sociedade estão calcados em mudanças
quantitativas que não resultam em alterações estruturais, mas apenas aceleram ou
agudizam processos sociais já em curso, o que, portanto, não lhes confere o caráter
revolucionário atribuído às revoluções ‘agrícola’ e ‘industrial’.

De uma perspectiva que associa o que hoje tem sido chamado de ‘revolução da
informação’ à ‘revolução da comunicação’ dos anos 1960, Mattelart (1994) ressalta,
sobretudo, o fenômeno comunicacional. Para isso faz um histórico das idéias e das
estratégias que culminaram nesse fenômeno, tendo como eixo a amplificação dos
efeitos da ideologia43 pela via das comunicações de massa. Esse autor busca
compreender como se dá a banalização de processos sociais complexos através da sua
disseminação e popularização, sintetizada em palavras de ordem como
‘modernização’, ‘desenvolvimento’, ‘segurança’, ‘globalização’, ‘era da informação’.

43
Para esse autor, as ideologias – no seu sentido ´forte´, como distingue Bobbio (1995) - são
conformadas e disseminadas por intermédio da educação, treinamento, persuasão,
mobilização de certos sentimentos sociais e propensões psicológicas. São, adicionalmente,
52

As abordagens da ‘economia da informação’, que são eminentemente


quantitativas, têm sido adotadas em instituições governamentais de diversos países.
Além disso, entidades internacionais como a OCDE têm difundido, nessa linha,
principalmente dados relativos ao crescimento das ocupações relacionadas com a
criação e a manipulação de informação e sua infra-estrutura de suporte (OCDE, 1986),
os quais, por sua vez, vão ser utilizados para alimentar os argumentos em que se
apóiam os discursos da sociedade da informação e da economia da informação.

A crítica mais geral às abordagens da economia da informação refere-se aos


critérios utilizados para contabilização do setor ‘informação’ e para demarcar o
advento dessa ‘economia da informação’. Os critérios utilizados são apontados como
conceitualmente insuficientes, tanto para definir procedimentos inequívocos de
classificação e quantificação como para estabelecer os marcos quantitativos a partir
dos quais se possa entender as mudanças como uma ‘transformação social qualitativa’.

Entretanto, essas críticas não têm impedido que perspectivas como a da


‘sociedade da informação’ ou da ‘economia da informação’ sejam utilizadas como
argumentos para fundamentar políticas de Estado relacionadas com a burocracia, com
mudanças nas formas de poder, privacidade, fluxos de dados transfronteiras e com a
constituição da ‘infra-estrutura de informação’ (MALIN, 1994).

Outra vertente de análise enfatiza a questão do conteúdo de informação nessa


sociedade ‘informacionalizada’. São estudos acerca da organização e do tratamento
das informações, das unidades de informação, dos conteúdos, de usuários, entre outros,
aos quais, com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, se
incorporaram os estudos sobre os ‘sistemas de informação’ e a ‘gestão da informação’
em sistemas informáticos. Vamos encontrar, aí, autores que discutem a informação a
partir das mudanças no ritmo do crescimento quantitativo do volume de informação
disponível, produzida, transacionada ou utilizada, ou que o fazem a partir da
imbricação entre todos esses processos, apontando, muitas vezes, para o processo de

cultivadas pelos meios de comunicação de massa, instituições religiosas e educacionais e


nos vários setores do aparelho de Estado.
53

perda da relevância do conteúdo informacional em favor da mídia e de seus


condicionantes.

Em um trabalho que tem como foco a análise dos principais gêneros de discurso
e correntes teóricas relacionados com o estudo da ‘computadorização’ da sociedade,
Sabbatini (1999) chama atenção para as concepções freqüentemente presentes em
discursos de divulgadores científicos e, implicitamente, propostas por muitos
especialistas, caracterizadas por apresentarem imagens populares ligando a
informatização à mudança social em grande escala. Uma dessas concepções está
associada ao determinismo tecnológico, às relações de causa e efeito entre tecnologia e
sociedade, cuja importância decorre do poder das imagens que são inculcadas no
público em geral. O determinismo tecnológico oferece apenas uma causa, ou variável,
independente, a partir da qual se fazem alegações que, quando justificadas, constituem
poderoso recurso de explicação e predição. Uma primeira vertente das teses do
determinismo tecnológico está relacionada ao mito da tecnologia autônoma. De acordo
com o mito da tecnologia autônoma, o desenvolvimento tecnológico é capaz de
influenciar significativamente a ordem social, ao passo que esse desenvolvimento
tecnológico ocorre independentemente de quaisquer fatores sociais; daí o qualificativo
‘autônomo’ a ele aplicado.

Uma segunda vertente do determinismo tecnológico expressa-se na forma como


a mudança social é determinada pela mudança tecnológica. De um lado, “considera-se
que a base técnica de uma sociedade é a condição fundamental que afeta a todos os
modos de existência social e, de outro, pensa-se que as mudanças tecnológicas são a
fonte mais importante de mudança social” (Aibar, 1996 apud SABBATINI, 1999).

No que se refere ao campo de estudos acerca dos gêneros de discurso e análise,


Sabbatini (1999) destaca a análise de Kling e Lamb (1996), que identificam, como
gêneros de discurso sobre a informatização da sociedade, o utopismo tecnológico; o
anti-utopismo tecnológico; o realismo social; a teoria social; e a redução analítica.
Esses autores destacam que grande parte da literatura referente à informatização da
sociedade será escrita por tecnólogos e jornalistas para diversas audiências
54

profissionais e leigas, estimulada não apenas pela inovação contínua na computação


mas, também, pelos estudos de viabilidade e para justificar grandes investimentos em
redes de computadores, em nível nacional (Kling e Lamb, 1996 apud SABBATINI
1999).

O utopismo tecnológico refere-se às análises que consideram que o uso de


tecnologias específicas é fundamental para a formação de uma visão positiva da
sociedade, entendida como capaz de ampliar as ofertas ao conjunto dos seus
integrantes, independentemente das condições sociais concretas pré-existentes. A esse
gênero se opõe o anti-utopismo tecnológico, que se concentra no exame do modo
como certas famílias amplas de tecnologias facilitam o estabelecimento e a reprodução
de uma ordem social perversa, em termos de promover a contínua reprodução das
desigualdades, à qual Kling e Lamb (1996), citados por Sabbatini (1999), se referem
como uma “ordem social severa, destrutiva e miserável”. Nesse sentido, o anti-
utopismo tecnológico considera a tecnologia uma forma de degradação da sociedade e,
em alguns casos, como um meio pelo qual os governos totalitários poderiam manter o
poder44.

A principal crítica feita pelo anti-utopismo tecnológico está relacionada com as


crescentes taxas de analfabetismo cultural e com a segregação da sociedade decorrente
das barreiras no acesso aos recursos de ‘conhecimento’ em mídia eletrônica. Tanto o
utopismo como o anti-utopismo tecnológico são discursos que se orientam para o
futuro, para a universalização das experiências e para a caracterização das tecnologias
como elementos tendentes a dominar as interações sociais. A simplicidade causal de
suas visões permite uma clareza e torna fácil a sua compreensão, tendo grande
influência nas discussões acerca das publicações eletrônicas (SABBATINI, 1999).

O realismo social, por sua vez, é um gênero que se caracteriza pelo uso de
dados empíricos para examinar como a computadorização é praticada e
experimentada. Baseia-se, portanto, na observação das realidades sociais nas quais as

44
George Orwell, em “1984”, e Aldous Huxley, em “Admirável Mundo Novo”, são exemplos
que ilustram essa perspectiva.
55

tecnologias são usadas, não se preocupando com a formulação de conceitos ou de


generalizações. Em contraste com o realismo social, os analistas identificados com a
teoria social preocupam-se com a explicitação, o desenvolvimento ou a comprovação
de conceitos e teorias que transcendam situações específicas. Seus estudos oferecem
explicações relativamente concisas e gerais e conceitos que ajudam a investigação de
novas situações. Por fim, o gênero de ‘redução analítica’ envolve investigações sociais
da computadorização em marcos de análises conceituais firmemente definidos,
proporcionando que alguns conceitos chave sejam identificados (SABBATINI, 1999).

Como veremos no terceiro capítulo, o discurso das propostas para a ‘sociedade


da informação’ e para a constituição da infra-estrutura de informação que lhe serve de
plataforma tecnológica evidencia a hegemonia da concepção que considera as
tecnologias de informação e comunicação como ‘motor’ de mudança, para a qual os
conceitos de conhecimento e a informação, que inclusive nomeiam as sociedades às
quais fazem menção, estão, necessariamente, condicionados pelas tecnologias. Trata-
se de uma concepção que lida com os conteúdos informacionais do ponto de vista da
sua racionalidade instrumental, em virtude do que a primeira preocupação quanto aos
mesmos é a de que possam ser codificados/digitalizados, necessidade que assume um
status de meta social. Como destaca Nehmy (2001), trata-se de uma concepção que
pode ser associada à posição político-ideológica típica do ‘discurso único’ do
desenvolvimento autônomo das tecnologias da informação.

Nas próximas seções abordaremos as perspectivas que tratam das tecnologias de


informação e comunicação em relação à mudança social, agrupando-as do modo como
a ela se refere Kumar (1997), como ‘idéias de sociedade da informação’, que agregam
sobretudo o discurso do utopismo tecnológico; a perspectiva crítica, cujo discurso
pode ser associado aos analistas da teoria social; e a perspectiva da pós-modernidade
que, por sua vez, está mais associada ao discurso do anti-utopismo.
56

2.2.1 As idéias de ‘sociedade da informação’

Os primeiros enunciados “sobre a natureza social, econômica e política da


mutação tecnológica no domínio das comunicações”, em meados da década de 1960,
marcam o início do desenvolvimento do leitmotiv da ‘revolução das comunicações’.
Entre seus pioneiros estavam Daniel Bell, com suas teses sobre a sociedade pós-
industrial, e Zbigniew Brzezinski, com sua sociedade tecnotrônica. Ambos os autores
tinham como preocupação “antecipar e preparar o futuro da sociedade surgida da
revolução industrial” e, para escapar à problemática exclusiva da mídia, buscaram
reposicionar-se no contexto mais amplo do novo sistema tecnológico das
comunicações (MATTELART, 1994, p.148).

A ‘sociedade tecnotrônica’ de Brzezinski (1970), conforme referido por Kumar


(1997), é uma sociedade cuja forma é determinada pela influência da tecnologia e da
eletrônica, em particular no domínio dos computadores e das comunicações. Seu
correlato é a ‘cidade global’, que consiste de um novelo de relações interdependentes.
Nessa sociedade, a noção de globalidade é central e as comunicações são indicadas
como sua causa evidente e imediata. Esse autor fala de uma nova divisão mundial do
trabalho, na qual a liberdade de ação das grandes unidades econômicas supranacionais
com vocação multinacional é legitimada, apesar de reconhecer tratar-se de uma
expansão que dificilmente se conforma com a idéia de soberania.

Por sua vez, Bell (1980)45 coloca o computador como centro da sua concepção,
o seu principal símbolo e ‘motor analítico’. Para esse autor, a possibilidade de
expansão do ‘conhecimento teórico’ está associada ao desenvolvimento das novas
tecnologias de informação e seu uso potencial por todos os setores da sociedade. A
“transformação revolucionária da sociedade moderna” (sic) é considerada como

45
Embora não se exprima explicitamente em termos de ‘sociedade da informação’, Daniel Bell
irá tornar-se o maior expoente dessa perspectiva. A introdução do conceito de sociedade
pós-industrial data de fins da década de 1960, quando esse autor, tomando como base as
modificações na estrutura de empregos nos EEUU após década de 1950, que apontavam que
o setor de serviços havia superado o setor industrial em termos de emprego, considerou que
se estaria vivendo uma ‘sociedade pós-industrial’.
57

resultado dos “novos métodos de acessar, processar e distribuir informação”, o que


transforma o conhecimento e a informação em ‘recursos estratégicos’ e agentes
transformadores da sociedade pós industrial (Bell, 1980 apud KUMAR, 1997, p.21).

Bell (1978) passa a utilizar o crescimento quantitativo dos ‘empregos ligados ao


conhecimento’ em relação ao número de empregos do setor terciário como argumento
para evidenciar a emergência de uma sociedade na qual o conhecimento estaria se
tornando o elemento chave.

Entretanto, o ‘conhecimento’ ao qual esse autor se refere é um conhecimento


que pode ser reproduzido na tecnologia. Dessa forma, ‘conhecimento’ torna-se
sinônimo de ‘informatização’, o que vai permitir que se atribua às tecnologias de
informação e comunicação a capacidade de serem os ‘agentes de mudança social’, a
‘força motriz’ das transformações sociais. Esse autor vai destacar o aumento de
produtividade decorrente dessa inovação tecnológica como a base para uma outra
sociedade, atribuindo às tecnologias de informação e comunicação uma autonomia tal
que não só as coloca como agentes decisivos de mudança social, como também as
situa com agentes alheios ao próprio mundo social sobre o qual atuam. Como Bell
(1978) ignora os fatores sócio-econômicos envolvidos na determinação das opções
tecnológicas, não lhe interessa a contextualização sócio-histórica do seu advento. Isso
lhe permite falar de uma ‘sociedade do conhecimento’ abstrata e aplicável a qualquer
realidade social.

Com um discurso apoiado em imagens de forte apelo popular46, a idéia de


‘sociedade da informação’ foi disseminada através de um amplo processo de
divulgação na mídia, bem como por meio de best sellers de cunho jornalístico
(MATTELART, 1994), como forma de corroborar os progressos obtidos na
‘tecnologia do controle e da comunicação’, denominação que antecedeu a expressão
tecnologia da informação.

46
Expressões como ‘sociedade da informação’, ‘trabalhador do conhecimento’, ‘máquina
inteligente’ e ‘autopista de informação’ estão entre as imagens mais divulgadas para
referirem-se à disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação.
58

Evidência da adoção dessa perspectiva tecnológica como premissa para as


iniciativas de ‘sociedade da informação’ é a consideração de Fernández-Aballí (1999)
ao falar da estratégia regional de informação e informática, para o período 2000-2001,
para a América Latina e o Caribe. Entendendo por ‘sociedade da informação’ o
ambiente social resultante da apropriação e utilização da informação em grande escala,
Fernández-Aballí (1999) vai afirmar que “a introdução imediata na prática social
destes novos produtos e serviços está transformando acelerada e definitivamente a
forma segundo a qual os seres trabalham, vivem e se relacionam e, portanto, vai
modificar de forma permanente a educação, o trabalho, o governo, os serviços
públicos, o mercado, as formas de participação cidadã, a organização da sociedade e as
relações humanas, entre outras coisas”. E, em seguida, vai apontar os requisitos
fundamentais para que os efeitos da ‘era da informação’ tenham conseqüências sociais
amplas em qualquer país, como sendo “a implantação de uma infra-estrutura nacional
de informação; a operação e manutenção de uma infra-estrutura de redes informáticas;
a formação maciça de recursos humanos; a atualização dos profissionais e técnicos do
setor da informação” (p.2/3).47

Desde o início da década de 1980, prognosticava-se que o desenvolvimento das


tecnologias de informação e comunicação iria permitir a combinação de satélites,
televisão, telefone, cabos de fibra ótica e microcomputadores que, unificados, seriam o
indicativo de uma ‘economia realmente global’, posto que juntariam o mundo em um
“sistema unificado de conhecimento” (sic) (NAISBITT, 1984). Argumentos como
esse permitiram também o advento dos discursos acerca da eliminação das hierarquias
típicas de organizações centralizadas da era industrial e sua substituição por estruturas
em redes de organizações e comunicações, cujo resultado seria a “formação
espontânea, igualitária e natural de grupos de pessoas de mentes semelhantes” (sic)
(idem). Alguns autores, como Stonier (1983), foram ainda mais além e argumentaram
que, ao difundir informação por toda a sociedade, a ‘sociedade da informação’ iria
promover a democracia ao tornar as pessoas “mais alertas e cultas” (sic). Outros, como

47
Conforme se verá adiante, estes requisitos estão presentes, de forma generalizada, nas
inúmeras iniciativas de construção de ‘sociedade da informação’ propostas.
59

Masuda (1985), citado por Kumar (1997), referiram-se, inclusive, a uma sociedade
sem classes, “isenta de um poder dominante” (sic) e organizada em torno de
comunidades voluntárias, anunciando o advento de uma democracia participativa e de
sistemas de administração local feitos pelos cidadãos.48

Como se vê, o discurso da ‘sociedade da informação’, sempre apontando para


uma ‘tecno-utopia’, fala de mudanças profundas em toda a sociedade, não se
restringindo às modificações na estrutura tecno-econômica. A ‘sociedade da
informação’ é colocada como a inauguração de mudanças no nível mais profundo da
sociedade, capaz de transformar a fonte da criação de riqueza e de modificar os fatores
determinantes da produção.

Entretanto, afirmativas tão caras a autores como Bell (1980) e Toffler (1981) de
que se esteja estabelecendo um novo princípio de sociedade ou de que se esteja diante
do advento de uma ‘terceira onda’ da evolução social têm sido contestadas com
argumentos de que as tecnologias de informação e comunicação tão somente
aceleraram processos que, em numerosas áreas, já haviam sido iniciados, facilitando
estratégias de administração de empresas, promovendo, em muitas profissões, a
mudança da natureza do trabalho e ensejando o desenvolvimento de novas tendências
em relação ao lazer e ao consumo (KUMAR, 1997). Como pondera esse autor, ainda
que estejam ocorrendo significativas mudanças no caráter da organização industrial e
na natureza do trabalho, como conseqüência da nova divisão internacional do trabalho
e do capitalismo em escala mundial, as mudanças identificadas não significam que o
advento das tecnologias de informação e comunicação tenha alterado os princípios
fundamentais do capitalismo.

A idéia de ‘sociedade da informação’ reflete a pretensão de se estar diante de


uma ‘nova’ sociedade em substituição à sociedade do industrialismo clássico. Como
destaca Kumar (1997), essa idéia ajusta-se à tradição liberal e progressista do

48
A despeito do caráter fantasioso destes prognósticos, sua função ideológica é real, até mesmo
porque, como destacado por Kumar (1997), o advento das novas tecnologias de informação
e comunicação fez do cotidiano - que oferece os elementos para a apreensão da realidade
pelas pessoas - o alvo de inúmeras e bruscas mudanças.
60

pensamento ocidental na medida em que mantém a fé no iluminismo, na racionalidade


e no progresso. Como argumenta o autor, a aceleração no suprimento e uso de bens de
informação – a ‘revolução da informação’ – não equivale ao advento de uma ‘nova’
sociedade. Ao contrário, uma de suas maiores conseqüências é a de prover as
sociedades industriais de meios para que possam fazer mais, e em maior extensão, o
que já vinham fazendo.

Nesse sentido, a emergência dessa ‘sociedade da informação’ ocorre paripassu


com a aceleração do processo de incorporação de atividades até então não mercantis
ao mercado de bens e serviços. Essa mudança vai se dar fortemente no âmbito do
‘lazer e da cultura, que se tornam cada vez mais mercantis. O trabalho é ainda mais
industrializado e submetido a estratégias fordistas e tayloristas de mecanização,
rotinização e racionalização. A educação, os meios eletrônicos de divulgação e as
artes, tanto quanto a saúde, a seguridade social, a polícia e os serviços penitenciários,
vão ser alvo desse processo de mercantilização. “Em todos os espaços do ‘mundo da
vida’, o capitalismo descobriu o material necessário para transformar tudo em novas
mercadorias e em consumismo” (KUMAR, 1997, p.201).

A casa, como ‘espaço da vida’, vai se tornar um alvo claro para a expansão das
tecnologias de informação e comunicação, especialmente nos setores do lazer e
entretenimento. “A transformação do consumo (...) segue também a conhecida lógica
do capitalismo, isto é, está interessada em incluir um número sempre maior de áreas da
vida social e cultural em seu campo de atividades e na racionalidade do mercado”
(KUMAR, 1997, p.165). Para esse autor, “do ponto de vista da tecnologia da
informação, distinções entre escritório e lar, entre trabalho e ócio são, em grande parte,
secundárias. Na verdade a TI49 trabalha para torná-las irrelevantes” (p.42).

A esse movimento de comercialização em todos os setores da sociedade Kumar


(1997) vai denominar de “individualismo de mercado, ou econômico”. As
desigualdades sociais existentes são mantidas e ampliadas. Abre-se um novo hiato de
informação entre produtores e usuários da nova tecnologia e os seus clientes passivos,

49
Tecnologia de informação.
61

compradores e consumidores, que são os cidadãos comuns, os trabalhadores semi-


especializados e, também, os países periféricos.

2.2.2 A perspectiva crítica

Diversamente da perspectiva da ‘sociedade da informação’, que atribui um


valor demiúrgico às tecnologias de informação e comunicação, os autores associados
ao pensamento social crítico de vertente marxiana mantêm como foco o capitalismo e
o seu desenvolvimento e, em seus estudos, inscrevem as mudanças ocorridas a partir
da década de 1960 como parte da tendência do capitalismo de se transformar, para se
preservar. Esses autores recusam as teses de ruptura do modo de produção capitalista,
de transformação das suas relações sociais de produção, ou superação das suas
contradições. Para os mesmos, “os imperativos de lucro, poder e controle parecem ser
tão predominantes hoje como sempre foram na história do industrialismo capitalista. A
diferença reside na faixa e na intensidade maiores de suas aplicações, tornadas
possíveis pela revolução nas comunicações, mas não por qualquer mudança nos
princípios em si” (KUMAR, 1997, p.164).

A utilização de critérios de mercado no desenvolvimento informacional e o


impulso à mercadorização da informação que decorre daí integram a problemática do
pensamento crítico relacionado com as tecnologias de informação e comunicação. Do
ponto de vista do consumo, essas questões revelam, como tendência, que apenas a
informação com valor comercial vai estar disponível e que o acesso à informação vai
ser subordinado à sua condição de mercadoria.

Entre os autores dessa vertente, Lojkine (1995) dirige seu foco para as
tecnologias de informação e comunicação como possibilidade de criação, circulação e
estocagem de uma imensa massa de informações até então “monopolizadas (...) por
uma pequena elite de trabalhadores intelectuais” (p.15).

De uma perspectiva que procura divisar, no advento das tecnologias de


informação e comunicação, uma alternativa para a superação do capitalismo, esse
62

autor fala em ‘revolução informacional’ para referir-se ao que considera uma


‘revolução tecnológica de conjunto’, sucedânea da ‘revolução industrial. Assim como
Kumar (1997), Lojkine (1995) afirma que não se trata de uma segunda revolução
‘industrial’, nos mesmos moldes que caracterizaram a revolução do século XVIII. A
perspectiva de superação do capitalismo que vislumbra, reconhecendo a presença de
pressões conservadoras, sempre dominantes, decorreria das possibilidades existentes
de se ultrapassarem as divisões próprias da revolução industrial a partir do
aprofundamento da ‘crise informacional’ nos países centrais. Haveria ‘tendências pós-
mercantis’ que viabilizariam a superação das formas mais desenvolvidas e flexíveis da
organização atual da informação, numa transição engendrada pelos círculos viciosos50
decorrentes do uso das novas tecnologias de informação na organização
contemporânea.

Para Lojkine (1995), haveria possibilidade de as novas tecnologias de


informação colocarem em xeque a divisão entre os que decidem e os que executam.
Entre os seus argumentos, afirma que as redes flexíveis e interativas requerem – como
possibilidade e não como necessidade – o estabelecimento de novas relações entre
homem e ‘máquina que informa’.

Alguns autores da vertente crítica enfatizam a transição do fordismo para o pós


fordismo. Para os mesmos, o ponto chave está relacionado com as mudanças no
processo produtivo e nas relações de produção que ocorrem na esteira das crises de
acumulação capitalista. Essa abordagem procura identificar os modos como são
gerenciadas e contidas as instabilidades deste modo de produção para que não
comprometam a continuidade do sistema. Nesse sentido, seus teóricos analisam o

50
Esse autor se refere aos círculos viciosos das novas tecnologias de informação nas grandes
empresas capitalistas. Ele distingue quatro grandes fatores de crise no “ciclo da produção
informacional”, os quais se se conjugariam para produzir os círculos viciosos, a saber: 1- “a
oposição entre as regras gerais e as regras de detalhe passadas aos quadros subalternos”; 2-
“a oposição entre a centralização do poder estratégico (de ditar regras) e a desconcentração
das decisões operacionais”; 3- “a superposição de domínios de competência entre quadros
subalternos e operadores ‘requalificados’”; 4- “o desenvolvimento de relações de poder
paralelas exacerbadas pela concorrência entre assalariados submetidos à avaliação
individual” (LOJKINE, 1995, p.151/152).
63

‘regime de acumulação’ predominante em cada momento, entendido como forma de


organização da produção, por intermédio da qual os diferentes setores da economia são
calibrados, a renda produzida é distribuída e se dá o arranjo do consumo. O poder e o
controle proporcionados pelo domínio da informação são o elemento central das
análises dos autores que adotam essa perspectiva, no que se refere às novas tecnologias
de informação e comunicação. Para eles, a problematização relacionada com essas
tecnologias está vinculada à identificação dos atores que dela se beneficiam e as
controlam.

Nos EEUU, H. Schiller e D. Smythe destacam-se como figuras fundadoras de


um trabalho caracterizado como herdeiro das tradições marxiana e institucionalista. Os
mesmos se interessam tanto pelas classes sociais e pelo imperialismo da mídia como
pelo crescimento, em tamanho e poder, dos negócios transnacionais de informação
(MOSCO, 1998). Como colocado por Webster (1997), Schiller aponta o capitalismo
corporativo como o maior beneficiário da revolução informacional, uma vez que as
instituições corporativas, que se concentram sob forma predominantemente
oligopólica, dominam a sociedade capitalista.

Corroborando a afirmação de Schiller, um dos resultados concretos da política


de liberalização/privatização e regulação da infra-estrutura de informação, sob o
regime de governança internacional, foi a concentração da propriedade dos sistemas de
telecomunicações em mãos de umas poucas empresas, num claro processo de
oligopolização promovido pelos estados, que fortaleceu o poder corporativo
transnacional e reduziu o dos governos, ao retirar destes o controle sobre inúmeras
operações transfronteiras, a exemplo dos serviços financeiros e bancários online, cujo
fluxo financeiro eletrônico torna-se, digitalmente, indistinguível de qualquer outro e,
portanto, menos sujeito ao controle pelo governo (BABE, 1995, p.202).

Na Europa, alguns trabalhos preocupam-se em situar as pesquisas sobre


informação no conjunto das tradições da economia política, segundo duas direções
predominantes. Uma delas enfatiza o poder a partir de uma perspectiva de classe,
registrando a integração das instituições de informação no quadro da economia
64

capitalista mais ampla e a resistência das classes subalternas e dos movimentos sociais.
A segunda enfoca os conflitos de classe, destacando-se, aí, A. Mattelart, que busca
compreender a informação como uma das principais fontes de resistência ao poder
(MOSCO, 1998).

Mosco (1998) destaca, como categorias básicas a serem levadas em conta nos
estudos informacionais, a mercantilização, entendida como processo de transformar
uso em valor de troca; a espacialização, como transformação de espaço e tempo ou
processo de extensão institucional; e a estruturação, o processo de constituir estruturas
com os agentes humanos e sociais.

O processo de mercantilização tem dupla significação na medida em que, ao


mesmo tempo em que as práticas e tecnologias informacionais atuam no sentido de
ampliar o processo de mercantilização geral em curso na sociedade, a própria
mercantilização é um aspecto central para a compreensão das práticas e das
instituições informacionais específicas. No que se refere à espacialização, ou seja, ao
processo de superar as limitações de espaço e tempo na vida social, Mosco (1998)
considera o desenvolvimento dos meios de comunicação como resultante da
necessidade do capital de reduzir o tempo gasto no deslocamento de bens, pessoas e
mensagens, no espaço. O desenvolvimento integrado dos mercados baseados nas
tecnologias digitais e o crescimento das empresas virtuais (ou flexíveis) no nível das
corporações empresariais são exemplos que relacionam a espacialização à
reestruturação mundial das indústrias e corporações empresariais, conhecida como
globalização (MOSCO, 1998, p.107). Por último, o processo de estruturação está
relacionado ao modo como as ações humanas configuram estruturas, o qual, por sua
vez, fornece o próprio medium dessa configuração. Nesse sentido, às análises da
estruturação estão associadas as noções de agentes, processos e práticas sociais e a
concepção de classe social.

Entre os autores que discutem a questão da transformação do espaço/tempo


proporcionada pelo advento das tecnologias de informação e comunicação, Castells
(1999) vai chamar atenção para a redução da importância do espaço físico contra o
65

aumento da importância dos espaços dos fluxos e afirmar que o redesenho do mapa do
mundo está sendo feito de acordo com as fronteiras que os fluxos das pessoas, bens,
serviços e mensagens estão estabelecendo. Já Harvey (1994) vai afirmar que o mapa
do mundo está diminuindo pela compressão no espaço/tempo, para aqueles que
puderem usufruir. Por fim, Giddens (1991) vai destacar a redução da importância
dessas variáveis para aqueles que quiserem tirar proveito disso. Discorremos a seguir
sobre essas concepções.

2.2.2.1 A ênfase na questão espacial

A informatização e sua amplitude global estão no centro da abordagem de


Castells (1999), para quem as novas tecnologias de informação estariam integrando o
mundo em redes globais de instrumentalidade que, pela comunicação, estariam
gerando uma enorme gama de ‘comunidades virtuais’, independentemente de sua
distribuição no espaço territorial. Nesse sentido, os instrumentos privilegiados de
poder seriam as conexões que ligam as redes, a exemplo dos fluxos financeiros que
assumem o controle de impérios da mídia, a qual, por sua vez, influencia os processos
políticos.

O mais enfatizado por Castells (1999) é o aspecto espacial dos impactos das
novas tecnologias de informação e comunicação. Ele destaca dois pontos básicos para
argumentar a favor da natureza revolucionária destas tecnologias na sua interação com
o sistema social. O primeiro deles é o fato de estarem voltadas para processos. O
segundo ponto é o fato de a informação, nesses processos, ser utilizada, ao mesmo
tempo, como matéria prima e como seu principal produto. Castells (1996) destaca que
“enquanto a informação e o conhecimento foram sempre, por definição, elementos
essenciais em alguns processos do descobrimento científico e da mudança técnica, este
é o primeiro momento da história no qual o novo conhecimento é aplicado
principalmente aos processos de geração e ao processamento do conhecimento e da
informação” (p.11).
66

As dinâmicas sociais inéditas resultantes da criação de novos centros de conflito


seriam, para esse autor, o fator de mudança social. Seus ‘loci’ decisivos seriam os
meios de comunicação (CASTELLS, 1996).

A nova economia e a redefinição da estrutura ocupacional teriam como bases a


articulação entre as atividades, as redes virtuais que configuram as organizações e os
fluxos de fatores de produção e de mercadorias, cujas materialidades dariam origem à
nova estrutura social, em todos os níveis da sociedade (CASTELLS, 1996). Esse
‘modo informacional de desenvolvimento’ seria caracterizado por ter, como principal
fonte de produtividade, a ação do conhecimento sobre os próprios conhecimentos,
especificidade das tecnologias de informação e comunicação. É nesse sentido que o
autor vai justificar o uso do termo ‘informacional’ para indicar o atributo de uma
forma específica de organização social, na qual, devido às novas condições
tecnológicas, a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as
fontes fundamentais de produtividade e poder (CASTELLS, 1999, p.46, nota 33).

Da perspectiva de Castells (1999), a intervenção do Estado é fundamental para


a promoção da ‘modernização tecnológica’, o que não deixa de ser irônico para um
autor que argumenta em favor do caráter revolucionário das tecnologias de informação
e comunicação. A sua ‘sociedade em rede’ depende, para ocorrer, de que o Estado
promova uma ‘revolução’ tecnológica. Essa consideração é particularmente importante
na medida em que ela oferece argumentos para legitimar a atribuição de tarefas para
promover a constituição da infra-estrutura de informação, nas propostas para a
‘sociedade da informação’.

A função da produção tecnológica no informacionalismo seria caracterizada


pela busca por conhecimento e informação. A concepção de ‘conhecimento’ utilizada
por Castells é emprestada de Bell, que o considera como “um conjunto de declarações
organizadas sobre fatos ou idéias, apresentando um julgamento ponderado ou
resultado experimental que é transmitido a outros por intermédio de algum meio de
comunicação, de alguma forma sistemática” (Bell, 1978 apud CASTELLS, 1999). Sua
definição de ‘informação’ é uma definição operacional, emprestada de Porat, que a
67

define como “dados que foram organizados e comunicados” (Porat, apud CASTELLS,
1999, p.45).

Um aparte importante à perspectiva de Castells é a consideração de Babe (1995)


acerca da ‘desespacialização’ dos negócios e da cultura decorrente da centralidade do
espaço virtual criado. Babe (1995) aponta, entre outros, para o enfraquecimento das
organizações geograficamente delimitadas, em especial da força de trabalho51, cujo
poder decorre da solidariedade construída pela proximidade. Para esse autor, a
perspectiva de que pseudocomunidades ‘localizadas’ no ‘ciberespaço’ se mobilizem
por questões localizadas, ou por quaisquer outras relacionadas com a territorialidade, é
praticamente nula, na medida em que não afetam igualmente indivíduos cuja
localização espacial é dispersa.

Como já mencionado, Harvey (1994) inscreve-se entre os autores que têm como
referência o modo de regulação da produção; ele vai reportar-se a um ‘modo de
acumulação flexível’, em relação ao qual as tecnologias de informação e comunicação
são indispensáveis, por possibilitarem a ‘compressão espaço-tempo’ necessária à
mobilidade do capital, a qual, por sua vez, é precondição para a acumulação flexível.

2.2.2.2 A acumulação flexível

A análise de Harvey (1994) concentra a atenção nas “complexas inter-relações,


hábitos, práticas políticas e formas culturais” que possibilitam que o capitalismo,
sistema altamente dinâmico e instável, “adquira suficiente semelhança de ordem para
funcionar de modo coerente ao menos por um dado período de tempo” (p. 117). Esse
autor entende que não se pode buscar compreender o desenvolvimento do capitalismo

51
Como destaca Babe (1995), o trabalho online, feito a partir das casas dos trabalhadores
(telecommuting), que tem sido cada vez mais encorajado, envolve uma diversidade de
questões que demandariam o fortalecimento da organização dos trabalhadores. Essas
questões vão desde o emprego, pelos trabalhadores, de recursos financeiros para aquisição
de suas estações de trabalho para se manterem ‘empregáveis’ até o enfraquecimento da
própria organização sindical, em virtude do fato de que os trabalhadores deixam de estar em
contato uns com os outros.
68

apenas pela análise das transações de mercado. Para ele, a trajetória e a forma de
desenvolvimento capitalista decorrem da tensão entre, de um lado, os produtores
individualizados e, de outro, a capacidade de regulamentação e intervenção, através do
Estado, das instituições dotadas de poder. Nesse sentido, compreende, como estratégia
para fazer frente à crise de acumulação do capitalismo de 1974, o aumento na
velocidade de giro da produção e do consumo, de vários setores da economia.

O resultado desse embate foi um novo regime de acumulação, ao qual Harvey


(1994) denomina de ‘regime de acumulação flexível’. Entre as suas características
destacam-se as taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional; rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual - tanto
entre setores quanto entre regiões geográficas; e o movimento de compressão espaço-
tempo no mundo capitalista.

As novas tecnologias produtivas e as novas formas organizacionais, que


resultaram na redução do tempo de giro na produção, só teriam utilidade se o tempo de
giro no consumo fosse também reduzido. Isso demandou as modas fugazes e a
mobilização de todos os meios de indução de necessidades e de transformação cultural
requeridos para acelerar o consumo (HARVEY, 1994). Os sistemas aperfeiçoados de
comunicação e de fluxo de informações, em associação com novas racionalizações nas
técnicas de distribuição (empacotamento, controle de estoques, ‘conteinerização’),
retorno do mercado, etc., foram a resposta à necessidade de aumentar a velocidade de
circulação de mercadorias no mercado.

Os bancos eletrônicos e o dinheiro de plástico foram algumas das


inovações que aumentaram a rapidez do fluxo de dinheiro (...).
Serviços e mercados financeiros (auxiliados pelo comércio
computadorizado) também foram acelerados, de modo a fazer, como
diz o ditado, ‘vinte e quatro horas ser um tempo bem longo’ nos
mercados globais de ações” (HARVEY, 1994, p. 257/258).

Para esse autor, a acumulação flexível é resultado da recombinação de duas


estratégias de procura de lucro (mais-valia) definidas por Karl Marx. A mais-valia
absoluta, apoiada na extensão da jornada de trabalho em relação ao salário para
69

garantir a reprodução da classe trabalhadora, e a mais-valia relativa, na qual a


mudança organizacional e tecnológica gera lucros temporários para firmas inovadoras
e lucros mais generalizados, que decorrem da redução dos custos dos bens que
definem o padrão de vida do trabalho.

Com esses argumentos, pode-se afirmar, portanto, que a tendência de


multiplicação do número de bens característica da ‘produção flexível’ não foge do
padrão capitalista. Aliás, como observa Kumar (1997), o capitalismo cresce com a
criação de novas necessidades, as quais procura satisfazer, aumentando tanto a faixa
como a variedade de seus bens e serviços.

As transformações institucionais, como centro das questões em relação às


tendências atuais, constituem o foco da abordagem de Giddens (1991), que entende
que os deslocamentos espaço-temporais proporcionados pelas tecnologias de
informação e comunicação permitem levar a modernidade às suas últimas
conseqüências. Como veremos a seguir, esse autor vai referir-se, em especial, às
transformações institucionais que, para ele, promovem o deslocamento de um sistema
baseado na manufatura para um sistema baseado na informação.

2.2.2.3 A modernidade extremada

Contrapondo-se à concepção de uma nova ordem social associada ao fenômeno


informacional, Giddens (1987) afirma que a atual importância da informação é
insuficiente como argumento para marcar qualquer ruptura de sistema. Para esse autor,
o desenvolvimento do mundo contemporâneo tem amplificado o peso da vigilância, a
escalada da violência, a guerra e o crescimento do Estado, os quais, entretanto, são
fenômenos característicos da modernidade. A questão da ‘informacionalização’ da
sociedade, estando associada à vigilância e ao controle, está também associada às
necessidades do Estado e à administração, por ele, de direitos e deveres.

Discutindo o dinamismo da modernidade, Giddens (1991) argumenta que o


mesmo seria o resultado da separação do tempo e do espaço e de sua recombinação; do
70

desencaixe dos sistemas sociais; e da ordenação e reordenação reflexiva das relações


sociais, devidas às contínuas ‘entradas de conhecimento’, que afetam as ações de
indivíduos e grupos. Os mecanismos de desencaixe aos quais esse autor se refere são:
os ‘sistemas peritos’52 e as ‘fichas simbólicas’53, das quais a mais significativa é a
moeda.

O momento atual refletiria um processo de radicalização e universalização


extremas, no qual as relações sociais resultaram numa vida impessoal, por se basearem
sobretudo nas associações entre estranhos, cuja manutenção teria passado a exigir um
volume de informações e de conhecimento sobre os indivíduos muito superior ao que
era necessário no mundo de vizinhança - pessoal e fechado - das comunidades pré-
modernas.

Nesse sentido, a existência nos dias atuais seria refém de formas de organização
cada vez mais complexas, tendo tornado necessário obter informações sobre as pessoas
e suas atividades, sistematicamente. Com isso, Giddens (1991) pode afirmar que
organização e observação são irmãs gêmeas, em um mundo no qual a vida diária
precisa ser planejada e arranjada pelas instituições, de uma forma sem precedentes.

A perspectiva que enfoca mais detidamente o lado do consumo, em especial do


consumo de signos, é a adotada pelos autores que enfatizam a pós-modernidade,
abordagem essa que discutiremos em seguida.

2.2.3 A abordagem da pós-modernidade

A perspectiva da pós-modernidade volta-se para os aspectos relacionados aos


efeitos perceptivos e expressivos da tecnologia de informação. Os novos movimentos

52
Por sistemas peritos (expert systems) Giddens (1991) refere-se “aos sistemas de excelência
técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e
social em que vivemos hoje.” (p.35) Para esse autor, assim como as ‘fichas simbólicas’, os
sistemas peritos “removem as relações sociais das imediações do contexto.” (p.36)
53
Por ‘fichas simbólicas’ Giddens (1991) quer significar meios de intercâmbio que podem ser
postos em circulação sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou
grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular.” (p.30)
71

sociais, apresentados como exemplo do aspecto mais geral da pós-modernidade,


caracterizam-se pela interação, ou tensão, entre o global e o local, sendo o interesse
pelas particularidades de local, localidade, ‘herança’ e história compreendido como
complementar à tendência do capitalismo, em sua fase global, de comprimir e unificar
o espaço. Como considera Kumar (1997), “a criação de um espaço global abstrato,
homogêneo, gera um impulso contrário para a localização, a diferenciação e a
diversidade” (p196/197).

Nesse sentido, destaca que a ‘globalização’ não significa apenas padronização e


dependência, uma vez que a sua expressão em lugares particulares demanda recursos e
culturas próprios, os quais geram as suas especificidades.

Autor alinhado com essa vertente, Lyotard (1989) associa o ‘pós-moderno’ com
a incredulidade em relação às metanarrativas como efeito das ciências. Esse autor
destaca que o saber teria mudado de estatuto em fins dos anos 1950,
concomitantemente com a entrada das sociedades na chamada ‘era pós-industrial’ e da
cultura na era ‘pós-moderna’, quando passaram a incidir sobre a linguagem as ciências
e as técnicas de ponta:

a fonologia e as teorias linguísticas, os problemas de comunicação e a


cibernética, as álgebras modernas e a informática, os computadores e
as suas linguagens, os problemas de tradução das linguagens e a
investigação das compatibilidades entre linguagens-máquinas, os
problemas do armazenamento em memória e os bancos de dados, a
telemática do aperfeiçoamento de terminais ‘inteligentes’, a
paradoxologia...” (LYOTARD, 1989, p.16).

Como destaca esse autor, essas transformações tecnológicas afetam o saber nas
suas principais funções como a investigação e a transmissão do conhecimento. No que
se refere à segunda função, “ao normalizar, miniaturizar e comercializar os aparelhos,
se modificam já hoje as operações de aquisição, de classificação, de distribuição e de
exploração dos conhecimentos” (...) O saber não pode passar pelos novos canais e
tornar-se operacional senão quando o conhecimento puder ser traduzido em
quantidades de informação” (p.17). Com isso, dois eixos interrelacionados orientariam
72

as mudanças relativas ao conhecimento e à informação na atualidade. O primeiro eixo


é relativo ao fato de que, para serem produzidos, conhecimento e informação precisam
ser justificados em termos de sua importância para a eficiência e a efetividade
econômicas, caracterizando o predomínio de critérios de utilidade na sua produção. O
segundo eixo reafirma que tanto informação como conhecimento tendem a ser
tratados, cada vez mais, como mercadoria54. Como qualquer mercadoria, ambos vão se
transformando em fenômenos negociáveis, sujeitos aos mecanismos de mercado e
influenciados por critérios de eficiência e efetividade, definidos conforme regras
mercantis.

No que se refere à informatização da sociedade, Lyotard (1989) aponta o risco


de que ela se torne um instrumento de controle e regulação do sistema de mercado,
regido unicamente pelo princípio da ‘performatividade’. Para que a mesma sirva como
recurso para grupos de discussão preocupados com o que denomina de
‘metaprescritivos’, fornecendo-lhes informação para decisão, com conhecimento de
causa, considera como necessário que haja “livre acesso às memórias e aos bancos de
dados”, de sorte que os jogos de linguagem possam ser “jogos de informação
completa”, que não cessarão “por esgotamento das possibilidades virtuais”, já que as
posições serão constituídas por conhecimento, considerado como inesgotável.

Lyotard (1989) apresenta uma leitura crítica e desencantada em relação às


conseqüências da informatização da sociedade e, coerente com sua argumentação
acerca dos jogos de linguagem, aponta algumas saídas, que são dependentes,
entretanto, de algumas condições. Mas o autor não aponta como conseguir tais
condições. No entanto, não se pode negar a realidade do quadro que descreve, num

54
Importa chamar atenção, neste ponto, que o tratamento da informação como mercadoria,
como destacou N. Wiener – criador da cibernética - leva necessariamente a um impasse,
uma vez que o valor da informação está ligado à sua capacidade de circulação e à sua
transparência, sendo, portanto, prioritariamente não-mercantil. Outro aspecto diz respeito ao
fato de que o processo de troca de mercadorias assenta-se sobre a circulação de valores
abstratos, ao passo que a circulação de informações é, principalmente, um processo “vivo e
ininterrupto”, pelo qual se observa o mundo exterior e se atua sobre ele. (Wiener, 1962
citado por LOJKINE, 1995).
73

contexto que tende a promover o isolamento – físico e comunicacional – dos


indivíduos, na sociedade.

Até esse ponto, destacamos três perspectivas acerca das implicações das
tecnologias de informação e comunicação para a mudança social, a saber, as ‘idéias da
sociedade da informação’, a ‘perspectiva crítica’ e a ‘abordagem da pós-modernidade’.
No caso das idéias da ‘sociedade da informação’, tudo se passa como se as tecnologias
tivessem, per se, a capacidade de promover as mudanças. É uma perspectiva otimista,
que advoga o ‘progresso’ como um bem a ser perseguido a qualquer preço. Já os
autores que enfocam o advento das tecnologias de informação e comunicação de uma
perspectiva crítica, o fazem com vistas a identificar o seu papel como resposta do
capitalismo às suas crises cíclicas, ou a apontar contradições acirradas com a sua
adoção, as quais possam levar à superação do capitalismo. Por fim, no caso das teorias
da pós-modernidade, as tecnologias de informação e comunicação são também
tratadas como se fossem autônomas. Entretanto, seus impactos são vistos de uma
perspectiva negativa, na qual essas tecnologias são destacadas como recursos que
tendem a tornar a sociedade uma ‘sociedade do espetáculo’, expressão que enfatiza a
predominância das performances como elementos de valoração das atividades sociais.

Como iremos ver no próximo capítulo, as propostas institucionais para a


‘sociedade da informação’ (ou para a constituição da infra-estrutura de informação)
não apenas utilizam argumentos que situam as tecnologias de informação e
comunicação como motores das mudanças sociais, como também afirmam que, fora da
adoção destas tecnologias como plataforma tecnológica para a economia, não há
possibilidade de sobrevivência econômica dos países. Nesse sentido, são proposições
identificadas com as ‘idéias da sociedade da informação’. Ademais, ao se referirem ao
potencial das tecnologias de informação e comunicação para promover o crescimento
e desenvolvimento econômicos, o fazem de uma forma que se assemelha a um
discurso desenvolvimentista, já bastante desacreditado, que, entre as décadas de 1950 e
1960, serviu para justificar investimentos na mídia. Nesse sentido, as
telecomunicações e as novas tecnologias computacionais são colocadas como os
74

‘novos’ pré-requisitos do desenvolvimento, justificando, assim, as iniciativas de


implementação deliberada da ‘infra-estrutura de informação’.55

Portanto, como complemento da perspectiva de ‘sociedade da informação’ que


tem nas tecnologias o motor das mudanças, encontramos, sobretudo tratando-se dos
países periféricos, uma argumentação característica desse desenvolvimentismo,
fundamentada na crença de ser possível ‘queimar etapas’ para superar as defasagens,
em relação, evidentemente, ao processo de desenvolvimento ‘único’. Essa perspectiva
vai significar, como veremos no terceiro capítulo, o estabelecimento de uma agenda
comum para a constituição da infra-estrutura de informação, em relação à qual as redes
de telecomunicações constituem o principal foco.

Assim, para complementar a compreensão da ideologia que dá sustentação aos


argumentos que fundamentam tal agenda, apresentamos, a seguir, a abordagem de
Mattelart (1994).

2.3 Comunicação, tecnologias de informação e desenvolvimento: a rota da


sociedade mercadorizada

Como mencionamos anteriormente, A. Mattelart está associado à corrente da


economia política que surgiu no Terceiro Mundo em resposta ao modelo

55
Como políticas de comunicação e informação orientadas para o mercado, tais iniciativas
tendem a privilegiar, entre outras, situações em que empresas de alta tecnologia, capazes de
proporcionar velocidade de distribuição, acessos mais versáteis e alternativas de
disseminação, estarão aptas a agregar valor a um elenco de informações potencialmente
públicas, transformando-as em produtos de informação, num processo de crescente
mercantilização da informação. Nesse sentido, O relatório “Impact of the emerging
information society on the policy development process and democratic quality”, da OCDE
(1998), expressa preocupação com esta tendência, especialmente no setor governamental.
Aponta o risco de que os governos, na medida em que buscam novas fontes de renda e se
encontram em processo de reengenharia em relação aos seus papeis, passem a vender
informação bruta a agentes privados que, adicionando-lhe valor, transformam-na em
produtos comerciais, acessíveis através de seus sites. Some-se a isso que, como já
mencionamos, o domínio da informação a partir da mercadorização do conhecimento, o
jugo de interesses particulares sobre as instituições de serviços públicos, a ênfase nos
processos de persuasão e a escalada de uma mídia orientada para a publicidade têm
75

desenvolvimentista (ou de modernização), sobretudo estadunidense, utilizado para


fundamentar as tentativas “de incluir a informação em um esquema explicativo,
adaptado às principais correntes intelectuais e aos interesses políticos” (MOSCO,
1998, p.103). O foco do questionamento dessa vertente está relacionado com as
premissas fundamentais do modelo desenvolvimentista, que utilizava o crescimento da
mídia como indicador de desenvolvimento. As críticas foram dirigidas, sobretudo, ao
determinismo tecnológico e à ausência de considerações acerca das relações de poder
que conformam os termos do relacionamento entre o Primeiro e o Terceiro mundos.

A abordagem de Mattelart (1994) relativa ao fenômeno comunicacional permite


situarmos as iniciativas institucionais de construção da ‘sociedade da informação’
como uma atualização daquele modelo desenvolvimentista, no que se refere aos seus
fundamentos ideológicos, sintetizados, como dimensão a ser perseguida, em termos
como ‘modernização’, ‘desenvolvimento’ e, mais recentemente, ‘globalização’.

Conforme coloca esse autor, o estudo da genealogia de conceitos que tentaram


dar conta das mudanças no estatuto social, econômico e cultural das tecnologias de
informação e comunicação eletrônica, a partir dos diferentes interesses que presidiram
sua produção e utilizações, permite compreender as implicações das reviravoltas nos
modos de pensar a comunicação.

Nesse sentido, essas reviravoltas identificam as rupturas marcantes ou os


progressivos deslizamentos de sentido que modificaram a significação da
‘comunicação’, transformando-a de uma significação reduzida à mídia, a uma
definição com pretensões totalizantes, que retirou-a do seu confinamento em um setor
industrial para promovê-la a pedestal de uma nova sociedade. Substituía-se a
‘ideologia do progresso’ pela ‘ideologia da comunicação’.56

exacerbado o potencial e a prática da gestão e manipulação da informação (Habermas, 1989


apud WEBSTER, 1997).
56
As declarações de Larry Irving, subsecretário de comércio dos EEUU para assuntos de
comunicação e informação em 1996, exemplificam o que estamos falando, ao afirmar ele
que nenhum país pode ser verdadeiramente rico sem uma forte indústria de
telecomunicações e informação. Por isso, argumenta, as nações em desenvolvimento podem
e devem ser parte da era da informação, na medida em que milhões de pessoas “serão
76

A transformação da ‘comunicação’ na própria encarnação do ‘progresso’


implicou, ideologicamente, a consideração do avanço dos circuitos técnicos da
‘sociedade da informação’ como “bitola do crescimento e da democracia”.

Essa associação entre ‘sociedade da informação’ e ‘democracia’, entretanto,


enseja que se leve em conta a observação de J. Habermas, que entende que as
informações são tornadas públicas somente após sua manipulação por aqueles que
detêm o poder de interferir na sua publicização. Destarte, o discurso da ampliação da
participação democrática como decorrência do avanço dos circuitos técnicos da
sociedade da informação é, sobretudo, um discurso ideológico que se inscreve em um
contexto no qual o efetivo processo democrático e a esfera pública estão em declínio.
Como observado por Habermas (1989), a ‘esfera pública’ tem se reduzido a um
‘espaço de consenso’, construído por intermédio da moldagem da opinião,
configurando uma ‘esfera pública manufaturada’ pela propaganda moderna, em
conjunto com a capacidade de gerenciar a opinião pública. Por sua vez, essa esfera
pública manufaturada vai apontar para uma mudança segundo a qual as suas relações
tendem a ser, cada vez mais, capturadas pela lógica de mercado que, paulatinamente,
vai moldando as relações políticas próprias da esfera pública.

No início da década de 1980, as implicações internacionais do controle desses


fluxos de informação e comunicação foram objeto de relatórios57 encomendados por
instituições e governos, entre os quais o de J. F. Lyotard, posteriormente publicado sob
o título de “A Condição Pós-moderna”, ao qual já nos referimos anteriormente.
Lyotard (1989) chamou atenção para o fato de que o Estado iria começar a se
evidenciar como fator de ‘opacidade’ e ‘ruído’ nos marcos de uma ideologia que
falava da ‘transparência’ comunicacional, ao mesmo tempo em que se gestava a
‘comercialização do saber’. Como forma de se contrapor a essa ‘opacidade’ dos
estados, as questões relacionadas com a conectividade e a interoperabilidade da infra-

retiradas da pobreza porque as telecomunicações lhes proporcionarão melhores condições


de vida” (sic) (IRVING, 1996).
77

estrutura de informação e com a regulamentação da propriedade intelectual de


conteúdos em meio digital foram alvos específicos de preocupação, nas iniciativas de
‘sociedade da informação’. O objetivo dessas iniciativas era o de evitar que o caráter
transfronteiras das novas tecnologias fosse limitado pela adoção de leis restritivas por
parte dos países, para o que foram adotadas estratégias objetivando dar legitimidade a
fóruns internacionais como definidores das diretrizes para a elaboração dos quadros
regulatórios nacionais.

Nesse ponto é interessante destacar que, já em 1983, a posição do Senado dos


EEUU relativa às linhas para a sua política exterior no domínio da informática e das
telecomunicações era a de defender o ‘livre fluxo da informação’ e a competição em
um ‘mercado livre’, sob a justificativa de ser essa a única via para “garantir a
proteção do interesse de todos, a começar pelos Estados Unidos” (sic)
(MATTELART, 1994, p.167). Em seu relatório a esse propósito, o Senado
recomendava a Washington que assegurasse “organizações internacionais eficazes,
não políticas (sic), capazes de desenvolver, administrar e estender as infra-estruturas e
as redes de telecomunicações internacionais, permitindo que o acesso a elas se faça
sem qualquer discriminação” e preconizava que o governo dos EEUU não podia
“tolerar a dissociação entre os problemas de ‘informação cultural’ e os da extensão das
redes de telecomunicações” (U.S. Senate, apud MATTELART, 1994, p.214/215). Essa
posição vai servir para orientar, na década de 1990, a proposição dos EEUU para uma
infra-estrutura de informação global, objetivando a generalização – territorial e
funcional – das tecnologias de informação e comunicação como infra-estrutura
tecnológica, de sorte a atender os interesses daquele país. A partir daí, esse tema
inscreve-se na agenda política internacional, revelando um processo de enquadramento
da política de informação e comunicação a um regime de governança internacional.

A ‘sociedade da informação’ que emerge como projeto na década de 1990,


longe de se contrapor à ‘revolução das comunicações’ é, como destaca Mattelart

57
Refiro-me, como relatório, a trabalhos que, como os de Lyotard e o de Nora e Minc, foram
encomendados. No primeiro caso, o relatório foi apresentado ao Conselho das
Universidades/Governo de Quebec e, no segundo, ao Governo da França.
78

(1994), um processo de subordinação dos conteúdos informacionais e de superação do


postulado da prioridade do conteúdo sobre a forma, que vai ceder lugar à concepção de
que “o próprio medium determina o caráter do que deve ser comunicado” (p.147). Sua
constituição, como infra-estrutura de informação, é também, como veremos na
próxima seção, parte da transição para um regime internacional de comunicação e
informação.

2.4 ‘Infra-estrutura de informação’ e ‘regime de governança internacional’

A automação, com seus sistemas e fluxos de informação e de comunicação,


resultou na crescente aceleração do tempo de giro da produção e do consumo. Por
intermédio das novas tecnologias, as fronteiras nacionais tornaram-se permeáveis e
possibilitaram a obtenção de informação e a aquisição de produtos e serviços
localizados em qualquer ponto do planeta.

Para compreender a transição para um regime internacional de comunicação e


informação, alguns autores, como Babe (1995) e Abramson e Raboy (1999), discutem
o advento da ‘sociedade da informação’ tendo em vista evidenciar, no âmbito político,
a instauração desse regime de governança. Eles apontam para a viabilização de um
mercado virtual ‘global’ voltado para os setores hegemônicos do capitalismo - a saber
o setor financeiro e o próprio setor de comunicações e informação - e para a
instauração de uma ‘tecnologia internet’ como plataforma para as mais diversas
formas de comunicação necessárias para dar o suporte a esse mercado.

Explorando a interseção entre os estudos de economia e de comunicação, Babe


(1995) critica as concepções de informação e comunicação que justificam políticas
‘neoconservadoras’58 como as concepções microeconômicas de informação que a
consideram ora como fator de produção ora como mercadoria. No primeiro caso,
argumenta que, diferentemente dos fatores de produção, que são intercambiáveis, a
informação “permeia e transforma os fatores de produção”. No segundo caso, ressalta

58
Políticas que aumentam as disparidades entre ricos e pobres e erodem a comunidade humana.
79

que, ao contrário da concepção de mercadoria, a informação não é quantificável. Para


Babe (1995), os artefatos que suportam a informação é que são os elementos passíveis
de ‘mercadorização’59, e não a informação propriamente dita. Diferentemente de
qualquer mercadoria, “a informação é infinitamente reprodutível a um custo
incremental muitíssimo reduzido. Pode ser usada por uma pessoa sem com isso reduzir
a sua disponibilidade para outros, é imaterial, no sentido de que assume a forma que a
matéria/energia assume ao contrário de consistir de matéria/energia, per se ” (BABE,
1995, p.205). Esse autor considera, portanto, que o sentido de ‘mercadorização’
atribuído à informação esteja mais relacionado com a medição dos ‘artefatos
simbólicos’, já que as medidas de quantidade utilizadas não tocam diretamente no
conteúdo informacional, mas relacionam-se com a capacidade de armazenamento ou
transmissão de símbolos (a exemplo das cobranças “por chamada, por vista, por bit e
por tela de informação”). Essas medidas enfatizam o suporte, ou seja papel, ou
videotape, ou CD´s, ou polegadas de coluna, minutos de transmissão, etc., sobre o
conteúdo60.

Por outro lado, tratada como mercadoria, a informação contrapõe-se à


tradicional concepção de informação como bem público e recurso comunitário. Nesse
sentido, as ‘autopistas de informação’ vão fortalecer o poder dos agentes que
transformam informação em mercadoria, ao viabilizarem o envio de certos conjuntos
de informação a audiências específicas e possibilitarem a cobrança por esses serviços:

59
Como afirma esse autor, apoiando-se em autores como Ingrao & Israel, Abraham Kaplan e
Porat & Aleen, a noção de ‘mercadoria’ demanda que as unidades do bem em questão sejam
‘fisicamente idênticas’, ainda que disponíveis em diferentes locais e a diferentes tempos.
Essa padronização permite sua mensuração, o que não ocorre com a ‘mercadoria’
informação, impossibilitando a medida e a comparação, características das mercadorias.
60
Esse reconhecimento do predomínio do aspecto mercantil sobre o conteúdo da informação
coloca por terra as aspirações daqueles que imaginam que os conteúdos sejam o meio e o
fim da gestão da informação, do conhecimento e da aprendizagem na sociedade da
informação. Nesse sentido, as considerações de Miranda et. al. (2000), quando afirmam que
a operação de conteúdos seja um elemento estratégico nas políticas e programas de
promoção da sociedade da informação, são entendidas de uma perspectiva mercantil. Isso
pode ser confirmado mais adiante no texto desses autores, quando afirmam que “o uso
ubíquo dos conteúdos em rede, a sua produção, inovação, veiculação e intermediação no dia
80

“Da mesma forma como os trabalhadores em casa poderão vir a ser pagos por bit,
também os consumidores em casa irão pagar por bit” (BABE, 1995, p.206).

Essa ‘mercadorização da informação’ tem implicações distributivas e


ambientais do ponto de vista das trocas internacionais, uma vez que os países centrais
podem fazer comércio de informação em mercados mundiais, em troca de energia,
recursos naturais e mão de obra barata. Em contrapartida, para obter
informação/conhecimento, as nações periféricas precisam negociar seus escassos
recursos, geralmente não renováveis, numa relação desproporcionalmente
desfavorável, sobretudo porque o custo incremental para prover a informação a ser
trocada é próximo de zero.

Em virtude disso, Babe (1995) vai considerar que os fundamentos da ‘infra-


estrutura de informação’ encontram-se não apenas na expansão da capacidade de
transmissão mas, também, no fortalecimento das capacidades de comercializar a
informação. Entre os seus argumentos destaca a insistência dos EEUU junto ao GATT
para que se incluísse a propriedade intelectual em seus tratados. Chama também a
atenção para o fato de que esse país retirou-se da UNESCO quando esta adotou, como
orientação, que a informação fosse tratada mais como recurso do que como
mercadoria61 (Preston; Herman; Schiller, 1989 apud BABE, 1995). A análise histórica
da emergência e desenvolvimento das comunicações no Canadá permite a Babe (1995)
evidenciar as relações de poder que impactam a estruturação e reestruturação industrial
e desmistificar o discurso da dependência tecnológica e, particularmente, as doutrinas
de imperativo e de determinismo tecnológicos. Para esse autor, as questões que

a dia das instituições e dos indivíduos” (p.10) é que irá fazer com que a sociedade da
informação vá se configurando.
61
Quando a UNESCO endossou a proposta do presidente da França, François Miterrand, de
estabelecer uma ‘Nova Ordem Mundial para a Informação e a Comunicação’ que ia contra
os interesses dos EEUU no ‘livre fluxo de informação’, este país retirou-se daquela
organização. Só veio a reintegrá-la quando, em 1988, Frederico Mayor, da Espanha, o novo
diretor da UNESCO, anunciou que a organização iria abandonar sua antiga demanda por
uma ‘Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação’ em favor do estilo
estadunidense de ‘livre fluxo’ (BABE, 1995), o que restabelecia os interesses dos EEUU em
comercializar, sobretudo com os países periféricos, suas informações em troca de recursos
como energia, recursos naturais, etc (MATTELART, 1994).
81

envolvem os meios de comunicação encontram-se interconectadas com a ‘nova ordem


mundial’, ou seja, com o neoconservadorismo.

No que se refere especificamente à questão da governança, Babe (1995) e


Abramson e Raboy (1999) afirmam que, nos anos 1970, e, mais ainda, nos anos 1980,
agências regulatórias de várias nações adotaram como diretriz a indução à competição
nas telecomunicações. Em seguida, no início dos anos 1990, ficou evidente, como
parte das diretrizes nesse sentido, que os governos e os reguladores não tinham a
intenção de sancionar um regime de propriedade que resultasse em uma única rede nos
principais locais. Ao mesmo tempo, a separação entre a comunicação de massa e as
telecomunicações passava a ser considerada desvantajosa do ponto de vista das
últimas, especialmente em virtude do potencial de crescimento dos serviços pagos que
as companhias de cabo estavam tendo permissão para explorar. Nesse sentido, Babe
(1995) considera que a iniciativa de ‘infra-estrutura de informação’, ao priorizar a
convergência tecnológica no sentido de promover a unificação técnica dessas mídias,
respondeu a essa desvantagem das operadoras de telecomunicações.

A iniciativa de implantação da ‘infra-estrutura de informação’ pelos países


industrializados é considerada por Babe (1995) como uma proposta de realocação do
poder comunicacional, deixando essa atividade comercial de ser doméstica para
tornar-se um empreendimento transnacional, que desloca o poder do trabalho para o
capital, dos governos para as corporações internacionais e de provedores e usuários de
serviços públicos para provedores e usuários de mercadorias privadas.

Os marcos iniciais da abertura do setor das telecomunicações foram a


privatização da British Telecom (Reino Unido), em 1984, e a fragmentação da AT&T
(EEUU), após 1982. Desde então, diversos países iniciaram o processo de
liberalização e de privatização de suas redes de telecomunicações, o que foi
acompanhado por um conjunto de reformas regulatórias.

Nos EEUU, com a Lei de Telecomunicações (Telecom Act) promulgada em


1996, a intervenção regulatória passou a ter caráter geral, estimulando-se a
convergência tecnológica e a abertura de todos os segmentos de telecomunicações, em
82

especial o segmento de telefonia local, de acordo com as diretrizes de abertura à


concorrência dos serviços de telecomunicações definidos no Acordo Geral de
Comércio e Serviços e com as deliberações da OMC (HEBER; FISCHER, 2000,
apoiando-se em Pires, 1999)62. Como resultado das reformas promovidas pelos EEUU,
assiste-se a um movimento de fusões e aquisições em todos os segmentos das
telecomunicações, evidenciando a tendência de um mercado com perfil oligopolizado
e concentrado.

Em relação à União Européia, o prazo estabelecido para a abertura dos


mercados foi até abril/1998.63 Suas propostas basearam-se em princípios gerais
relacionados com a constituição de órgãos reguladores, licenças para os operadores,
regras para interconexão, serviço universal, separação contábil e incentivo à entrada de
novos operadores. Os estados membros têm promovido reformas nas estruturas
regulatórias de telecomunicações, para adequarem-na ao mercado e possibilitarem a
abertura das redes para interconexão de diversos operadores. Tal como os EEUU, o
escopo de suas políticas incorpora todos os segmentos das telecomunicações e a
regulação favorece a concorrência e incorpora assimetrias pró-entrantes64 (HEBER;
FISCHER, 2000).

Soluções pró-mercado foram também adotadas nos países periféricos, baseadas


em argumentos que afirmavam que os resultados econômicos iriam ser otimizados
com as políticas de liberalização associadas às privatizações e desregulamentações
(HEBER; FISCHER, 2000).

62
Um ponto para o qual Heber e Fischer (2000) chamam atenção é a participação ativa de
grupos de interesse nas fases de consulta pública e audiência acerca de decisões
regulatórias. Citando novamente Pires (1999), Heber e Fischer (2000) mencionam que o
“processo de tomada de decisões regulatórias é baseado na filosofia de ‘checks and
balances’ – princípio presente na tradição jurídica norte-americana que procura maximizar a
área de consenso na tomada de decisões – e está sujeito à pressão de ‘lobbies’ dos diferentes
grupos de interesse envolvidos” (p. 154).
63
Prazo este que não foi totalmente cumprido.
64
O termo ‘entrantes’ é utilizado na literatura sobre o assunto para fazer referência às empresas
que estão iniciando nesse setor após a sua liberalização/privatização. As ‘assimetrias pró-
entrantes’ referem-se às regras que visam a contrabalançar a situação privilegiada das
empresas operadoras que se tornaram proprietárias da infra-estrutura já instalada.
83

Na América Latina, as políticas de privatização e liberalização do setor das


telecomunicações tiveram início em fins da década de 1980, inserindo as operadoras -
de propriedade pública - num contexto de ajustes estruturais e reformas econômicas.
Em sua maioria, as privatizações envolveram a compra das estatais locais por grandes
operadoras estrangeiras, às quais se garantia mercado por um tempo determinado, e
para as quais se definiam, também, os investimentos mínimos a serem realizados
(HEBER; FISCHER, 2000). Via de regra, as estruturas de regulação foram posteriores
à privatização e, conforme Heber e Fischer (2000), citando Almeida (1997), estas não
se apresentam com capacidade para “arbitrar as pesadas disputas (...) relativas à
formação de preços e à entrada de novos concorrentes” (p.158).

O período entre fins da década de 1980 e início da de 1990 vai presenciar a


emergência de um regime internacional de comunicação e informação o qual, para
Babe (1995), é capitaneado por uma ‘elite de incorporações transnacionais’ cujos
interesses se sobrepõem aos interesses nacionais. Para explicar o advento dos regimes
internacionais, esse autor apóia-se na teoria das elites, segundo a qual elites
empresariais e governamentais, principalmente dos países periféricos, possuem mais
afinidade com as elites dos países centrais do que com sua própria população65. Nesse
mesmo sentido, esse autor destaca ainda que

muitos países estão buscando atualmente, com um vigor incansável,


uma agenda política neoconservadora de globalização, privatização,
desregulação, redução dos programas sociais e minimização do setor
público. (...) Cada vez mais, falta-lhes o desejo e a esperança de
resistir aos ataques da ‘supercultura’ mundial. Além disso, eles
seguem estimulando a elevada mercadorização da informação e do
conhecimento, a exemplo das rigorosas leis de propriedade intelectual
e das iniciativas de autopistas de informação. (BABE, 1995, p. 6)

65
Para Babe (1995), isso esclarece e explica “porque o governo canadense entrou em acordos
de ‘livre comércio’ que erodem a própria soberania do governo federal, que aumentam a
pressão sobre o governo para reduzir a abrangência de uma legislação ambiental já
inadequada, os programas sociais, para reduzir ainda mais as taxas sobre as incorporações e
para perseguir políticas que colocam em desvantagem boa parte da sua força de trabalho”
(p.207).
84

Como já explicitado, os regimes internacionais precisam ser ancorados pela


autoridade dos estados nacionais e o fazem a partir dos papéis atribuídos aos seus
governos. Nesse sentido, Abramson e Raboy (1999) buscam identificar como se dá a
conciliação entre esse regime de governança internacional e a manutenção dos
estados-nação como unidades básicas de autoridade para a elaboração das políticas.
Para isso discutem a subsunção da política de telecomunicações e mídia no Canadá a
esse regime.

Os autores identificam três fases nesse processo. Entre 1993 e 1994 alteram-se
os arranjos institucionais do processo de elaboração de políticas de comunicação,
tendo em vista integrarem suas estruturas às exigências da nova visão de ‘sociedade da
informação’. No período entre 1995 e 1996 acelera-se a transição, para o âmbito
internacional, do processo de definição de diretrizes relativas a essas políticas. Por fim,
a partir de 1997, a política de comunicação no Canadá vai ser dispersa em novas áreas
de solicitação e de expertise.

Como comentam esses autores, evidencia-se uma fissura no processo político


de mediação entre objetivos de interesse público e a adoção das diretrizes
comprometidas com o estabelecimento de um modelo globalizado de ‘Estado
promocional’ e com a transição para o comércio digital (ABRAMSON; RABOY,
1999). Embora o poder político continue organizado territorialmente, os territórios
fragmentados dos mercados globais transitam entre jurisdições nacionais.

Para Abramson e Raboy (1999), a importância da transição para esse novo


regime internacional, que coloca no centro da economia a ‘mercadorização da
informação’, ficou minimizada, em virtude da coexistência de objetivos não mercantis,
tais como a universalização do acesso às tecnologias, com prescrições de mercado para
obtê-los.

Como principal marco da transição para o regime internacional de comunicação


e informação, Abramson e Raboy (1999) apontam a “Information Society
Conference”, realizada pelo G7 em Bruxelas, em fevereiro/1995. Para esses autores,
essa conferência seria o ponto de interseção entre as governanças ‘dos mercados’ e
85

‘das tecnologias’, a partir do fato de serem ambos artefatos que atuam em conjunto,
quando se trata de operacionalizar os modelos de governança. Nesse encontro foram
estabelecidos os princípios para orientar as estratégias nacionais e os programas de
ação, sobretudo das nações líderes. “O modelo de ação do Estado elaborado em
Bruxelas foi parte do projeto para o processo maior de governança que ultrapassa o
Estado, mas para o qual o Estado desempenha um papel chave” (ABRAMSON;
RABOY, 1999, nota 14, p. 781). Nesse contexto, a representação do interesse público
passou a significar a ‘representação de consumidores’ e o Estado passou a exercer o
papel de ‘facilitador’ da implementação das decisões tomadas no âmbito internacional.
As mudanças decorrentes do encontro de Bruxelas tiveram por função tornar a
‘sociedade da informação’ um projeto político que, por ter suas definições decididas
no âmbito internacional e, ao mesmo tempo, demandar um desdobramento passível de
ser feito apenas em nível nacional, não pode ser inscrito integralmente nem no âmbito
doméstico, nem no transnacional (ABRAMSON; RABOY, 1999, p.783).

A conjuntura chave para produzir o ‘mundo em rede’, termo que é muitas vezes
referido nas iniciativas de ‘sociedade da informação’, foi a proposta da “Global
Information Infrastructure”, feita no encontro de Bruxelas pelo então vice-presidente
dos EEUU, Al Gore. Essa proposta é compreendida como ponto nodal de um projeto
maior, que gira em torno da conversão da informação digitalizada em nova fonte de
riqueza, projeto esse já acomodado na coordenação política internacional, cuja
expressão ideológica é o argumento do ‘livre fluxo de informação’. A ‘infra-estrutura
de informação global’, defendida na conferência de Bruxelas, representa, para
Abramson e Raboy (1999), a transição da retórica dos EEUU do ‘livre fluxo de
informação’ como necessidade democrática para argumentos de base econômica,
como necessidade comercialmente indispensável.

Como observam Heber e Fischer (2000), as experiências de privatização e


abertura de mercado no setor das telecomunicações não reduziram a importância dos
governos para o seu funcionamento. “A promessa da ‘desregulamentação’ que
conduziria a mercados maiores e mais fortes e a governos menores e mais fracos como
uma tendência inexorável em âmbito mundial (...) não encontra evidência empírica nas
86

principais experiências de reforma regulatória no passado recente” (p. 158). Para essas
autoras, a liberalização foi, na verdade, uma etapa do processo de substituição das
regras de regulação até então vigentes por novas regras.

Para Abramson e Raboy (1999), o mais pervasivo artefato do processo de


‘globalização da governança’ da ‘sociedade da informação’ foi a territorialização do
modelo de ‘Estado promotor’ catalisado em Bruxelas. Como ‘facilitador do capital’,
passaram a ser atribuições do Governo: 1- definir as regras, governando a troca de
informação; 2- atuar como usuário modelo de tecnologias de informação; e 3-
encorajar os outros a usá-las.

Entre os pontos que consideramos relevante destacar neste momento estão a


excessiva importância que vai ser dada às tecnologias de informação e comunicação e
a sua consideração como motor das mudanças sociais recentes, o que, como veremos
adiante, vai fundamentar as iniciativas de ‘sociedade da informação’. Essa importância
encontra seus fundamentos conceituais em Bell (1978) e sua concepção de
‘conhecimento’, a qual transforma esse conhecimento em tecnologia econômica e
social (NEHMY; PAIM, 2002). Seus argumentos políticos descendem dos modelos
desenvolvimentistas que, nas décadas de 1950 e 1960, atribuíram às comunicações o
status de indicador de desenvolvimento.

Entretanto, como já mencionamos anteriormente, nessa perspectiva, informação


e conhecimento são reduzidos à sua dimensão pragmática, operacional e codificável,
tendendo a ser confundidos com tecnologia de informação, subordinados à
possibilidade de serem digitalizados, de transformarem-se em bits.

Essa linguagem binária da informática assume papel de ‘código universal’, o


qual, pelo seu potencial de penetração nas diversas esferas da vida social, vai ser
tomado como a própria característica da mudança social, reforçada nos discursos
institucionais da ‘sociedade da informação’ que caracterizam os documentos de
governos nacionais, das instâncias supranacionais e de instituições transnacionais e
internacionais.
87

Ao tomarem como premissas tais concepções de ‘sociedade da informação’, os


discursos governamentais reproduzem e, ao mesmo tempo, reforçam a concepção da
centralidade da tecnologia, no caso, a ‘infra-estrutura de informação’, no processo de
mudança social e para o crescimento e desenvolvimento econômico. Com isso ocultam
as relações sociais, econômicas e políticas envolvidas na opção tecnológica adotada,
assim como as relações de poder que definem os atores privilegiados com a mesma.

A partir do quadro referencial exposto no presente capítulo, buscaremos


compreender as práticas concretas para a constituição da ‘sociedade da informação’,
capitaneadas por estados nacionais e organismos supra e transnacionais. Nesse sentido,
apresentamos, a seguir, as iniciativas que, ao longo da década de 1990, deram origem
aos programas nacionais de ‘construção’ da ‘sociedade da informação’.
88

3. ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’

Políticas, estratégias e ação

Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de


um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de
fabulações, que se aproveita do alargamento de todos os contextos
para consagrar um discurso único. Seus fundamentos são a
informação e o seu império, que se encontram na produção de
imagens e do imaginário, e na monetarização da vida social e da vida
pessoal.

Milton Santos

As iniciativas rumo à ‘sociedade da informação’, como muitas vezes são


referidas as iniciativas da agenda de implantação da ‘infra-estrutura de informação’
global, apresentam um discurso cuja disseminação é facilitada pelas concepções
otimistas nas quais se apóiam. Afirmam ser inevitável a passagem da ‘sociedade
industrial’ para uma ‘sociedade da informação’, sendo esta uma sociedade na qual ‘os
cidadãos’ irão vivenciar a melhoria de distintos aspectos da sua vida cotidiana, a partir
do uso dos diversos serviços de telecomunicações. Sua fundamentação, baseada nas
‘idéias da sociedade da informação’ dos anos 1970, reproduz um discurso
determinista, que considera o desenvolvimento tecnológico como autônomo em
relação a quaisquer fatores sociais e que é, ao mesmo tempo, capaz de influenciar a
ordem social vigente. Essa consideração resulta em proposições para a ‘sociedade da
informação’ que não consideram as especificidades dos países onde são feitas. A essa
constatação soma-se o nosso criticismo em relação aos benefícios que essa ‘sociedade
da informação’ promete para a humanidade, na medida em que, fundamentada em
valores mercantis, ela atua no sentido de contribuir para a extensão de relações típicas
89

do mercado capitalista aos demais setores da vida social, tais como a cultura, o lazer e
as relações entre governo e sociedade.

Essa sociedade pautada cada vez mais por relações mercantis é alimentada e, ao
mesmo tempo, alimenta uma concepção acerca do ‘bem comum’ como sendo a soma
de interesses individuais. Essa visão do bem comum, por sua vez, oculta a importância
que instituições como o ‘mercado’ ou o ‘estado’ têm para o estabelecimento das
relações de poder que conformam o ethos social e respondem pela própria
disseminação de valores que priorizam o individual sobre o coletivo, que estão na base
do processo de ‘mercadorização’ da sociedade.

A visão de sociedade segundo a qual o indivíduo independe do seu contexto


social e na qual o mercado como locus de trocas econômicas constitui o elemento
central e organizador das demais relações sociais está na base do discurso da
‘globalização’ e do pensamento neoliberal. Dessa perspectiva, o ‘mercado global’,
cuja vigência requer a ‘desregulamentação’ dos mercados nacionais, precisa ser
regulado por instâncias de âmbito internacional, alternativa que vai ensejar o advento
de regimes internacionais, ou seja, como visto no segundo capítulo, o advento de um
conjunto de normas, regras e instituições para governar esse ‘mercado global’. Tais
regimes têm como premissas a emergência de ‘atores políticos internacionais’ não
governamentais e a ‘cooperação internacional’ e atuam tendo em vista a
‘harmonização’ dos diversos interesses envolvidos, afim de que o resultado reflita a
maximização dos benefícios dessas partes.

Entretanto, para aqueles que estão comprometidos com valores como a


eqüidade e a democracia, a instauração desses regimes revela o advento de formas de
elaboração de políticas públicas sumamente anti-democráticas e discricionárias. Suas
instituições e regras resultam da agregação dos interesses comuns de alguns grupos
específicos (alguns países, a exemplo do G7, ou setores produtivos, como é, por
exemplo, o caso da UIT) e visam, especificamente, representar os interesses desses
grupos, tornando-os ‘interesses gerais’. Nesse sentido, esses regimes internacionais
representam interesses transnacionais de grupos privados, os quais, para serem
90

atendidos, dependem da sua inclusão como parte das diversas políticas nacionais,
tenham ou não esses grupos privados qualquer ligação direta com os países que terão
que adotar as diretrizes políticas por eles propostas.

O advento desses regimes internacionais, que constituem uma institucionalidade


de fato, mas não de direito, tem, entretanto, ensejado a mudança do papel do Estado,
ao subordinar os governos nacionais às suas diretrizes, atribuindo-lhes, como tarefa, a
adoção de políticas públicas para viabilizar o atendimento de seus interesses
específicos.

Como veremos neste capítulo, o discurso da ‘sociedade da informação’, ao se


apoiar no tripé: 1- liberalização/privatização, pertinente às idéias de globalização
neoliberal; 2- quadro regulatório comum e 3- cooperação internacional, os quais estão
associados ao regime de governança internacional, vai refletir e reforçar essa
‘privatização’ do público. Esse tripé vai ser legitimado por instâncias internacionais
através de um conjunto de princípios que serão adotados como diretrizes para a
elaboração das políticas econômicas e regulativas nacionais, definindo, assim, o perfil
de funcionamento da economia.

Apontar como essas diretrizes comparecem nas proposições de iniciativas para


a ‘sociedade da informação’ e para a constituição da infra-estrutura de informação nos
moldes formulados, inicialmente, pelos EEUU e disseminados pelas instâncias
internacionais ao longo da década de 1990 é o que pretendemos com as descrições do
presente capítulo. Entendemos que a disseminação desses princípios e o
desenvolvimento da agenda para a ‘sociedade da informação’ deles decorrente são
iniciativas que tendem a reforçar a mercadorização das relações sociais, tema deste
trabalho.

Para maior clareza, retomamos, neste ponto, a observação feita na introdução


deste trabalho acerca dos termos ‘infra-estrutura de informação’ e ‘sociedade da
informação’. Como comentamos ali, esses termos são utilizados pelos EEUU e pela
União Européia, respectivamente, num primeiro momento e, posteriormente, como no
91

caso do G7, ambos vão ser utilizados para se referir a um mesmo conjunto de
iniciativas, na sua dimensão global.

Assim, tendo em vista que, como veremos a seguir, o diferencial entre as


perspectivas dos EEUU e da União Européia é o fato de que esta última enfoca
explicitamente os aspectos sociais, societais e culturais da generalização do uso das
tecnologias de informação e comunicação, estamos convencidos de que, em ambos os
casos, trata-se primordialmente da constituição da infra-estrutura tecnológica de
comunicação e informação e de sua instauração como ‘família de técnicas’66 destinada
a ser utilizada pelos novos atores hegemônicos da economia internacional
interdependente, referida como ‘economia globalizada’. Consideramos, portanto, que
embora não sejam rigorosamente intercambiáveis, esses termos referem-se ao mesmo
objetivo geral de política pública, qual seja, o da constituição da plataforma
tecnológica mencionada acima.

Entretanto, não podemos deixar de destacar as diferenças que, já na nomeação,


vão transparecer nas proposições do início da década de 1990. Ao utilizar o termo
‘infra-estrutura de informação’, os EEUU refletem seu interesse em constituir uma
base tecnológica para uma ‘nova’ economia, fortemente apoiada na mídia digital. Essa
expressão destaca o aspecto no qual este país é mais forte, dada a pré-existência, nos
EEUU, de uma plataforma tecnológica de computação/comunicações e de um
conjunto de serviços genéricos de suporte a aplicações. Sugere também a consideração
de que o provimento da ‘infra-estrutura’ será condição suficiente para que os demais
interesses possam se acomodar.

Por sua vez, o termo ‘sociedade da informação’, adotado pela União Européia,
espelha a importância, para essa instância supranacional, de que a adoção generalizada
e planejada das novas tecnologias de informação e comunicação seja associada às

66
A expressão ‘família de técnicas’ é utilizada por Santos (2001) quando afirma que uma
técnica nunca aparece isolada, “o que se instala são grupos de técnicas, verdadeiros
sistemas”, a exemplo da foice, enxada e ancinho, os quais constituíram, em certo momento,
uma ‘família de técnicas’. Para esse autor, o “representativo do sistema de técnicas atual é a
chegada da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da eletrônica.”
(p.24/25)
92

dimensões que são caras à sociabilidade européia. Daí decorre a preocupação em tratar
os aspectos ‘sociais, societais e culturais’. Assim, as considerações acerca dessas
iniciativas não vão limitar-se às questões tecno-econômicas, mas precisam expressar,
entre outros pontos, uma atenção específica para o quadro sócio-cultural e político da
região e suas características multiculturais e multilingüísticas, e a conseqüente
preocupação com o uso social da tecnologia. Como é sabido, a União Européia
apresenta-se como um conjunto de atores formalmente dotados de igual poder, os
quais, para poderem atuar em conjunto, demandam uma ‘partitura’ aceita por acordo,
fato que influi sumamente nas estratégias que precisam adotar. Nesse sentido, essa
opção reflete o fato de situar-se como instância supra nacional que envolve instâncias
politicamente autônomas. No caso em pauta, a União Européia atuou em resposta ao
movimento dos EEUU de formular uma agenda para a constituição da infra-estrutura
de informação, não apenas na sua dimensão nacional como, também, na dimensão
global. Para isso incluiu, como parte de sua estratégia para preservar um espaço de
contraponto a esse país, uma agenda de cooperação, inicialmente entre os países
membros e, em seguida, envolvendo os países da Europa Central e do Leste, da
Europa Mediterrânea e mesmo com países periféricos.

3.1 Iniciativas rumo à ‘Sociedade da Informação’: a infra-estrutura de


informação na agenda internacional nos anos 1990

A iniciativa do governo dos EEUU, em 1993, durante a primeira Administração


Clinton/Gore, denominada “The U.S.A. National Information Infrastructure Initiative”
pode ser tomada como o marco inicial do processo de constituição da ‘infra-estrutura
de informação’ global e das iniciativas rumo à ‘sociedade da informação’. Após o seu
lançamento, esse tema adquire visibilidade na agenda internacional, ensejando
diversas outras iniciativas que podem, igualmente, ser apontadas como importantes
marcos desse processo. Entre essas iniciativas destacam-se o lançamento, pelo
Conselho Europeu, do “White Paper on Growth, Competitiveness, and Employment -
93

The challenges and ways forward into 21st Century”67 que, no próprio ano de 1993, vai
marcar a adoção da expressão ‘sociedade da informação’ pelas autoridades da
Comunidade Européia; a realização da “ITU World Telecommunications Development
Conference”68 em Buenos Aires, a divulgação, pelo Departamento de Comércio dos
EEUU, da “Global Information Infrastructure – Agenda for Cooperation” e a
apresentação, pela Comissão Européia, do “Bangemann Report- Europe and the global
information society: Recomendations to the European Council”, em 1994. No ano de
1995, destacamos a realização, em Bruxelas, do encontro ministerial dos integrantes
do G7, a “G7 Information Society Conference”, com o objetivo de “encorajar e
promover a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias, incluindo,
particularmente, a implementação de infra-estruturas de informação mundiais, abertas
e competitivas” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995a).

Embora outros eventos ou iniciativas possam ter influenciado os rumos do


desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, esses marcos
constituem, a nosso ver, os elementos chave desse processo, razão pela qual nos
dedicaremos à discussão dos mesmos neste capítulo, com vistas a evidenciar como os
‘princípios centrais’ que orientam as iniciativas de ‘sociedade da informação’
traduzem estratégias voltadas prioritariamente para a configuração do ‘livre’ mercado
internacional, para a geração e indução de consumo e para a instauração de um regime
internacional de comunicação e informação. Nesse último sentido destacaremos dois
aspectos: a legitimação de instâncias internacionais como formuladoras das diretrizes
para as políticas nacionais de comunicação e informação e o papel, atribuído aos
governos nacionais, de promotores da mercadorização da sociedade.

Tema relativamente recente na agenda política, a construção da ‘sociedade da


informação’ é concomitante com o advento de regimes de governança que, desde a
década anterior, vêm adquirindo dimensões internacionais e envolvendo a entrada, na
cena ‘pública’, de atores privados e não governamentais, e modificando o papel do

67
Também conhecido como relatório Delors, uma vez que foi coordenado por Jacques Delors.
94

Estado. Entre as características desse ‘novo’ regime está a atribuição, a uma parcela da
sociedade civil, da legitimidade de propor, em âmbito internacional, diretrizes para os
planos de ação ‘governamentais’. Outra característica, no âmbito das políticas
nacionais e subnacionais, é a substituição de questões de ‘interesse nacional’ por
questões do ‘interesse geral’, tais como entendidas pelos representantes de
organizações do setor privado diretamente interessadas, da academia e das
organizações não governamentais às quais os temas interessem particularmente.69

A relevância das políticas concernentes às tecnologias de informação e


comunicação para o ‘mundo industrializado’ vai ser expressa na iniciativa da “G7
Information Society Conference” e está presente nas negociações que, no âmbito do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), resultaram na aplicação das regras
internacionais de ‘livre comércio’ ao setor de telecomunicações (SEBASTIÁN et. al.,
2000).

Passada quase uma década, tem-se, entre os resultados concretos das diretrizes
adotadas, a atuação dos grandes consórcios no setor dos meios de comunicação e o
alargamento de suas atividades clássicas para incorporarem a edição eletrônica e os
serviços de televisão digital, conformando conglomerados de perfil oligopolizado
como decorrência da liberalização e privatização70, o que, no caso de boa parte dos

68
Da qual resultou a “Declaração de Buenos Aires” sobre o desenvolvimento das
telecomunicações.
69
Essa modalidade de proposição de planos ‘governamentais’ parece decorrer da generalização
das práticas de policy making pela agregação de demandas dos grupos de interesse e que são
tornadas policies ’ao serem adotadas pelo poder público como políticas gerais. A adoção
deste procedimento em nível mundial, como é o caso das instâncias internacionais
elaboradoras das diretrizes e regras para pautar a atuação dos estados nacionais num
contexto de elevada e assimétrica interdependência, é deveras questionável, na medida em
que torna ainda maior o universo daqueles que não podem vocalizar seus interesses. No caso
da ‘sociedade da informação’, a prática de policy making à qual estamos nos referindo
revela-se, não apenas pela proliferação de ‘livros verdes’ como instrumento de ‘consulta
pública’, como também pela generalização do processo de delegação da formulação das
políticas concernentes, a grupos de interesses que, por sua vez, vão se orientar pelas
diretrizes das referências apresentadas pelas instituições internacionais, em geral dominadas
pelos interesses da tríade ou, no mínimo, dos países centrais.
70
Dores (1999) citado por Heber e Fischer (2000) destaca , no caso dos EEUU, a joint venture
que a AT&T formou com a Time Warner Inc para fornecer serviços de telefonia local via
95

países periféricos, significou também a internacionalização da sua propriedade71 e a


concentração das empresas de ramos anteriormente desvinculados em mãos de um
mesmo proprietário.

Essa concentração da propriedade e a predominância de relações mercantis no


que se refere à infra-estrutura de informação estão entre os fatores que, por sua vez,
ensejaram o que tem sido denominado de ‘fosso digital’ (digital divide), processo que
separa, de um lado, os que têm acesso aos recursos de informação proporcionados
pelas tecnologias de informação e comunicação (e que constituem uma minoria em
relação ao total da população mundial, concentrada sobretudo nos EEUU) e, de outro,
o ‘resto do mundo’. Fala-se assim de uma ‘exclusão’ digital, a qual se soma às demais
formas de ‘exclusão’ social pré existentes72.

A constatação desse ‘fosso digital’ vai inscrever-se na agenda política em fins


da década de 1990. Nesse sentido, iniciativas como o “Information for All
Programme”73, publicado em 2000, vão expressar a preocupação com o
aprofundamento das desigualdades verificado e apontar para a necessidade de se
estabelecerem outras condições para que a ‘sociedade da informação’, tão promissora
quando anunciada no início da década de 1990, possa ser capaz de, efetivamente, gerar
benefícios mais universais.

rede de cabos em inúmeros estados dos EEUU. Essa associação se segue a um acordo em
que a AT & T compra a Tele-Communications Inc (TCI). Em 2000 ela estava adquirindo
também a MediaOne, provedora de TV a cabo, assim como a TCI e a Time Warner. “A
intenção da AT&T é garantir acesso a 60% das residências norte-americanas para concorrer
(sic) em escala nacional com as empresas de telefonia local e aumentar sua competitividade
global, oferecendo, em um mesmo ‘pacote’, serviços de telefonia local, longa distância, TV
a cabo e Internet” (HEBER; FISCHER, 2000, p.155, nota 15).
71
Como colocado por Heber e Fischer (2000), no caso dos países da América Latina, “a
maioria dos processos de privatização envolveu a compra das estatais locais pelas grandes
operadoras (européias, principalmente), tanto de forma isolada quanto em consórcios”
(p.157).
72
Pesquisas realizadas pelo NTIA apontam que o acesso às tecnologias de informação e
comunicação, em particular, o acesso a computadores e à internet é menor exatamente nos
grupos sociais que possuem as piores condições de inclusão social, a saber: população negra
e latina em relação aos demais, população rural em relação à população urbana; etc.
73
URL: http://www.unesco.org/webworld/future/index.shtml.
96

No intuito de colocar em evidência os principais objetivos das proposições


relacionadas com a constituição da ‘sociedade da informação’, procedemos, a seguir, à
apresentação, segundo suas respectivas cronologias, das iniciativas nesse sentido,
promovidas pelos EEUU e União Européia, e disseminadas por organismos
internacionais como o G7 e a UIT.

Iniciaremos nossa discussão apresentando os documentos elaborados pelos


EEUU em relação à ‘infra-estrutura de informação’, na medida em que, como
mencionado anteriormente, a divulgação, pelo governo dos EEUU, em setembro de
1993, do “The National Information Infrastructure: Agenda for Action”, atuou como
catalisador de iniciativas similares na União Européia e deu origem ao discurso
político da ‘sociedade da informação’. Em seguida são discutidas as proposições da
União Européia para a ‘sociedade da informação’ e, por fim, é abordada a sua
disseminação para outros países, tendo em vista a constituição da infra-estrutura de
informação global, analisando-se iniciativas nesse sentido promovidas por algumas
organizações internacionais.

Assim como já destacamos a diferença entre termos utilizados pelos EEUU e a


União Européia, cabe chamar atenção também para diferenças entre os instrumentos
adotados por uns e por outros para promover as iniciativas. Assim, os documentos
mais abrangentes produzidos pelo governo dos EEUU, ou a seu pedido, são as
‘agendas’ e as definições de princípios, ao passo que a União Européia consolida suas
proposições sob forma de planos de ação. Essas diferenças evidenciam as diferentes
culturas políticas desses estados. O não intervencionismo característico do estado nos
EEUU se adequa mais à formulação de uma agenda do que à elaboração de um ‘plano
de ação’, mais característico de estados com tradição de terem um papel ativo na
economia, como é o caso de boa parte dos estados europeus.
97

3.2 Estados Unidos: Agenda para a constituição da infra-estrutura de


informação

Com relação aos EEUU, analisamos os seguintes documentos: “The National


Information Infrastructure - Agenda for Action” (UNITED STATES, 1993;
MELODY, 1999); o “Common Ground: Fundamental Principles for the National
Information Infrastructure” (LEWIS; MC CRACKEN, 1995); o relatório “The
National Information Infrastructure: The Federal Role” (MCLOUGHLIN, 2000); e o
“Administration White Paper on Communications Act Reforms” (WHITE HOUSE,
1994), no que se refere à constituição da infra-estrutura nacional de informação. Por
sua vez, no que se refere à posição dos EEUU em relação à dimensão global da ‘infra-
estrutura de informação’ foram analisados: “Princípios Fundamentales de la
Construcción de una Sociedad de Información” (GORE, 1996); “The Global
Information Infrastructure: Agenda for Cooperation” (IITF, 1994); e “Connecting the
Globe – A Regulator´s Guide to Building a Global Information Community”
(KENNARD, 1999).

Esses textos constituem o conjunto dos documentos localizados que atenderam


aos critérios de seleção estabelecidos - e mencionados na Introdução -, entre os quais,
o de tratarem do tema de forma abrangente e estarem disponíveis para o acesso via
internet.

Como já colocado, a iniciativa “National Information Infrastructure – Agenda


for Action” foi lançada em setembro de 1993 pelo governo federal dos EEUU.
Elaborado durante a primeira administração Clinton, esse documento tem como parte
de seus fundamentos a consideração da informação como “um dos recursos
econômicos mais críticos de uma nação, tanto para as indústrias de serviços como para
as manufaturas; tanto para a economia como para a segurança nacional” (UNITED
STATES, 1993).

A proposta expressa na agenda objetivou o desenvolvimento de uma ‘infra-


estrutura nacional de informação’ para que os estadunidenses pudessem ter acesso às
informações e se comunicar uns com os outros, a qualquer tempo, de qualquer lugar.
98

Essa ‘infra-estrutura nacional de informação’ é concebida como algo que


contempla “uma teia sem precedentes de redes de comunicação, computadores, bases
de dados e aparelhos eletrônicos dos consumidores, os quais colocarão uma vasta
quantidade de informação nas mãos dos usuários” (UNITED STATES, 1993), num
sistema em que infra-estruturas até então independentes se combinam.

A infra-estrutura de informação assim constituída permitiria o crescimento


econômico e o aumento da produtividade, o reforço da liderança tecnológica dos
EEUU, o desenvolvimento regional, estadual e local e o comércio eletrônico, este
último destacado como fator de redução do tempo necessário para a geração de novos
produtos. Em conjunto, resultariam na promoção da competitividade dos EEUU e,
conseqüentemente, na criação de emprego. Problemas sociais prementes como a
educação e treinamento seriam resolvidos com o recurso dessa infra-estrutura de
informação, o que, por sua vez, levaria os estadunidenses a contribuírem para o
crescimento subseqüente da própria infra-estrutura nacional de informação. Nesse
sentido, afirma-se no documento que “a aplicação dos princípios e metas propostos
assegurarão que o governo dê uma assistência construtiva para que a indústria dos
EEUU, os trabalhadores, a academia e cidadãos privados desenvolvam, implementem
e usem a infra-estrutura” (UNITED STATES, 1993).

Os princípios norteadores das propostas para a infra-estrutura nacional de


informação são: 1- o estímulo ao investimento privado nessa infra-estrutura; 2- a
promoção e proteção da competição; 3- o provimento de acesso aberto à infra-estrutura
nacional de informação, tanto para os consumidores como para os provedores de
serviços; 4- a preservação e avanço dos serviços universais, para evitar a clivagem
entre os que possuem e os que não possuem acesso à informação na ‘sociedade da
informação’; e 5- a garantia de flexibilidade para que o quadro regulatório recém
adotado mantenha-se compatível com o ritmo das rápidas mudanças tecnológicas e
mercadológicas.

Se ao setor privado cabe fazer os investimentos e liderar o desenvolvimento da


infra-estrutura nacional de informação, ao setor governamental cabe promover e apoiar
99

o desenvolvimento completo de cada um dos componentes dessa infra-estrutura,


através da adoção de políticas regulativas e econômicas, da ampliação do acesso aos
serviços essenciais por intermédio de programas governamentais, da complementação
e fortalecimento dos esforços do setor privado (UNITED STATES, 1993; MELODY,
1999).

Nesse sentido, os esforços governamentais para manter a liderança mundial dos


EEUU e a sua competitividade em relação às tecnologias de informação e
telecomunicações devem envolver: 1- a promoção do investimento do setor privado na
infra-estrutura nacional de informação através de políticas de tributação e regulatórias;
2- a ampliação do conceito de ‘serviço universal’ para assegurar que os recursos
informacionais estejam disponíveis para todos, a preços compatíveis; 3- a atuação,
como agente catalisador, na promoção da inovação tecnológica e de novas aplicações,
através do comprometimento de programas de pesquisa governamentais e de garantias
de ajuda ao setor privado, no desenvolvimento e demonstração das tecnologias
necessárias à infra-estrutura nacional de informação; 4- a promoção da operação da
infra-estrutura nacional de informação tendo por foco o seu usuário, garantindo a este
que as operações sejam interativas e que as transferências de informação possam ser
realizadas de forma fácil e eficiente; 5- a garantia de segurança das informações e da
confiabilidade da rede; 6- a melhoria da gestão do espectro de radiofreqüência74; 7- a
proteção dos direitos de propriedade intelectual; 8- a coordenação dos diversos níveis
de governo e em relação aos demais países, tendo em vista evitar obstáculos
desnecessários e políticas que possam prejudicar a indústria estadunidense; e 9- o
provimento de acesso à informação governamental e a melhoria do processo de
compras governamentais. (UNITED STATES, 1993; MELODY, 1999).

74
O gerenciamento do espectro de radiofreqüência foi considerado estratégico para evitar
restrições de acesso aos recursos da infra-estrutura de informação. Nesse sentido, ensejou a
iniciativa de fortalecimento e de adequação das estruturas do ‘Office of Information and
Regulatory Affairs’ (instância do Office of Management and Budget (OMB)), do National
Telecommunications and Information Administration (NTIA) e do Federal Communication
Commission (FCC), agências federais de políticas de informação e comunicação, para
lidarem com as novas questões decorrentes dessa política (UNITED STATES, 1993).
100

Para promover o investimento do setor privado, seria necessário aprovar a


reforma da legislação de telecomunicações até fins de 199475 e rever as políticas de
tarifação, criando taxas que incentivassem o investimento em P&D nesse setor e na
formação de novos negócios.

Como catalisador da inovação tecnológica e de novas aplicações, o governo


precisaria atuar nas áreas de P&D, na implantação de projetos experimentais e na
disseminação de iniciativas bem sucedidas (UNITED STATES, 1993).

A revisão de questões como a privacidade individual e a segurança


proporcionada com a tecnologia de criptografia eram aspectos relacionados com o
aumento da confiabilidade da rede.76

No que se refere à proteção dos direitos de propriedade intelectual, estava em


pauta o exame da adequação das leis de direitos autorais e a busca de alternativas para
identificar e reembolsar detentores de direitos autorais de produtos, em sistemas
eletrônicos.

O acesso universal77 foi apresentado como mecanismo que aproximaria os


estadunidenses e atuaria em sentido contrário à polarização entre os ‘possuidores’ e os
‘não possuidores’ de informação (UNITED STATES, 1993).

75
Após o anúncio da National Information Infrastructure – Agenda for Action, a Administração
Federal dos EEUU propôs uma reforma administrativa e legislativa para a política de
telecomunicação. Essa reforma foi apresentada pela administração federal através do
“Administration White Paper on Communications Act Reforms” (WHITE HOUSE, 1994).
Por sua vez, o Telecommunications Deregulation Act of 1996 (PL 104-104 de 8/2/1996)
expressou a reforma legislativa, contemplando um leque de provisões que afetam o
desenvolvimento da infra-estrutura de informação (MCLOUGHLIN, 2000).
76
Os termos privacidade, confiabilidade e segurança são assim definidos: “privacidade da
informação é a habilidade de um indivíduo em controlar o uso e a disseminação da
informação relacionada consigo mesmo. Confiabilidade é uma ferramenta para proteger a
privacidade (...) Segurança é a totalidade de salvaguardas em um sistema de informação
baseado em computadores. A segurança protege do acesso não autorizado, do mau uso e de
danos acidentais tanto o sistema. A segurança consiste de políticas de hardware, software e
de pessoal, de políticas de gerenciamento de informação e prevenção de desastres” (LEWIS;
MC CRACKEN, 1995). O termo confiabilidade está associada à idéia de estabilidade,
resistência a falhas, disponibilidade, etc. das redes.
77
Em meados de 1995, a discussão, pelo Senado dos EEUU, acerca da desregulamentação das
telecomunicações trouxe à tona a questão do acesso universal aos serviços via internet. Com
101

A coordenação da atuação com outros níveis de governo envolveria a busca de


formas de aumentar a coordenação em relação à política regulativa entre as diversas
entidades do governo, para estabelecer princípios reguladores capazes de promover o
desenvolvimento da infra-estrutura nacional de informação.

No nível internacional, a coordenação objetivava conseguir que os serviços


fossem prestados em nível global, cabendo à administração federal dos EEUU atuar
em nome das firmas estadunidenses, assegurando-lhes oportunidade de exportar bens e
serviços relacionados com as telecomunicações para clientes externos, eliminando
barreiras decorrentes da incompatibilidade de padrões, participando em comitês
internacionais de padronização e examinando as normas de comércio (UNITED
STATES, 1993; MELODY, 1999).

Nos termos postos na Agenda de Ação, o advento da ‘infra-estrutura de


informação’ iria modificar o modo como as pessoas vivem, trabalham e interagem
umas com as outras, na medida em que iriam poder morar em qualquer lugar sem
perder as oportunidades de emprego; ter acesso às melhores escolas, professores e
cursos, independentemente da distância; ter acesso a serviços de saúde de melhor
qualidade a partir da utilização da telemedicina e de um sistema de informações em
saúde; e o atendimento a outras necessidades sociais, a exemplo da criação das redes
comunitárias de acesso a serviços de informação e a disseminação de informação
governamental, relacionados com a vida cívica e o interesse público, que passariam a
estar disponíveis online78. Como pilares necessários para se viver na ‘era da
informação’ são, ainda, enumerados os componentes ‘não físicos’ dessa infra-
estrutura, ou seja, a informação propriamente dita, as aplicações e software, os padrões
e códigos de transmissão da rede, e as pessoas que, sobretudo no setor privado, criam

isso, o estabelecimento de fundos para viabilizar tal forma de ‘serviço universal’ foi
incluído no Telecommunications Act (MCLOUGHLIN, 2000 ).
78
Como parte de uma construção ideológica, não são discutidos e nem sequer enunciados os
impactos negativos dessas mudanças, a propósito das quais foram, inclusive, produzidos
alguns documentos, entre os quais , as considerações presentes no texto: “Serving the
Community: A Public-Interest Vision of the National Information Infrastructure” (CPSR,
1993).
102

as informações, desenvolvem as aplicações e serviços, constróem as facilidades e


treinam os demais (UNITED STATES, 1993).

DDD

Entre as instâncias relacionadas com o desenvolvimento da infra-estrutura de


informação nos EEUU estão o Information Infrastructure Task Force79 (IITF); o
President´s Information Technology Advisory Committee80 (PITAC); o Departamento
de Comércio dos EEUU, em especial o National Institute of Standards and
Technology (NIST); a National Telecommunications and Information Administration –
(NTIA); e a Federal Communications Commission (FCC). Para tratar especificamente
da agenda dessa infra-estrutura de informação global, foi constituída a Global
Information Infrastructure Commission81.

Para aconselhar a administração federal dos EEUU em relação à estratégia


nacional a ser adotada para promover o desenvolvimento da infra-estrutura de
informação, foi constituído, em março de 1994, um conselho consultivo, o National
Information Infrastructure Advisory Council (NIIAC)82. Além de procurar estabelecer
um quadro de referência no qual fosse possível obter um consenso, os seus trabalhos

79
A Information Infrastructure Task Force da presidência dos EEUU tem por função articular e
implementar a visão da administração federal em relação à infra estrutura nacional de
informação. É formada por representantes de alto nível de agências federais com um papel
importante no desenvolvimento e aplicação das tecnologias de informação e comunicação.
Foi estabelecida com a finalidade de trabalhar junto ao Congresso e ao setor privado
propondo políticas e iniciativas que interligassem as aplicações do governo ao setor privado,
resolvessem disputas pendentes e implementassem políticas da administração (UNITED
STATES, 1993).
80
O PITAC é vinculado ao National Coordination Office for Information Tecnology Research
and Development e presta assessoria ao Presidente, ao Congresso e às agencias federais dos
EEUU, envolvidas com P&D, em tecnologias da informação, nos esforços para acelerar o
desenvolvimento e a adoção das tecnologias de informação, vitais para a “prosperidade
americana no século 21”(sic). É constituído por experts em tecnologias de informação, da
indústria e da academia (NITRD, 2002).
81
URL: http://www.giic.org
82
Esse conselho foi constituído por representantes dos vários setores envolvidos: indústria,
sindicatos, universidade, meios de comunicação, escola, instituições de pesquisa,
parlamentares, etc.
103

visavam apresentar recomendações relacionadas com as diversas questões dessa infra-


estrutura.

O primeiro relatório de atividades desse conselho foi “Common-Ground:


Fundamental principles for the National Information Infrastructure” (LEWIS; MC
CRACKEN, 1995), apresentado em 1995, versando sobre as bases e princípios
acordados para orientar a estratégia nacional do Departamento de Comércio e da
Administração Federal dos EEUU. Suas diretrizes referem-se predominantemente aos
aspectos comerciais dessa infra-estrutura de informação e, entre seus pressupostos,
está a consideração de tal infra-estrutura como agente capaz de melhorar a qualidade
das instituições educacionais e das bibliotecas, ao proporcionar acesso a fontes de
informação geograficamente dispersas e a fontes remotas de instrução. Ademais,
considera-se que a evolução da infra-estrutura nacional de informação promove ondas
de inovação e competição as quais, por sua vez, levam ao desenvolvimento de novos
produtos, serviços e mesmo de indústrias. Afirma-se que as potencialidades da infra-
estrutura de informação, melhorando a freqüência, facilidade e adequação do comércio
eletrônico, ensejariam a sua ampla utilização, o que, por sua vez, iria melhorar a vida
dos indivíduos ao criar novos trabalhos/empregos e tornar disponíveis novos e
diferentes produtos e serviços, os quais reduziriam os custos de vários produtos e
serviços e aumentariam as conveniências da vida diária (LEWIS; MC CRACKEN,
1995).

Destacam-se, entre os papeis do setor público, os de promover o equilíbrio entre


a proteção dos direitos de propriedade intelectual e dos proprietários de direitos
autorais e as necessidades dos usuários; definir estratégias nacionais para o
desenvolvimento de aplicações em comércio eletrônico, manufatura, educação e
aprendizagem à distância, saúde, informação e serviços governamentais e segurança
pública; maximizar a interconexão e interoperabilidade das redes; e garantir a
privacidade e segurança na rede.

Destacam-se, também, como atribuições do governo, o estímulo ao


desenvolvimento e ao uso da infra-estrutura de informação, através do provimento de
104

incentivos para a criação e disseminação de trabalhos na infra-estrutura global de


informação, do financiamento de pesquisas, da oferta eletrônica de serviços de
governo ao público, e de campanhas de conscientização pública para promover a
generalização do uso da infra-estrutura de informação (LEWIS; MC CRACKEN,
1995).

Por fim, como atribuições específicas do governo federal, estão o


estabelecimento de acordos internacionais que facilitem a abertura de mercados e a
atuação no sentido de se estabelecerem padrões globais.

Como se pode observar, esse conjunto de atribuições do setor público, que não
é desprezível, está praticamente voltado para criar condições favoráveis ao
desempenho do setor privado. Assim sendo, ainda que se insista em afirmar no
relatório que o sucesso do desenvolvimento da infra-estrutura nacional de informação
é o investimento privado e a competição aberta - “ingrediente essencial para o
contínuo investimento nas tecnologias e aplicações” (LEWIS; MC CRACKEN, 1995)
-, o conjunto das atribuições do setor governamental constitui o conjunto de
‘precondições’ para que esse ‘ingrediente essencial’ se faça presente.

Por outro lado, diversamente da objetividade com que as precondições para


atender o investimento privado são tratadas, no que se refere aos ‘benefícios sociais’
da infra-estrutura nacional de informações, o relatório faz somente algumas
considerações prescritivas, de natureza geral. Afirma-se, por exemplo, que, se bem
sucedida, a infra-estrutura de informação irá assegurar que possam ser amplamente
distribuídos (e mais facilmente empregados) benefícios já experimentados na
educação, permitir que os hospitais do país utilizem o “conjunto de talentos e recursos
necessários” (sic) para manter os registros e informações sobre diagnóstico de
pacientes online, melhorar os serviços de atendimento à saúde, particularmente em
áreas rurais. Em relação ao entretenimento, afirma-se que as tecnologias de
informação irão ampliar as opções disponíveis e, por fim, que tais tecnologias irão
modificar o modo como os cidadãos estadunidenses recebem as informações e os
serviços do governo e a forma de se relacionarem com seus representantes eleitos,
105

oferecendo oportunidade de “fortalecer a democracia participativa nos EEUU” (sic)


(LEWIS; MC CRACKEN, 1995).

O debate político sobre a ‘infra-estrutura de informação’ nos EEUU passou,


posteriormente, a enfocar a disseminação de estratégias que permitissem atingir
melhor as metas de interesse nacional. Caminhava-se para a unificação das tecnologias
de informação e comunicação em uma única plataforma tecnológica, a internet.
Conforme apontado em “The National Information Infrastructure: The Federal Role”
(MCLOUGHLIN, 2000), essa possibilidade, de se combinarem tecnologias de
comunicação, serviços e aplicações em uma única ‘infra-estrutura de informação’ – a
internet -, fundamentava-se na pretensão de se interconectarem negócios, governos,
pesquisadores, educadores e o público em geral, por intermédio de redes de
telecomunicações avançadas, que tivessem à disposição uma diversidade de recursos
informacionais83. Entre as metas de interesse dos EEUU que se pretendia atingir
estavam as de aumentar a vantagem competitiva desse país e ampliar o uso comercial,
acadêmico, doméstico e público especificamente em relação à internet84.

83
Essa ‘infra-estrutura nacional de informação’ é referida por Mcloughlin (2000) como
consistindo “de um sistema físico de rotas de telecomunicações e conexões que transmitem
e recebem voz, vídeo e dados. Inclui também serviços orientados a consumidores e
negócios, fornecidos por intermédio e derivados das redes de telecomunicações, e os
recursos de informação acessíveis através dessas redes. Num sentido amplo, uma infra-
estrutura nacional de informação engloba uma teia de telecomunicações, informação e
tecnologias de computação” (p.2) ou, como destacam (KRUGER; GILROY, 2001 ) é
constituída pelo conjunto de redes interativas de alta velocidade, públicas e privadas, de
banda larga e estreita, as que existem e as que virão a existir, incluindo as tecnologias de
satélite, terrestres e de radiodifusão, que fazem chegar os conteúdos até as casas, escritórios
e outras instituições públicas e privadas e, ainda, pelos fluxos de conteúdo, os
computadores, televisões, telefones, rádios e demais produtos empregados para acessar a
infra-estrutura.
84
O relatório “Internet: An overview of key technology policy issues affecting its use and
growth” (SMITH et. al., 1998 ) apresenta um resumo das questões em debate no Congresso
dos EEUU, as quais estavam relacionadas com a privacidade na internet; a segurança dos
computadores contra os ‘ciber-ataques’; o acesso à internet de banda larga e outras, relativas
ao comércio eletrônico, tais como os procedimentos de criptografia para proteção das
transações comerciais eletrônicas e os impactos das políticas da União Européia e da OMC
sobre as atividades de comércio eletrônico dos EEUU. Além disso, encontravam-se,
também, em discussão questões acerca do papel da internet na economia política dos EEUU
(SMITH et. al., 1998).
106

Nesse documento, o papel do governo federal em relação a essa infra-estrutura


é apresentado sob três perspectivas: 1- como política para o desenvolvimento da infra-
estrutura nacional de informação, tendo por questão o papel do governo na criação de
um ‘ímpeto’ desregulatório e competitivo para o crescimento das tecnologias de
informação e comunicação; 2- como programa federal de pesquisa e desenvolvimento
para fortalecer e apoiar esse desenvolvimento, centrando-se a questão no nível de
financiamento a ser concedido pelo governo federal para o desenvolvimento e para a
implementação de infra-estrutura de tecnologias de informação e telecomunicações; e
3-como aplicações.

Como questão política mais geral, a discussão situa-se

...em torno da extensão na qual a pesquisa da tecnologia, seu


desenvolvimento e implantação devem ser atribuídos ao setor privado;
dos benefícios tangíveis que resultarão para os trabalhadores
americanos e para os consumidores; e da necessidade de investimento
governamental na infra-estrutura de informação para proporcionar
crescimento econômico, criação de empregos e assegurar uma posição
de liderança nos mercados mundiais. (MCLOUGHLIN, 2000, p. 2).

Como programa federal de P&D, o foco da discussão centra-se nos limites do


envolvimento do governo no apoio a projetos de pesquisa de alta tecnologia, na
comercialização desta e na promoção do impulso desregulador e competitivo para o
crescimento das telecomunicações e tecnologias de informação. Como parte da visão
de uma política de alta tecnologia que inclui a rápida expansão das autopistas de
informação baseadas nas telecomunicações, defende-se um maior apoio federal e o
financiamento para um elenco de propostas de P&D em tecnologia avançada, tendo
em vista fortalecer a economia dos EEUU, possibilitar a geração de empregos e o
tratamento de problemas sociais prementes (MCLOUGHLIN, 2000, p.4).

No que se refere às aplicações, a questão girava em torno da identificação de


aplicações a serem desenvolvidas ou melhoradas com o apoio público para utilização
em escolas, bibliotecas, hospitais, governo e comércio.
107

O crescente papel da internet na economia política dos EEUU, os esforços de


desenvolvimento da infra-estrutura nacional de informação e as iniciativas de governo
eletrônico, consolidadas como principais elementos para o desenvolvimento da infra-
estrutura, colocaram em destaque a importância do gerenciamento da tecnologia de
informação. A segurança, privacidade, gestão dos recursos tecnológicos
governamentais, acessibilidade a serviços do governo passaram a ser destacadas como
parte das questões relacionadas ao governo online, estando também incluídas, aí, as
preocupações com o ‘fosso digital’. Essas questões são tidas como do maior interesse,
não apenas para a viabilização da ‘infra-estrutura de informação’ como, também, para
sua utilização comercial (MCLOUGHLIN, 2000).

Como já mencionado, foram as iniciativas dos EEUU em relação à ‘infra-


estrutura de informação’ e à ‘agenda de cooperação’ que, no início da década de 1990,
ensejaram a discussão do tema da ‘sociedade da informação’ na União Européia, bem
como a sua disseminação por intermédio de organizações como a UIT e o G7.

3.2.1 O princípio dos princípios: a agenda de ‘cooperação’

A proposta dos EEUU para a ‘infra-estrutura de informação global’ foi


consubstanciada na “Global Information Infrastructure - Agenda for Cooperation”,
elaborada pela IITF do governo dos EEUU e divulgada em 199585. Nesse documento,
a infra-estrutura de informação global é descrita como uma rede de redes locais,
nacionais e regionais e considerada como produto da convergência tecnológica e da
competição, que tornariam possível o compartilhamento de informação, a interconexão
e a comunicação e a constituição de um ‘mercado global de informação’.

Essa agenda teve por objetivo, primeiro, proporcionar “um foco mais acurado
para os objetivos da política de abertura dos mercados, de eliminação de barreiras
decorrentes de padrões incompatíveis e o exame de regulações internacionais e dos

85
Apesar de sua divulgação datar de 1995, como afirma Gore (1996), os princípios norteadores
dessa infra-estrutura foram previamente apresentados e defendidos, tanto na conferência da
UIT, em Buenos Aires, 1994, como na conferência do G7, em Bruxelas, 1995,
108

EEUU” (IITF, 1994), depois, apontar os aspectos específicos que interessavam aos
EEUU e, ainda, trabalhar em conjunto com os demais países.

Nesse sentido, os EEUU propuseram um conjunto de princípios básicos86 que


foram endossados em fóruns internacionais e, conseqüentemente, disseminados como
diretrizes a serem adotados nos projetos nacionais da ‘sociedade da informação’.

Os princípios que interessavam aos EEUU defender visavam: 1- o estímulo ao


investimento do setor privado, com a reforma dos ambientes regulador, legislativo e do
mercado; 2- a promoção da competição em níveis local, nacional, regional e global; 3-
o acesso aberto à rede para todos os provedores e usuários, com a parceria dos
governos com o setor privado para ampliar a oferta de serviços e informação, aí
incluído o apoio para o desenvolvimento de padrões internacionais compatíveis; 4- a
constituição de um ambiente regulatório flexível para atender à “natureza
essencialmente global dos mercados de telecomunicações, tecnologias de informação e
serviços de informação, e para acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas; e 5- a
garantia de serviço universal para atender à meta de “prover a todas as pessoas com o
maior acesso tanto aos serviços básicos como aos avançados como um elemento
crucial para a infra-estrutura global de informação” (BROWN et. al., 1995, p.1 a 18).

O propósito expresso na agenda foi o de amplificar esses cinco princípios e


identificar os passos necessários para tornar real a visão da infra-estrutura de
informação global (BROWN et. al., 1995; IITF, s/d.a).

Conforme declaração de Al Gore, vice presidente dos EEUU, em 1996, dentre


tais princípios, o investimento privado e a competição são considerados como
‘fundamentais’ para gerar criatividade, criar empregos, estimular benefícios
financeiros e proporcionar uma gama de novos serviços aos consumidores. Já a
regulação flexível é considerada como o meio de assegurar estabilidade, liberdade e

86
Na realidade, esses princípios seguiam as prescrições do ‘Consenso de Washington’, que
recomendavam: “crescimento voltado para fora (outwarded oriented growth); liberalização,
privatização, desregulação; ‘prudência macroeconômica’ (equilíbrio fiscal)” como diretrizes
para as políticas de privatização e liberalização do setor de telecomunicações”. (HEBER;
FISCHER, 2000, P.157).
109

flexibilidade e, ao mesmo tempo, oferecer preços justos e uma ampla gama de opções
aos consumidores (GORE, 1996; IITF, s/d.a). O acesso aberto é defendido como
princípio básico fundamentado na chamada Lei de Metcalfe87, a qual é também
invocada para defender o empenho de todas as nações e lugares para se conectarem à
infra-estrutura de informação mundial: “o valor dessa infra-estrutura depende do
crescente número de pessoas conectadas” (GORE, 1996). Por fim, o serviço universal,
menos do que princípio, é considerado como uma conseqüência da aplicação dos
quatro princípios.

Já a questão regulatória é considerada central ao desenvolvimento da infra-


estrutura de informação. Sua importância para os EEUU é tamanha que esse país
divulgou um guia destinado, incisiva e explicitamente, aos elaboradores das políticas
de países da África, Ásia, Europa e América Latina, os quais haviam tido seus setores
de telecomunicações recém-privatizados. Para justificá-lo, afirma-se que estes países
estariam lidando pela primeira vez com questões regulatórias e o guia seria “uma
contribuição a partir da experiência dos EEUU, para orientar o processo regulatório da
‘infra-estrutura global de informação’” (sic). Examinaremos, em seguida, alguns de
seus pontos.

3.2.2 A regulação dos reguladores nacionais: o guia para a ‘comunidade’ de


informação global

O “Connecting the Globe - A Regulator´s Guide to building a Global


Information Community” foi divulgado pelos EEUU por intermédio da FCC do seu
Departamento de Estado, em 1999.

Já em seu prefácio, este guia menciona os princípios básicos de aplicabilidade


global sob uma forma condensada em relação aos princípios constantes da ‘agenda de
cooperação’. Nesse sentido, como primeiro princípio, são enumeradas a privatização, a

87
A Lei de Metcalfe, apresentada como um princípio conhecido na ciência da computação,
afirma que “o poder de uma rede de computadores aumenta aproximadamente na proporção
direta do quadrado da quantidade de pessoas conectadas a ela” (GORE, 1996).
110

liberalização e a competição. O segundo princípio refere-se à desregulamentação (“na


medida em que a competição possa se desenvolver”(sic)). O terceiro refere-se ao
acesso universal aos serviços e tecnologias de comunicação. Como quarto e último
princípio ele se refere às oportunidades para as populações desfavorecidas, como tema
de ‘particular’ interesse para os países ‘em desenvolvimento’, o que de alguma forma
reflete as constatações acerca do ‘fosso digital’88.

Também aqui o capital privado é encarecido como necessidade básica para a


construção da moderna infra-estrutura de telecomunicações e aos governos é atribuído
o papel de “promover mercados abertos e competitivos” (sic), estabelecendo sistemas
reguladores independentes e, se e onde possível, viabilizando um ambiente “livre de
regulação desnecessária” (KENNARD, 1999).

O guia aponta as diretrizes gerais que devem nortear a ação dos reguladores
face a um ambiente ‘competitivo, liberalizado e privatizado recentemente’, a saber 1- o
encorajamento ao investimento, inovação e infra-estrutura privados; 2- promoção da
ampla competição; 3- gerenciamento eficiente dos recursos escassos89; e 4- promoção
do interesse público em situações em que o mercado não atenda, ficando a cargo do
regulador “prever e regular mecanismos que assegurem a neutralidade na oferta de
serviços de telecomunicações para as comunidades incapazes, redes para atenderem à
saúde e a interoperabilidade de todas as redes” (KENNARD, 1999, p.I3).

Em termos dos objetivos pretendidos com o guia, pela sua leitura é possível
afirmar que os mesmos estão relacionados à adoção de um desenho institucional para
as instâncias reguladoras e gestoras nos países periféricos, a qual permita o
estabelecimento de diretrizes para suas infra-estruturas nacionais de informação, que
atendam às necessidades econômicas da indústria e dos residentes estadunidenses e
possibilitem o desenvolvimento da internet nestes países de forma compatível com os

88
Como coloca Afonso (2000), além de lidar com questões como quem lucra com essa ‘nova
sociedade’ ou quem a controla, “é preciso monitorar como ela se propaga e como a
desigualdade social se reproduz nessa expansão”. Como bem destacado por este autor, “os
saltos de modernização são realizados em função das elites – beneficiárias diretas e
frequentemente únicas do desenvolvimento” (p.5)
111

interesses dos EEUU. Nesse sentido, o que se espera obter é a internacionalização de


parâmetros que permitam ‘governar’ as infra-estruturas nacionais, reduzir a atividade
reguladora ao mínimo e, quando necessária, orientá-la de conformidade com os
padrões aceitos por ‘consenso’ em âmbito internacional. Espera-se, por fim, promover
a ação governamental no sentido de estimular o ‘uso’ da internet e da infra-estrutura de
informação, tendo em vista dinamizar o seu mercado interno.

O guia pode ser dividido em duas partes. A primeira delas descreve o modelo
das entidades reguladoras dos EEUU, como exemplo que ‘pode ser adotado’ pelos
países aos quais se dirige. A segunda trata das questões específicas da infra-estrutura
de informação e dos requisitos para sua conformação global, tanto em termos
comerciais – relativos à participação das empresas no seu provimento –, como em
termos técnicos e tecnológicos – relativos à padronização e especificações.

Defende-se um modelo de ‘competição nos serviços de telecomunicações’, no


qual exige-se que os governos removam as barreiras legais que protegem esses
provedores sob monopólio contra a entrada de novos provedores. Tal como é
discutido, fica evidente que os maiores objetivos em relação às telecomunicações
foram a liberalização dos mercados nacionais à participação de empresas estrangeiras
e a preparação de mecanismos reguladores para obrigar as concessionárias locais, já
estabelecidas, a compartilharem o mercado até então cativo. No que se refere ao
espectro de radiofreqüência, sua coordenação é considerada como uma questão crítica
e as conferências de radiocomunicação da UIT são apontadas como o principal
mecanismo de alocação internacional.

Como mencionado, a leitura do guia deixa claro como objetivo dos EEUU o de
fixar, a priori, as posições do seu interesse em relação às diretrizes para a liberalização
e privatização das telecomunicações, universalização dos serviços, estabelecimento
dos marcos relativos ao espectro de radiofreqüência e redes de satélites; e, por fim,
mas certamente não menos importante, para a discussão da que se tornou a rede das
redes, a internet.

89
Refere-se neste ponto exclusivamente às políticas para gestão do espectro de radiofreqüência.
112

Os ‘princípios centrais para gestão do espectro de radiofreqüência são


justificados pela necessidade de maximizar o seu uso eficiente; assegurar que esteja
disponível para novas tecnologias e serviços, preservar a flexibilidade para adaptar-se
às novas necessidades do mercado. Visa-se, de acordo com o guia, desenvolver um
processo amplo, eficiente e transparente de concessão de licenças; fazer a alocação do
espectro e conceder o licenciamento com base nas demandas de mercado; promover a
competição; e assegurar que o espectro esteja disponível para benefícios públicos
importantes, como segurança e saúde.

O guia dedica um capítulo exclusivamente à internet. Uma das premissas ali


apresentadas destaca o seu potencial para dirigir o crescimento econômico e cultural
futuro, sugerindo-se que o desafio para os países periféricos é o de implementarem
políticas consistentes que encorajem o crescimento dessa rede, mantendo a ausência de
regulação nos seus limites territoriais. O foco adotado é o do comércio eletrônico via
internet, para o qual, os princípios apontados pelo governo dos EEUU são a condução
pelo setor privado; um comércio eletrônico guiado pelas forças de mercado e não por
ações regulatórias; o envolvimento do governo, quando necessário, apoiando um
ambiente legal previsível, minimalista e simples para o comércio; uma abordagem
tecnologicamente neutra e descentralizada para a política do governo; e a constituição
de um mercado global inédito através do comércio eletrônico.

A capacidade básica de transmissão é destacada como ‘fundamento físico’


necessário para a operação dos serviços e do comércio eletrônico pela internet e, uma
vez mais, consideram-se como ‘motores básicos’ da infra-estrutura de informação
global sobre a qual as aplicações da internet possam prosperar, a competição aberta e
vigorosa; o investimento; e a “neutralidade tecnológica” (sic).

Como veremos nas próximas seções, os princípios colocados nos documentos


dos EEUU vão estar presentes nas iniciativas da União Européia como recomendações
e se transformarão em diretrizes para os projetos de ‘sociedade da informação’
disseminados pelas organizações internacionais. Isso nos permite identificar o advento
de um ‘regime internacional’ de comunicação e informação.
113

3.3 União Européia e ‘Sociedade da Informação’: da unificação via infra-


estrutura de informação à internet comercial

As iniciativas da União Européia rumo à ‘sociedade da informação’


caracterizam-se pela formulação de ‘planos de ação’, cuja aprovação pelas autoridades
desse bloco supranacional representa a aceitação, pelos estados membros, da política
comunitária e a adoção de suas diretrizes e recomendações. Além desses planos de
ação, diversas fontes de informação, produzidas no âmbito da União Européia, fazem
referência ao tema da ‘sociedade da informação’, entre as quais, relatos das iniciativas
que apresentam uma relação organizada dos documentos produzidos e aprovados pela
autoridade comunitária.

Nesse sentido, a identificação e a seleção dos documentos da União Européia


aqui analisados foi feita com base em um desses relatórios, o “Towards the
Information Society” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2001), que enumera as iniciativas
para a ‘sociedade da informação’ no período de 1993 a 2000. A partir da sua leitura
foram selecionados os seguintes documentos: “White paper on growth,
competitiveness, and employment – The Challenges and Ways Forward into 21st
Century”, também chamado de “relatório Delors” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1993);
“Europe and the global information society – Recomendations to the European
Council”, ou “relatório Bangemann” (BANGEMANN, 1994); “Europe´s way to the
Information Society - An action plan” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1994); “Europe´s
way to the Information Society- Update of the action plan” (KAMINARA, 1996); “As
implicações da Sociedade da Informação nas políticas da União Européia -
Preparação das próximas etapas” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a); “A sociedade
da informação: de Corfu a Dublin, as novas prioridades nascentes” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1998); “Europe at the forefront of the global information society: Rolling
action plan” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996c); eEurope 2002: An Information
Society for all – Action Plan” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000a); e “Actualização da
eEurope 2002” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000b).
114

Complementarmente, foram examinados o “Green paper on Living and


Working in the Information Society - People First” (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996b); o “Learning in the Information Society - Action Plan for a European
education initiative” (CRESSON; BANGEMANN, 1996); e o “White Paper on
Education and Training - Teaching and Learning - Towards the Learning Society”
(COMISSÃO EUROPÉIA, s/d), que tratam mais diretamente das questões de natureza
social, societal e cultural relacionadas com a ‘sociedade da informação’. Foram
também consultadas as referências fornecidas em “The Information Society
Conference - Statements: Towards the Information Society” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1995d); e “La Sociedad de la Información en la UE” (La SOCIEDAD...,
2001).

A perspectiva de constituição da ‘sociedade da informação’ adotada pela União


Européia parece estar associada, entre outros aspectos, às suas necessidades de
integração continental, ameaçada de fragilização enquanto bloco econômico, pela
ampla penetração dos EEUU no mercado mundial das novas tecnologias de
informação e comunicação. Frente a um contexto que envolvia questões
transnacionais, as autoridades européias aprovaram, em 1994, um conjunto de
recomendações para a construção de uma ‘infra-estrutura de informação’ de dimensões
pan-européias, em relação à qual foram ressaltados os impactos sociais, culturais e
econômicos90. Com o objetivo de preservar o espaço europeu no cenário econômico
mundial, particularmente em relação às tecnologias de informação e comunicação,
considerava-se que tais recomendações deveriam também ser levadas em conta pelos
países membros (BANGEMANN, 1994).

É importante destacar que, na década de 1980, foram lançados diversos


programas passíveis de serem considerados como preparatórios dessa ‘sociedade da
informação’ na Comunidade Européia. Entre eles, o ESPRIT (programa de P&D em

90
Cabe destacar, aqui, o fato de que a União Européia conta com particularidades que não
fazem parte do quadro das demais potências integrantes da tríade, os EEUU e o Japão. Uma
delas é a enorme diversidade cultural e lingüística e a outra é o fato de se tratar de uma
‘federação’ de países politicamente independentes e ‘soberanos’.
115

tecnologias de informação (1984), o RACE (que tratou de comunicações avançadas -


1985) e os primeiros programas de aplicações telemáticas lançados em 1986, a saber, o
AIM (para a área de saúde), DRIVE (relativo ao transporte rodoviário) e DELTA
(referente à aprendizagem à distância) (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995a, p.1).

Adicionalmente, desde fins da década de 1980, a política comunitária91 de


telecomunicações tinha como eixos a criação de um mercado único para os
equipamentos de telecomunicações, a liberalização dos serviços de
telecomunicações92, o desenvolvimento tecnológico do setor mediante a pesquisa
comunitária e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões a partir do
desenvolvimento de redes transeuropéias de telecomunicações (La SOCIEDAD...,
2001).

Entretanto, a visão de uma ‘sociedade da informação’ só foi apresentada em


dezembro de 1993 com a adoção, pela Comissão Européia, do “White Paper on
Growth, Competitiveness and Employment: the challenges and ways forward into the
21st century”. Nesse documento enfatizava-se a necessidade de desenvolver uma
‘infra-estrutura de informação’ de dimensão pan-européia como alternativa para a
retomada do crescimento econômico, viabilização da competitividade das empresas
européias e criação de novos mercados e empregos (COMISSÃO EUROPÉIA, 2001).
O pressuposto era de que, quanto mais rapidamente as economias promovessem
mudanças rumo à ‘sociedade da informação’, maiores seriam as suas vantagens
competitivas. Argumentava-se que a ampliação do uso das tecnologias de informação
e comunicação permitiria não apenas reduzir os custos de produção mas, também,
aumentar a competitividade da indústria européia numa economia em processo de
globalização (COMISSÃO EUROPÉIA, 1993).

91
No âmbito dos documentos da União Européia, o termo comunitário é utilizado para referir-
se à sua dimensão supranacional ou seja, da Comunidade de países que a integram.
92
A liberalização da oferta de equipamentos terminais de telecomunicações (tais como
aparelhos telefônicos, faxes, etc), em 1988, foi o marco inicial do processo de liberalização
das telecomunicações, o qual visava permitir que diversos operadores econômicos pudessem
oferecer os novos serviços decorrentes das novas tecnologias de informação e comunicação
(La SOCIEDAD..., 2001).
116

Como parte do projeto da União Européia para o século XXI, a ‘sociedade da


informação’ deveria orientar-se tendo em vista adotar uma perspectiva mundial,
estimulando estratégias para uma aliança internacional entre companhias e operadores
europeus, promovendo o desenvolvimento de sistemas abertos e padrões
internacionais; trabalhando no sentido de abrir os mercados do Terceiro Mundo.
Ademais, precisaria assegurar que os sistemas desenvolvidos levassem em
consideração as características européias de multilinguismo, diversidade cultural e
econômica e a preservação do seu modelo social.

As tecnologias de informação e comunicação são destacadas pelo seu potencial


de criar novos mercados de serviços e facilitar a oferta de serviços privados em lugar
de serviços públicos. Essas tecnologias são apontadas, inclusive, como fator de
mudança nas relações entre Estado e o cidadão, ao permitirem o acesso, de modo
individualizado, aos ‘serviços públicos’, os quais poderiam, então, ter a sua prestação
transferida para o mercado, através de parcerias93 público-privadas (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1993).

Ao setor público são atribuídas as tarefas de lidar com as implicações societais


da ‘sociedade da informação’ como um todo; evitar problemas como o ‘fosso digital’,
maximizando os impactos sobre o emprego e adaptando os sistemas educacionais e de
treinamento; e levar em conta as implicações culturais e éticas para o ‘público geral’,
aí incluídas as questões relativas à privacidade. Atribui-se, também, ao poder público a
incumbência de remover obstáculos regulatórios que dificultem o desenvolvimento de
novos mercados, encorajar e orientar a concertação entre investidores e criar as
condições necessárias para que as companhias européias desenvolvam suas estratégias
em um ambiente internamente aberto e externamente competitivo.

93
Cabe comentar que, na literatura dos projetos de sociedade da informação, ao termo
‘parceria’ é atribuído um poder quase mágico: setores público e privado tornam-se
‘parceiros’ e a sociedade da informação deslancha. Tudo se passa como se, num passe de
mágica, interesses conflitantes deixassem de ter relevância diante dos resultados positivos e
universais decorrentes da ‘parceria’ na gestão das mudanças e na compreensão de suas
implicações sociais. Observa-se que essa ‘parceria’ público-privada é um dos ingredientes
do novo ‘regime de governança’ internacional que tem acompanhado o projeto neoliberal de
‘globalização’.
117

Considera-se que, para a criação de uma ‘infra-estrutura de informação’ de


dimensões pan européias, sejam necessários: 1- a revisão do quadro regulatório das
telecomunicações; 2- a liberalização de serviços de valor agregado (tais como os
serviços ‘inteligentes’ oferecidos aos usuários dos sistemas de telefonia); e 3- o
estabelecimento de um programa que culmine na plena liberalização da infra-estrutura
de telecomunicações e dos serviços de telefonia de voz94. Outros requisitos apontados
incluem: 4- o apoio a programas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico; 5- o
estímulo ao desenvolvimento de sistemas de comunicação de dados de interesse geral;
6- o estabelecimento de uma política de padronização; e 7- uma política de inovação e
de apoio às políticas regionais (COMISSÃO EUROPÉIA, 1993).

Em decorrência da apresentação do Relatório Delors95 ao Conselho Europeu em


Bruxelas, em dezembro/1993, foi constituído um grupo de personalidades96
encarregado de elaborar um relatório acerca das medidas específicas a serem adotadas
pela União Européia e pelos estados membros para a construção da ‘sociedade da
informação’. Esse documento foi publicado em junho/1994 sob o título de
“Bangemann Report: Recomendations to the European Council - Europe and the
global information society”, conhecido como “Relatório Bangemann”, e aprovado
pelo Conselho de Ministros no encontro de Corfu em junho/94. Enfatizava a urgência
de ações para assegurar a competitividade das empresas européias e para que a União
Européia tivesse chance de seguir os EEUU e o Japão na liderança tecnológica,
preservando alguma capacidade de definir padrões tecnológicos a serem adotados em
âmbito mundial (BANGEMANN, 1994; COMISSÃO EUROPÉIA, 2001).

A ‘sociedade da informação’ é destacada como um processo financiado pelo


setor privado do qual resultam mudanças sociais que são dirigidas pelo e para o
mercado. Nesse sentido, a primeira recomendação do relatório Bangemann é a de que

94
Como mencionado anteriormente, o processo de liberalização das telecomunicações na União
Européia teve início na década de 1980.
95
O qual, como já mencionamos anteriormente, é o “White paper on growth, competitiveness,
and employment - The challenges and ways forward into 21st century”.
118

a União Européia deve confiar nos mecanismos de mercado como “força motriz para
conduzi-la à sociedade da informação” (BANGEMANN, 1994, p.3). Nos termos
postos no relatório, “o mercado irá dirigir, ele irá decidir os ganhadores e perdedores.
Dado o poder e a pervasividade da tecnologia, esse é um mercado ‘global’”
(BANGEMANN, 1994, p.7).

Como elementos chave dessa ‘sociedade da informação’, são destacados os


sistemas de comunicação e as tecnologias de informação avançadas: as redes
(telefonia, satélites, cabo, etc.), os serviços básicos (correio eletrônico, vídeo
interativo, etc.) e as aplicações (ensino à distância, tele trabalho97, etc.).

Entre suas premissas está a de que as tecnologias de informação e comunicação


estariam gerando uma ‘nova revolução’ tão significativa e abrangente quanto a
Revolução Industrial, na medida em que adicionam novas capacidades à inteligência
humana e modificam o modo de trabalhar e o modo de viver humanos
(BANGEMANN, 1994 , p.3).

A ‘mentalidade empreendedora’ dos agentes privados é o fator que permitirá a


emergência de novos setores dinâmicos na economia. Seu pré requisito, entretanto, é o
desenvolvimento de um quadro regulatório comum aos estados membros para
constituir um ‘mercado competitivo’ para os serviços de informação (BANGEMANN,
1994, p.3).

O estabelecimento desse novo ambiente regulatório, que expresse o consenso


quanto à propriedade intelectual, à privacidade e à propriedade da mídia e seja “capaz
de mobilizar o capital privado necessário para a inovação, crescimento e
desenvolvimento” é apontado como ponto central para a emergência dos ‘novos

96
Esse grupo foi integrado por personalidades do setor industrial e por usuários, e coordenado
pelo vice presidente da Comissão Européia, Martin Bangemann.
97
O teletrabalho é destacado como importante fenômeno social em relação ao qual são
necessárias novas formas de proteção social. Outro aspecto ressaltado é a redução da
importância de fatores espaço-temporal em decorrência do advento das redes de
comunicação.
119

mercados consumidores’98 dessa ‘infra-estrutura de informação’ (BANGEMANN,


1994).

Aponta-se, também, como indispensável, a imediata formulação de regulações


mínimas relativas às operações de licenciamento, interconexão, gestão de recursos
compartilhados e a unificação do quadro regulatório para o conjunto dos operadores de
telecomunicações, em âmbito europeu.

Aos governos atribui-se a responsabilidade de não deixar a Europa em uma


posição desvantajosa de competição. Para tanto, sua primeira tarefa é a de
salvaguardar as forças competitivas e assegurar uma recepção política forte e
duradoura para a ‘sociedade da informação’. Nesse sentido, cabe aos governos
extinguir as barreiras representadas pelo ambiente monopolista e anti-competitivo e
promover o uso das tecnologias de informação e comunicação, ficando incumbidos,
entre outros, de viabilizar a capacitação dos usuários para esse uso e de gerar a
demanda necessária para a ocupação do mercado pelos fornecedores europeus
(BANGEMANN, 1994).

Embora se afirme tratar-se de uma mudança dirigida pelo ‘mercado’, está


explícito que a competição, por si só, não vai produzir massa crítica na quantidade e
velocidade necessárias. A utilização da capacidade instalada é, entretanto, um aspecto
crucial para que ocorram investimentos nas novas redes e serviços. Portanto, para que
haja investimento de capital privado em novos serviços de telecomunicações e infra-
estrutura de informação há necessidade de indução do consumo99: “Nós somente
poderemos criar um círculo virtuoso de oferta e demanda se um significativo número

98
Estes novos mercados consumidores são identificados como sendo as empresas de negócios,
as pequenas e médias empresas, os consumidores finais e o comércio de audiovisuais
(BANGEMANN, 1994).
99
Para a indução do consumo, o desenvolvimento de aplicações experimentais envolvendo as
administrações públicas é destacado, entre outros motivos, pelo papel pioneiro que podem
assumir em relação ao uso massivo das tecnologias de informação e comunicação e pelo seu
efeito demonstrativo em relação às aplicações dessas tecnologias. Esse uso está sendo
chamado de ‘governo eletrônico’ ou ‘governo online’. O inventário e a disseminação dessas
práticas é uma das iniciativas relacionadas com a promoção da ‘sociedade da informação’.
120

de aplicações para testar o mercado, baseadas em redes de informação, puder ser


lançado em toda a Europa, para criar massa crítica” (BANGEMANN, 1994, p.21).

Além disso, é preciso que sejam estabelecidas regras que possibilitem a


interoperabilidade e o acesso recíproco, que se promova o ajuste das tarifas e se
constituia um quadro regulatório comum (BANGEMANN, 1994).

É interessante observar-se que, a despeito dos riscos apontados, o relatório


Bangemann oferece uma perspectiva otimista em relação ao advento da ‘sociedade da
informação’. São enumeradas vantagens e benefícios a serem desfrutados, não apenas
pelos agentes econômicos hegemônicos como, também, pelos demais atores sociais,
refletindo uma perspectiva segundo a qual o advento dessas novas tecnologias só terá
ganhadores100.

Em relação aos riscos, afirma-se que os mesmos podem ser evitados atribuindo-
se às autoridades públicas a tarefa de salvaguardar a coesão da ‘nova sociedade’, de
assegurar o livre acesso à infra-estrutura de informação e a provisão de serviços
universais (BANGEMANN, 1994). Esses requisitos, por sua vez, podem, também, ser
lidos como parte da atribuição do poder público de garantir a “ampla aceitação pública
e o uso efetivo das novas tecnologias” através da educação, do treinamento e da
promoção da ‘sociedade da informação’.

No que se refere ao mundo do trabalho, o relatório destaca o surgimento de


novas profissões e habilitações e a necessidade de mudança da legislação trabalhista,
para adequá-la às mudanças no e do local de realização do trabalho.

Nesse sentido, entre as aplicações que estariam viabilizando a ‘sociedade da


informação’ destacam-se o teletrabalho, como forma de proporcionar mais empregos
para uma ‘sociedade móvel’; a aprendizagem à distância, como processo contínuo de
educação numa ‘sociedade em mudança’; a rede de universidades e centros de
pesquisa, como forma de integrar em rede a capacidade intelectual da Europa; os

100
É, sem dúvida, irônico, que uma iniciativa reativa à constatação da expansão estadunidense
sobre o mercado europeu em termos de produtos e serviços relacionados com as tecnologias
121

serviços telemáticos para pequenas e médias empresas; a gestão de tráfego viário,


como solução de engenharia de tráfego para melhoria da qualidade de vida; o controle
de tráfego aéreo, como rota aérea eletrônica para a Europa; as redes de saúde, como
alternativa de redução de custos e maior efetividade dos sistemas de saúde para os
cidadãos europeus; as compras eletrônicas pelo setor público, como alternativa para
uma administração mais efetiva e de menor custo; a rede de administração pública
transeuropéia, como alternativa para um governo melhor e mais barato; e as autopistas
de informação urbanas, como forma de levar a ‘sociedade da informação’ para dentro
das casas101 (BANGEMANN, 1994).

O programa de trabalho que se seguiu ao relatório Bangemann foi


consubstanciado em julho de 1994, no “Europe’s way to the Information Society – An
Action Plan”, o qual foi apresentado pela Comissão Européia ao Conselho e ao
Parlamento Europeu, bem como aos comitês Econômico e Social e das Regiões, da
União Européia.

Aprovado em setembro/1994, esse plano apresenta um quadro de referência


para a estruturação e consolidação das diferentes ações então propostas, relativas à
adaptação dos quadros legal e regulatório e à promoção de iniciativas referentes a
serviços básicos, aplicações e conteúdos. O plano destaca aspectos sociais, societais e
culturais relacionados com a promoção e implementação da ‘sociedade da
informação’, tendo sido adotado pelo Conselho Europeu no Encontro de Essen, em
1994, como agenda para o desenvolvimento da ‘sociedade da informação’.

As iniciativas nele contidas visavam avançar na liberalização das infra-


estruturas de telecomunicações, garantir o serviço universal, estudar os aspectos
relativos à propriedade intelectual, preparar um estudo sobre as emissões
criptografadas, estudar a situação do setor audiovisual, preparar uma ‘comunicação’102

de informação e comunicação, quando proposta, possa ser capaz de gerar benefícios


universais.
101
A proposta de provimento de acesso à internet por meio de centros comunitários nas regiões
carentes é uma alternativa associada a esta linha de aplicações.
102
A ‘comunicação’ é uma modalidade de documentos produzidos pela autoridade comunitária.
122

acerca do pluralismo e da concentração dos meios de comunicação e criar o escritório


de projetos da ‘sociedade da informação, o “Information Society Project Office” 103 –
ISPO (La SOCIEDAD..., 2001).

Nesse documento reafirma-se o setor privado como principal responsável pela


posição a ser alcançada pela União Européia em relação à ‘sociedade da informação’ e
atribui-se à Comunidade Européia e aos estados membros o papel de sustentar esse
desenvolvimento, dando-lhe ímpeto político, criando um quadro regulatório claro e
estável em relação ao acesso ao mercado, à compatibilidade entre redes, aos direitos de
propriedade intelectual, à proteção de dados e aos direitos autorais (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1994).

A liberalização das telecomunicações e o estabelecimento de uma autoridade


em nível europeu são colocados como requisitos para a constituição do ambiente
competitivo. A interconexão e interoperabilidade são também consideradas essenciais
para a competição. A padronização, por sua vez, é apontada como essencial para
viabilização dessa interconexão das redes e da interoperabilidade dos serviços em
nível internacional.

Entretanto, as questões associadas à dimensão global da ‘sociedade da


informação’ relacionam-se, sobretudo, aos aspectos comerciais. O que se destaca,
nesses casos, é a necessidade de intensificação do diálogo com os EEUU, a ampliação
das discussões bilaterais com parceiros como Canadá e Japão e a participação em
discussões da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização Mundial
de Propriedade Intelectual (OMPI).

103
Criado em dezembro de 1994, o escopo e os objetivos do ISPO estavam voltados para
promover a penetração generalizada dos serviços da ‘sociedade da informação’ na vida
diária européia. Nesse processo, o ISPO teve, como atribuição, apoiar, promover e orientar
ações dos setores público e privado nas várias áreas com vistas a: 1- aumentar a consciência
pública e a compreensão das oportunidades, benefícios e riscos do desenvolvimento da
sociedade da informação; 2- otimizar os benefícios sócio-econômicos do seu
desenvolvimento por meio da promoção de sinergias e da cooperação para promover amplo
acesso e familiaridade com os seus serviços e aplicações; e 3- ampliar o papel dos europeus
e a visibilidade da Europa na sociedade da informação global emergente (CORREIA;
123

O documento aponta a necessidade de se promover um quadro de cooperação


para apoiar ações concretas no campo de P&D e a cooperação industrial com outros
países, com vistas ao desenvolvimento de ‘uma infra-estrutura de informação’ e de
aplicações que sejam compatíveis com a infra-estrutura e as aplicações da União
Européia.

No que se refere aos conteúdos, os temas tratados contemplam primordialmente


o elemento audiovisual, em especial a indústria de televisão e de filmes. Enfatiza-se
que o quadro regulatório deve ser orientado para contribuir para o livre movimento
destes serviços na União Européia.

Sobre os aspectos sociais, societais e culturais, considera-se a necessidade de se


avaliarem os impactos da ‘sociedade da informação’, com vistas à adoção de medidas
que permitam acompanhar as mudanças e, ao mesmo tempo, garantir aspectos
essenciais, como o serviço universal. Nesse sentido, aponta-se a constituição de um
“Grupo de Especialistas de Alto Nível” para identificar os problemas considerados
prioritários e verificar a adequação das medidas elaboradas para fazer face aos
mesmos104. A mudança na vida cotidiana e no lazer, a promoção de novas formas de
desenvolvimento urbano e rural e a melhoria na qualidade dos sistemas de educação e
saúde estão entre os aspectos societais mencionados. A oportunidade de facilitar a
disseminação de valores culturais europeus e a valorização da herança comum são os

COSTA, 1999). Em novembro de 1998, o Information Society Project Office deu lugar ao
Information Society Promotion Office (ISPO) (COMISSÃO EUROPÉIA, 2001).
104
O trabalho desse grupo de especialistas teve como temas prioritários: 1- impactos
qualitativos e quantitativos na introdução de novas tecnologias no emprego; 2- impacto das
novas tecnologias na organização do trabalho; 3- conseqüências sobre a coesão social e
regional; 4- oportunidades para a adaptação dos sistemas de educação; 5- oportunidades
para melhoria dos sistemas de gerenciamento na área de saúde e qualidade da atenção
médica; 6- oportunidades para melhoria da situação do mercado de trabalho e
desenvolvimento de recursos humanos; 7- cultura; 8- mídia; 9- democracia; e 10- qualidade
de vida . Esse fórum, reunindo ‘todos’os setores e grupos de interesse envolvidos, foi criado
pela Comissão Européia com finalidade consultiva, para tratar questões relativas à
‘sociedade da informação’ [COM(96)395], (COMISSÃO EUROPÉIA, 1998). Seus
integrantes representam uma ampla gama de diferentes interesses, essencialmente de seis
áreas: 1- usuários, 2- grupos sociais, 3- provedores de informação e serviços, 4- operadores
de redes, 5- fornecedores de equipamentos, e 6- instituições (KAMINARA, 1996 ).
124

pontos que se referem aos aspectos culturais. As questões lingüísticas são


consideradas, ao mesmo tempo, como vantagem e como desafio.

As campanhas promocionais acerca da ‘sociedade da informação’, visando


“despertar as consciências acerca da emergência da sociedade da informação”,
incluem, como audiência, as instituições européias e os estados membros. Os métodos
de publicação e distribuição eletrônica de informação são indicados como forma de
promover a conscientização do potencial tecnológico dessa ‘sociedade’.

Além do “Grupo de Especialistas de Alto Nível”, em 1995 a Comissão Européia


constituiu também o “Fórum Sociedade da Informação”, como instância de reflexão,
debate e recomendações relativas aos desafios da ‘sociedade da informação’. Sua
tarefa era a de opinar sobre as políticas e prioridades relacionadas com a promoção do
uso das tecnologias de informação e comunicação propostas pela Comissão Européia.

O “Europe’s way to the Information Society – Update of Action Plan”,


publicado em 1996, foi uma atualização das ações propostas no “Europe’s way to the
Information Society – An Action Plan” de 1994. No mesmo, as iniciativas de
cooperação internacional visaram os países periféricos e a Europa Central e do Leste.
Com relação à Europa Central e do Leste, foi realizado um primeiro fórum em
23/06/1996, tendo por áreas temáticas: infra-estrutura e financiamento; estrutura legal
e institucional; padrões e certificação; e cooperação em P&D. Outras duas
conferências relacionadas com a dimensão global da ‘sociedade da informação’ foram
a “Information Society and Development Conference” – ISAD -, conferência sobre a
‘sociedade da informação’ e desenvolvimento, realizada na África do Sul em
15/05/1996 e a “Conferência da Sociedade da Informação” nos países mediterrâneos,
a qual enfocou a dimensão cognitiva da ‘sociedade da informação’ e as bases
regulatórias para o seu desenvolvimento. Nessa mesma ocasião estavam em curso as
negociações para ‘cooperação internacional’ em P&D na área de sistemas inteligentes
para manufatura com Austrália, Canadá, Noruega, Suíça, Japão e EEUU, visando a
implantação de tecnologias e padrões para uma ‘manufatura global’, em ambiente de
‘sociedade do conhecimento’ (KAMINARA, 1996).
125

Até então o discurso da ‘sociedade da informação’ destacava a preocupação


com o fortalecimento dos estados-membros e da União Européia frente à ameaça do
predomínio estadunidense em relação às tecnologias de informação e comunicação.

Tendo em vista estabelecer uma segunda fase na estratégia da União Européia


rumo à ‘sociedade da informação’, foi publicada uma revisão do “Europe's way to the
Information Society - Update of the Action Plan” sob o título “Europe at the forefront
of the Global Information Society: Rolling Action Plan”, modificando o enfoque, que
passou a estar predominantemente voltado para a constituição da rede digital de
comunicação, em especial para a aceleração da expansão da internet na Europa,
mantendo a preocupação de que todos tivessem acesso aos conhecimentos necessários
para usá-la como parte da sua estratégia. O argumento utilizado foi o de que as
tecnologias de informação e comunicação haviam se tornado fator fundamental para o
desenvolvimento sustentável da Europa diante do advento da ‘economia eletrônica’.

Estava em curso a mudança do discurso da ‘sociedade da informação’, na União


Européia, a qual foi efetivada entre os anos de 1996 e 1997. O “Europe at the
forefront of the Global Information Society: Rolling Action Plan” passava a apontar,
como linhas de ação prioritárias: 1- a melhoria do ambiente das empresas, com
destaque para o novo quadro regulatório, para a efetivação do mercado interno e para a
disseminação das ‘boas práticas’ e da ‘comparação de resultados’, sobretudo nas
pequenas e médias empresas recentemente criadas, dominantes no mercado
multimídia; 2- o investimento no futuro, destacando o desenvolvimento da base de
conhecimento relativa, em especial, ao desenvolvimento de tecnologia, à infra-
estrutura, aos serviços, às aplicações e seu conteúdo, à educação e à formação, e ao
desenvolvimento sustentável; 3- a primazia dos cidadãos, enfatizando a integração
européia, a proteção dos direitos dos consumidores, os serviços do setor público e a
diversidade cultural; e 4- o estabelecimento de regras de alcance mundial, considerado
como elemento essencial da ‘sociedade da informação’ (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996c).
126

Por sua vez, o encontro do Conselho Europeu, em Dublin, representou o marco


dessa mudança de prioridades, o que foi expresso na comunicação “As implicações da
Sociedade da Informação nas políticas da União Européia – Preparação para as
próximas etapas” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a), de 24/07/1996.

Nos termos desse documento, a ‘sociedade da informação’ passara a ocupar o


primeiro lugar na agenda política da União Européia na medida em que se entendia as
novas aplicações e serviços como sendo da maior importância, em relação à
competitividade mundial e ao emprego105 e que se constatava o atraso da Europa em
relação aos EEUU e ao Japão, no que concernia a setores considerados fundamentais
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a ).

Um primeiro aspecto observado é que se passou a ter, como perspectiva, a


‘sociedade da informação’ global, em lugar da consolidação de uma posição unificada
dos estados membros da União Européia. A preocupação passou a ser mais
explicitamente a de melhorar a posição da União Européia em relação aos países
integrantes da tríade dominante, ou seja, EEUU e Japão (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996a).

Embora a validade dos objetivos do “Europe´s way to the information society –


an Action Plan” seja reiterada, considera-se ter-se tornado necessário atualizar,
reforçar e ajustar as ações, de modo a integrar a dimensão da ‘sociedade da
informação’ em domínios políticos inicialmente não considerados. Como fundamentos
para as mudanças, são mencionados o ‘poder de penetração’ da ‘sociedade da
informação’, sua evolução em nível mundial e sua ‘natureza multifacetada’, que
estaria exigindo maior coordenação entre as diversas políticas e os diversos
instrumentos e mecanismos de financiamento comunitário (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996a).

105
Essa afirmação é justificada, no texto, através da apresentação de algumas taxas relativas ao
crescimento dos setores de informação e comunicação e da sua participação no PIB
Mundial. Entretanto, esses dados nada informam sobre os impactos dessa participação e
desse crescimento na geração de empregos.
127

Assim, como prioridades futuras para a União Européia, passaram a ser


apontadas: 1- a melhoria do contexto de desenvolvimento da atividade comercial, onde
se incluíram questões como a liberalização geral das telecomunicações106, o
investimento no futuro (envolvendo questões de P&D), a educação e a formação
profissional e o desenvolvimento sustentável; 2- a centralidade do cidadão europeu em
relação à ‘sociedade da informação’, abordando-se o reforço à integração européia, a
proteção dos interesses dos consumidores, a melhoria dos serviços do setor público e a
diversidade cultural; e 3- o desafio mundial, tratando questões relacionadas com as
regras mundiais e as estratégias para que os demais países europeus e os países
periféricos se incorporem à ‘sociedade da informação’ global (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996a).

Considera-se, nesse momento, que o êxito da Europa rumo à mudança irá


depender de as empresas européias adotarem as tecnologias de informação e
comunicação. Nesse sentido, recomenda-se a promoção do “conceito de difusão das
boas práticas e da comparação dos resultados”, especialmente no caso das pequenas e
médias empresas. Além disso, a adoção de normas ‘de fato’107 e de especificações de
domínio público são ressaltadas como recursos para o desenvolvimento rápido e
coerente do mercado e como forma de “evitar posições dominantes ou monopólios”
(sic) (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a).

A coerência e a flexibilidade entre as medidas reguladoras nacionais relativas à


‘sociedade da informação’ são pontos em relação aos quais o documento menciona a
necessidade de uma regulamentação a nível comunitário, que assegure que produtos e
serviços europeus se beneficiem de um ‘espaço sem fronteiras internas’. A
convergência tecnológica entre as telecomunicações, serviços eletrônicos de

106
A liberalização plena das telecomunicações estava prevista para acontecer a partir do dia
01/01/1998, mas desde 01/07/1996 já se encontravam liberalizadas as comunicações móveis
e por satélite, a utilização das redes de televisão por cabo para as telecomunicações e a
infra-estrutura alternativa para os serviços já liberalizados.
107
As normas ‘de fato’, assim como os padrões ‘de fato’, referem-se às normas e aos padrões
cuja adoção é tão generalizada que, embora não sejam fixadas por alguma autoridade legal
ou normativa, acabam adotados como tal.
128

informação e radiodifusão, também comparece como questão a ser tratada no quadro


regulatório.

As redes de pesquisa de alta velocidade são defendidas como forma de


integração ao universo internacional de pesquisa e para colaboração transfronteira,
reconhecendo-se a necessidade de uma coordenação interdisciplinar e interprogramas,
para refletir a convergência tecnológica.

No que se refere ao ensino, o primeiro ponto mencionado é a necessidade


permanente de adaptação das qualificações profissionais para se fazer face à mudança
de necessidades nos locais de trabalho e em casa, revelando, como expresso pelo
“Fórum Sociedade da Informação”, uma posição segundo a qual “a educação e a
formação devem ser rapidamente revistas para que as instituições de ensino dêem uma
resposta mais eficaz às necessidades das indústrias emergentes” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996a).

Sob esse aspecto é importante observar o processo de instrumentalização da


educação e do ensino, cujo foco passa a dirigir-se para a produção permanente e
contínua da mão de obra adequada e para tornar os estabelecimentos, e demais locais
de aprendizagem, pontos de consumo intensivo de tecnologias de informação e
comunicação, como se pode depreender do fato de que o plano de ação relativo à
aprendizagem na ‘sociedade da informação’, demandado pelo Conselho Europeu à
Comissão, tinha, como foco, “a interconexão de redes escolares a nível europeu, a
promoção de conteúdo educativo multimídia e o estímulo à conscientização e à
formação de professores e formadores para a utilização das novas ferramentas da
sociedade da informação” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a), em termos segundo os
quais esse foco esteve mais voltado para a generalização do uso dos recursos
tecnológicos no sentido de gerar o ‘consumo’ dessas tecnologias do que no sentido de
promover ganhos para o sistema de ensino.

Menciona-se, inclusive, a necessidade de promover a educação dos


‘consumidores’, no sentido de que os mesmos tomem consciência e compreendam o
impacto e as implicações da ‘sociedade da informação’ na sua vida cotidiana e possam
129

“apreciar as vantagens da abertura dos mercados das telecomunicações e inteirar-se


dos riscos inerentes ao desenvolvimento das TIC”(sic) (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996a).

A centralidade do cidadão europeu em relação à ‘sociedade da informação’ é


associada à maior amplitude do leque de opções de serviços, os quais “contribuirão
para melhorar a sua (dos cidadãos europeus) qualidade de vida, quer em casa, quer no
trabalho”. A esse argumento segue-se a consideração de que as novas tecnologias
podem “pôr fim à exclusão social e às disparidades regionais” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996a). Entretanto, não só não são apresentadas evidências que
comprovem essas assertivas como, ao contrário, o ‘fosso digital’ é uma questão real
dessa ‘sociedade da informação’. Mais do que isso, como as inovações tecnológicas
favorecem mais a alguns países e setores econômicos (no caso os setores
informacional/comunicacional e financeiro), observa-se que, à ‘exclusão’ digital
gerada, somam-se formas pré-existentes de exclusão social.

Por sua vez, a menção à necessidade de se levar em conta os valores comuns


que constituem a base do modelo social europeu e as especificidades de grupos como
as mulheres, idosos e deficientes, trabalhadores menos qualificados e minorias
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a) enseja o questionamento de quais são os
‘beneficiários natos’ dessa ‘sociedade da informação’. As mulheres, por si só,
constituem praticamente a metade da população e os idosos são um contingente
significativo no continente europeu. Se a eles se somam os deficientes, trabalhadores
menos qualificados e ‘minorias’, resta, como contingente de beneficiários ‘natos’ da
promoção da ‘sociedade da informação’ em relação à qual tamanhos esforços estão
sendo propostos, uma minoria constituída pelas elites econômicas.

A despeito de ser mencionada como ‘componente essencial’ da ‘sociedade da


informação’, a essencialidade do conteúdo informacional decorre da sua condição de
principal fonte de receitas e veículo de idéias e valores para promoção da diversidade
cultural e lingüística na Europa (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a), vale dizer, decorre,
sobretudo das suas características mercantis.
130

A já mencionada formação de conglomerados de perfil nitidamente oligopólico


é justificada a partir do grande volume de investimentos necessários para se participar
do mercado de novos meios de comunicação (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a).
Afirma-se que as grandes alianças em escala mundial são decorrentes da “pressão
concorrencial” (sic) resultante dos progressos nos domínios das redes de comunicações
e pela convergência tecnológica, os quais têm provocado a reestruturação das
empresas. Ou seja, tanto a liberalização/privatização como a convergência tecnológica
– cuja promoção fora argumentada sob a ótica da competição – acabaram resultando
em uma estrutura de mercado restritiva como é o mercado oligopolizado.

A despeito disso, considera-se que as regras mundiais precisam “assegurar


igualdade de condições” (sic) para o conjunto dos participantes, no que se refere à
interconexão das redes, interoperabilidade dos serviços, proteção dos direitos de
propriedade intelectual, segurança da informação, proteção da vida privada e dos
dados pessoais, promoção de normas mundiais, eliminação de barreiras ao comércio,
garantia de ‘livre’ circulação das informações, evitar distorções da concorrência e
considerar a dimensão cultural e lingüística. Entre os fóruns mundiais envolvidos na
discussão de questões como essas estão o G7, a OIT, a UIT, a OCDE, a OMPI e o
Banco Mundial (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a).

Nesse ponto, consideramos interessante observar a dupla dimensão que a


política de concorrência da União Européia deve perseguir. Por um lado, precisa
reconhecer a necessidade de alianças para garantir às empresas européias um porte que
lhes possibilite a participação e competição em nível mundial. Por outro, deve evitar a
exclusão de outras empresas do mercado e reduzir posições dominantes. A
ambigüidade resultante vai ser expressa em considerações, como a que nos referimos
há pouco, de que a ‘pressão concorrencial’ ensejou o estabelecimento de ‘alianças em
escala mundial’, vale dizer, afirma-se que a concorrência foi o fato gerador do
mercado oligopolizado resultante das alianças celebradas.

A dimensão global da ‘sociedade da informação’ é perseguida pela União


Européia através de iniciativas para a incorporação de países não participantes da
131

União Européia, como os países da Europa Central e do Leste, da Comunidade de


Estados Independentes (CEI) e da Europa Mediterrânea. Com relação aos países
periféricos, mencionam-se acordos de cooperação e conferências, como a realizada na
África do Sul, em maio de 1996, cujas conclusões, em conjunto com a comunicação
“Sociedade da informação e desenvolvimento”, ensejaram a revisão dos instrumentos
de cooperação, tendo em vista “dar ao desenvolvimento de infra-estruturas e
aplicações de telecomunicações maior prioridade nas políticas de desenvolvimento”
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a).

Como mencionado no início desta seção, um dos documentos que trata das
questões sociais relacionadas com a transição para a ‘sociedade da informação’ e com
os impactos das tecnologias de informação e comunicação sobre a organização do
trabalho e sobre a vida das pessoas é o “Green Paper on Living and Working in the
Information Society: People First”.

Nesse livro verde, que trata do trabalho, do emprego e da coesão para viver na
‘sociedade da informação’, esta é entendida como uma força positiva de mudança, na
medida em que se afirma que as tecnologias de informação e comunicação têm um
importante papel de apoio ao desenvolvimento e à promoção da integração, e de
fortalecimento local e regional, dada a sua capacidade de reduzir distâncias e melhorar
o acesso a informação e a serviços. Essa capacidade, por sua vez, possibilitaria levar
trabalho a áreas de alto desemprego e reduzir as desvantagens das regiões periféricas e
menos desenvolvidas (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b). Além disso as empresas
seriam bem sucedidas a partir de iniciativas que integrassem a adoção de tecnologias
de informação e comunicação, a promoção da educação e de treinamento, e a
transformação organizacional108.

108
Essa transformação organizacional refere-se à constituição de ’empresas flexíveis’, cujas
bases situam-se cada vez mais nos processos e menos no exercício de funções
especializadas. “De organizações hierárquicas e complexas, com tarefas simples, as
empresas estão sendo transformadas em organizações menos hierárquicas, mais
descentralizadas e orientadas como organizações em rede, com tarefas mais complexas.”
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b)
132

Ainda segundo esse livro verde, os principais impactos das tecnologias de


informação e comunicação podem ser reduzidos a dois pontos. O primeiro se referiria
à democracia e à equidade e, nesse sentido, afirma-se a necessidade de políticas
públicas que ajudem a obter os benefícios do progresso tecnológico e assegurarem, ao
mesmo tempo, o acesso eqüitativo à ‘sociedade da informação’ e à distribuição do
potencial de prosperidade (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b). O segundo ponto diz
respeito ao emprego, à criação e destruição de postos de trabalho e à necessidade de
adaptação das pessoas às mudanças na forma de trabalhar, já que essa transição para a
‘sociedade da informação’ provoca mudanças inevitáveis nos padrões de vida e no
trabalho. Nesse caso, os pontos destacados são o quadro contratual e regulatório das
relações de trabalho e as condições para a sobrevivência, sobretudo das empresas,
diante das mudanças decorrentes da utilização das novas tecnologias (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996b).

A fragilização das relações de emprego, a obsolescência da qualificação dos


trabalhadores e a mudança do equilíbrio entre os padrões de vida e de trabalho são os
riscos mencionados, em relação aos quais aponta-se a necessidade de uma “mudança
radical na forma de se refletir sobre os limites entre trabalho e lazer, trabalho e
109
aprendizagem, trabalhador empregado e autônomo” (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996b).

Considera-se que as políticas de recursos humanos serão cada vez mais


importantes, na medida em que “a produção de bens e serviços será cada vez mais
baseada no ´conhecimento´” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b). Destaca-se a

109
Observe-se, nesse caso, que a perspectiva em relação ao ‘mundo do trabalho’ é voltada para
as ‘necessidades das empresas’: maior flexibilidade nos contratos de trabalho, associada ao
menor nível de seguridade dos empregos, como fórmula para que as empresas se ajustem às
mudanças na demanda. Essa perspectiva da empresa sugere uma incompatibilidade com
qualquer iniciativa de investimento em treinamento dos trabalhadores por parte das mesmas.
Um dos resultados pode ser, inclusive, o direcionamento dos investimentos apenas para
capacitação das principais parcelas da força de trabalho das empresas, reforçando as
desigualdades e aumentando a concentração dos empregos e da produção em algumas
regiões chave (VELZEN, 1997).
133

necessidade de se desenvolver uma arquitetura de educação e treinamento contínuo na


Europa110.

Já o foco dado à questão da coesão social é a importância do acesso às


tecnologias de informação e comunicação para a democracia, em especial, a promoção
da igualdade de oportunidades para homens e mulheres e a promoção da integração
social, em particular no que se refere aos portadores de necessidades especiais
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b).

Segundo mencionado, a ‘sociedade da informação’ pode fortalecer a


democracia, assegurando o acesso igual e público à infra-estrutura de tecnologias de
informação e comunicação, aos serviços de informação em rede e às habilidades
requeridas para acessar esses serviços. Essa igualdade de oportunidades, por sua vez,
pode ser fortalecida pelo potencial, atribuído às tecnologias de informação e
comunicação, para “melhorar o balanceamento entre a vida em família e o trabalho”
(sic) (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b). Outros aspectos relacionados com a coesão
social são a provisão de serviços universais – conjunto mínimo de serviços ofertados a
preços acessíveis – e o quadro regulatório das telecomunicações.

O “Green Paper on Living and Working in the Information society: People


First” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b) é apresentado como complementar ao
“White Paper on Teaching and Learning” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2002) e ao
“Learning in the Information Society” (CRESSON; BANGEMANN, 1996). O seu
foco está voltado para as habilidades e conhecimentos necessários para a participação
integral das pessoas na ‘sociedade da informação’, sendo relacionadas as ações a

110
Segundo está expresso no “White Paper on Education and Training - Teaching and
Learning - Towards the Learning Society:”: “Examinar a educação e treinamento no
contexto do emprego não significa reduzi-los simplesmente a meios de obter qualificações.
O objetivo essencial da educação e treinamento foi sempre o de desenvolvimento pessoal e
da integração bem sucedida dos europeus na sociedade, por meio do compartilhamento de
valores comuns, da transmissão de uma herança cultural e do ensino da auto-confiança”
(COMISSÃO EUROPÉIA, 2002). Entretanto, nos termos postos no livro verde examinado,
as considerações acerca de educação e treinamento, longe de apontarem para a abrangência
mencionada no livro branco, em relação ao qual este livro verde é complementar,
restringem-se exclusivamente ao contexto do emprego.
134

serem realizadas pelos estados membros e as medidas de apoio a serem incluídas no


âmbito da Comunidade (União Européia), referentes à educação e ao treinamento
contínuo. Os impactos causados pela ‘sociedade da informação’, pela
internacionalização e pelo conhecimento científico e tecnológico são destacados como
fatores de mudança. O documento enfoca a ampliação da base de conhecimento e o
desenvolvimento da ‘empregabilidade’ e da capacidade para a ‘vida econômica’ das
pessoas. Por fim, aponta o aumento da ‘flexibilidade’ como questão central em relação
às alternativas para o futuro.

Por sua vez, o “Learning in the Information Society” consiste de um plano de


ação voltado para reforçar iniciativas de redes entre escolas, treinamento de
professores e desenvolvimento de produtos pedagógicos no âmbito da União Européia,
destinados, principalmente, aos estabelecimentos de ensino primário e secundário.
Seus objetivos são os de acelerar a entrada das escolas na ‘sociedade da informação’,
provendo-lhes novos meios de acesso ao mundo; encorajar a generalização da
aplicação de práticas pedagógicas multimídia e a formação de massa crítica de
usuários, produtos e serviços educacionais multimídia. Visa também reforçar a
dimensão européia da educação e do treinamento com as ferramentas da ‘sociedade da
informação’, juntamente com o fortalecimento da diversidade cultural e lingüística.

Como linhas de ação são propostos o encorajamento da interconexão de redes


regionais e nacionais na dimensão da Comunidade; o estímulo ao desenvolvimento e à
disseminação de conteúdo educacional de interesse para a Europa; a promoção de
treinamento e suporte para professores e instrutores na integração de tecnologia nos
métodos de ensino; a informação aos interessados sobre as oportunidades decorrentes
de equipamentos audiovisuais e produtos multimídia. Para o financiamento das ações,
considera-se o uso de diversos recursos da Comunidade, a promoção de ‘parceria’
público-privada para equipar e conectar as escolas e a promoção das iniciativas através
de eventos em ‘parceria’ com as escolas, empresas de multimídia e operadores de rede
(CRESSON, 1996).
135

Como mencionado anteriormente, a comunicação “As implicações da


Sociedade da Informação nas políticas da União Européia – Preparação das
próximas etapas”, feita em 1996 ao Conselho e ao Parlamento europeus, apontou para
a necessidade de atualização, reforço e reajustamento das ações que haviam sido
empreendidas, bem como para a necessidade de integração da “dimensão da sociedade
da informação em domínios políticos originalmente não considerados no plano de
ação” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a, p.1). Com base nessa comunicação, e em sua
avaliação por instâncias decisórias da União Européia, é que foi elaborado pela
Comissão Européia o “Europe at the forefront on the Global Information Society –
Rolling Action Plan”, para apresentar a relação das ações mais relevantes – em
especial, as medidas legais – para a implementação da ‘sociedade da informação’ na
Europa e fornecer uma visão geral das principais medidas adotadas pela Comunidade.
Além disso, esse documento foi considerado como um instrumento capaz de: fornecer
informações sobre as próximas iniciativas da Comunidade, servindo de “ferramenta de
navegação para os estados membros e outras instituições européias”; proporcionar
informações detalhadas sobre o desenvolvimento do quadro regulatório para o setor de
negócios, e, portanto, constituir-se em “ferramenta para orientação de decisões sobre
investimentos”; prover informações franqueadas a todos os interessados, em particular
ao público, acerca dos rumos da política da União Européia, possibilitando o diálogo
entre a Comissão e segmentos da sociedade, de uma forma democrática e amigável; e
servir à Comissão como ferramenta interna de gestão (COMISSÃO EUROPÉIA,
1996c, p.3).

As novas prioridades no quadro da ‘sociedade da informação’ estabelecidas


durante o encontro do Conselho Europeu em Dublin, em julho de 1996, foram
complementadas com esse ‘plano de ação evolutivo’, o qual foi apresentado aos
Conselho, Parlamento Europeu e comitês Econômico e Social e das Regiões em
21/11/1996.

Essas mudanças refletiram o novo enfoque que passou a ser dado pela União
Européia ao tema da ‘sociedade da informação’. O desafio passou a ser o de “manter a
Europa na vanguarda da nova sociedade da informação global e em rede, em benefício
136

de todos os cidadãos europeus”. Para tanto, o foco passou a ser a “efetiva


implementação de todos os aspectos da sociedade da informação” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996c, p.2).

Segundo a Comissão Européia, as ações levadas a efeito nos termos propostos


no “Europe's way to the Information Society. An action Plan” teriam estabelecido as
unidades básicas da ‘sociedade da informação’ na Europa. Quanto à sua aceitação
social, considerava-se necessário que houvesse políticas públicas para desenvolver a
‘empregabilidade’ dos trabalhadores, apoiar as mudanças na organização das
empresas, reforçar a coesão social e a diversidade cultural e fortalecer as habilidades
das pessoas para participarem dessa ‘sociedade de informação’(COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996c).

Dentre as ações propostas, estavam relacionadas: a elaboração de um guia sobre


o quadro regulatório na ‘sociedade da informação’; ações para o desenvolvimento de
aplicações em atividades espaciais nos campos das telecomunicações, navegação e
observação terrestre; iniciativas para estabelecer a estrutura necessária às transações
comerciais via rede; o tratamento de aspectos industriais na ‘sociedade da
informação’; a aplicação das regras de competição; o estabelecimento de um critério
de avaliação para esquemas nacionais de custeio e financiamento dos serviços
universais; e de diretrizes para a operação desses esquemas.

A constituição de instâncias e de fóruns, envolvendo especialistas e grupos de


interesse, bem como a realização de conferências com a participação de representantes
de diversos países são parte integrante do processo de construção e promoção da
‘sociedade da informação’. Nesse sentido, em julho/1997 realizou-se, em Bonn, a
Conferência Ministerial Global Information Networks111, cujo foco foi a aceleração do
uso da rede global de informação. Entre os temas abordados estavam a necessidade de

111
A essa conferência compareceram ministros de 29 países da Europa, inclusive integrantes da
Europa Central e Europa do Leste, além de membros da Comissão Européia, ministros da
Associação Européia de Livre Comércio (European Free Trade Association), de
convidados, de nível ministerial, dos EEUU, Canadá, Japão e representantes de indústria, de
usuários e de organismos europeus e internacionais.
137

ampliar uma compreensão comum acerca da rede, a identificação de barreiras para seu
uso e a abertura de um diálogo, em âmbito europeu, sobre a cooperação internacional.

Um dos aspectos que se pode observar em relação ao elenco de documentos


analisado é que os temas de natureza sócio-cultural vão cedendo lugar a uma
perspectiva econômico-tecnológica, a qual vai culminar, em 1999/2000, na
apresentação, pela Comissão Européia, ao Conselho de Feira em junho/2000, do
“eEurope 2002: An Information Society for all – Action Plan” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 2000a).

Lançada inicialmente em dezembro de 1999, essa iniciativa tratou


exclusivamente da viabilização da tecnologia internet para colocar a Europa online.
Como objetivos a serem alcançados, foram enumerados uma internet mais barata, mais
rápida e mais segura; o investimento nas pessoas e habilidades; e o estímulo ao uso da
internet. Para isso, foram propostas inúmeras ações, algumas das quais financiadas,
entre outros recursos, com fundos estruturais da União Européia. Em alguns casos, tais
ações envolveriam a participação de organismos supra nacionais e, em sua maioria,
estavam previstas para serem levadas a efeito entre os anos de 2000 e 2001 (La
SOCIEDAD..., 2001).

Entre as suas iniciativas específicas, destacam-se o cartão inteligente e a


iniciativa eContent, voltada para estimular o desenvolvimento dos conteúdos digitais
europeus na internet e a diversidade lingüística nos sites europeus. No que se refere à
avaliação de desempenho, seus objetivos visariam permitir a comparação entre os
desempenhos dos estados membros, a identificação das melhores práticas, a adoção de
medidas corretivas, a averiguação dos fatores relevantes na “difusão alargada das
tecnologias digitais”. Fala-se, também, na necessidade de criar um quadro favorável ao
comércio eletrônico na União Européia e no interesse político em utilizar as
possibilidades da nova economia “para apoiar o crescimento econômico dos países em
desenvolvimento” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000b). Nesse documento, a
‘cooperação global entre governos e setor privado’ é destacada em particular no que se
refere à co-regulação.
138

Considerado pelo Presidente do Parlamento Europeu como o elemento chave da


estratégia de modernização da economia européia, o “eEurope 2002: An Information
Society for All - Action Plan” ensejou, em julho/2000, a adoção, pela Comissão
Européia, de um pacote de propostas legislativas visando o fortalecimento da
competição no mercado de comunicação eletrônica da União Européia, incluindo uma
proposta de quadro regulatório para sua política de radiofreqüência (COMISSÃO
EUROPÉIA, 2000a).

A atualização do plano de ação eEurope 2002 foi apresentada ainda em


dezembro/2000 ao Conselho Europeu de Nice, consubstanciada no documento
“Actualización de eEurope 2002”, o qual analisa a repercussão política da iniciativa. O
documento apresenta uma síntese dos trabalhos legislativos no âmbito da Comunidade
e uma avaliação dos resultados de iniciativas, tais como o cartão inteligente, as redes
de pesquisa, os fundos regionais, o eContent (La SOCIEDAD..., 2001).

Como vimos, o foco da preocupação em relação à ‘sociedade da informação’ na


União Européia, em 1993, esteva no âmbito da Comunidade e dos estados membros.
Entre 1996/97 esse foco vai se modificar, voltando-se mais para a ‘sociedade da
informação’ global. A União Européia que, comparada com o Japão e os EEUU,
encontrava-se mais ‘atrasada’ em termos da infra-estrutura de informação112, adotou,
como estratégia, consolidar o desenvolvimento da sua infra-estrutura, enfocando,
inicialmente, o âmbito interno à comunidade, enquanto os EEUU, por sua liderança
inconteste, adotaram, como estratégia para manter a sua liderança tecnológica, a
disseminação da necessidade de desenvolvimento de uma infra-estrutura de
informação de âmbito global já, desde o lançamento da sua agenda da ‘infra-estrutura
nacional de informação’, em 1993.

Ao longo do percurso aqui descrito, evidencia-se a opção pela priorização da


expansão da rede de telecomunicações, com a prevalência da mídia sobre o conteúdo,

112
Em relação à promoção da expansão das tecnologias de informação e comunicação, EEUU e
Japão tinham a vantagem de possuírem um sistema de normas já harmonizadas e um único
idioma de integração nacional, ao contrário da União Européia, com sua diversidade de
línguas e dialetos.
139

e uma relativa ‘periferização’ das preocupações com os impactos sociais da ‘sociedade


da informação’ entre o início e o fim da década de 1990. Do elenco de questões
sociais, culturais e societais que permanece pendente, destacam-se questões como a
adaptação de empresas e trabalhadores às novas formas de organização do trabalho, o
deslocamento das atividades econômicas para países aonde os custos de
funcionamento das empresas e a proteção dos dados é menor, o acesso generalizado à
informação, os problemas de direitos do autor, o acesso de crianças a conteúdos ilegais
na internet e o crime cibernético (La SOCIEDAD..., 2001).

Até esse ponto, apresentamos, de maneira sintética, as proposições relacionadas


com as iniciativas dos EEUU e da União Européia para a ‘infra-estrutura de
informação’/‘sociedade da informação’. A seguir discutiremos as estratégias de
disseminação dessas iniciativas no sentido da constituição da sua dimensão global.

3.4 ‘Sociedade da Informação’: estratégias de disseminação

Discutiremos nesta seção as vias de disseminação do projeto de ‘sociedade da


informação’ para os diversos países, com um enfoque que privilegia aspectos
relacionados às políticas para a constituição da infra-estrutura de informação global.
Entendemos que essas políticas estão associadas à criação de um regime internacional
de comunicação e informação, sendo inequívoco e explícito o papel de instâncias e
agências internacionais e transnacionais como atores políticos cujos fóruns, além de
servirem para orientar, guiar, cobrar e, às vezes, impor, servem também para legitimar
diretrizes para políticas nacionais.

Nossa premissa é a de que essas instâncias e seus fóruns refletem a correlação


de forças que caracteriza as relações internacionais e, quando congregam também
entidades do setor privado e da sociedade civil, como usualmente é o caso, suas
deliberações são fortemente impregnadas pelos interesses daqueles que detêm maior
capacidade de vocalizá-los como ‘interesse geral’.
140

Nesse sentido, Borgman (2000), que discute os possíveis cenários para o


processo social rumo a uma ‘sociedade orientada para a informação’, chama a atenção
para o fato de que a tecnologia, o comportamento humano, a organização e a economia
não existem num vácuo, mas interagem de forma complexa e imprevisível, ressaltando
a complexidade dos desafios para a criação da infra-estrutura de informação global
(p.3).

Segundo essa autora, a proposição de uma infra-estrutura de informação global


apresentou como premissa a cooperação entre governos, negócios, comunidades e
indivíduos tendo como objetivo que as redes de telecomunicações e de computadores
pudessem vir a constituir uma vasta constelação capaz de transportar sinais digitais e
analógicos em apoio a toda aplicação de informação e comunicação imaginável. Como
promessa, essa constelação, de redes iria promover uma ‘sociedade da informação’
em beneficio de todos, resultando em “paz, amizade e cooperação através de
comunicações interpessoais avançadas” (sic), no fortalecimento das sociedades pelo
acesso à informação para a educação, negócio e para o bem social, no aumento da
produtividade do trabalho, por intermédio de ambientes de trabalho tecnologicamente
enriquecidos e, em economias mais fortes, ao possibilitar a competição aberta nos
mercados globais (BORGMAN, 2000).

Entretanto, ao invés disso, o que se observa é que, desde o início, a premissa de


uma ‘cooperação’ não se verificou. Como princípios norteadores das iniciativas para
a ‘sociedade da informação’ foram endossados, na realidade, os princípios formulados
inicialmente pelos EEUU para atender aos seus interesses. Esses princípios foram
posteriormente complementados por recomendações refletindo as preocupações com
questões sociais, societais e culturais colocadas pela União Européia. Esse misto de
princípios e recomendações viria a ser adotado como um conjunto de diretrizes para
políticas públicas nacionais cuja implementação, ao contrário de visar prioritariamente
interesses internos, buscava atender, sobretudo, aos interesses dessas economias, em
particular, no que se refere ao setor das telecomunicações.
141

Para a análise a seguir abordamos dois eventos pela sua importância para a
orientação das iniciativas nacionais e para a sua validação junto às principais
economias ocidentais. São eles, a “World Telecommunications Development
Conference”, promovida pela UIT , em particular a versão ocorrida em 1994 em
Buenos Aires, que resultou na “Buenos Aires Declaration on Global
Telecommunication Development for the 21st Century”, e a "G7-Information Society
Conference", realizada em Bruxelas em fevereiro de 1995 e seus desdobramentos.

Como complemento aos documentos enfocando a dimensão internacional da


‘sociedade da informação’, incluímos o “Information Infrastructure Policies in OECD
Countries” (OCDE, 1996), preparado pela OCDE, apresentando o estágio, em 1996,
das iniciativas em seus países membros.

Como discutido no segundo capítulo, organismos internacionais como a OMC,


o Banco Mundial, a OCDE e o G7 desempenham um importante papel na
consolidação de diversos regimes internacionais e, em decorrência da consolidação
desses regimes, como loci da representação (assimétrica) de interesses internacionais.
Nesse sentido, essas instâncias tendem a ter significativo poder sobre a definição de
temas nas agendas nacionais. Em alguns casos, essa ‘capacidade de sugerir’113 uma
pauta, e torná-la relevante em nível nacional, decorre da capacidade de financiamento

113
Um exemplo de ‘capacidade de sugerir’ pode ser encontrado nas considerações de Peter
Knight (então Chefe do Centro de Meios Eletrônicos do Banco Mundial), em relação à
perspectiva do Banco Mundial para a ‘infra-estrutura de informação’ em países periféricos,
na qual ficam claras as condições para que haja aporte de recursos por parte do Banco
Mundial. Em 1996, ele declarou não considerar grande o investimento inicial para que
países periféricos participassem da ‘revolução da informação’, levando-se em consideração
as economias que poderiam ser obtidas em função da redução dos custos de
armazenamento, elaboração e transmissão de informação, do conhecimento e, inclusive, “do
saber” (sic) que as novas tecnologias iriam gerar. (...) Conforme afirmou, o aporte de capital
a esses países iria depender de serem eles capazes de promover uma ‘associação’ entre
empresas e setor público que permitisse estabelecer uma estrutura reguladora e constituir
um ambiente propício à informação, no qual o capital privado pudesse trabalhar. Por
‘ambiente propício’ referia-se a uma “estrutura que estimule o fluxo de capital, tanto interno
como estrangeiro, em vez de retardá-lo, como é o caso de muitos países na atualidade”
(KNIGHT, 1996, grifo nosso).
142

de tais entidades, ou da sua capacidade de viabilizar o financiamento de iniciativas,


programas e projetos114 do seu interesse (ou do interesse das nações que representam).

Assim, a importância de organismos como esses na disseminação e no


desenvolvimento da ‘sociedade da informação’/‘infra-estrutura de informação’ é
significativa. Entre as suas estratégias estão a realização de seminários, fóruns e
conferências; a disseminação de ‘boas práticas’ e de experiências de viabilização e
utilização da infra-estrutura de informação nos países periféricos; e o desenvolvimento
de projetos piloto.115

No que concerne à questão da disseminação das iniciativas de ‘sociedade da


informação’, a qual examinaremos em seguida, trataremos, como já mencionado, das
conferências promovidas pela UIT e da “G7 Information Society Conference”
realizada em Bruxelas em 1995.

3.4.1 A “Conferência Mundial para o Desenvolvimento das Telecomunicações”: a


UIT e as diretrizes para os países periféricos

A União Internacional de Telecomunicações (UIT) apresenta-se como uma


organização internacional baseada em princípios de cooperação entre governos e setor
privado116, em cujas conferências e encontros se realizam as negociações dos acordos

114
Essa possibilidade significa, muitas vezes, o aporte de recursos externos em economias
periféricas quase sempre debilitadas pela ação de outras instituições de dimensão mundial.
115
Entre as fontes de disseminação dessas ‘boas práticas’, experiências e projetos piloto, podem
ser mencionadas a publicação “Knowledge societies: information technology for sustainable
development” (MANSELL; WEHN, 1998), “Local e-government now – a baseline for
measurement” (FERGUSON; GREENWOOD, 2001), “Local e-government now – there for
the taking” (FERGUSON; GREENWOOD, 2002) “European survey of Information
Society: the Portuguese experience” (CORREIA; COSTA, 1999), “Developments in
Electronic Governance” (FERGUSON; RAINE, 2001), “A cidadania na Sociedade da
Informação” (FREY; SANTOS, 2002), “Local e-Government now- a Worldwide view”
(BARON et. al., 2002), a base de dados ESIS, do ISPO e o Global Inventory Project – GIP
do G7 Pilot Project. Outra fonte, mantida pelas Nações Unidas, é o “UNESCO Observatory
on the Information Society”, na URL:
webworld.unesco.org/webword/observatory/doc_policies/inter_org.shtml.
116
Participam dessa organização decisores políticos, reguladores, operadoras de redes,
indústrias de equipamentos, desenvolvedores de hardware e software, instâncias de
143

que vão servir de base para a operação dos serviços globais de telecomunicações.
Fundada há mais de cem anos, a UIT passou por um processo de reformulação nas
últimas décadas para incorporar as mudanças tecnológicas recentes. Possui três
setores, o UIT-R – Setor de Radiocomunicação, o UIT-T – Setor de Padronização das
Telecomunicações e o UIT-D – Setor de Desenvolvimento das Telecomunicações.
Através do seu Setor de Desenvolvimento das Telecomunicações – UIT-D -, a UIT
realiza conferências nas quais são preparadas recomendações, diretrizes, manuais e
relatórios, para orientar a elaboração de políticas de telecomunicações nos países
periféricos. Até o ano de 2002 haviam sido realizadas três conferências nesse sentido,
nomeadas como “World Telecommunications Development Conference”. A primeira
delas ocorreu em Buenos Aires, em 1994, a segunda em Valleta, Malta, em 1998 e a
terceira em Istambul, em 2002.

A realização, pela UIT, da: World Telecommunications Development


Conference, em março/1994, em Buenos Aires, foi um marco importante em termos
do desenvolvimento e disseminação da infra-estrutura de informação global. Dela
participaram representantes de 133 países membros, além de representantes de 31
agências e organizações e diversos representantes do setor privado (UIT-D, 1994a).
Seus propósitos eram os de rever o progresso das telecomunicações desde a
publicação, pela UIT, do relatório Maitland, “The Missing Link”, em 1984, estabelecer
metas e objetivos até o ano 2000 e definir e estabelecer uma visão comum e as
estratégias para um “desenvolvimento equilibrado das telecomunicações” (sic),
aprovando um plano de ação para traduzir as metas e objetivos em um programa de
trabalho (UIT-D, 1994a; UIT-D, 1994b).

Como conclusão dessa conferência, foi firmada a Declaração de Buenos Aires,


com um conjunto de onze assertivas relacionadas ao desenvolvimento das
telecomunicações. Entre as mesmas, as telecomunicações foram reconhecidas como
“componente essencial para o desenvolvimento político, econômico, social e cultural”
(sic) e os novos desenvolvimentos tecnológicos nas áreas das telecomunicações e

normalização e instituições financeiras. Suas atividades, políticas e diretrizes estratégicas


144

informação como potencialmente capazes de “eliminar as diferenças entre os países


desenvolvidos e os países em desenvolvimento” (sic). Ao mesmo tempo, consta da
declaração que as telecomunicações poderiam “de maneira não intencional” (sic)
perpetuar esse fosso “caso não houvesse uma abordagem estratégica, integrada e
determinada dos governos, setor privado e organizações internacionais e regionais para
enfrentar os desafios do desenvolvimento das telecomunicações” (UIT-D, 1994a, p.2).
Para tanto, as iniciativas de cooperação, nesse sentido, teriam que reconhecer os
diferentes níveis dos países periféricos.

Como já comentamos, os EEUU, por intermédio do então vice-presidente Al


Gore, apresentaram a essa conferência os seus ‘princípios básicos’ para a constituição
da infra-estrutura de informação global, os quais resultaram endossados na
“Declaração de Buenos Aires”. Para os signatários dessa declaração, a liberalização, o
investimento privado e a competição, em circunstâncias apropriadas, dos sistemas de
telecomunicações (UIT-D, 1994a) iriam permitir o desenvolvimento econômico e
social.

O endosso dos princípios propostos pelos EEUU vai revelar-se através das
diretrizes para o ‘sistema regulador’ a ser elaborado. Destarte, esse sistema precisaria
ser capaz de 1- criar um ambiente estável e transparente para atrair investimento; 2-
facilitar o acesso de provedores de serviço à rede, em um quadro que promova uma
competição adequada e mantenha a integridade da rede; 3- assegurar a provisão de
serviço universal para ajudar o desenvolvimento rural integrado e a promoção de
inovação; 4- promover a inovação e a introdução de novos serviços e tecnologias; 5-
garantir os direitos dos usuários, operadores e investidores.

A adoção dos princípios básicos apresentados pelos EEUU na conferência de


Buenos Aires foi ao encontro das necessidades daquele país em relação ao
desenvolvimento da sua infra-estrutura de informação, no sentido de desenvolver uma
rede global privatizada, aberta e inscrita em um ‘ambiente estável’, o que significava
dizer, em um contexto menos vulnerável às políticas nacionais dos países periféricos.

são determinadas e conformadas pelo setor industrial ao qual serve (UIT, 2002).
145

Nesse quadro, a UIT deveria catalisar, ‘de forma criativa’(sic), a concertação de


interesses entre todos os seus integrantes, aí incluídas as organizações e agências
globais, regionais e nacionais e o setor privado. Caberia, também, à UIT orientar os
elaboradores de políticas de sorte que a formulação destas, bem como das estruturas
reguladoras, pudesse atender aos requisitos específicos dos países.

O plano de ação adotado na conferência de Buenos Aires estabeleceu três


programas, a saber, um programa de cooperação entre os membros do Setor de
Desenvolvimento das Telecomunicações, um programa de assistência aos países em
desenvolvimento e um programa especial para os países menos desenvolvidos.

Quatro anos após, em 1998, foi realizada em Valleta, Malta, a “2a. World
Telecommunication Development Conference”, cujas principais mensagens e
destaques foram consolidados em “The Valletta Declaration” (UIT-D, 1998).

Nessa declaração foram afirmadas, como prioridades, a reforma da regulação do


setor das telecomunicações, a reforma do sistema de contabilização do uso, a gestão
das tecnologias, o financiamento e investimento e o desenvolvimento de recursos
humanos. Foram destacados como necessidade, o estímulo ao serviço universal, o
acesso global e o barateamento dos preços. Entre as aplicações das telecomunicações e
tecnologias de informação destacaram-se as direcionadas para a educação, saúde,
proteção ambiental, agricultura, negócios e comércio, mulheres e jovens. Além disso,
foi estabelecido um “Escritório de Desenvolvimento das Telecomunicações” (BDT),
cujos especialistas teriam por função guiar os países em relação aos “processos
complexos, como a liberalização e privatização” (UIT-D, 1998, p.2).

A “3a World Telecomunication Development Conference” ocorreu neste ano de


2002 em Istambul, Turquia. Em sua declaração são destacadas a necessidade de se
superar o ‘fosso digital’ e a questão do provimento de acesso universal. Afirma-se que
as novas tecnologias têm significativo impacto na expansão das telecomunicações e
reafirma-se o seu potencial para fechar o hiato entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento e entre as áreas urbanas e as rurais. Nesse sentido, destaca-se que o
provimento de serviços rurais teria se tornado atrativo para o mercado e que isso
146

facilitaria o desenvolvimento dos serviços de telecomunicações em áreas rurais ou


remotas (UIT-D, 2002).

Uma vez mais, as telecomunicações são colocadas como componente essencial


para o desenvolvimento político, econômico, social e cultural, sendo reafirmado que
“desempenham um importante papel na redução da pobreza, na proteção ambiental e
na mitigação de desastres naturais e outros” (sic) (UIT-D, 2002, p.2). O acesso
universal passa a ser destacado como elemento chave para a prosperidade econômica e
o acesso comunitário a ser visto como um dos mais apropriados para alcançar tal meta
em diversos países em desenvolvimento.

A despeito da constatação do ‘fosso digital’, cuja superação é destacada como


necessidade, a declaração de Istambul reafirma a ampliação da participação do setor
privado e a competição como forças que levam ao desenvolvimento das
telecomunicações (UIT, 2002, p.2). O papel dos governos é o de estabelecer um
ambiente favorável à promoção do acesso aos serviços básicos a preços acessíveis a
todos. É importante chamar atenção para o fato de que, em 2002, ano da realização
dessa conferência, o processo de privatização e liberalização das telecomunicações já
havia sido encaminhado, de sorte que o foco passa a estar voltado para a promoção do
consumo. O plano de ação proposto nessa conferência tem como seu maior destaque a
superação do ‘fosso digital’ (digital divide).

Observa-se que o enfoque das declarações foi sofrendo variações ao longo de


quase uma década, certamente em função dos impactos das políticas e estratégias
desenvolvidas e implementadas. Entretanto os ‘remédios’ permaneceram sendo os
mesmos, ou seja, liberalização e privatização. Nesse sentido, a constatação do ‘fosso
digital’, tema que se tornou importante na agenda política internacional em fins da
década de 1990, não foi suficiente para colocar em xeque os princípios adotados desde
a declaração de Buenos Aires, em 1994, que estiveram sempre voltados para a
constituição de uma plataforma tecnológica que atendesse, prioritariamente, às
necessidades de constituição de um ‘mercado global’. Ao contrário, insiste-se na sua
147

defesa, mesmo sendo necessário proporem-se formas compensatórias para lidar com
os seus efeitos deletérios.

Os princípios propostos inicialmente pelos EEUU para a infra-estrutura de


informação global, ao serem endossados nesses fóruns internacionais, iriam se tornar
diretrizes para os projetos de ‘sociedade da informação’, tanto nos países centrais
como nos periféricos, o que vai ser observado, sobretudo, após a conferência do G7
em Bruxelas, em 1995. Após essa conferência, tais princípios, acrescidos de três
princípios adicionais, originalmente colocados pela União Européia, passaram a servir
como referência para as diretrizes de quantos fossem os projetos nacionais de
‘sociedade da informação’.

3.4.2 A "Conferência do G7 para a Sociedade da Informação": os princípios


norteadores da constituição da infra-estrutura de informação global

O G7 formou-se, a partir de 1975, como um grupo integrado pela França,


EEUU, Grã Bretanha, Alemanha, Japão, Itália e Canadá. Após o Encontro de
Birmigham, em 1998, a Rússia tornou-se o seu oitavo membro. Inicialmente, esse
grupo tinha como objeto de discussão temas macroeconômicos, de gestão, de comércio
internacional e de relacionamento com países em desenvolvimento. Ao longo de sua
vigência, o G7 foi incorporando questões como o emprego e as autopistas de
informação, meio ambiente, crime organizado e drogas, além de um conjunto de
questões acerca de política de segurança, que vão de direitos humanos até a segurança
regional e o controle de armamento.

De sua própria perspectiva, a importância do G7 e de seus fóruns decorre do


fato de que as decisões tomadas nestes encontros “criam e constroem regimes
internacionais” (sic) para lidar com os ‘novos desafios’. Além disso, suas conclusões
tornam-se diretrizes para a comunidade internacional, apontando prioridades,
definindo novas questões e orientando as organizações estabelecidas em bases
internacionais. Com isso, catalisam, revitalizam e reformam instituições internacionais
148

existentes, evidenciando a sua centralidade no processo de governança global (G8


INFORMATION CENTRE, 2001).

Especificamente no processo de disseminação dos princípios para a constituição


da infra-estrutura de informação global, a importância do G7 é destacada por autores
como Abramson e Raboy (1999) e Borgman (2000) e se evidencia em relatórios como
o relatório da OCDE, que examinaremos mais adiante. Consideramos, portanto,
relevante detalhar um pouco mais a participação desse grupo na disseminação das
iniciativas de ‘sociedade da informação’.

Como objeto de atenção dos integrantes do G7, a ‘sociedade da informação’


global foi tema exclusivo de um encontro ministerial desse grupo, ocorrido em
fevereiro de 1995 em Bruxelas, a “G7 Information Society Conference”. De sua mesa
redonda inicial, coordenada por Jacques Delors, então presidente da Comissão
Européia, participaram importantes líderes de negócios, indicados pelos membros dos
governos dos países integrantes do G7 (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995A).

Como preparação para essa conferência, tanto os EEUU como a União Européia
produziram documentos nos quais explicitaram seus interesses em relação à ‘infra-
estrutura de informação’/‘sociedade da informação’ e, também, em relação à
conferência que iria se realizar. As considerações dos EEUU foram publicadas em
janeiro/1995, no “G-7 Ministerial Conference on the Information Society: Cooperation
on Applications and Test-Beds” (IITF, 1995). Por sua vez, a concepção da Comissão
Européia encontra-se delineada em “The Information Society Conference – 10 Key
questions”, que apresenta também as perspectivas dessa Comissão em relação à
conferência.

O “G-7 Ministerial Conference on the Information Society: Cooperation on


applications and test-beds” (IITF, 1995) foi divulgado pelo Information Infrastructure
Task Force, dos EEUU, sob a forma de perguntas e respostas relacionadas com a
‘infra-estrutura de informação global e com os interesses específicos dos EEUU em
colaborar com o G7. Nesse documento está expresso que, além da identificação das
barreiras à concretização da ‘infra-estrutura global de informação’, era do interesse dos
149

EEUU “o aumento da demanda por bens e serviços de informação e comunicação que


poderia resultar da demonstração dos benefícios dessas tecnologias”. Com relação ao
papel dos governos, afirma-se que caberia aos mesmos a eliminação das barreiras
legais ou regulatórias. Em relação aos resultados da conferência, a expectativa era de
que os ministros presentes à mesma acordassem as linhas gerais dos projetos comuns
que seriam desenvolvidos após a mesma (IITF, 1995).

Por seu turno, em “The Information Society Conference – 10 Key questions”, a


Comissão Européia, encarregada de promover a conferência, apresenta suas
perspectivas também sob forma de perguntas e respostas. Inicialmente, estabelece-se
que a diferença entre as expressões ‘sociedade da informação’ e ‘autopistas de
informação’ está no fato de que o primeiro termo não se restringe apenas à rede de
comunicação informática global, como ocorre no segundo (COMISSÃO EUROPÉIA,
1995b).

Com relação aos papéis e objetivos da Comissão Européia para a ‘sociedade da


informação’ e a conferência ministerial do G7, além da adoção de uma estratégia
comum para os estados membros da União Européia, aponta-se como contribuição
especificamente européia a ênfase na necessidade de se priorizarem os aspectos social,
societal e cultural dos serviços, que passariam a estar disponíveis em nível global
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1995b).

Com relação às autoridades públicas, afirma-se que caberia a elas a


responsabilidade de “facilitar a transição para essa nova era da informação, dando
início a atividades de pesquisa e assegurando que um serviço universal seja oferecido”
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1995b, p.2).

A cooperação internacional entre os atores públicos e privados no campo da


padronização teria, como finalidade, assegurar a interoperabilidade dos diversos
sistemas de acesso e redes de comunicação e evitar a imposição unilateral de padrões;
o novo quadro regulatório, de âmbito global, garantiria a competição entre mercados,
serviços e infra-estruturas. No que se refere à revisão dos regimes de propriedade
intelectual e industrial, destaca-se a necessidade de, ao mesmo tempo, levar-se em
150

conta a proteção dos detentores dos direitos e a circulação do conhecimento


(COMISSÃO EUROPÉIA, 1995b).

A comparação entre os dois documentos evidencia a diferença de enfoques. No


caso dos EEUU a atuação deste país reflete uma posição na qual o Estado está
prioritária e quase exclusivamente voltado para atender aos interesses de mercado dos
seus principais atores econômicos. No caso da União Européia, observa-se um
empenho em demostrar o valor social da constituição da infra-estrutura de informação
global, o que vai requerer que sejam considerados outros aspectos, além dos
exclusivamente mercantis.

O documento temático da conferência foi preparado pela Comissão Européia e


discorre sobre o estabelecimento de regras comuns para a ‘sociedade da informação’
global, a qual é descrita como “uma experiência libertadora que amplia as escolhas
individuais, libera novas energias criadoras e comerciais, oferece enriquecimento
cultural e traz maior flexibilidade para a gestão do tempo de trabalho e lazer” (sic)
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c, p.1).

Nesse documento, a ‘sociedade da informação’ global é identificada como uma


das iniciativas mais importantes da década de 1990, e afirma-se que o seu advento vai
promover a melhoria da qualidade de vida, estimular o crescimento econômico, gerar
emprego e aumentar a eficiência econômica. Além disso, argumenta-se que a mesma
pode melhorar o “balanço do progresso econômico e social entre as nações” (sic) e
promover a melhor integração dos países em desenvolvimento na economia global e
ampliar a capacidade de resolver problemas societais comuns.

Enfatiza-se a necessidade de uma “cooperação internacional sem precedentes” e


da conformação de uma visão e uma estratégia de nível global, afim de evitar o
estabelecimento de visões próprias a cada país, o que tornaria problemático o
estabelecimento da infra-estrutura global devido às incompatibilidades tecnológicas
que possam impedir a conectividade entre redes e a interoperabilidade de aplicações
ou aos problemas de divergências de legislação.
151

Especificamente em relação aos países periféricos, argumenta-se que a


‘sociedade da informação’ vai facilitar o acesso ao “conhecimento humano”(sic) e à
troca de informações para esses países, o que os ajudaria a “saltar estágios de
desenvolvimento”(sic) em relação às suas infra-estruturas. Para tanto, caberia aos
integrantes do G7 proporcionar informação e suporte, especialmente aos países menos
desenvolvidos (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c).

Tendo como foco o acesso do cidadão à infra-estrutura de informação, são


enumerados oito ‘princípios centrais’ para guiar o desenvolvimento da ‘sociedade da
informação’ global, a saber: 1- a promoção de ampla competição; 2- o estímulo ao
investimento privado; 3- a definição de um quadro regulatório adaptável; 4- o
provimento de acesso aberto às redes; e, ao mesmo tempo, 5- a garantia de provisão
universal e acesso aos serviços; 6- a promoção da igualdade de oportunidades para o
cidadão; 7- a promoção da diversidade de conteúdo, incluindo a diversidade lingüística
e cultural; 8- a cooperação mundial, com particular atenção para os países menos
desenvolvidos (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c).

Como se pode observar, os cinco primeiros ‘princípios centrais’ reproduzem os


princípios constantes da ‘agenda de cooperação’ proposta em 1994 pelos EEUU. Já os
princípios subseqüentes refletem a incorporação das questões sociais, societais e
culturais apontadas pela União Européia.

Esses princípios abarcam interesses conflitantes, como se pode constatar ao se


compararem os princípios de competição/liberalização/investimento privado, que são
típicos da ‘filosofia’ do mercado, com os de ‘igualdade de oportunidades para todos’ e
a garantia de provisão universal e acesso a serviços, que são objetivos sociais
geradores de custos econômicos que precisam ser pagos, mesmo que se possa afirmar
que, a maior prazo, signifiquem a geração de consumo e consumidores.

Por um lado, para ser viável, o ambiente operacional da ‘sociedade da


informação’ precisa estar baseado na competição e em padrões tecnológicos que
permitam a interconectividade e interoperabilidade. Ao mesmo tempo, seu quadro
regulatório precisa ser flexível o bastante para “evoluir ao longo do tempo”, atrair
152

investimentos para o setor, atender às demandas dos usuários e, conflitantemente,


“desenvolver objetivos sociais fundamentais” (sic) (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c)
já que o investimento privado visa, acima de tudo, sua rentabilidade, ao passo que o
atendimento de “objetivos sociais fundamentais” orienta-se, via de regra, por
interesses menos privatizáveis.

Nesse documento, considera-se caber ao G7 a definição de uma base comum


para a competição global e para as questões de regulação a ela associadas. Assim
sendo, ao mesmo tempo em que se destaca que o quadro regulatório emergente deve
permitir o estabelecimento de atores globais, afirma-se a necessidade de que o mesmo
estabeleça as condições legais e as obrigações para pautar as alianças e fusões, tendo
em vista evitar os riscos de uma dominação do mercado (COMISSÃO EUROPÉIA,
1995c). Como essas instâncias e instrumentos se apresentam como o último recurso
para essa ‘regulação’ do mercado ‘global’, cabe indagar a que poder caberá discernir
os limites entre um e outro.

Além disso, encontram-se aí aspectos relativos ao estabelecimento do regime


internacional de comunicação e informação. Reconhece-se a constituição de atores
internacionais e a necessidade de regras de amplitude mundial para subordinar o ‘livre’
mercado e, mesmo, para limitar a ação de determinados agentes econômicos.

As questões prioritárias desse quadro regulatório são a abertura dos mercados,


envolvendo a liberalização de equipamentos, serviços e infra-estrutura; o serviço
universal, a partir da consideração de que o acesso à informação é um direito básico de
todo cidadão; a implementação ótima das redes, a partir da interconexão, da
interoperabilidade e da padronização; e a ampla e efetiva alocação de recursos
escassos, no caso das condições de concessão de licenças e alocação do espectro de
radiofreqüência (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c), que são questões majoritariamente
voltadas para atender as necessidades do mercado. Em função disso, é razoável
entender o argumento do “acesso à informação como direito” como parte da atribuição
do setor público, de induzir consumo adicional. Nesse mesmo sentido se pode
compreender a ênfase na ‘educação e treinamento’ para o uso das tecnologias de
153

informação e comunicação. Justificada como necessidade, para que “todos tenham


chance de aprender a usar computadores e os equipamentos de comunicação” (sic), a
ênfase na necessidade de ‘educação e treinamento’ vai servir, também, para fortalecer
o argumento de que a educação precisa ser modificada para incorporar novas formas
de interatividade – afim de colocar o ‘conhecimento’ mais acessível, através das
tecnologias de informação -, significando, com isso, uma via adicional de expansão da
infra-estrutura de informação e geração de consumo.

Por fim, destaca-se a necessidade de estratégias de conscientização baseadas na


educação e em campanhas informativas, para que a existência da ‘sociedade da
informação’ seja compreendida por todos os cidadãos. Como atribuição das
autoridades públicas, ressalta-se a promoção de atividades de pesquisa, o
desenvolvimento de aplicações em serviços genéricos no âmbito da sua
responsabilidade, o incentivo ao investimento e à iniciativa de desenvolvimento de
aplicações para as áreas de interesse público comum, em especial “aquelas para as
quais o retorno financeiro não seja atrativo” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c). A
coordenação de esforços internacionais em relação à P&D tem, como foco, as questões
de interoperabilidade e do acesso aberto às bases de informação e a serviços em
relação aos próprios integrantes dos programas de P&D.

DDD

O documento de conclusão da “G7 Information Society Conference” destacou


que os países em transição117 e os países periféricos deveriam ter chance de participar
plenamente do processo, sob o argumento, que já havia sido colocado no documento
preparatório, de que essa participação “iria abrir oportunidades para que os mesmos
saltassem estágios de desenvolvimento tecnológico e estimulassem o seu
desenvolvimento social e econômico” (G7, 1995, p.1).

Como primeiro ponto, o papel dos governos deveria ser o de “facilitar a


iniciativa privada e os investimentos e assegurar um quadro adequado que estimule o

117
A expressão: “países em transição” tem sido utilizada para referir-se aos países integrantes
da ex-URSS que encontram-se em processo de adoção da ‘economia de mercado’.
154

investimento privado e a utilização em benefício de todos os cidadãos” (G7, 1995,


p.1/2). Nesse sentido, uma das incumbências dos governos seria criar um ambiente
internacional favorável, cooperando com organizações como a OMC, UIT, OMPI, ISO
e OCDE. Essa condição seria necessária para viabilizar a visão do grupo acerca da
‘sociedade da informação’.

Os oito princípios ‘centrais’ apresentados no documento preparatório, embora


igualmente endossados, não são considerados com um mesmo grau de importância,
havendo alguns mais centrais que outros. Nesse sentido, os princípios associados às
diretrizes de política econômica, os quais referem-se à necessidade de promoção da
competição dinâmica, ao estímulo ao investimento privado, à definição de um quadro
regulatório adaptável, e à abertura do acesso às redes (de telecomunicações) (G7,
1995) são apontados como indispensáveis, cabendo, nestes casos, ao poder público
nacional, utilizar sua autoridade para fazê-los valer, por meio do estabelecimento de
um quadro legal e/ou institucional. É importante destacar, aqui, que os benefícios
decorrentes da adoção desses princípios vão ser diretamente auferidos pelo setor
privado.

Por outro lado, os ‘princípios’ de provimento de acesso universal aos serviços,


igualdade de oportunidades para o cidadão e diversidade de conteúdos, aí incluídas as
diversidades cultural e lingüística (G7, 1995), são apresentados como recomendações,
as quais, se por um lado servem para justificar o discurso de uma ‘sociedade da
informação’ centrada no cidadão, por outro, expressam a necessidade de se ampliar o
volume de consumo e o número de consumidores de tecnologias de informação e
comunicação. Ademais, sua viabilização vai requerer a alocação discricionária de
recursos e não apenas uma normatização. Tal necessidade é, inclusive, conflitante com
as diretrizes gerais da política neoliberal, que prega a redução da atuação do setor
público em áreas sociais. A saída para esse impasse vai ser, muitas vezes, a
constituição de ‘fundos’ para o provimento dos serviços a consumidores potenciais
que não podem ter acesso aos mesmos pelos mecanismos de mercado.
155

O oitavo e último ‘princípio central’ refere-se ao reconhecimento da ‘sociedade


da informação’ como política pública transfronteiras, expresso pela necessidade de
cooperação mundial para tornar possível sua implantação em âmbito global (G7,
1995). Esse princípio está diretamente relacionado com o regime internacional de
comunicação e informação, em relação ao qual o próprio G7 apresenta-se como uma
instância.

Os países integrantes do G7 assumiram o compromisso de assegurar que a


‘sociedade da informação’ atenda às necessidades dos cidadãos, o que foi expresso em
termos 1-da promoção do serviço universal118; 2- do estudo dos impactos da
‘sociedade da informação’ no trabalho; 3- da promoção da diversidade dos conteúdos;
4- do estímulo ao setor privado no desenvolvimento de redes de informação e na
provisão de novos serviços relacionados à informação, com base na ‘cooperação
mundial’, para encorajar o desenvolvimento de uma ‘sociedade da informação’ global
“capaz de permitir um mix diversificado de conteúdos para os cidadãos”; 5- da busca
de adequada educação e treinamento119; 6- da melhoria da compreensão social dos
efeitos da ‘sociedade da informação’ sobre a qualidade de vida120; e 7- da obtenção de
apoio público para a ‘sociedade da informação’ (G7, 1995).

Os temas das ações propostas se referem à promoção da interoperabilidade e da


interconectividade, ao desenvolvimento de um ‘mercado global’ para as redes,

118
O qual deveria ser dinâmico e flexível, para assegurar o acesso de todos aos sempre novos
serviços de informação.
119
O treinamento contínuo (life-long training) destaca-se como forma de aquisição de novas
habilidades e da adaptabilidade necessárias para uma economia baseada no conhecimento.
Coloca como necessidade o provimento de ferramentas para que os ‘cidadãos’ aprendam.
Entre estas destacam-se os serviços avançados de multimídia de informação como
complemento aos sistemas tradicionais de educação e treinamento. Nesse sentido, diversos
autores têm tratado da temática da capacitação e da qualificação, frente às questões
decorrentes das mudanças na organização do trabalho, em virtude do advento das novas
tecnologias de informação e comunicação, entre os quais Leite (1997), Castro (1997),
Bemfica (2000).
120
O entendimento do que seriam esses efeitos está relacionado com a melhoria da qualidade do
trabalho, melhoria nos cuidados com a saúde, lazer educativo, desenvolvimento urbano e
com uma maior participação de portadores de necessidades especiais nessa ‘sociedade da
informação’.
156

serviços e aplicações, à proteção dos direitos de propriedade intelectual, à privacidade


e à segurança dos dados, à cooperação, em P&D, para o desenvolvimento de novas
aplicações e à monitoração das implicações sociais e societais da ‘sociedade da
informação’ (G7, 1995).

Como observa Sabbatini (1999), os setores oficiais do tecido político e da


indústria visualizam a ‘sociedade da informação’ como uma panacéia para as sérias
crises atuais. Nesse sentido, os projetos para a ‘sociedade da informação’ buscam a
construção da infra-estrutura de informação justificando-a em termos de ‘significância
econômica do conhecimento’ e da ‘competição internacional’. As áreas estratégicas
desenvolvidas são o teletrabalho, a educação à distância, as redes de computadores nas
universidades e centros de pesquisa, serviços de processamento remoto para as
pequenas e médias empresas – PMEs -, a administração viária do tráfego, o controle
do tráfego aéreo, as redes assistenciais de saúde, as compras governamentais
processadas eletronicamente, as redes municipais de informática.

Como parte da estratégia para viabilizar a infra-estrutura de informação global


foram estabelecidas, nesse encontro, onze áreas para desenvolvimento de projetos
piloto, tendo como principal objetivo o de demonstrar a factibilidade da ‘sociedade da
informação’. Esses projetos piloto visavam, especificamente, a obtenção de consenso
internacional em relação aos princípios comuns enunciados; o estabelecimento de
bases para a cooperação entre os parceiros do G7, tendo em vista criar massa crítica
para encaminhar essa ‘questão global’; a criação de oportunidades para troca de
informação; a identificação e seleção de projetos de natureza exemplar; a identificação
dos obstáculos relacionados com a implementação de aplicações práticas; e o apoio na
criação de mercados para novos produtos e serviços. Constam entre os projetos piloto,
bibliotecas eletrônicas, acesso multimídia à herança cultural mundial, gerência de meio
ambiente e recursos naturais, aplicações globais em saúde, governo online; e mercado
global para pequenas e médias empresas (G7, 1995).121

121
O Relatório Final do “G8 Pilot Projects”, que foi apresentado no Encontro de Cúpula do
G8 ocorrido em Colônia – Alemanha, em junho de 1999, reafirma a idéia do esmaecimento
das fronteiras nacionais, expressa na afirmativa de que “nós estamos nos tornando agentes
157

Os ‘princípios centrais’ firmados pelos países integrantes do G7, na “G7


Information Society Conference”, em Bruxelas, 1995, foram endossados como
diretrizes de projetos de ‘sociedade da informação’ de outros países, entre eles o
conjunto dos países integrantes da OCDE. Nesse sentido, o documento “Information
infrastructure policies in OECD countries” (OCDE, 1996), publicado em 1996,
apresenta a situação das políticas de infra-estrutura de informação nesses países, sobre
o que discorremos a seguir.

3.4.3 ‘Sociedade da Informação’ nos países da OCDE: a adoção dos princípios


firmados pelo G7

A OCDE endossou formalmente os princípios adotados pelo G7, em maio/1996,


através do “Statement of Policy Recommendations on GII-GIS” (OCDE, 1996).

O estudo realizado pela OCDE em 1996 com o objetivo de proporcionar um


panorama da situação dos seus países membros em relação às propostas e iniciativas
para a ‘sociedade da informação’122 aponta a similaridade das visões adotadas pelos
governos e destaca as diferentes prioridades atribuídas em relação ao desenvolvimento
da infra-estrutura, em termos de enfoques e estratégias adotados. Nesse sentido,
destaca que algumas das iniciativas se voltam para os serviços e aplicações, enquanto
outras concentram-se nas redes e infra-estruturas físicas (OCDE, 1996, p.5).

O estudo vai revelar que, para a maioria dos países membros, a “competição no
mercado das telecomunicações” é tida como o principal princípio. Os meios para
concretizar a ‘sociedade da informação’ são os preconizados no encontro do G7 e as
estratégias envolvem a promoção da interconectividade e interoperabilidade, o
desenvolvimento de mercados globais para as redes, serviços e aplicações, a garantia

globais e os bens e serviços podem ser produzidos em qualquer parte do mundo”


(MÜLLER, 1999, p.1).
122
O relatório tem como data de referência o mês de maio/1996 e inclui a Austrália, Canadá,
Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Holanda, Japão, Noruega, Suécia, Reino Unido e
EEUU. O programa da União Européia e os resultados da G7-Information Society
Conference, de fevereiro/1995, em Bruxelas, são também apresentados.
158

de privacidade, segurança dos dados e a proteção da propriedade intelectual; a


cooperação em P&D e o monitoramento das implicações sociais e societais das
‘sociedade da informação’, com destaque para a educação. A ênfase na dimensão
global da infra-estrutura de informação é uma vez mais a justificativa para “a
importância de que os governos trabalhem juntos”. Essa cooperação vai dizer respeito,
particularmente, ao estabelecimento de regras comuns para a construção da infra-
estrutura.

Utilizando alternativamente os termos ‘infra-estrutura de informação’,


‘autopista de informação’ e ‘sociedade da informação’ para fazer referência às
iniciativas, o relatório enfatiza as dimensões tecnológicas e econômicas das mesmas.
Tal qual em documentos examinados anteriormente – tanto dos EEUU e da União
Européia, como do G7 - coloca-se como expectativa que o advento da ‘sociedade da
informação’ signifique o crescimento da economia e da produtividade, a geração de
empregos123, o fortalecimento nacional e a competição internacional, a redução dos
obstáculos geográficos, em especial no que concerne às áreas rurais. Para tanto,
enfatiza-se a necessidade de desenvolvimento e difusão das tecnologias de
comunicação de banda larga como alternativa para a transmissão rápida e a baixo
custo de grande quantidade de informação integrada por dados, vídeo, texto e voz
(OCDE, 1996).

Como se pode observar, há uma expressiva semelhança nas posições dos EEUU
e da União Européia em relação à ‘infra-estrutura de informação’/‘sociedade da
informação’, ainda que matizada por diferenças características de seus modelos de
Estado. Assim, em termos das proposições iniciais feitas pelos EEUU e União
Européia, observa-se que ambos colocam a ‘competitividade’ de suas indústrias como
foco central, em função do qual são estabelecidos princípios, recomendações e
definidas atribuições para o setor governamental.

123
Afirma-se que a ‘sociedade da informação’ irá proporcionar oportunidades e resolver
desafios sociais como os referentes ao trabalho e ao ambiente de trabalho (OCDE, 1996).
159

No que se refere aos princípios norteadores das iniciativas que são propostas, no
caso dos EEUU, os mesmos visam, explicitamente, viabilizar e preservar mercados
para a indústria estadunidense, para o que reafirmam os princípios do ‘Consenso de
Washington’ no que se refere à privatização, liberalização, ‘flexibilidade’ regulatória e
acesso aberto no setor de telecomunicações. Por sua vez, no caso da União Européia,
as recomendações que servem de diretrizes para seus planos de ação adotam, por um
lado, a mesma linha de princípios formulada pelos EEUU, refletindo a preocupação
em preservar espaço de mercado para a indústria européia, diante da crescente
liderança dos EEUU e do Japão. Por outro lado, são acrescentadas recomendações
voltadas para aspectos caracterizados, de modo amplo, como ‘sociais, societais e
culturais’, evidenciando preocupações adicionais com os impactos das mudanças
decorrentes da generalização do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação como ‘família de técnicas’ dos agentes econômicos hegemônicos.

Por outro lado, comparando-se os princípios norteadores propostos pelos EEUU


como parte da sua agenda para a construção da ‘infra-estrutura nacional de
informação’ e como parte da ‘agenda de cooperação’ para a infra-estrutura de
informação global, vai-se observar a ausência, nesta última, de qualquer consideração
acerca de cooperação para a P&D, o que está presente entre as atividades da agenda
para a infra-estrutura nacional dos EEUU e é uma consideração relevante na discussão
da União Européia no que se refere à ‘cooperação internacional’.

Outro ponto em relação ao qual há diferenças significativas refere-se ao papel


atribuído ao setor governamental. No caso dos EEUU, o setor governamental é
incumbido de promover e apoiar o desenvolvimento completo de cada um dos
componentes da infra-estrutura através da adoção de políticas regulativas e
econômicas, da ampliação do acesso aos serviços essenciais por intermédio de
programas governamentais, da complementação e fortalecimento dos esforços do setor
privado (UNITED STATES, 1993; MELODY, 1999), visando manter a liderança
mundial dos EEUU e a sua competitividade em relação às tecnologias de informação e
telecomunicações.
160

No caso da União Européia, atribui-se, como responsabilidade dos governos,


não deixar a Europa em uma posição desvantajosa de competição, devendo os mesmos
salvaguardar as forças competitivas e assegurar uma ‘recepção política forte e
duradoura’ para a ‘sociedade da informação’. Para isso, cabe aos governos extinguir as
barreiras representadas pelo ambiente monopolista e anti-competitivo e promover o
uso das tecnologias de informação e comunicação, ficando incumbidos de viabilizar a
capacitação dos usuários e gerar demanda, uma vez que se afirma que, por si só, a
competição não vai produzir massa crítica na quantidade e velocidade necessárias.
(BANGEMANN, 1994).

Essas posições em relação ao papel do setor governamental vão refletir-se nas


considerações dos EEUU e da União Européia, preparatórias para a “G7 Information
Society Conference” de 1995. Além de destacarem a necessidade de identificação das
barreiras à concretização da ‘infra-estrutura global de informação’, o interesse dos
EEUU estava no “aumento da demanda por bens e serviços de informação e
comunicação que poderia resultar da demonstração dos benefícios dessas tecnologias”
para o que a eliminação das barreiras legais e/ou regulatórias será destacada como
papel dos governos (IITF, 1995). Por sua vez, no que se refere à posição da União
Européia, destaca-se a necessidade de estratégias de conscientização baseadas na
educação e em campanhas informativas, para que a existência da ‘sociedade da
informação’ seja compreendida por todos os cidadãos; a promoção de atividades de
pesquisa; o incentivo ao investimento; e o desenvolvimento de aplicações em áreas de
interesse público comum, em especial “aquelas para as quais o retorno financeiro não
seja atrativo” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c). No que se refere à coordenação de
esforços internacionais em relação à P&D, o foco são as questões de
interoperabilidade e de acesso aberto às bases de informação e aos serviços, no que se
refere, especificamente, aos próprios integrantes dos programas de P&D.

Como se pode observar, as proposições iniciais não levam em consideração a


criação do ‘fosso digital’ (digital divide), que vai se somar às formas pré-existentes de
disparidades sócio-econômicas entre países, regiões e pessoas. No entanto, ao fim da
década de 1990, esse tema passa a constar da agenda internacional. Nesse sentido,
161

observa-se, inicialmente, a divulgação, pelos EEUU, de uma agenda para criação de


‘oportunidade digital’, à qual vão seguir-se iniciativas como o estabelecimento, pelo
G8, da “Digital Opportunities Task Force”, durante a realização da sua reunião de
cúpula em Okinawa; a divulgação, pela UNESCO, em maio/2000 do “Information for
all Program”; e a adoção dessa temática para a 3ª Conferência Mundial para o
Desenvolvimento das Telecomunicações, em Istambul, 2002, já mencionada
anteriormente.

3. 5 A ‘Sociedade da Informação’ e o caminho da mercadorização: a


reprodução das desigualdades

A posição dos EEUU na geopolítica mundial e a sua preeminência quanto aos


avanços tecnológicos e ao domínio do tráfego de informações eletrônicas vão ter,
como resultado, como vimos na seção anterior, o endosso, nos fóruns internacionais,
de um discurso para a ‘sociedade da informação’ que viabiliza, sobretudo, os
interesses desse país e do seu setor privado. Nesse sentido, a
liberalização/privatização, o estabelecimento de um quadro regulatório flexível
limitando as diversas regulações nacionais e a abertura do mercado vão se tornar os
‘dogmas’ orientadores de iniciativas nacionais.

Entendemos que esse predomínio dos EEUU, somado às ‘idéias de sociedade da


informação’ e da chamada ‘economia da informação’ constituem uma etapa a mais do
projeto de ‘globalização’ conservador124 que, ademais de manter o status quo e,
especialmente, a posição dos EEUU, contribui para aprofundar as desigualdades pré
existentes entre centro e periferia, concentrando a riqueza produzida.

Nesse sentido, uma vez que os países periféricos não dispõem de recursos para
proteção interna de seus mercados ou para a negociação de seus interesses, os mesmos
vão se tornar objeto de disputa em termos de mercados de tecnologias de informação e

124
Como já apontamos anteriormente, os princípios formulados pelos EEUU para a infra-
estrutura de informação global encontram âncoras nas formulações do Consenso de
Washington.
162

comunicação para os EEUU e a União Européia, a despeito de ser a necessidade de


‘desenvolvimento tecnológico’ o argumento apontado para a mobilização desses
países rumo à infra-estrutura de informação global. Entre outros autores, Eisenberg e
Cepik (2000) oferecem um cenário situando a posição dos países periféricos e ‘semi-
periféricos’125 no que se refere às possibilidades de desenvolvimento das tecnologias
de informação nesses países, no qual fica clara a preservação da sua condição de
subordinação.126

Portanto, podemos compreender as propostas de cooperação, presentes


especificamente nas iniciativas da União Européia, e a iniciativa, por parte do governo
dos EEUU, de elaborar um ‘guia para conexão global’, como forma, sobretudo, de de
evitar que estes países obstruam, com regulações próprias, a constituição da ‘rede das
redes’ e a instauração do ‘livre’ mercado global para o setor das tecnologias de
informação e comunicação bem como para os setores informacionais e financeiros, e,
também, como estratégia para assegurar mercados para os seus países.

Por outro lado, a despeito dos prognósticos otimistas em relação às


potencialidades da infra-estrutura de informação do ponto de vista social, desde 1995,
os EEUU monitoravam a constituição do fosso digital (digital divide) no país, como
evidenciam os relatórios produzidos pelo National Telecommunications and
Information Administration – NTIA do Departamento de Comércio dos EEUU, sob o
título “Falling Through the Net” (MINETA, 2000; IRVING, 1999). Esses relatórios
enfocam a desigualdade na generalização das tecnologias de informação e
comunicação e em seu uso, e concluem ser a mesma um fator adicional de exclusão.

125
Esses autores utilizam a categorização de Giovanni Arrighi, o qual, entre as categorias de
países centrais e periféricos, reconhece a presença de países ‘semi-periféricos para referir-se
a algumas economias que apresentam, ao mesmo tempo, características tanto de economias
periféricas como de economias centrais.
126
Com uma visão nada esperançosa acerca das conseqüências da globalização e do advento da
sociedade da informação, Angell (1995) chama atenção para os ganhadores e perdedores
nessa sociedade e para a esquizofrenia em que os governos se verão envolvidos para, de um
lado, buscarem atender às demandas para que os empreendimentos se estabeleçam em seus
territórios e, de outro, assegurarem que essa instalação resulte em benefício para os locais.
163

Ao final da década de 1990, a questão adquiriu maior visibilidade, tendo sido


realizados, entre outros eventos, a “Conference on Resolving the Digital Divide:
Information, Access and Opportunity”127, em Washington-D.C., em outubro de 1999,
e, em dezembro/1999, o Digital Divide Summit, coordenado pelo secretário do
Comércio dos EEUU.

Em fevereiro de 2000, a administração federal dos EEUU elaborou uma agenda


específica, “From Digital Divide to Digital Opportunity: The Clinton/Gore Agenda for
Creating Digital Opportunity”, na qual se apresentavam iniciativas para “superar o
fosso digital”, propondo ampliar o acesso das comunidades e pessoas desfavorecidas
às novas tecnologias, em especial à internet. A despeito da incompatibilidade entre a
“competição do setor privado e o rápido progresso tecnológico” e a equidade do
acesso, esse documento mantém, como premissa básica, que ‘competição’ e ‘progresso
tecnológico’ são as poderosas forças capazes de superar o fosso digital e colocar as
ferramentas da ‘era da informação’ à disposição de um número cada vez maior de
estadunidenses. Para tanto adota, como pressuposto, que, trabalhando em conjunto
com o setor privado e com organizações comunitárias, a administração federal teria
como acelerar o movimento rumo à expansão do acesso. Outros pontos destacados
nessa agenda são a necessidade de habilitar as pessoas para o uso da tecnologia e para
a criação de conteúdos e aplicações capazes de fortalecer as comunidades
desfavorecidas. (UNITED STATES, 2000).

Até mesmo as redes de alta velocidade fazem parte dessa agenda, ao serem
apontadas como o meio para a disseminação do ‘tele-trabalho’ que, conforme consta,
iria resolver problemas importantes relacionados ao que é denominado de ‘welfare-to-
work’128, a saber, o cuidado das crianças e o transporte (UNITED STATES, 2000). Ao
mesmo tempo, entretanto, na perspectiva de como o tele-trabalho é colocado, não são
levadas em conta implicações, como sua regulação, a seguridade social ou os aspectos
sociais e culturais da imbricação entre os ambientes de vida e trabalho dele

127
Promovida pelo PITAC.
128
Entendido como o provimento, ao trabalhador, de condições para se liberar para o trabalho.
164

decorrentes.129 A questão do ‘fosso digital’ estava inscrita na agenda política


internacional.

Como já mencionado, a UNESCO, que tem entre seus focos as questões sociais
e culturais da ‘sociedade da informação’, formulou e divulgou em maio/2000 o
“Information for all Programme” (UNESCO, 2000), com a finalidade de reduzir o
fosso entre os “ricos e pobres de informação”.

Entretanto, não se pode deixar de considerar que a necessidade de lidar com a


superação desse ‘fosso digital’ tem a funcionalidade de, ao promover a ‘inclusão’
digital, colocar em ação a identificação e a habilitação de mercados consumidores
potenciais. Como vimos ao longo do presente capítulo, os documentos examinados
permitem falar de um regime internacional de comunicação e informação, o qual tem,
como metas principais, a liberalização e a privatização das telecomunicações e o
estabelecimento de normas, padrões e regras de alcance mundial para a implantação de
uma infra-estrutura de informação global e, como meta complementar, mas
indispensável, a indução ao consumo das novas tecnologias de informação e
comunicação. Nesse sentido, a promoção e a disseminação dessas tecnologias,
sobretudo das redes de comunicação, é colocada como necessidade ‘socialmente
relevante’, indispensável para a prestação de serviços de interesse público, tais como
educação, cultura, saúde, transportes, entre outros.

Por fim, para assegurar as condições de continuidade e expansão dessa infra-


estrutura tecnológica, tanto do ponto de vista das inovações como da perspectiva do
consumo, é destacada a importância de se promover a educação, a
capacitação/treinamento dos usuários sob suas diversas denominações (consumidores,
provedores, desenvolvedores, entre outras) à qual, mais recentemente, vai somar-se a
questão do ‘fosso digital’.

Não compartilhamos, em relação às iniciativas de ‘sociedade da informação’, da


posição de otimismo que vislumbra uma perspectiva positiva de apropriação dessas
tecnologias. Ademais, nossa posição é de ceticismo em relação a qualquer perspectiva

129
Ver, entre outros, CPSR (1993) e Velzen (1997).
165

de transformação social, na medida em que se observa a reprodução da assimetria de


poder vigente, francamente desfavorável aos interesses dos países periféricos.

Entretanto, gostaríamos de poder acreditar, como Milton Santos, que, como


“produto de uma ideologia restritiva adrede estabelecida”, a atual ‘globalização’
pudesse ser revertida. Porque considerava o mundo constituído não apenas pelo que já
existe, mas também pelo que pode efetivamente existir, era possível a ele enxergar o
mundo datado de hoje “como o que na verdade ele nos traz, isto é, um conjunto
presente de possibilidades reais, concretas, todas factíveis sob determinadas
condições”, o que lhe permitia considerar que “o mundo definido pela literatura oficial
do pensamento único é, somente, o conjunto de formas particulares de realização de
apenas certo número de possibilidades” (SANTOS, 2001).

A nossa descrença nos leva a insistir em apontar, para além do discurso


‘progressista’ da ‘sociedade da informação’, a sua funcionalidade rumo à
mercadorização da sociedade e, nesse sentido, à sedimentação desse mundo
‘globalizado’ à moda neoliberal. Isso é o que faremos no próximo capítulo.
166

4. A ‘SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO’ COMO ARGUMENTO


PARA O CONSUMO DE TECNOLOGIA

A mercadorização da sociedade

Nas condições atuais, o cidadão do lugar pretende instalar-se também


como cidadão do mundo. A verdade, porém, é que o “mundo” não
tem como regular os lugares. Em conseqüência, a expressão cidadão
do mundo torna-se um voto, uma promessa, uma possibilidade
distante. Como os atores globais eficazes são, em última análise, anti-
homem e anti-cidadão, a possibilidade de existência de um cidadão
do mundo é condicionada pelas realidades nacionais. Na verdade, o
cidadão só o é (ou não o é) como cidadão de um país.

Milton Santos

Neste capítulo procederemos à análise dos documentos apresentados no


capítulo anterior com vistas a identificar, nas características das iniciativas descritas,
os elementos que permitem apontá-las como parte do processo de mercadorização da
sociedade. Por mercadorização da sociedade entendemos o processo que se
caracteriza, em linhas gerais, pela centralidade dos interesses de mercado, que passam
a ser considerados como ‘interesse público’, e pela subordinação dos interesses
nacionais aos interesses internacionais. Nesse sentido, caracteriza-se pela subordinação
do Estado às regras definidas no âmbito internacional, por agentes privados e/ou não
governamentais, e pela redefinição dos papéis do setor governamental, que passa a ter,
como atribuições, as de promover o consumo e fazer valer as regras e diretrizes
definidas nas instâncias internacionais. Nesse contexto, o conjunto das relações sociais
– privadas e públicas – tendem a ser pautadas por relações entre ‘fornecedores’ e
‘consumidores’, características das relações de mercado.
167

Pretendemos evidenciar a centralidade das novas tecnologias de informação e


comunicação como plataforma tecnológica necessária a essa fase do capitalismo,
caracterizada pelo predomínio dos interesses do mercado, em sua dimensão global, na
definição das diretrizes das políticas públicas nacionais. Essa plataforma tecnológica
apóia-se nas tecnologias de informação e comunicação e organiza-se de uma forma
que requer a superação dos óbices característicos das fronteiras nacionais. Para isso
demanda um quadro regulatório de abrangência internacional e capaz de se impor
como condicionante das regras nacionais.

Assim, vamos observar a configuração de um regime internacional de


comunicação e informação, cuja efetivação vai se caracterizar por apresentar uma
dimensão mundial, no que se refere à definição das diretrizes, e uma dimensão
nacional quanto à sua implementação, o que é viabilizado através de programas e
políticas públicas. O principal foco de atenção ao longo da década de 1990 foram as
telecomunicações, com vistas à sua ‘desregulamentação’ em relação às regulações de
âmbito nacional, liberalização e privatização.

Essa consideração da ‘sociedade da informação’ como um projeto de dimensões


mundiais destinado a promover a adoção da ‘família de técnicas’ necessárias à nova
etapa do capitalismo, iniciada com a crise dos anos 1970, permite enfocá-la sob as
dimensões econômica, constitucional e societal, o que vai se revelar nos princípios
norteadores das iniciativas e em seus meios de realização.

Assim sendo, sua dimensão econômica vai ser efetivada principalmente através
da regulação, em conformidade com a perspectiva neoliberal, na qual as iniciativas se
inscrevem. Sob essa mesma perspectiva, no entanto, é necessário atender à
precondição de ‘desatrelar’ a esfera econômica da sua dimensão nacional e, nesse
sentido, é preciso estabelecerem-se fóruns de dimensões internacionais, de
composição, em grande medida, independente do setor governamental dos países, nos
quais sejam traçadas as normas e regras referentes à dimensão econômica dessa
‘sociedade da informação’. Estamos falando, portanto, de uma dimensão
‘constitucional’ dessa sociedade, tendo em vista promover o trânsito das esferas
168

decisórias nacionais para a esfera decisória internacional, no que se refere à sua


regulação, para que se constituam as instâncias internacionais com competência para
definir as ‘novas’ regras e com capacidade política para fazerem-nas valer em âmbito
nacional. A ênfase na ‘cooperação internacional’, observada nas iniciativas analisadas,
visa fazer esse trânsito. O argumento da necessidade de uma coordenação
internacional para viabilizar a ‘infra-estrutura de informação global’ resulta na
legitimação de fóruns e organismos internacionais, como a UIT e o G7, como loci –
formal ou informal - para o estabelecimento das diretrizes a serem adotadas pelos
países, em relação à ‘sociedade da informação’.

Por fim, no que se refere à dimensão societal da ‘sociedade da informação’, sua


efetivação vai requerer ações que vão demandar a alocação direta de recursos públicos,
uma vez que se trata de promover a implantação propriamente dita da infra-estrutura
de informação, o que lhe confere características das políticas distributivas. Para
justificar essa alocação de recursos, as ações relacionadas com a dimensão societal são
apresentadas, ao mesmo tempo, como provimento de direitos e como ações com vistas
à geração de consumo. Isso permite fazer o trânsito dos papéis do setor público, que,
de instituição incumbida de prover o ‘bem comum’, compreendido como ‘direitos’,
passa a ter como atribuição, imposta em decorrência da centralidade do mercado na
versão neoliberal do Estado, as tarefas de atender às suas necessidades, entre elas,
gerar consumo e consumidores.

Um exemplo dessa duplicidade no que se refere às ações relacionadas com a


dimensão societal é a ênfase na capacitação para o uso das tecnologias de informação e
comunicação. Colocada em termos de qualificação para o mercado de trabalho, essa
capacitação é considerada como requisito para um ‘uso social’ da infra-estrutura de
informação. Entretanto ela é também parte da estratégia de geração de consumo, por
um lado, pela própria necessidade da infra-estrutura de informação para promover a
capacitação. E, por outro, pela ampliação quantitativa do número de consumidores
dessas tecnologias, na figura dos capacitados.
169

Os princípios norteadores da ‘sociedade da informação’ firmados na


conferência do G7 em Bruxelas, em 1995, sintetizam as dimensões aqui mencionadas.
Como diretrizes a serem disseminadas em âmbito mundial, e pelos meios que
demandam para sua realização, esses princípios podem ser entendidos como políticas
regulativa130, ou de transferência131.

Como diretrizes relacionadas com a dimensão econômica incluem-se, a saber, a


liberalização das telecomunicações, a ênfase na iniciativa privada e o estabelecimento
de um quadro regulatório comum, princípios estes que são factíveis de implementação
por meio de regulação, podendo ser associados, como já mencionado, às políticas
regulativas.

Por sua vez, as ‘recomendações’ que visam promover a ampliação do acesso, a


igualdade de oportunidades e a diversidade de conteúdos estão relacionadas à
dimensão societal, sendo factíveis somente por meio de políticas de transferência, na
medida em que, como já apontamos, envolvem a alocação de recursos em favor de
determinado público alvo.

Por fim, o princípio de ‘cooperação internacional’ é compreendido como


política constitucional132, na medida em que se vincula à constituição de novas
instâncias decisórias. Sua maior importância está, justamente, no fato de que,
subjacente a ele, procede-se à instauração do regime internacional de comunicação e
informação, com o estabelecimento e a aceitação de instâncias internacionais e
transnacionais como fóruns de legitimação das diretrizes para as políticas nacionais de

130
O sentido de política regulativa, tal como referida por Nadel, é o de política que envolve a
discriminação no atendimento das demandas de grupos, no sentido de controlar o
comportamento de grupos ou mesmo de indivíduos, tais como a política antitruste ou os
direitos de propriedade (MONTEIRO, 1982).
131
Por política de transferência, Nadel refere-se às políticas distributivas e redistributivas. Essas
políticas são entendidas, respectivamente, como a distribuição, pelo governo, de recursos a
uns, sem que, pelo menos a curto prazo, o faça em detrimento de outros; e o atendimento às
demandas de uns em detrimento das de outros, requerendo, para isso, a qualificação dos
grupos de indivíduos beneficiados (MONTEIRO, 1982).
132
Por política constitucional, Nadel menciona a política pública que estabelece as regras sob as
quais outras políticas públicas são selecionadas (MONTEIRO, 1982).
170

comunicação e informação. Proposto em nome de uma harmonização de interesses,


para a grande maioria dos países, o princípio de ‘cooperação internacional’ equivale à
subordinação de suas políticas às regras estabelecidas por ‘consenso’ em tais fóruns,
os quais são caracterizados, entre outros aspectos, pela assimetria de poder entre seus
atores e pela predominância de interesses privados. No caso em pauta, essas regras vão
ter como principais beneficiários as corporações de telecomunicações. Sintetizando,
podemos entender os princípios norteadores da ‘sociedade da informação’, em especial
o conjunto dos princípios que se tornariam diretrizes para os projetos nacionais de
‘sociedade da informação’, como parte integrante do regime internacional de
comunicação e informação que, iniciado em fins da década de 1980, configurou-se ao
longo da década de 1990, fruto das mudanças decorrentes da crise de 1970, que
ensejou uma economia capitalista hegemonizada por mercados cujos fluxos são
eminentemente virtuais, tais como o mercado financeiro internacional.

Discutimos, inicialmente, os ‘princípios norteadores’ da ‘sociedade da


informação’ e sua disseminação, destacando o seu comprometimento com a
constituição do ‘livre’ mercado, sua formulação inicial pelos EEUU e a sua
subseqüente adoção nos projetos da União Européia, como diretrizes nas conferências
da UIT e como ‘princípios centrais’ endossados na conferência do G7.

Em seguida, enfocamos a ‘sociedade da informação’ no que se refere aos


elementos que destacam a perspectiva de mercadorização, enfatizando a geração do
consumo de tecnologias de informação e comunicação. Abordamos também as
atribuições dos governos em decorrência do ‘novo’ papel do Estado e, em seguida,
discorremos sobre as mudanças que levaram a ‘autopista de informação’ de fins da
década de 1980 a transformar-se na ‘tecnologia internet’. Concluímos o capítulo
retomando a nossa questão básica, fornecendo evidências de que as iniciativas de
‘sociedade da informação’ destinam-se ao aprofundamento da mercadorização da
sociedade, à constituição dos consumidores e à sedimentação do quadro de
internacionalização assimetricamente interdependente.
171

Para fazê-lo, destacamos a presença, nos documentos, de um discurso


ideológico vinculado às idéias da sociedade da informação da década de 1970 e ao
‘pensamento único’ forjado na década de 1980; e apontamos, nas iniciativas estudadas,
a primazia dos princípios de mercado, a centralidade da dimensão internacional e,
tomando por base, nesse último caso, as atribuições do setor governamental, a
privatização do espaço público.

4.1 Os princípios da ‘Sociedade da Informação’ e sua disseminação

Como apontamos no terceiro capítulo, os princípios centrais da ‘sociedade da


informação’ foram formulados pelos EEUU, tendo como objetivo orientar a
implantação de uma infra-estrutura de informação global adequada aos interesses
daquele país (UNITED STATES, 1993; IITF, s/d.a). Como parte da sua estratégia de
disseminação, os mesmos foram propostos em fóruns internacionais – como as
conferências da União Internacional das Telecomunicações (UIT) e do G7, tendo em
vista serem adotados como regras básicas para a implantação e operação daquela infra-
estrutura.

Nesses fóruns, o setor governamental vai ser incumbido das tarefas de


promover o consumo das tecnologias de informação e comunicação e o quadro
regulatório adaptável e comum, constituído no âmbito das organizações internacionais,
vai ser enfatizado como base normativa para viabilizar o ‘livre’ mercado, retirando
essa competência das esferas nacionais.

Os princípios propostos, a saber, o investimento privado, a competição, a


regulação flexível, o acesso aberto e o serviço universal, foram associados à aceleração
do desenvolvimento econômico e social e à própria manutenção da infra-estrutura de
informação mundial. Dentre eles, o investimento privado e a competição foram
apontados como ‘princípios fundamentais’, os quais gerariam criatividade, criariam
empregos, estimulariam benefícios financeiros e proporcionariam uma gama de novos
serviços aos consumidores.
172

A regulação flexível, por sua vez, foi considerada como o meio de, ao mesmo
tempo, assegurar estabilidade, liberdade, flexibilidade e oferecer preços justos e uma
variedade de opções, uma vez mais em benefício dos consumidores. Entretanto, para
sua viabilização, tornava-se necessária a criação de agências reguladoras com
competência para “tomar decisões técnicas” e monitorar as condições instáveis do
mercado, cujo funcionamento fosse independente da política (GORE, 1996).

Esses princípios destinaram-se, especificamente, a assegurar a primazia dos


interesses do mercado em relação a quaisquer outros interesses ou intervenções. Por
sua vez, as recomendações presentes no relatório Bangemann, associadas às questões
sociais, societais e culturais vão complementar tais princípios, servindo de
contrapartida em termos de provimento de direitos e de meios para a geração do
consumo necessário à viabilidade da infra-estrutura de informação. Desse modo, tanto
as diretrizes aprovadas na Declaração de Buenos Aires como os princípios firmados na
G7 Information Society Conference vão manter a prioridade dos princípios formulados
pelos EEUU.

Em relação especificamente à União Européia, o relatório Bangemann


apresenta um conjunto de recomendações referentes aos meios para se atingir os
objetivos da ‘sociedade da informação’. Essas recomendações referem-se à abertura, à
competição, das infra-estruturas e serviços sob monopólio; e à remoção das barreiras
políticas e não comerciais no que se refere aos operadores das telecomunicações.

O estabelecimento de uma autoridade no nível europeu é também uma


recomendação, a qual aponta para a necessidade de delegação formal de poder à
autoridade supranacional da União Européia. Por fim, quanto à constituição do ‘novo’
quadro regulatório, a recomendação básica é a interconexão das redes e
interoperabilidade de serviços e aplicações, sendo também destacados aspectos
associados à proteção da propriedade intelectual, da privacidade, à proteção eletrônica,
legal e de segurança e à própria política de competição.

Nesse sentido, as recomendações presentes no relatório Bangemann diferem


dos princípios formulados pelos EEUU pelo que vai ser colocado, posteriormente,
173

como contribuição específica da União Européia para a implantação da infra-estrutura


de informação, a saber, as considerações sociais, societais e culturais decorrentes da
implantação dessa infra-estrutura. Essas considerações vão estar presentes nas
conclusões da conferência do G7 em Bruxelas, em 1995, incorporadas, à guisa de
‘princípios secundários’, como recomendações. Esses princípios são: o serviço
universal, a igualdade de oportunidades e a diversidade de conteúdos, os quais, como
colocado anteriormente, vão demandar a alocação discricionária de recursos públicos
e, portanto, a disputa pelos mesmos.

É importante chamar atenção para o fato de que o foco, propriamente dito,


dessas recomendações é voltado principalmente para a constituição de massa crítica de
consumidores, sendo clara, mesmo nestes casos, a predominância das questões de
mercado.

Uma evidência do que estamos afirmando pode ser observada, no caso da União
Européia, em documentos destinados a discutir a vida social, a exemplo do “Green
Paper on living and working in the information society”, que vão priorizar os
interesses e a perspectiva das empresas. Testemunhando o abandono da dimensão
humanística da sociedade, os indivíduos são considerados, sobretudo, como força de
trabalho e consumidores. Dessa feita, a concepção de educação presente vai se
restringir, de forma praticamente exclusiva, à capacitação dos indivíduos para serem
consumidores de tecnologias e à formação de recursos produtivos133.

A World Telecommunications Development Conference, realizada em Buenos


Aires em 1994, foi um encontro importante para a disseminação dos princípios para a
infra-estrutura de informação, especificamente nos ‘países em desenvolvimento’.
Como já afirmado, a Declaração de Buenos Aires, documento final dessa conferência,
endossou os princípios preconizados pelos EEUU, ao reafirmar que o desenvolvimento
das telecomunicações deveria ser impulsionado pela liberalização, investimento
privado e competição, em circunstâncias apropriadas. Nesse mesmo documento, as
telecomunicações foram consideradas como componente essencial para o

133
A esse propósito veja-se Velzen (1997).
174

desenvolvimento econômico, social e cultural, tendo sido atribuído aos novos


desenvolvimentos das tecnologias de informação e comunicação o potencial de
“eliminar os hiatos de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento” (sic) (UIT-D, 1994a).

Como uma advertência a qualquer conduta recalcitrante por parte dos países
periféricos em relação a aderir aos princípios, afirma-se, ao mesmo tempo, que as
telecomunicações “poderão perpetuar – não intencionalmente” - esse hiato, se não
houver “uma abordagem integrada e estratégica para os desafios do desenvolvimento
das telecomunicações pelos governos, setor privado e organizações internacionais e
regionais” (sic) (UIT-D, 1994a).

Recomendava-se uma reestruturação do setor das telecomunicações que,


ademais de ser compatível com metas nacionais de desenvolvimento e a melhoria dos
serviços nas áreas mal servidas, deveria incluir um sistema de regulação que: 1- criasse
um ambiente estável e transparente para atrair o investimento; 2- facilitasse o acesso à
rede aos provedores de serviços, num quadro capaz de promover a competição e, ao
mesmo tempo, proteger a integridade das redes; 3- assegurasse a provisão de serviço
universal, atingindo o desenvolvimento rural e a promoção de inovação; 4- garantisse
os direitos dos usuários, operadores e investidores.

São, portanto, elementos dessa declaração, tanto as idéias da sociedade da


informação, ao se basear no determinismo tecnológico, que atribui às tecnologias o
poder de promover o desenvolvimento, como o pensamento único, quando se afirma
ser inexorável o caminho apontado pelos países centrais, ou seja: se tudo funcionar
bem é porque o mercado atuou ‘livremente’; senão, é porque os governos agiram de
forma não apropriada.

Os meios apontados para a viabilização dos princípios firmados pelo G7


envolvem, como atribuição governamental, ações como a promoção da
interconectividade e interoperabilidade; o desenvolvimento de mercados globais para
as redes, serviços e aplicações; a garantia de privacidade e segurança dos dados; a
proteção dos direitos intelectuais de propriedade; a cooperação em P&D e no
175

desenvolvimento de novas aplicações; e o monitoramento das implicações sociais e


societais da ‘sociedade da informação’.

Uma atribuição governamental considerada da maior importância é a promoção


da compreensão da ‘sociedade da informação’ como forma de promover a sua
disseminação. Isso se evidencia, por exemplo, em preocupações como a de dar
visibilidade aos efeitos da ‘sociedade da informação’ sobre a qualidade de vida e de
formar uma opinião pública favorável à ‘sociedade da informação’ global.

Como questões a serem tratadas no âmbito internacional, presentes tanto na


Declaração de Buenos Aires, como no documento de conclusão da conferência do G7,
estão as capacidades técnicas da ‘rede de redes’ (interconectividade,
interoperabilidade, acesso aberto), o compromisso com o ‘direito’ de provimento de
serviços de rede (competição aberta, competição dinâmica), as garantias de redes de
serviços (serviço universal, igualdade de oportunidades), o financiamento para o
desenvolvimento da rede (estímulo ao investimento privado) e a própria regulação dos
vários aspectos relacionados com o desenvolvimento e uso dessa infra-estrutura
(ambiente de regulação flexível, quadro regulatório adaptável) (BORGMAN, 2000).

Como essa autora chama atenção, os documentos de Buenos Aires e de


Bruxelas

variam no que se refere ao tratamento dispensado aos conteúdos, na


medida em que há, nos princípios do G7, alguma preocupação em
promover a diversidade de conteúdo e em ofertar algumas proteções
gerais (privacidade, segurança dos dados, propriedade intelectual),
enquanto os princípios das telecomunicações [presentes na
Declaração de Buenos Aires] sequer mencionam o conteúdo,
remetendo apenas para o desenvolvimento e regulação dos canais de
comunicação (BORGMAN, 2000, p.17).

Concluindo, cabe colocar que a UIT e o G7 foram instâncias por intermédio de


cujas conferências os princípios norteadores da ‘sociedade da informação’ propostos
pelos EEUU e as recomendações preconizadas pela União Européia foram sintetizados
e passaram a ser disseminados. Nesse sentido, tais instâncias podem ser
176

compreendidas como parte do regime internacional de comunicação e informação ao


qual nos referimos no início deste capítulo. Como se evidencia no relatório da OCDE
(1996), esses princípios irão servir de referência para os projetos de ‘sociedade da
informação’ de seus países membros. Igualmente, os mesmos irão orientar projetos
nos países ‘em desenvolvimento’, até mesmo porque esses países são indicados como
alvos dos projetos piloto definidos em 1995, na conferência do G7 em Bruxelas.

Na próxima seção examinaremos aspectos desses princípios que evidenciam a


centralidade dos interesses de mercado nas iniciativas propostas.

4.2 A ‘Sociedade da Informação’ e a ‘mercadorização’ da sociedade

O tripé conformado pelos princípios de liberalização/privatização, quadro


regulatório comum e cooperação internacional constitui a base para a construção da
‘sociedade da informação’. Por sua vez, o perfil de funcionamento da economia é
definido com base na liberalização, na privatização das redes de telecomunicações e
no reconhecimento da competência de instâncias internacionais para fixar as regras e
normas do quadro regulatório que irá restringir o escopo e as liberdades das políticas
nacionais.

Como vimos afirmando, os documentos relativos às iniciativas para a


‘sociedade da informação’/’infra-estrutura de informação’ revelam um discurso que
coloca o mercado e a iniciativa privada como as ‘forças motrizes’ das iniciativas. A
justificativa para que essas iniciativas sejam ‘conduzidas’ pelo mercado tem como
fundamento a crença liberal na competição como mecanismo capaz de promover o
desenvolvimento e a redução dos preços dos bens e serviços, em particular, daqueles
associados às tecnologias de informação e comunicação. Entretanto, como veremos
adiante, o elenco de tarefas atribuídas ao setor governamental, tendo em vista criar as
condições para o mercado ‘funcionar’, permite considerar mais adequado afirmar que
177

as iniciativas de ‘sociedade da informação’ são dirigidas para o mercado134.


Entendemos que a ênfase na iniciativa privada como ‘organizadora’ da nova economia
presente no discurso neoliberal é melhor compreendida, no caso das iniciativas de
‘sociedade da informação’, no sentido de que se trata de iniciativas voltadas para
atender aos seus interesses, sendo por ela organizadas com esse objetivo. Isso fica
evidente na medida em que tais iniciativas encontram-se submetidas a um regime
internacional, o qual, como visto no segundo capítulo, expressa a centralidade dos
interesses do mercado e, em especial, das grandes corporações.

Entretanto as atribuições do setor público precisam ser justificadas em termos


de ‘bem comum’. Nesse sentido, um dos argumentos apontados para justificar a ação
governamental no desenvolvimento da infra-estrutura de informação é o que afirma
que a instalação de uma infra-estrutura de telecomunicações em um país resulta na
melhoria da sua economia como um todo. Larry Irving135, por exemplo, entende que o
avanço da ‘era da informação’ vai resultar na retirada de centenas de milhões de
pessoas da pobreza “porque as telecomunicações proporcionarão melhores condições
de vida aos mesmos” (GOLDSTEIN, 1996). A sua afirmativa, no entanto, não se faz
acompanhar de evidências que relacionem uma coisa à outra, o que nos permite
identificar nela um discurso característico do utopismo tecnológico, herdeiro, como
colocado por Mattelart (1994), da ideologia ‘revolução da comunicação’ como
indutora do desenvolvimento.

No que se refere às regras e normas que vão estabelecer o regime internacional,


as mesmas incluem não apenas o estabelecimento de padrões que permitam
conformidade tecnológica necessária ao desenvolvimento de redes abertas136, como,

134
Partindo das premissas do modelo de ‘mercado livre’, Schickele (1993) evidencia a internet
como um recurso que requer não apenas a intervenção do setor governamental, em especial
no que se refere a um nível de regulação, como, também, depende do investimento público
para que haja um adequado nível de produção e uso.
135
Membro do NTIA e coordenador do Comitê de Políticas de Telecomunicações da IITF, dos
EEUU.
136
Como colocado anteriormente, em termos de ‘capacidades técnicas’, essa conformidade
busca a conectividade das redes, a confiabilidade e autenticidade das transações e a garantia
de integridade dos dados que trafegam na rede.
178

também, a fixação de regras comerciais e legais afim de tornar viáveis as transações


baseadas nessa infra-estrutura. O quadro regulatório é ponto chave para essa dimensão
global da ‘sociedade da informação’. Sua discussão inclui questões relativas à proteção
dos direitos de propriedade intelectual, privacidade, proteção eletrônica dos dados,
segurança das redes, proteção dos consumidores e proteção legal dos usuários. No que
tange aos aspectos comerciais, incluem-se também a tarifação dos serviços, o regime
de jurisdição e, no que se refere às questões legais, as leis trabalhistas.

Quanto à importância das recomendações presentes no documento de conclusão


da conferência do G7 no papel de promoverem a geração de massa crítica de consumo,
a capacitação para o uso, a qualificação para o trabalho, as proposições relacionadas
com a coesão social, a universalização dos serviços, a inclusão digital, a oferta de
conteúdos e o uso cívico da infra-estrutura de informação são exemplos de proposições
que, ademais do papel de justificarem, ideologicamente, as iniciativas, vão significar a
geração de consumidores, a ampliação da massa de consumo e a expansão da infra-
estrutura de informação.

A eliminação das estruturas reguladoras ‘tornadas obsoletas’ frente às


mudanças na ordem comercial promovidas pelas novas tecnologias é parte da
atribuição governamental de ‘promover a sociedade da informação’. A eliminação
dessas estruturas é precondição para a vigência do regime internacional para os
sistemas de telecomunicações e é apontada, inúmeras vezes, como pré-requisito para o
desenvolvimento econômico nacional (sic) (G7, 1995; KENNARD, 1999).

A G7 Information Society Conference, realizada em Bruxelas em


fevereiro/1995, foi o fórum no qual se ‘harmonizaram’ os princípios propostos pelos
EEUU para a infra-estrutura global de informação com as recomendações apontadas
pela União Européia relativas aos aspectos sociais, societais e culturais da implantação
dessa infra-estrutura. Nesse sentido, essa conferência é considerada como um marco
fundamental do regime internacional de comunicação e informação. Nesse evento,
foram estabelecidos os princípios comuns para orientar as estratégias nacionais e
programas de ação, sobretudo das nações líderes, permitindo que autores como
179

Abramson e Raboy (1999) destaquem esse encontro como o ponto de interseção entre
as governanças ‘dos mercados’ e ‘das tecnologias’, afirmando que “o modelo de ação
do Estado elaborado em Bruxelas foi parte integrante do projeto de governança em
curso, o qual transborda os limites do Estado, embora este desempenhe nele um papel
chave” (nota 14, p. 781, tradução livre).

Com a instauração do regime internacional de comunicação e informação, os


estados nacionais, subordinando-se aos interesses do mercado internacionalizado,
passaram a exercer o papel de ‘facilitadores’ da implementação das decisões tomadas
no âmbito internacional. Segundo Abramson e Raboy (1999), a conferência de
Bruxelas serviu, inclusive, para demarcar a mudança no significado de ‘representação
do interesse público’, o qual passou, então, a significar ‘representação de
consumidores’. Essa mudança está associada à mudança do centro de gravidade da
sociedade à qual se refere Mattelart (1994), que aponta a ‘empresa’ e a ‘liberdade de
empreender’ como elementos do novo centro de gravidade. Embora não se referindo
ao evento em pauta, Canclini (1999) destaca que a centralidade dos interesses
relacionados com o mercado significou a passagem do cidadão, “como representante
de uma opinião pública”, ao cidadão “interessado em desfrutar de uma certa qualidade
de vida”. Esse autor considera que o mercado teria desacreditado a política, ao se
apresentar “como mais eficaz para organizar as sociedades, mas, também, devorando-
a, submetendo a política às regras do comércio e da publicidade, do espetáculo e da
corrupção” (p.44). Como ele mesmo coloca, essa possibilidade de “acesso simultâneo
aos bens materiais e simbólicos [viabilizada pelas novas tecnologias de comunicação]
não é concomitante com o exercício global e pleno de cidadania” (p.54), de sorte que,
nos locais onde essa globalização neoliberal tem como resultado das desigualdades
que gera, a privação dos direitos básicos ao trabalho, saúde, educação e moradia, “as
novidades modernas aparecem para a maioria apenas como objetos de consumo, e,
para muitos, apenas como espetáculo. O direito de ser cidadão, ou seja, de decidir
como são produzidos, distribuídos e utilizados esses bens, se restringe (...) às elites”
(p.54).
180

Essas mudanças vão se expressar, no caso em pauta, nas ações voltadas para a
geração do consumo e de consumidores e sua associação à melhoria da qualidade de
vida, o que é o tema da próxima seção.

4.3 Infra-estrutura de informação e consumo

Como colocado no segundo capítulo, o advento dos regimes internacionais de


governança requer instâncias internacionais nas quais possa ser feita a ‘harmonização’
dos diversos interesses.

Especificamente no que se refere à constituição da ‘sociedade da informação’


global, a premissa nesse sentido era a de que os governos, negócios, comunidades e
indivíduos pudessem cooperar para unir as redes de telecomunicação e de
computadores numa vasta constelação, capaz de transportar sinais digitais e analógicos
para apoiar toda aplicação de informação e comunicação concebível (SCHICKELE,
1993). Tal premissa vai justificar que instâncias internacionais sejam investidas das
atribuições de coordenar o desenvolvimento da infra-estrutura de informação global,
adotando-se um enfoque de privilegiar os interesses do mercado mundial. Isso vai
demandar procedimentos tais como a eliminação dos monopólios estatais existentes no
setor de telecomunicações, o estabelecimento de um quadro regulatório comum aos
vários países e a capacitação para o consumo, com vistas a constituir consumidores
habilitados para os seus produtos e serviços relacionados com as tecnologias de
informação e comunicação.

O investimento público na infra-estrutura de informação e na habilitação das


pessoas para o uso das tecnologias é sustentado por argumentos que colocam o
provimento do acesso universal aos serviços de telecomunicações como alternativa
para evitar o ‘fosso’ digital, que separa a sociedade entre os que podem e os que não
podem usar as novas ferramentas de informação. A despeito de serem justificadas a
partir desse ‘direito de acesso’, as ações voltadas para essa ‘universalização do acesso
estão vinculadas à ampliação quantitativa e espacial da infra-estrutura de informação e
de seus consumidores. Elas envolvem a ampliação da capilaridade das redes e a
181

geração de demanda de serviços de redes, inclusive das redes de alta velocidade, mas
não envolvem questões de acesso aos conteúdos, já que não levam em conta questões
relacionadas aos usuários – entre outras, a alfabetização formal, a ‘fluência’
linguística, o idioma, as necessidades informacionais -, cuja consideração é
indispensával tendo em vista uma efetiva ‘universalização’ do acesso à informação por
mídia eletrônica.

A perspectiva de que o provimento desse ‘direito’ seja utilizado como


justificativa para induzir o consumo das tecnologias de informação e comunicação
encontra respaldo no fato de que a criação da massa de consumidores é afirmada,
sistematicamente, como um dos requisitos para a construção da ‘sociedade da
informação’, uma vez que sua infra-estrutura demanda um nível de consumo que
absorva a oferta existente e viabilize a sua inovação permanente. A capilarização das
redes que constituem essa infra-estrutura de informação, sua integração e
internacionalização são aspectos sempre apontados como necessidades imediatas, cuja
viabilidade demanda massa crítica de consumo. Ademais, a médio e longo prazos,
considera-se necessário gerar demanda capaz de promover a contínua inovação
tecnológica que, por sua vez, vai requerer a contínua constituição de massa crítica de
consumo. Uma vez que se reconhece, como é o caso da União Européia, que tal massa
crítica não irá ser constituída espontaneamente, torna-se preciso propor estratégias de
geração de consumo envolvendo, inclusive, a generalização do uso dessas tecnologias
pelo setor governamental.137

Por outro lado, a ‘universalização do acesso’ vai exigir investimentos em


equipamentos, ampliação da capacidade física da rede para comportar as novas
demandas e o desenvolvimento de software para elaboração das aplicações
necessárias. Isso significa dizer que, ao requerer o aumento da capacidade de conexão
das redes de comunicação e a qualificação de usuários e trabalhadores, essa
‘universalização’ é um processo duplamente gerador de demanda por tecnologias de
informação e comunicação. Por um lado, de demanda decorrente da própria

137
Sobre esse reconhecimento, veja-se Borgman (2000).
182

necessidade de ampliação da capacidade física da infra-estrutura de informação e, por


outro, de demanda decorrente da disponibilização dessa infra-estrutura a novos
públicos consumidores. Uma vez que se afirma que, deixada ao sabor do mercado, não
há como garantir essa ‘universalização’ do acesso, torna-se indispensável a
intervenção do poder público, tanto em relação à constituição de mecanismos de
financiamento como em termos de geração do consumo.

No que se refere à ‘centralidade das pessoas’, mencionada nas iniciativas da


União Européia e nos documentos do G7, a mesma está relacionada, principalmente,
com a organização da produção, dizendo respeito, de modo quase exclusivo, à
perspectiva da empresa. Nesse sentido, os temas tratados referem-se especialmente ao
emprego, ao ambiente de trabalho e ao conceito de firmas flexíveis. Até mesmo a
educação e o treinamento dos novos trabalhadores e dos trabalhadores carentes de
qualificação são enfatizados como condição de sobrevivência das empresas. O
processo de capacitação para o uso das tecnologias de informação e comunicação
torna-se, em si, um significativo gerador de consumo. Apresentada sob a forma de
‘aprendizagem à distância’ (‘e-learning’), tal capacitação pode ser vista como o
atendimento do duplo objetivo de capacitar, entendido como ‘investimento no futuro’,
e de gerar o consumo de tecnologias. Nesse sentido, o direito à educação transforma-se
em direito a um ‘treinamento continuado’, o qual, por sua vez, enseja o consumo das
tecnologias de informação e comunicação e de suas permanentes inovações.

Por sua vez, a menção a um novo quadro regulatório das relações de trabalho
para lidar com os impactos advindos das tecnologias de informação e comunicação,
bem como a importância dada à gestão do processo de transformação dos postos de
trabalho são discutidos, igualmente, do ponto de vista da sobrevivência das empresas.

A preparação dos indivíduos como recurso produtivo é considerada necessária,


na medida em que as mudanças nas organizações e no trabalho resultarão na redução
dos postos e da jornada de trabalho, ensejando outra distribuição entre tempo de
trabalho e tempo de vida, até mesmo porque a infra-estrutura de informação vai
possibilitar o trabalho realizado no local de moradia. O advento do trabalho à
183

distância, do teletrabalho, do trabalho no próprio local de moradia, além de significar a


modificação das relações de trabalho, contribui para enfraquecer a organização dos
trabalhadores, eliminar as fronteiras entre o espaço de vida e o espaço de produção,
colocando novas questões em relação à regulamentação da relação entre trabalho e
capital.

Por sua vez, a inovação permanente no que se refere às tecnologias de


informação e comunicação é colocada como fato gerador da necessidade de uma
‘concepção dinâmica’ do que sejam os serviços básicos de telecomunicações e as
aplicações necessárias ao acesso universal a eles. Essa perspectiva, que aponta para a
permanente incorporação de novos itens ao escopo do acesso universal, reforça o
nosso argumento de que essa ‘universalização’ constitua, sobretudo, uma estratégia
para viabilização do contínuo desenvolvimento da infra-estrutura de informação.

Essas iniciativas enfatizam a constituição de consumidores, o que nos permite


afirmar que as diretrizes de ampliação do acesso, da promoção de igualdade de
oportunidades e da diversidade de conteúdos vão se colocar como ‘direito’ a ser
provido pelo Estado, na linha do aprofundamento de relações sociais mercantis na
sociedade e, portanto, por um Estado condicionado pela ideologia neoliberal. Por sua
vez, a apresentação de argumentos relacionados com a inclusão digital, com a
ampliação da participação política e com a construção da imagem de uma ‘sociedade
da informação’ capaz de melhorar a qualidade de vida e de contribuir para a redução
das disparidades sociais, como argumentos justificadores, cumpre o papel de ocultar os
objetivos preferenciais das iniciativas, a saber, a promoção da expansão e da inovação
permanentes da infra-estrutura de informação, como base tecnológica para um
mercado de amplitude mundial, livre dos óbices das fronteiras nacionais.

O exposto nos permite entender as iniciativas fundamentadas no direito de


acesso às tecnologias de informação e comunicação, na necessidade de promover a
capacitação dos usuários e trabalhadores para o uso dessas tecnologias, e no
provimento eletrônico de serviços públicos (o ‘governo eletrônico’) como estratégias
184

para promover a ampla utilização da infra-estrutura de informação e o consumo de


bens e serviços a ela relacionados.

Na efetivação dessas iniciativas, os governos passam a responder diretamente


pela constituição da massa de consumo e pela indução ao mesmo. Além disso, diversas
outras atribuições lhe são impostas, tendo em vista atender às demandas para a
viabilização da plataforma tecnológica da ‘economia da informação’. A discussão das
atribuições governamentais é o tema da próxima seção.

4.4 O ‘novo’ papel do setor público: a ‘Sociedade da Informação’ e o


Estado

As iniciativas de construção da ‘sociedade da informação’ estudadas


evidenciam um Estado cuja presença não se restringe à sua autoridade para impor as
regras e as normas do quadro regulatório estabelecido em instâncias internacionais, ou
a tarefa de eliminar as ‘barreiras não econômicas’ do mercado das tecnologias de
informação e comunicação, em especial no setor das telecomunicações. Como visto,
cabem, também, ao setor público a incumbência de constituir o consumidor e, ainda,
as atribuições de promover e liderar a disseminação da ‘sociedade da informação’.

Assim sendo, constam como atribuições dos governos, no documento de


conclusão da G7 Information Society Conference, que os mesmos devem “facilitar as
iniciativas privadas e os investimentos e assegurar um quadro apropriado para
estimular o investimento privado e o uso em benefício de todos os cidadãos”. Além
disso, precisam criar um ‘ambiente internacional favorável’, através da cooperação
com organizações internacionais como a OMC, UIT, OMPI, ISO e OCDE (G7, 1995,
p.1), evidenciando a prioridade dos interesses internacionais sobre os nacionais e o
reconhecimento de um regime internacional de comunicação e informação.

A fim de promover o consumo e constituir o consumidor, são atribuídas aos


governos as tarefas de adotar iniciativas que estimulem a ‘cultura de computador’ nas
escolas e universidades e de financiar a P&D relacionada com as tecnologias de
informação e comunicação. Observe-se que não se trata mais, como no caso do Estado
185

do bem-estar, de o mesmo atuar no sentido de promover a produção econômica –


pública ou privada – nem de gerar e, eventualmente, distribuir renda, mas,
exclusivamente, de gerar demanda e consumo, neste caso, sem qualquer
comprometimento com a geração de emprego ou renda.

Ademais, pelas dimensões do seu próprio consumo, o setor governamental é um


consumidor capaz, não apenas de, por si só, constituir expressiva massa de consumo,
como também de induzir outros agentes ao consumo das tecnologias de informação e
comunicação. Por outro lado, em circunstâncias nas quais não seja do interesse do
mercado produzir, cabe ao setor público zelar pelo provimento da necessária infra-
estrutura de informação, fomentando o consumo de bens e serviços de informação e
comunicação e, ao mesmo tempo, financiando ou realizando os investimentos e o
custeio dessa infra-estrutura sub utilizada.

Portanto, ao mesmo tempo em que a ‘sociedade da informação’ é confirmada


como uma ‘revolução dirigida pelo mercado’, atribui-se ao setor governamental o
papel de ‘condutor’ dessa sociedade: “Seu exemplo como consumidor de vanguarda
vai convencer os cidadãos e empresários a adotarem estas tecnologias e levará as
indústrias de tecnologia de informação e comunicação a explorarem novas
alternativas” (HUBER 1998, p.3).

O Estado passa a ter a função de promover uma ‘sociedade da informação’ para


dinamizar o mercado. Apenas subsidiariamente, essas tarefas chegam a atender a um
‘interesse público’ diverso do estabelecido pelo mercado. Mesmo a publicidade da
informação do setor público e a importância atribuída ao governo eletrônico138 e à
universalização do acesso eletrônico139, como argumentos que se apóiam nas

138
É interessante observar que, entre as iniciativas para a disseminação das ‘idéias da sociedade
da informação’ como projetos governamentais, diversas instituições dos países centrais ou
de organizações internacionais estão enfocando o tema do governo eletrônico. Entre outros,
podemos mencionar Papapavlou (2000), Ferguson (2000), Bellamy e Taylor (1998),
CLADES (1999), Baron et. al. (2002).
139
Uma universalização do acesso que permitiu o anúncio , em 1999, de um website do governo
federal dos EEUU (usgovsearch.com) com ligações para centenas de websites da
administração pública desse país, ao preço mensal de US$ 30. Conforme chama atenção
Cornella (1999), “tratava-se do primeiro caso importante de um sistema pago de informação
186

potencialidades das tecnologias de informação e comunicação para a promoção do


aumento da ‘transparência’ e da democracia140, são, acima de tudo, argumentos para
justificar que o Estado desempenhe o papel de ‘promotor’ dessa ‘sociedade da
informação’.

Da mesma forma, tarefas como as de proporcionar ‘capacitação tecnológica’ e


de promover a utilização compulsória das tecnologias de informação e comunicação,
como no caso do governo eletrônico, são também fontes de geração de consumo.

Como estratégia de disseminação das tecnologias de informação e


comunicação, o governo eletrônico demanda a expansão da rede, para a viabilização
das formas eletrônicas de interação com a administração pública. Além de fortalecer as
redes existentes, sua implementação resulta na criação de novas redes e aplicações,
movimentando, com isso, o mercado de tecnologias de informação e comunicação.

Outra atribuição destacada para o setor governamental é a de viabilizar a


inovação permanente, que é estratégica para a sustentação da ‘sociedade da
informação’. Até mesmo para justificar a participação do setor governamental, as
propostas nesse sentido envolvem, via de regra, o desenvolvimento de sistemas e
serviços para o cidadão (legitimação e uso da infra-estrutura); os estudos sobre novos
métodos de trabalho e sobre o comércio eletrônico (inovação sócio-econômica); os
conteúdos e ferramentas multimídia (utilização da infra-estrutura existente); e,
necessariamente, as tecnologias essenciais à infra-estrutura (inovação tecnológica).

Entendemos, portanto, que, nesse processo, os interesses da esfera privada


adquirem prioridade, enquanto nas relações entre Estado e sociedade o cidadão cede
lugar para o consumidor. Isso nos permite considerar, inclusive, os argumentos de
natureza social, societal e cultural apresentados nas iniciativas como argumentos
coadjuvantes, com vistas a legitimar as atribuições do Estado, ocultando a

governamental. O fim do paradigma da informação gratuita na internet, determinado pelo


governo (...)”.
140
Discutimos o tema das tecnologias de informação e comunicação na promoção da
transparência e da democracia enfocando, em especial, a informação governamental em
187

predominância dos objetivos mercantis, que fundamentam a construção da infra-


estrutura de informação global.

Na condição de ‘facilitador do capital’, o governo assume os papeis de


estabelecer as regras e de governar a troca de informação, condicionado-se ao regime
internacional; no que se refere à geração de consumo, apresenta-se como usuário
modelo de tecnologias de informação e encoraja os outros a usá-las. Nesse caso, além
de promover a expansão da infra-estrutura de informação, destaca-se o papel de
‘usuário exemplar’, o que é importante para ‘convencer ou obrigar’ a adoção dessas
tecnologias pela sociedade.

Até este ponto do presente capítulo, enfatizamos a subordinação das iniciativas


rumo à ‘sociedade da informação’ aos interesses de mercado, destacando
particularmente os aspectos referentes ao regime internacional de comunicação e
informação e à constituição do consumidor e formação de massa de consumo.
Corroborando essa perspectiva, vamos constatar, ao longo da década de 1990, a
transição das concepções iniciais de ‘autopista de informação’, no sentido de
conformar uma ‘internet’ como síntese da convergência tecnológica nas áreas de
informação e comunicação, tornando-a, assim, uma mídia destinada, sobretudo, ao uso
de transações comerciais. Este é o tema da próxima seção.

4. 5 Da ‘autopista de informação’ à ‘internet’

Considerada inicialmente como ‘autopista de informação’, a infra-estrutura de


informação vai começar a convergir a partir da proposição, pelos EEUU, do conjunto
de princípios que viriam a orientar a constituição da infra-estrutura de informação em
âmbito global, os quais foram consubstanciados na “Agenda for Cooperation”
(BROWN et.al., 1995), incorporados na Declaração de Buenos Aires (UIT-D, 1994a)
e incluídos como parte dos ‘princípios norteadores’ estabelecidos nas conclusões da
“G7 Information Society Conference”, realizada em 1995.

(BEMFICA, 1996; BEMFICA, 1997a; BEMFICA, 1997b; CARDOSO; BEMFICA; REIS,


188

Ao final da década de 1990, essa infra-estrutura vai passar a ser nomeada como
‘internet’, referência que deixa de significar uma entre o conjunto das redes
componentes da infra-estrutura de informação, para passar a fazer referência à
‘tecnologia’ resultante da convergência tecnológica à qual nos referimos no parágrafo
anterior.

Podemos afirmar que, até 1998, grande parte dos esforços em relação à
estruturação da infra-estrutura de informação, base tecnológica à qual se associaria a
‘sociedade da informação’ mundial, estiveram voltados para transformar os sistemas
nacionais de telecomunicações existentes em uma rede global de telecomunicações de
propriedade privada, concomitantemente com a disseminação de uma tecnologia capaz
de fazer convergir os diversos sistemas de comunicação, a qual inclui a rede de
comunicação inteligente que se seguiu à desregulamentação dos sistemas de telefonia,
e as tecnologias a ela relacionadas, como as redes de televisão a cabo e por satélite
(BORGMAN, 2000).

Uma vez tratadas as questões centrais para a ‘mundialização’ da ‘rede de redes’,


em especial as questões regulatórias relacionadas com a sua propriedade, com a
regulamentação e padronização tecnológica, o foco passa a se dirigir para a internet, a
qual, em fins da década de 1990, vai se tornar a síntese dos projetos de ‘sociedade da
informação’, tendo como foco os requisitos para o ‘comércio eletrônico’. As
iniciativas passam a se concentrar na ampla disseminação dessa tecnologia, no
investimento em P&D para o seu avanço tecnológico e na promoção do seu consumo.

A liberalização do setor das telecomunicações e a convergência das tecnologias


viabilizariam o advento de uma ‘tecnologia internet’ e, ao mesmo tempo,
possibilitaram enfatizar seu aspecto comercial. No final da década de 1990, o termo
‘sociedade da informação’ tornou-se equivalente à progressiva e prioritária
viabilização, expansão e evolução da tecnologia internet, num contexto que
evidenciou, como prioridade, o desenvolvimento da mídia. Destarte, as questões
passaram a se concentrar, entre outras, em torno da privacidade na internet, segurança

2000a; CARDOSO; BEMFICA, 2001; BEMFICA, 2002).


189

de computadores, acesso de banda larga à internet, comércio eletrônico, gestão de


tecnologias de informação no governo.

Ao ser privilegiado, o uso comercial da internet resultou na concretização da


‘visão’ estadunidense de ‘infra-estrutura de informação’, cuja implementação visava a
viabilização de uma ‘economia’ na qual as transações se baseiam em fluxos
meramente informacionais.

A importância do encontro do G7 para a disseminação dos princípios que


possibilitaram essa convergência e, como apontado por Borgman (2000), para o
estabelecimento da colaboração internacional tendo em vista produzir uma visão
comum para a ‘sociedade da informação’ deve ser destacada. Essa conferência
possibilitou que esses princípios se tornassem diretrizes para as políticas nacionais
para o setor e por legitimar o argumento da‘cooperação’ como base para a construção
da infra-estrutura de informação global.

Ao longo da década estudada, identificamos a transição de uma perspectiva que


tinha nas ‘autopistas de informação’ como uma plataforma tecnológica de
comunicação a mais, para a consideração da ‘tecnologia internet’ como ‘a’ infra-
estrutura de informação para a qual estariam convergindo todos os sistemas de
comunicação e informação.

No caso da União Européia, essa mudança viria a se expressar no trânsito da


‘sociedade da informação’, como um projeto envolto em considerações de ordem
social, societal e cultural, para o projeto da Europa online, predominantemente voltado
para o uso comercial da internet. Nesse sentido, vale dizer que, entre 1993 e 2000, de
uma agenda para a ‘sociedade da informação’ que incluía a preocupação tanto com os
meios tecnológicos – redes, serviços e aplicações – como com os conteúdos
informacionais e com os impactos sociais, societais e culturais da generalização do uso
das novas tecnologias de informação e comunicação, transitou-se para um enfoque
voltado prioritariamente para colocar a Europa online. Especificamente a partir de
1996/1997, os documentos da União Européia passaram a enfatizar mais os aspectos
tecnológicos e a perspectiva comercial da ‘sociedade da informação’, que se tornou
190

hegemônica. Nesse mesmo movimento, o enfoque intra-União Européia, inicialmente


presente, foi deslocado para uma abordagem preocupada em consolidar o bloco
europeu no contexto econômico internacional. Também nesse período a internet foi se
evidenciando como ‘a’ tecnologia que viria a se constituir na infra-estrutura de
informação, na medida em que o processo de liberalização plena das telecomunicações
chegava a termo. As proposições para a ‘sociedade da informação’ passaram a enfocar
a melhoria do contexto de desenvolvimento da atividade comercial (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996c) e o desafio passou a ser o de “manter a Europa na vanguarda da
nova sociedade global da informação, e em rede, em benefício de todos os cidadãos
europeus” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996c). Posteriormente, em 1999, o “eEurope
2002: An Information Society for all – Action Plan” vai fazer referência à necessidade
de criar um quadro favorável ao comércio eletrônico na União Européia (COMISSÃO
EUROPÉIA, 2000a), apresentando uma estratégia para eliminar as principais barreiras
que impediam o desenvolvimento da internet na Europa (La SOCIEDAD..., 2001). É
um plano que trata exclusivamente da viabilização dessa tecnologia, tendo em vista
colocar a Europa online. Além disso, é um plano que vai ser defendido como
alternativa para o desenvolvimento de uma posição mais forte e pró ativa da União
Européia, em relação a fóruns como o G7, a OCDE e a OMC.

Nos EEUU, o debate político sobre a ‘infra-estrutura de informação’ passou a


enfocar estratégias que permitissem aumentar a vantagem competitiva desse país, bem
como ampliar o uso da internet. Este deixava de ser o uso acadêmico que a havia
caracterizado até meados da década de 1990, cedendo, cada vez mais, o lugar ao seu
uso comercial.141

Sintetizando, fixamo-nos, nesta seção, na questão da transição do que era a


‘autopista de informação’, antes da proposição, pelos EEUU, da agenda para a ‘infra-
estrutura de informação’ global, em princípios da década de 1990, para o advento da
‘tecnologia internet’, como plataforma tecnológica que suporta o conjunto dos meios

141
Conforme colocado por Afonso (2000), a internet generalizou-se particularmente a partir de
1994, quando teve início o uso comercial em grande escala do protocolo HTTP para a
montagem de sites WWW.
191

de comunicação e informação, entendendo esse trânsito como decorrente das


iniciativas que tiveram lugar ao longo da década. Ao serem pautadas pelos princípios
propostos pelos EEUU e pelas recomendações feitas pela União Européia, essas
iniciativas tanto possibilitaram a constituição do regime internacional de comunicação
e informação, em busca de viabilizar um mercado mundial livre dos obstáculos de
regulações nacionais, como orientaram a construção de uma infra-estrutura de
informação que, livre desses obstáculos, poderia constituir a plataforma tecnológica
mais adequada à atual fase do capitalismo, que se caracteriza pela hegemonia dos
setores cujas transações são baseadas em fluxos virtuais, a saber, financeiros e
informacionais.

Se, por um lado, a viabilização desse mercado mundial, cuja centralidade


caracteriza o projeto neoliberal, significou a constituição de um regime internacional
para a comunicação e informação, por outro, ele vai requerer que, nos âmbitos
nacionais, sejam constituídos os consumidores e a massa crítica de consumo para a
infra-estrutura de informação global. Isso requer que seja estabelecido, como papel do
Estado, o de promotor dessa ‘sociedade da informação’, com as tarefas de fazer valer
as diretrizes do regime internacional através de políticas públicas a elas conformado e
de constituir o consumidor e a massa de consumo, por intermédio de iniciativas de
capacitação para o uso dessas tecnologias, da ampla disseminação do uso da infra-
estrutura de informação, do investimento em P&D, e mesmo, do financiamento dessa
infra-estrutura.

Na próxima seção examinaremos alguns aspectos característicos do mercado


‘global’ presentes nas iniciativas de ‘sociedade da informação’, que nos permitem
afirmá-la como parte do projeto neoliberal de mercadorização da sociedade.

4.6 As iniciativas de ‘Sociedade da Informação’: elementos do projeto


neoliberal para o mercado ‘global’

A viabilização de um mercado livre de regulações nacionais está associada à


generalização dos valores mercantis, com o seu transbordamento para as demais
192

esferas e relações da sociedade. As relações mercantis estendem-se ao lazer, cultura,


educação e às próprias relações entre Estado e sociedade, sob a forma de relações entre
fornecedor e consumidor, tendo, como objetivo central, o consumo permanente e
crescente. Nesse processo, que entendemos como mercadorização da sociedade, as
relações de consumo adquirem centralidade e os interesses do mercado pautam as
iniciativas públicas. Na presente seção, destacamos quatro pontos relacionados com as
iniciativas de ‘sociedade da informação’ que consideramos como identificadores de
políticas públicas conformadas com o projeto neoliberal. São eles, 1- as tecnologias de
informação e comunicação como motores de transformação social; 2- a centralidade
do mercado; 3- a delegação de poder às instâncias internacionais; e 4- a redefinição do
papel do Estado.

4.6.1 A tecnologia como motor de mudanças: as idéias da sociedade da


informação da década de 1970

As iniciativas de ‘sociedade da informação’ e as agendas para a conformação da


infra-estrutura de informação fundamentaram-se nas idéias de sociedade da
informação formuladas na década de 1970, como se pode observar nos diversos
documentos, tanto dos EEUU como da União Européia.

Assim, a “Agenda for Action”, proposta para a construção da infra-estrutura de


informação dos EEUU, afirma a informação como “um dos recursos econômicos mais
críticos de uma nação, tanto para as indústrias de serviços como para as manufaturas;
tanto para a economia como para a segurança nacional” (UNITED STATES, 1993).

Essa ‘infra-estrutura de informação’, que é referida fora dos EEUU como


‘sociedade da informação’, é considerada como uma tecnologia capaz de modificar o
modo como as pessoas vivem, trabalham e interagem umas com as outras (UNITED
STATES, 1993; BANGEMANN, 1994; LEWIS; McCRACKEN, 1995) e mais, como
capaz de promover mudanças inclusive no que se refere a aspectos relacionados com a
vida cívica e com o interesse público.
193

Considera-se que o advento dessa infra-estrutura de informação modificará a


importância do fator distância em casos como as oportunidades de emprego142, o
acesso a escolas, professores e cursos, e, no caso da medicina, afirma-se que a
telemedicina, juntamente com um sistema de informações em saúde, vai resolver os
serviços de saúde. Afirma-se, ainda, que essa tecnologia poderá fortalecer a
democracia participativa (UNITED STATES, 1993; LEWIS; McCRACKEN, 1995;
BROWN et. al., 1995) desde que haja o “acesso igual e público à infra-estrutura de
informação, aos serviços de informação em rede e às habilidades requeridas”
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1996b). O desenvolvimento de uma infra-estrutura de
informação de dimensão pan-européia é visto como alternativa para a retomada do
crescimento econômico na União Européia (COMISSÃO EUROPÉIA, 2001) e como
o suporte para o desenvolvimento equilibrado das suas regiões (La SOCIEDAD...,
2001).

As tecnologias de informação e comunicação são também vistas como um


“fator de mudança nas relações entre Estado e o cidadão”, ao facilitarem a oferta de
serviços privados em substituição aos serviços públicos (COMISSÃO EUROPÉIA,
1993), podendo “pôr fim à exclusão social e às disparidades regionais” (COMISSÃO
EUROPÉIA, 1996a).

A ênfase na tecnologia como motor de mudanças fica ainda mais explícita


quando as aplicações, software, padrões e códigos para as redes são colocados,
juntamente com a informação propriamente dita, como os pilares para se viver na ‘era
da informação’ (UNITED STATES, 1993).

A expressão mais enfática das idéias da sociedade da informação da década de


1970 está na afirmação de que as tecnologias de informação e comunicação estão
promovendo uma ‘nova revolução’, tão significante e abrangente quanto a Revolução
Industrial, na medida em que adicionam “novas capacidades à inteligência humana”
(BANGEMANN, 1994). Afirma-se até mesmo que a ‘sociedade da informação’ irá

142
O teletrabalho, destacado como algo amplamente generalizável, é apontado como recurso
que poderá resolver problemas relacionados ao ‘welfare-to-work’, tais como o cuidado com
194

proporcionar aos países ‘em desenvolvimento’ o acesso ao ‘conhecimento humano’ e à


troca de informações e, com isso, possibilitar que “saltem estágios de
desenvolvimento” em relação às suas infra-estruturas (COMISSÃO EUROPÉIA,
1995c; G7, 1995).

Com base nesse argumento é que o G7 considera que os países em transição e


países periféricos devem ter a chance de participarem plenamente do processo, uma
vez que o mesmo seria uma oportunidade para estimular o desenvolvimento social e
econômico desses países (G7, 1995).

A ‘sociedade da informação’ global chega a ser descrita como “uma experiência


libertadora, que amplia as escolhas individuais, libera novas energias criadoras e
comerciais, oferece enriquecimento cultural e traz maior flexibilidade para a gestão do
tempo de trabalho e lazer” (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c), promovendo a melhoria
da qualidade de vida, estimulando o crescimento econômico, gerando emprego e
aumentando a eficiência econômica (COMISSÃO EUROPÉIA, 1995c; OCDE, 1996).

As telecomunicações, especificamente, são consideradas como um


“componente essencial para o desenvolvimento político, econômico, social e cultural”
(UIT-D, 1994a) e os novos desenvolvimentos tecnológicos nesse setor são tidos como
potencialmente capazes de “eliminar as diferenças entre os países desenvolvidos e os
países em desenvolvimento” (UIT-D, 1994a; UIT, 2002). Afirma-se que as
telecomunicações são um componente essencial para o “desenvolvimento político,
econômico, social e cultural” e que “desempenham um importante papel na redução da
pobreza, na proteção ambiental e na mitigação de desastres naturais e outros” (UIT-D,
2002).

Esses exemplos evidenciam a presença do discurso referido anteriormente


como ‘determinismo tecnológico’, destacando-se a sua consideração como ‘motor das
mudanças’ e a ausência de qualquer consideração acerca das origens sociais das
tecnologias. Na próxima subseção examinaremos os princípios norteadores da

as crianças e o transporte (UNITED STATES, 2000).


195

‘sociedade da informação’ como estratégias para colocar as políticas de comunicação e


informação a serviço da viabilização do mercado ‘global’ de comunicações.

4.6.2 Competitividade, liberalização e privatização: os elementos de uma infra-


estrutura de informação centrada no mercado

Como discutimos anteriormente, a liberalização/privatização, como forma de


viabilizar a competitividade, e o estabelecimento de um quadro regulatório, que
possibilitasse a convergência tecnológica e a integração comercial e legal, foram
considerados como princípios centrais para a constituição da infra-estrutura de
informação global. Sua adoção foi fundamentada em argumentos que tinham, como
premissa, a competição no mercado como mecanismo ótimo de alocação dos recursos.
Nesse sentido, a ‘sociedade da informação’ é considerada, na União Européia, como
um processo financiado pelo setor privado, cujas mudanças seriam dirigidas pelo e
para o mercado (BANGEMANN, 1994; COMISSÃO EUROPÉIA, 2001). Os
mecanismos de mercado são considerados como a força motriz para conduzir a União
Européia à ‘sociedade da informação’ (BANGEMANN, 1994; COMISSÃO
EUROPÉIA, 1994). Destaca-se a necessidade de promover a liberalização da infra-
estrutura do setor de telecomunicações143 e o estabelecimento de uma autoridade em
nível europeu, tendo em vista a constituição desse ‘ambiente competitivo’
(COMISSÃO EUROPÉIA, 1994).

Nos EEUU, a competição aberta e vigorosa e o investimento do setor privado


são declarados como ‘motores básicos’ para o estabelecimento da infra-estrutura de
informação. Essa afirmativa também é feita em relação à infra-estrutura necessária
para uma rede internet robusta (KENNARD, 1999).

A prioridade dos interesses comerciais na constituição da infra-estrutura de


informação global está expressa na “Agenda for Cooperation”: o interesse de
implementar a ‘rede mundial de redes’ objetiva criar um mercado de informação

143
A liberalização do setor de telecomunicações foi um requisito assumido como prioridade nos
países onde o mesmo era estatal.
196

global, que vai “encorajar um discurso social amplo com e entre todos os países”
(BROWN et.al., 1995). O interesse dos EEUU com relação a essa infra-estrutura
relaciona-se com o aumento da “demanda por bens e serviços de informação e
comunicação que poderiam decorrer a partir da demonstração dos benefícios dessas
tecnologias” (IITF, 1995).

A grande evidência da prioridade comercial da infra-estrutura de informação


proposta pelos EEUU decorre, a nosso ver, do fato de que, nesse país, as instâncias
incumbidas do seu desenvolvimento, a saber, a Information Infrastrucuture Task
Force (IITF), o National Institute of Standards and Technology (NIST) e a National
Telecommunications and Information Administration (NTIA), vinculam-se ao
Departamento de Comércio dos EEUU.

Ao contrário das afirmações de que os princípios de competitividade,


liberalização e privatização iriam aumentar a competição, o que se observou após a sua
adoção no setor de comunicação, foi a emergência de uma estrutura de mercado
caracterizada pela atuação dos grandes consórcios do setor dos meios de comunicação
e pelo alargamento de suas atividades clássicas para incorporarem a edição eletrônica e
os serviços de televisão digital (HEBER; FISCHER, 2000). Longe de ensejarem uma
reavaliação crítica das premissas adotadas, no entanto, esses resultados são justificados
com base no grande volume de investimentos necessários para se participar do
mercado de novos meios de comunicação. Chega-se mesmo a afirmar que as grandes
alianças que se formaram em escala mundial teriam decorrido de uma pressão
concorrencial (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996a).

Todavia, se observarmos os objetivos explicitados nos documentos dos EEUU,


como representante dos interesses de suas indústrias do setor, esse desdobramento não
deveria surpreender tanto. O modelo de ‘competição nos serviços de
telecomunicações’, cuja sistematização encontra-se em Kennard (1999), permite
perceber, como objetivos pretendidos com a defesa de princípios de mercado para a
infra-estrutura de informação global, a liberação dos mercados nacionais à
participação de empresas estrangeiras (no caso, estadunidenses) e a preparação de
197

mecanismos reguladores capazes de obrigar as concessionárias locais a


compartilharem o mercado, até então cativo, com as empresas ‘entrantes’ (no caso,
estadunidenses).

Na próxima seção trataremos da cooperação internacional como elemento


necessário para viabilizar a constituição do regime internacional de comunicação e
informação.

4.6.3 Cooperação internacional: a delegação de poder às instâncias


internacionais

O recurso à ‘cooperação internacional’ significou o reconhecimento de


organizações internacionais e transnacionais como instâncias capazes de assegurar a
adoção, pelos distintos países, de um quadro regulatório, se não único, que não
impedisse a constituição de uma infra-estrutura de informação livre de fronteiras.

Para os EEUU, a construção da ‘sociedade da informação’ era uma forma de


acelerar o desenvolvimento da infra-estrutura de informação mundial que lhe
interessava (GORE, 1996). A sua coordenação no nível internacional objetivava
conseguir que os serviços fossem prestados em nível global. Nesse sentido, caberia à
administração federal dos EEUU: 1- atuar em nome das firmas estadunidenses,
assegurando-lhes oportunidades de exportar bens e serviços relacionados com as
telecomunicações; e 2- eliminar barreiras decorrentes da incompatibilidade de padrões,
através da sua participação em comitês internacionais de padronização e do exame das
normas de comércio (UNITED STATES, 1993).

No caso da União Européia, considerava-se que o pré-requisito para a


emergência de novos setores dinâmicos na economia era o desenvolvimento de um
quadro regulatório comum em relação aos países membros, que permitisse constituir
um ‘mercado competitivo’ para os serviços de informação. Esse quadro regulatório
deveria ser a expressão do consenso quanto à propriedade intelectual, à privacidade e à
propriedade da mídia, sendo “capaz de mobilizar o capital privado necessário para a
inovação, crescimento e desenvolvimento” (BANGEMANN, 1994). Entendia-se que a
198

possibilidade de investimento de capital privado em novos serviços de


telecomunicações e infra-estrutura de informação dependia de se estabelecer um
quadro regulatório comum com regras relativas à interoperabilidade, ao acesso
recíproco e à tarifação (BANGEMANN, 1994; COMISSÃO EUROPÉIA, 1994).

Na sua dimensão global, as questões da ‘sociedade da informação’ relacionam-


se, sobretudo, com os seus aspectos comerciais. Destaca-se a necessidade de
intensificar o diálogo com os EEUU, de ampliar as discussões bilaterais com parceiros
como Canadá e Japão e de participar de discussões da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI)
(COMISSÃO EUROPÉIA, 2001).

A importância dos organismos internacionais e de ações envolvendo a


‘cooperação’ com países europeus não participantes da Comunidade, tais como os
países da Europa Central e do Leste, bem como com países periféricos, foi destacada,
tendo em vista a viabilização de uma ‘sociedade da informação’ global.

Os interesses dos EEUU na constituição da dimensão ‘global’ da infra-estrutura


de informação vão ser expressos em fóruns internacionais e viabilizados,
principalmente, em decorrência do seu peso nos processos decisórios de instâncias
como o GATT, GATS, UIT, OMC, OMPI, etc., e em fóruns como o G7 e a OCDE.

Nesses fóruns e instâncias, as propostas estadunidenses e os interesses a elas


inerentes encontraram suficiente ressonância para, em fins da década de 1990,
influenciar o discurso da União Européia, que vai se tornar o discurso da tecnologia
internet. Os princípios básicos para a infra-estrutura de informação defendidos,
inicialmente, pelos EEUU foram endossados, mantidos e priorizados, sendo difícil
negar a primazia dos interesses deste país.

Alguns elementos permitem afirmar que os interesses defendidos pelos EEUU


foram interesses convenientes às grandes corporações internacionais do setor. Um
deles pode ser encontrado na composição dos fóruns que se legitimaram como
instâncias com capacidade de propor diretrizes, nos quais esses princípios foram
apresentados. Desses fóruns participam representantes dos governos, da academia, de
199

organizações não governamentais e do setor privado, com uma composição que vai
acabar por pender a favor destes últimos.

A ‘harmonização’ dos interesses ‘internacionais’ no que se refere à infra-


estrutura de informação global expressa uma concordância dos países em delegarem
parte do seu poder decisório a essas instâncias. Essa delegação de poder, juntamente
com a centralidade dos interesses do mercado, vão ensejar novos papéis para o Estado,
tema que abordaremos na próxima seção.

4.6.4 Atribuições dos governos: a privatização do ‘público’

Como já colocamos, no elenco das atribuições do setor governamental


constantes das proposições estudadas, predominam as atividades relacionadas com a
promoção do mercado e do consumo. Essas atribuições, entretanto, vão variar
conforme sejam oriundas de documentos da União Européia ou dos EEUU, do G7 ou
da UIT.

No caso da União Européia, atribui-se à Comunidade e aos estados membros o


papel de sustentar o desenvolvimento da ‘sociedade da informação’, dando-lhe ímpeto
político e criando um quadro regulatório claro e estável em relação ao acesso ao
mercado, à compatibilidade entre redes, aos direitos de propriedade intelectual, à
proteção de dados e aos direitos autorais (COMISSÃO EUROPÉIA, 1994) .

Conforme os documentos dos EEUU, cabe aos governos empenharem-se em


promover o investimento do setor privado, ampliar o conceito de ‘serviço universal’ de
comunicações, atuar como agente catalisador na promoção da inovação e de novas
aplicações, promover a operação da infra-estrutura de informação pelo usuário,
garantir a segurança da informação e a confiabilidade da rede, incrementar a gestão do
espectro de radiofreqüência, proteger os direitos de propriedade intelectual, coordenar
a atuação com outros níveis de governo e com outras nações, prover o acesso à
informação do governo e melhorar as compras governamentais (UNITED STATES,
200

1993). Esses esforços visavam manter a liderança mundial e a competitividade dos


EEUU em relação às tecnologias de informação e comunicações.

Adicionalmente, o relatório do National Information Infrastructure Advisory


Council (NIIAC) dos EEUU destaca, como papéis do setor governamental: promover
o equilíbrio entre a proteção dos direitos autorais e de propriedade intelectual e as
necessidades dos usuários; definir estratégias nacionais para o desenvolvimento de
aplicações nas diversas áreas; maximizar a interconexão e interoperabilidade das
redes; e garantir a privacidade e segurança na rede. São também atribuições do
governo prover incentivos para a criação e disseminação de trabalhos na rede;
financiar pesquisas; estimular o desenvolvimento e uso da infra-estrutura de
informação através de compras eletrônicas de bens e serviços e da oferta eletrônica de
serviços governamentais ao público; realizar campanhas públicas de promoção do uso
da infra-estrutura de informação; estabelecer acordos internacionais que facilitem a
abertura de mercados e atuar no sentido de garantir o estabelecimento de padrões
globais (LEWIS; McCRACKEN, 1995).

Em relação direta com o atendimento aos interesses do mercado, reafirma-se


caber aos governos nacionais a eliminação das barreiras legais ou regulatórias (IITF,
1995; KENNARD, 1999) e promover mercados abertos e competitivos, através do
estabelecimento de sistemas reguladores independentes e, onde possível, viabilizando
um ambiente livre de regulação (KENNARD, 1999).

A análise das tarefas atribuídas ao setor governamental nos documentos


estudados permite avaliar o seu papel em relação ao que estamos considerando como
processo de privatização do espaço público. O QUADRO I – PAPEL DO SETOR PÚBLICO
apresenta a relação das atribuições do setor governamental relacionadas nos diversos
documentos analisados e agrupadas conforme se refiram às atividades de coordenação
das ações (CA), regulação (RE), de estímulo à competição (CO), de geração de
consumo de tecnologias de informação e comunicação (GC), de promoção e
disseminação da ‘sociedade da informação’ (PS), ou aos aspectos sociais, societais e
culturais da ‘sociedade da informação’ (AS).
201

Cabe considerar, em relação ao elenco de atribuições presentes nesse quadro,


que elas não esgotam, necessariamente, as tarefas demandadas do setor público. Essa é
uma relação de atribuições que foram explicitamente relacionadas ao setor
governamental. A quantificação aqui presente tem, portanto, valor ilustrativo e sua
inclusão objetivou caracterizar a diferença de perspectivas em relação à explicitação
do papel do setor público, conforme a origem e os destinatários das proposições.

Conforme se pode verificar, essas atribuições são bastante diversificadas. Além


disso, praticamente inexistem aquelas que, tal como formuladas, possam ser
associadas a mais de uma, dentre as seguintes origens: União Européia (UE), Estados
Unidos (EU), Grupo dos 7 (G7), ou se encontrem presentes no “Connecting the Globe
- A Regulator´s Guide to building a Global Information Community”144 (CG).

144
Por tratar-se de documento publicado pelos EEUU, e, especificamente, voltado para os
países periféricos - “em desenvolvimento”, nos termos de Kennard (1999) -, com o objetivo
exclusivamente voltado para a constituição dos agentes reguladores nestes países, optamos
por considerá-lo isoladamente.
202

QUADRO I - PAPEL DO SETOR PÚBLICO

Atribuição Ação UE EU G7 CG

Coordenar a atuação com outros níveis de governo e com outros países CA x


Impor novas regras do jogo, controlar sua implementação, lançar RE x
iniciativas do interesse público
Adotar medidas regulatórias e econômicas que promovam a infra- RE x
estrutura nacional de informação
Assegurar a segurança da informação e a confiabilidade da rede RE x
Garantir segurança e privacidade na rede RE x
Incrementar a gestão do espectro de radiofreqüência RE x
Proteger os direitos de propriedade intelectual RE x
Proteger os direitos dos consumidores RE x
Promover o equilíbrio entre a proteção dos direitos de propriedade RE x
intelectual e dos proprietários dos direitos autorais e as necessidades dos
usuários
Estabelecer sistemas reguladores independentes RE x
Prover quadro regulatório apropriado RE x
Assegurar o livre acesso à infra-estrutura de informação CO x
Extinguir monopólios CO x
Salvaguardar as forças competitivas CO x
Direcionar os esforços para promover o investimento privado CO x
Maximizar a interconexão e interoperabilidade CO x
Promover mercados abertos e competitivos CO x
Viabilizar, quando possível, um ambiente livre de regulação CO x
Assegurar a provisão de serviços universais GC x
Capacitar para uso das TICs GC x
Gerar demandas para que fornecedores europeus ocupem o mercado GC x
Gerar massa crítica de consumo GC x
Investir em infra-estrutura de informação nas regiões onde o setor privado GC x
não tem interesse de investir
Ser pioneiro no desenvolvimento de aplicações experimentais para efeito GC x
demonstrativo
203

Atribuição Ação UE EU G7 CG

Ampliar o conceito de serviço universal GC x


Catalisar a promoção e o uso interativo da infra-estrutura de informação GC x
Desenvolver programas governamentais de acesso aos serviços universais GC x
Dar assistência construtiva p/ que a indústria dos EEUU, os trabalhadores, GC x
academia e cidadãos desenvolvam, implementem e usem a infra-estrutura
de informação
Liderar os trabalhos de desenvolvimento de novos usos para a infra- GC x
estrutura de informação em áreas sociais: educação/aprendizagem
continuada, saúde e segurança pública
Estimular a infra-estrutura nacional de informação via compras GC x
governamentais
Melhorar as compras governamentais GC x
Prover o acesso à informação do governo GC x
Subsidiar o acesso à rede de telecomunicações às áreas/regiões GC x
deprimidas
Promover o uso inteligente das tecnologias de informação e comunicação GC x
para prover novos melhores serviços
Liderar a condução e promover a visibilidade das oportunidades rumo à PS x x
‘sociedade da informação’
Desenvolver atividades de aprendizagem e lazer, cultura e saúde AS x
Encontrar caminhos para transformar despesas com políticas de emprego x
passivas, em políticas ativas que preparem os trabalhadores para um
padrão de produção baseado no conhecimento AS

Salvaguardar a coesão da nova sociedade AS x


Atender e dar oportunidades às populações desfavorecidas AS x
Legenda:
Documentos: CTG – Connecting the Globe; EU – Estados Unidos; G7- Grupo dos 7; UE- União Européia
Ação relativa a : AS – aspectos sociais; CA – coordenação da atuação; CO- promoção de competição; GC- geração
de consumo PS-promoção da ‘sociedade da informação’; RE-regulação.

Considerando-se que as atribuições de promoção da competição (CO) e geração


de consumo (GC), que perfazem um total de 23 atribuições, estão diretamente
relacionadas ao atendimento de necessidades do mercado, podemos afirmar que 59%
das atribuições governamentais relativas à iniciativa da ‘sociedade da informação’
priorizam as necessidades do mercado. Por sua vez, em termos de geração e indução
do consumo, as atribuições de promoção dessa ‘sociedade da informação’ (PS) e
204

geração de consumo e consumidores (GC), num total de 17 atribuições, correspondem


a 44% das atividades. Por fim, do total de 38 atribuições identificadas, apenas 4 estão
relacionadas com aspectos sociais, estando as demais relacionadas com a viabilização
de interesses mercantis da ‘sociedade da informação’.

Por sua vez, o exame das atribuições em relação à origem da sua formulação
permite algumas considerações interessantes. No caso das atribuições relacionadas
com atividades regulatórias, observa-se que, de um total de 10 atribuições, sete
encontram-se em documentos dos EEUU145. No que se refere à geração de consumo
(GC), há um certo equilíbrio entre União Européia e EEUU, na medida em que, de um
total de 16 atribuições, 6 referem-se à União Européia (38%) e 8 aos EEUU (50%).

Nesse sentido, a análise das atribuições relacionadas à promoção da competição


evidencia a busca de constituição de um ‘mercado livre de fronteiras’ e aponta para
recomendações que, adotadas pelos estados nacionais e levadas às últimas
conseqüências, vão contribuir para o enfraquecimento da autoridade do Estado. São
atribuições que tendem a colocar as economias nacionais à mercê do mercado
‘mundial’, vale dizer, aos interesses das corporações internacionais com poder de
manifestação em instâncias internacionais onde são definidas as regras e normas a
serem adotadas pelas nações. Considerando-se que as atividades relacionadas com a
regulação, a promoção da competição e a geração de consumo estão diretamente
voltadas para o atendimento dos interesses de mercado, fica evidente a sua primazia.

Os resultados expõem também as atribuições do Estado, na tarefa de constituir


o consumidor e induzir ao consumo. É, portanto, difícil negar que o papel definido
para o setor público nas iniciativas não seja o de contribuir para o processo de
mercadorização da sociedade, ficando patente a sua subordinação aos interesses do
mercado e, portanto, ao setor privado.

DDD

145
Se considerarmos que o guia (CG) foi elaborado por este país para os países periféricos,
chega-se a 80% de atribuições de regulação formuladas pelos EEUU.
205

Ao final da década de 1990, constatou-se que o processo de ‘exclusão digital’


somava-se às formas pré-existentes de exclusão social. O ‘fosso’ digital e a brecha
estrutural estavam claramente relacionadas. Como conseqüência dessa constatação,
esse tema, mais conhecido como ‘digital divide’, foi incorporado à agenda
internacional.

Entretanto, esse não foi um ‘efeito inesperado’. Desde os primeiros textos


referentes à ‘sociedade da informação’ na União Européia, eram mencionados não
apenas os riscos de exclusão, como, também, os de aumento do isolamento dos
indivíduos, da intromissão na vida privada e da geração de problemas morais e éticos,
decorrentes da generalização do uso das tecnologias de informação e comunicação
(COMISSÃO EUROPEIA, 1993). Além disso, esse assunto começou a ser pesquisado
nos EEUU, pelo NTIA, desde 1995.

Como já deixamos explícito, ao final do terceiro capítulo, não somos otimistas


em relação aos resultados desse ‘modo neoliberal’ de promover a constituição da
‘sociedade da informação’ global. Apoiando-se no fetichismo das tecnologias de
informação e comunicação, em especial na sua versão como tecnologia internet, o
discurso da ‘revolução da informação’ oculta um projeto conservador que, ao
aprofundar a mercadorização da sociedade, contribui para tornar mais e mais remotas,
as possibilidades de um desenvolvimento econômico sustentado e efetivamente
comprometido com a constituição de uma sociedade mais igualitária e mais justa.

Caminhamos, portanto, para as conclusões deste trabalho, tendo à frente um


cenário mais sombrio que o poderiam desejar os otimistas. No entanto, não podemos
deixar de considerar as possibilidades de que, do seu desdobramento, possam resultar
estudos que contribuam para colocar luz sobre aspectos que, via de regra, encontram-
se ocultos nos discursos oficiais e, com isso, somarem-se aos esforços, que começam a
ser feitos, no sentido de evidenciar o caráter excludente dessas iniciativas.
206

5. CONCLUSÕES

O mundo se torna fluido, graças à informação, mas também ao


dinheiro. Todos os contextos se intrometem e se superpõem,
corporificando um contexto global, no qual as fronteiras se tornam
porosas para o dinheiro e para a informação. Além disso, o território
deixa de ter fronteiras rígidas, o que leva ao enfraquecimento e à
mudança de natureza dos Estados nacionais.

Milton Santos

Neste trabalho, procuramos demonstrar que as iniciativas para a constituição da


‘sociedade da informação’ inscrevem-se como parte do ‘pensamento único’
característico da ideologia neoliberal, com vistas à constituição da plataforma
tecnológica mais adequada à circulação e ao consumo, em um mercado cada vez mais
‘global e virtual’, cujas transações demandam operações em ‘tempo real’. Nesse
processo, os principais fluxos econômicos são virtualizados, as relações sociais são,
cada vez mais, relações típicas do mercado e predominam interesses ditos
internacionais, sobre os interesses nacionais, observando-se a emergência de regimes
internacionais de governança.

A privatização e a liberalização das telecomunicações e o estabelecimento de


um quadro regulatório flexível vão ser os elementos basilares para o estabelecimento
da ‘infra-estrutura de informação’ que constitui essa plataforma. Nesse sentido, as
iniciativas com vistas à construção da infra-estrutura de informação vão se caracterizar
por um escopo de ações que precisam ser articuladas pelo setor governamental e que
envolvem: 1- a privatização e a liberalização do setor das telecomunicações; 2- a
adoção de uma regulação e de uma normatização, estabelecidas em âmbito
internacional, que visem principalmente a conectividade global; 3- a aplicação de
recursos públicos em P&D, na área das tecnologias de informação e comunicação; 4- a
207

capacitação massiva de usuários dessas tecnologias; e 5- o provimento de serviços


públicos por meio eletrônico.

O liberalismo ortodoxo, que renasceu após a crise dos anos 1970 e que teve
como seus maiores expoentes os governos Ronald Reagan, nos EEUU, e Margaret
Thatcher, no Reino Unido, cedeu lugar, ainda na década de 1980, ao chamado
‘neoliberalismo’, cujo foco vai girar em torno de questões como a
‘regulação’/‘desregulação’ do mercado e o estabelecimento do perfil de agentes
reguladores, tendo em vista a manutenção da perspectiva privatista e globalizante
característica do pensamento que se tornara hegemônico. Idéias e práticas de
‘desregulamentação’ foram disseminadas ao longo dos anos 1980 e objetivaram
generalizar a crença de haver apenas uma forma de conduzir a economia dos países:
esta teria que estar orientada para o ‘mercado total’ e ser conduzida pela ‘concorrência
e competitividade’.

A progressiva centralidade do mercado vai ensejar a conformação de um


ambiente no qual a concepção de ‘bem comum’ vai sendo substituída por valores do
mercado, de sorte que referências como a ‘empresa’ e a ‘liberdade de empreender’ vão
se tornar o centro de gravidade da sociedade. A política passa a ser feita no mercado.

Nos termos postos por Canclini (1999) e reforçados nesta tese, assiste-se, a
partir de então, a uma política feita pelas empresas, especialmente pelas maiores, de
sorte que esse ‘mercado global’ só vai existir como ideologia. Para esse autor, as
macro empresas teriam constituído uma espécie de ‘sociedade civil mundial’ e, com
isso, remodelado o espaço público, subordinando a ordem social aos seus interesses
privados. Nesse contexto, a infra-estrutura de informação tornava-se a plataforma
tecnológica capaz de, ao mesmo tempo, constituir um ‘mercado sem fronteiras’ para
aquelas empresas e demonstrar a viabilidade de um ‘mercado global virtual’ nos
moldes preconizados pelo discurso neoliberal.

Como comentamos no segundo capítulo, a liderança dos EEUU vai ter, como
resultado, uma ‘globalização’ dominada por atividades baseadas nesse país
(KEOHANE; NYE, 2000, p.7), ensejando o denominado ‘poder brando’, vale dizer,
208

“a habilidade de fazer os outros desejarem o que os EEUU querem” (KEOHANE;


NYE, 2000). Neste estudo, esse ‘poder brando’ ficou evidenciado na medida em que
as principais diretrizes, ou princípios norteadores para a constituição da ‘sociedade da
informação’, embora endossados em fóruns internacionais como resultado da
‘harmonização’ de interesses, resultaram no atendimento de interesses daquele país, já
que não diferiram dos princípios formulados e propostos inicialmente pelos EEUU.

Nesse país, o foco das preocupações era a manutenção da sua hegemonia


econômica e tecnológica, bem como de suas empresas. Interessava, portanto, enfatizar
os aspectos da viabilização do modelo de economia que lhe fossem mais favoráveis e,
nesse sentido, as ações propostas nos fóruns internacionais foram direcionadas para os
requisitos de um ambiente econômico mundial benéfico às empresas estadunidenses.
Tratava-se, portanto, de uma política de apoio ao desenvolvimento tecnológico com
vistas a atingir metas econômicas e a atender o setor privado.

Importante destacar aqui que, nos termos colocados anteriormente no segundo


capítulo, já em 1983, a posição do Senado dos EEUU, relativa às linhas para a sua
política exterior no domínio da informática e das telecomunicações, era a de defender
o ‘livre fluxo da informação’ e a competição em um ‘mercado livre’, recomendando a
Washington que assegurasse “organizações internacionais eficazes, não políticas (sic),
capazes de desenvolver, administrar e estender as infra-estruturas e as redes de
telecomunicações internacionais, permitindo que o acesso a eles se faça sem qualquer
discriminação” (U.S. SENATE, apud MATTELART, 1994, p214/215). Como
colocado naquele capítulo, o documento alertava ainda que o governo dos EEUU não
poderia “tolerar a dissociação entre os problemas de ‘informação cultural’ e os da
extensão das redes de telecomunicações” (idem). Nesse sentido, os resultados da
privatização e da liberalização das telecomunicações, princípios preconizados nos
fóruns internacionais, foram inequívocos quanto a isso, como o evidenciam, entre
outros, as fusões entre empresas da indústria de mídia e do setor de telecomunicações.

Um dos resultados das discussões acerca da ‘regulação’/‘desregulação’ do


mercado e do estabelecimento do perfil dos agentes reguladores, na área de
209

comunicação e informação, foi a configuração, ao longo da década de 1990, de um


regime internacional que, seguindo as prescrições do discurso neoliberal, teve, como
pontos principais, a privatização/liberalização do setor das telecomunicações e o
estabelecimento de um quadro regulatório de abrangência internacional, que teve,
especialmente nos fóruns da UIT e do G7, seus loci de legitimação.

Como discutido no segundo capítulo, esses regimes internacionais estão


associados à internacionalização dos atores políticos e com o papel que organizações
internacionais e supranacionais passam a desempenhar, como fóruns para legitimação
de diretrizes que vão orientar a formulação das políticas nacionais. Por via da
concertação de interesses de agentes que dispõem de expressão mundial, esses fóruns
estabelecem as estratégias e diretrizes para as políticas nacionais, atuando como
mecanismos de ‘transformação’ de interesses particulares em interesses gerais e da sua
‘transferência’ aos demais atores. Esses procedimentos são encontrados nas iniciativas
de ‘sociedade da informação’ aqui estudadas, em relação às quais, a UIT e o G7 se
evidenciaram, como afirmamos acima, como as principais instâncias.

A orientação neoliberal das iniciativas para a ‘sociedade da informação’


encontra-se expressa, portanto, nos seus princípios norteadores e nos mecanismos
utilizados para disseminá-los. Como decorrência desses princípios, o mercado é
colocado como organizador da ‘nova’ economia e se atribui aos governos o papel de
promotores dessa sociedade. Considerada como tarefa para ser tratada em fóruns e
instâncias internacionais, a regulamentação da infra-estrutura de informação dessa
sociedade vai estar voltada à conectividade global dessa infra-estrutura e preocupada
em assegurar a confiabilidade e autenticidade das transações, garantir a integridade dos
dados que trafegam e estabelecer regras comerciais com vistas a que a mesma possa,
efetivamente, servir de plataforma tecnológica para a pretendida globalização
econômica.

Um outro elemento constitutivo da ‘globalização neoliberal’, presente nas


iniciativas estudadas, é, como foi observado por Santos (2001), o fato de que as
grandes corporações - as empresas cujos interesses são hegemônicos e, portanto, que
210

são os interesses que predominam no mercado - atuam no sentido de produzir o


consumidor, antes mesmo de produzirem seus produtos. A diferença, no caso, é que a
tarefa de constituição do consumidor é atribuída ao setor governamental, o que pode
ser entendido, inclusive, como uma ‘socialização’ das despesas promocionais.

A constituição da ‘sociedade da informação’ apresenta-se, portanto, como


reflexo e como elemento vital do processo de internacionalização interdependente da
economia. Os argumentos utilizados para situá-las como iniciativas indispensáveis, a
serem promovidas pelo Estado, têm sua origem nas ‘idéias de sociedade da
informação’. Como foi apontado no segundo capítulo, essas idéias consideram as
tecnologias de informação e comunicação como ‘motores’ de transformações. Além
disso, como herança do desenvolvimentismo das décadas 1950 e 1960, considera-se
que a adoção dessas tecnologias proporcionará aos países ‘menos desenvolvidos’
instrumentos para ‘queimar etapas’ do seu desenvolvimento. Como evidenciamos no
terceiro capítulo, as proposições estudadas utilizam-se, igualmente, de argumentos que
partem de premissas que consideram as tecnologias de informação e comunicação
como motores das mudanças sociais. Além disso, insiste-se em afirmar que não há
possibilidade de sobrevivência econômica para os países, se estes não adotarem essas
tecnologias como bases de sua plataforma tecnológica, e não promoverem, para isso,
uma ‘ampla abertura’ desses setores. Com isso, as telecomunicações e as novas
tecnologias computacionais são alçadas à categoria de ‘novos’ pré-requisitos do
desenvolvimento, segundo uma modalidade de ‘desenvolvimentismo neoliberal’, o que
vai justificar que os governos se comprometam, até mesmo, com a implementação da
infra-estrutura de informação, sob certas circunstâncias. O argumento utilizado é o de
que é necessário superar as defasagens existentes em relação, evidentemente, a um
processo de desenvolvimento apresentado como o ‘único’ possível.

Os planos de ação rumo à ‘sociedade da informação’ e as agendas para a


implementação da infra-estrutura de informação, analisados nesta tese, evidenciam,
portanto, a presença de um discurso caracterizado pelo determinismo tecnológico. Esse
discurso vai falar da ‘sociedade da informação’ como a inauguração de mudanças no
nível mais profundo da sociedade, como um processo capaz de transformar a fonte da
211

criação de riqueza e de modificar os fatores determinantes da produção. O recurso às


imagens que ligam a informatização à mudança social em grande escala, a partir da
premissa de que o desenvolvimento tecnológico é capaz de influenciar
significativamente a ordem social, é frequente, como se pode observar, por exemplo,
na consideração de FERNÁNDEZ-ABALLÍ (1999), ao afirmar que

...a introdução imediata na prática social destes novos produtos e


serviços está transformando acelerada e definitivamente a forma
segundo a qual as pessoas trabalham, vivem e se relacionam e,
portanto, vai modificar de forma permanente a educação, o
trabalho, o governo, os serviços públicos, o mercado, as formas
de participação cidadã, a organização da sociedade e as relações
humanas, entre outras coisas.

Por sua vez, abordagens como a utilizada pela OCDE, que se pautam por
concepções características da ‘economia da informação’, assumem o importante papel
de legitimar as iniciativas. Ao publicarem dados relativos ao crescimento,
principalmente das ocupações relacionadas com a criação e a manipulação de
informação e sua infra-estrutura de suporte, essas instituições proporcionam
argumentos para reiterar as iniciativas de ‘sociedade da informação’ como forma de
promover o desenvolvimento econômico.

No entanto, as premissas nas quais se apóiam as proposições de ‘sociedade da


informação’, e os que as defendem, têm sido alvo de questionamento, na medida em
que não consideram as relações de poder envolvidas, notadamente no relacionamento
entre países e, particularmente, entre países centrais e periféricos.

Contrapondo-se às mesmas, abordagens como as que Kumar (1997) e Harvey


(1994) apresentam, permitem uma compreensão crítica dos objetivos pretendidos com
as proposições e seus resultados.

Nos termos de Kumar (1997), longe de significar o advento de uma ‘nova’


sociedade, a pretendida aceleração no suprimento e uso de bens de informação vai
prover as sociedades industriais de meios para fazer mais, e em maior extensão, do que
212

já se vinha fazendo, sem alterar os princípios fundamentais do capitalismo. Os


imperativos de lucro, poder e controle continuam sendo tão predominantes como
sempre foram na história do industrialismo capitalista. No caso das iniciativas para a
‘sociedade da informação’, as diretrizes preconizadas estão claramente orientadas para
esses imperativos, como fica evidenciado, em especial, pela sua característica market
driven e, ao mesmo tempo, pelos papéis, atribuídos ao setor público, de 1- induzir e
fomentar o consumo de bens e serviços de informação e comunicação e 2- de prover a
infra-estrutura de informação, quando não for do interesse do mercado.

Entretanto, se, nos moldes neoliberais, a inovação e a constituição de ‘massa


crítica de consumo’ das tecnologias de informação e comunicação são pré-requisitos
para a viabilização da ‘sociedade da informação’, para que o mercado ‘global’ possa
ser alçado à categoria de ‘interesse comum’, é importante que o mesmo se apresente
como via através da qual essa ‘sociedade da informação’ possa ser um instrumento
capaz de promover a equalização de oportunidades e ampliação das possibilidades de
participação no governo.

A preocupação em acelerar o consumo é uma constante nos documentos


estudados, como ficou evidente no quarto capítulo. Essa preocupação ressalta a
necessidade de gerar um consumo capaz de absorver as inovações no campo das
tecnologias de informação e comunicação, o que corrobora a afirmativa de Harvey
(1994) acerca da necessidade de, na atual fase do capitalismo, se reduzir o tempo de
giro no consumo, para fazer frente à redução do tempo de giro na produção
proporcionada pelas inovações tecnológicas.

A necessidade de se constituir ‘massa crítica de consumo’ mostrou-se um


aspecto chave nas considerações dos ‘aspectos sociais, societais e culturais’. Não se
trata, no caso, de apenas induzir ao consumo mas, como Santos (2001) destacou, trata-
se de ‘produzir’ o consumidor. As proposições da União Européia deixam evidente
essa preocupação ao associarem a constituição dessa ‘massa crítica’ à capacitação de
usuários para uso das tecnologias, aí incluídos, particularmente, estudantes e
trabalhadores. Igualmente, as recomendações constantes das conclusões do encontro
213

do G7 em Bruxelas, em 1995, ao indicarem, como estratégia para a disseminação da


‘sociedade da informação’, projetos envolvendo a utilização das tecnologias de
informação e comunicação no sistema educacional, de saúde e no setor governamental,
refletem essa necessidade de promover o consumo e a generalização do uso das
tecnologias de informação, como forma de viabilizar a infra-estrutura de informação.

Entretanto, se, por um lado, as iniciativas propostas para promover a expansão


do consumo e a generalização do uso das tecnologias de informação e comunicação
vão ser fundamentadas em argumentos relacionados, entre outros, com o provimento
de ‘direitos universais’ e com a ampliação democrática, por outro, os princípios e
diretrizes que vão orientar as ações nesse sentido vão ser fixados em fóruns e
instâncias internacionais, cuja constituição nada tem de democrática e cuja orientação
é resultado da atuação das ‘forças’ de mercado, que pouco têm de universais, na
medida em que, por detrás das abstratas ‘forças’ de mercado, encontra-se o
atendimento de interesses de grupos econômicos específicos, alçados, por força da
ideologia neoliberal, à condição de atores políticos.

Por outro lado, como provimento de direito, o próprio imperativo da


‘universalização do acesso às telecomunicações’ é, necessariamente, contraditório com
o discurso de liberalização e ‘desregulamentação’ do mercado pertinentes ao
neoliberalismo, uma vez que tal provimento requer que sejam definidas regras
exteriores ao mercado. No entanto, essa universalização do acesso vai servir de
argumento para justificar a atuação do Estado - via implantação da infra-estrutura de
informação - em áreas nas quais, a despeito de serem relevantes para alguns fluxos
informacionais e financeiros, não interessa ao setor de telecomunicações investir.

Além disso, a própria vigência dos regimes internacionais, com suas


organizações, regras e normas, reflete a contradição presente no discurso neoliberal,
entre, de um lado, a legitimação da centralidade do mercado ‘livre’ como ‘interesse
comum’ e, de outro, a necessidade de se estabelecer uma autoridade capaz de se impor
a esse ‘livre’ mercado para regular a sua atuação.
214

Finalmente, a tarefa atribuída aos governos de promover um ‘ambiente


competitivo’ entre os integrantes da iniciativa privada e de, ao mesmo tempo, criar um
ambiente de ‘colaboração’ entre os governos nacionais e os organismos internacionais
revela uma outra situação paradoxal que opõe, de um lado, os requisitos para a
`realização da visão’ de uma ‘sociedade da informação’ global pautada pela
‘competição dinâmica’, e, de outro, os princípios para sua concretização, ou seja, a
necessidade de cooperação entre os países para o estabelecimento das condições dessa
competição.

Trata-se, portanto, mais de um esforço para estabelecer novas regras para um


jogo que se pretende ‘mundial’ - donde a necessidade da ‘cooperação’ para viabilizá-
las –, a partir das quais a disputa pelos espaços deve passar a ser feita – donde o
princípio da “competição dinâmica”(sic). Neste ponto é importante recuperar o foco
dos economistas políticos acerca das relações de poder existentes entre os países e que
são omitidas nas proposições ou na ‘agenda de cooperação’: entendemos que o peso
relativo dos países para representarem seus interesses nas instâncias internacionais
varia diretamente com a correlação de forças presente na geopolítica. Por via de
conseqüência, essa ‘cooperação’ à qual os documentos se referem soa mais como
necessidade de legitimar decisões cujos resultados, certamente, serão diferenciados
para cada um dos participantes.

No que se refere ao mercado, a sua centralidade vai fazer com que acabe sendo
considerado como viabilizador do ‘bem comum’. Por essa razão pode-se atribuir
prioridade à promoção do consumo, ainda que a mesma precise ser apresentada como
‘provimento de direito’, ‘democratização de informação’ e ‘transparência
administrativa’. Exemplo disso são os argumentos em favor de investimento público
na infra-estrutura em locais que não interessam ao setor privado, com base na
promoção da universalização do acesso. No entanto, os interesses mercantis acabam
ficando evidentes, na medida em que o discurso que defende iniciativas
governamentais nessa direção acaba por referir-se aos indivíduos como ‘usuários’ e,
muitas vezes, até como ‘consumidores’, mesmo nos casos de serviços proporcionados
215

pelo setor público, como no caso do ‘governo eletrônico’, em lugar de serem


considerados como pessoas e cidadãos.

Os regimes internacionais precisam ser ancorados pela autoridade dos estados


nacionais, para o que é necessário que sejam atribuídos novos papéis aos governos. Os
resultados encontrados neste trabalho corroboram as considerações de ABRAMSON e
RABOY (1999), ao afirmarem que a representação do interesse público passou a
significar a ‘representação de consumidores’ e que o Estado passou a exercer o papel
de ‘facilitador’ da implementação das decisões tomadas no âmbito internacional.
Nesse sentido, são apresentados como atribuições governamentais presentes nas
iniciativas de ‘sociedade da informação’, dentre outras: 1- a constituição de uma infra-
estrutura de informação orientada para promover a competição; 2- a formulação de
instrumentos regulatórios em conformidade com as diretrizes internacionais e,
portanto, pautados pelas necessidades da conectividade global e do comércio
eletrônico internacional; 3- a geração do consumo, com a promoção da aceleração da
demanda através de iniciativas tais como redes escolares e de saúde e governo
eletrônico; e 4- a constituição do consumidor por intermédio do provimento de
capacitação maciça para utilização das tecnologias.

Não há dúvida de que os papéis atribuídos ao Estado estão, sobretudo, voltados


ao atendimento de interesses mercantis, como demonstramos no quarto capítulo. O
setor governamental vai ser incumbido da tarefa de promover um capitalismo ‘sem
fronteiras’ que não exige mais a formação do ‘mercado consumidor’ a partir da
promoção de iniciativas para a geração de renda, mas a partir da ‘promoção do
consumo’ pela criação de situações de uso das tecnologias de informação e
comunicação, e da ‘constituição do consumidor’, através da capacitação de usuários e
do provimento de serviços com base nessas tecnologias. Como promotor da ‘sociedade
da informação’, cabem, portanto, ao Estado, as tarefas de regular, induzir, ou
disseminar essa sociedade e, até mesmo, de financiar sua infra-estrutura, quando não
houver interesse por parte do setor privado.
216

Esse papel do Estado, de atuar no sentido de atender interesses mercantis


inscreve a constituição da ‘sociedade da informação’ como parte do processo de
aprofundamento do ethos capitalista e, portanto, como contribuição para a
conformação de uma sociedade de ‘indivíduos’ consumidores, na qual o espaço do
‘público’ vai ser, cada vez mais, orientado por interesses privados, transformados em
interesse público.

A emergência das iniciativas para a ‘sociedade da informação’ ocorre, portanto,


paripassu com a aceleração do processo de incorporação de atividades, até então não
mercantis, ao mercado de bens e serviços, o que vai se dar, em especial, no âmbito do
‘lazer e da cultura’. A ênfase no trabalho online e no trabalho feito a partir das casas
dos trabalhadores (telecommuting), como parte das transformações decorrentes da
implantação da ‘sociedade da informação’, é encontrada em diversos documentos
analisados, confirmando a consideração de Kumar (1997) ao afirmar que, “do ponto de
vista da tecnologia da informação, distinções entre escritório e lar, entre trabalho e
ócio são, em grande parte, secundárias” (p.42).

A centralidade do mercado é também evidenciada pela ênfase na


internacionalização. Os princípios de privatização e liberalização das
telecomunicações, e a necessidade de estabelecimento de um quadro regulatório
comum visam, explicitamente, a constituição de um ambiente favorável a um mercado
‘global’, que é, na realidade, um mercado internacional interdependente, mas
assimétrico, no qual as grandes corporações do setor detém a hegemonia.

Por sua vez, entendemos que a inclusão dos países periféricos nesse mercado
‘global’ decorre, prioritariamente, de duas necessidades. A primeira delas é a
necessidade da completa viabilização dos fluxos transfronteiras por todo mundo, o que
requer uma infra-estrutura de informação capilarizada, não apenas nos países centrais
como, também, nos países periféricos. A segunda é a necessidade de tê-los como
consumidores de tecnologias de informação e comunicação. Para tanto, o fundamento
para a abertura de seus mercados apóia-se no discurso, tomado emprestado da
ideologia desenvolvimentista, que afirma que a promoção de um ‘salto tecnológico’ é,
217

por si só, capaz de promover o desenvolvimento da economia, aí incluída a melhor


distribuição da renda.

Esse discurso está presente nos documentos analisados, reforçando a idéia de


que as chances de se promover o desenvolvimento de um país depende de sua
integração à economia internacionalizada, por intermédio de ampla abertura ao
exterior. Outra assertiva sempre presente é a de que a generalização do uso das novas
tecnologias de informação e comunicação precisa ser produto da ‘livre atuação do
mercado’ para que tal desenvolvimento ocorra.

Após uma década, constatou-se que as diretrizes neoliberais presentes nas


iniciativas de ‘sociedade da informação’ não foram capazes de efetivar o modelo
competitivo de infra-estrutura nacional de informação que prognosticavam. A
‘competição dinâmica’ e a ‘liberalização’ das telecomunicações, preconizadas como
princípios para a infra-estrutura de informação, tiveram como resultado, não a
promoção da competição, mas a oligopolização do setor e, ainda mais, a penetração
desses oligopólios nos demais mercados de tecnologias de informação e comunicação
(HEBER; FISCHER, 2000). A fusão das corporações para aumentarem sua presença e
atingirem maiores fatias do mercado é um dos resultados concretos da política de
liberalização/privatização e regulação internacional da infra-estrutura de informação.

O corte conservador das iniciativas de ‘sociedade da informação’ fica evidente


pelos resultados da ampla disseminação da sua infra-estrutura ao longo da década de
1990. Observa-se o agravamento da subordinação internacional pré-existente e as
desigualdades sociais são ampliadas. Abre-se um novo hiato de informação entre
produtores e usuários da nova tecnologia e os seus ‘clientes passivos’, compradores e
consumidores, que são os cidadãos comuns, trabalhadores semi-especializados e países
periféricos, o que se expressa na constatação do ‘fosso digital’, questão que, pelas suas
dimensões, vai ser incluída na agenda internacional no final da década. Essas
evidências confirmam a nossa hipótese inicial, de serem as iniciativas para a
constituição da ‘sociedade da informação’, processos sobretudo relacionados com a
218

mercadorização da sociedade e com o aprofundamento da privatização do espaço


público.

Ao término do nosso trabalho, estamos convencidos de que as iniciativas para a


‘sociedade de informação’ visaram promover a instauração de uma plataforma
tecnológica mais adequada à atual fase do capitalismo, na qual as transações dos
setores onde se opera a maior agregação de valor, ou seja, os mercados, financeiro e de
informação, são transações que se dão, essencialmente, por meio de fluxos virtuais.
Nesse sentido, essa plataforma foi e está sendo orientada tendo em vista promover, ao
máximo, o estabelecimento de relações mercantis virtualizadas, que, com a explosão
da internet comercial após 1995, têm penetrado não apenas a esfera do trabalho e do
consumo, como, também, outros âmbitos, como o do lazer, da cultura, da vida
cotidiana e, mesmo, das relações entre sociedade e Estado, através do que tem sido
denominado de governo eletrônico.

DDD

Como desdobramentos de nossa argumentação para projetos de investigação


futuros, apontamos, entre outros, a análise dos impactos que a forma de regulação
instaurada, que submete os governos nacionais a instruções gerais definidas em
instâncias internacionais, tem sobre o desenvolvimento nacional, destacando, em
especial, o que se refere à apropriação da informação por grupos privados mais
poderosos que estados, e o controle, por grupos industriais, dos recursos multimídia e
das super autopistas de informação.

Um outro tema importante de investigação futura refere-se ao estudo


comparativo dos projetos nacionais de ‘sociedade da informação’, que proliferaram
após 1995. Essas iniciativas nacionais, até mesmo em países membros da União
Européia, foram posteriores ao encontro do G7 em Bruxelas, em 1995, o que sugere
ser importante investigar os impactos dos princípios e recomendações preconizados
naquela conferência sobre tais projetos.

Por fim, um tema que consideramos da maior relevância refere-se aos impactos
do advento dessa ‘sociedade da informação’ sobre a exacerbação da alienação, não
219

apenas do trabalhador, como também do ser humano. Nesse particular, o foco da


investigação seria voltado para a temática da educação, em especial, sob duas
perspectivas. Uma delas, que tem sido denominado de ‘educação à distância’. A outra,
referente à pesquisa e à formação de pesquisadores. Ambas são importantes, uma vez
que os documentos analisados apontaram, no que diz respeito à capacitação, para um
enfoque exclusivamente voltado para a transformação dos indivíduos em trabalhadores
potencialmente aptos para o uso e o consumo das novas tecnologias de informação e
comunicação.

Concluindo, diríamos que as tecnologias de informação e comunicação,


fetichizadas e colocadas na condição de ‘agentes de mudança’, serviram de
fundamento para as idéias de ‘sociedade da informação’, as quais, por sua vez, vão ser
utilizadas para fundamentar uma iniciativa de âmbito mundial, hegemonizada pelo
pensamento neoliberal, que está contribuindo para acelerar o processo de
transformação de tudo e de todos em um enorme e hierarquizado mercado, ao qual a
maioria das pessoas vai comparecer na condição de autômatos, para reproduzir um
sistema cada vez mais excludente.

Os países, em sua maioria, têm ‘optado’, por intermédio de seus governantes,


por reduzirem sua soberania em troca de se manterem como parte desse sistema de
mercado excludente. Via de regra, aceitam promover o rebaixamento dos interesses
nacionais e dos de suas populações, receando as conseqüências anunciadas àqueles que
ousem buscar uma saída alternativa, respaldados que são pelas minorias diretamente
beneficiadas. Nesse processo, reduzem-se os níveis de educação tendo em vista
produzirem-se, mais rapidamente, indivíduos habilitados para atenderem às
necessidades desse ‘mercado’. Com chances cada vez mais reduzidas de ampliarem
suas capacidades cognitivas, esses indivíduos vão aproximar-se, cada vez mais, dos
robôs implicitamente preconizados pelos utopistas tecnológicos.

É diante de um cenário como esse que consideramos importante conhecer, em


um nível maior de detalhes, as iniciativas de ‘sociedade da informação’. Acreditamos
que o desvendamento dos seus impactos políticos e econômicos pode contribuir para
220

que as potencialidades das tecnologias de informação deixem de estar subordinadas


aos interesses dos grandes capitais e de contribuir para a des-humanização dos
indivíduos e possam, por intermédio de projetos e planos governamentais, ser postas a
serviço do ser humano, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa,
fraterna e solidária.
221

6. REFERÊNCIAS

6.1 Documentos objeto de análise

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237

ANEXO
Instrumentos de coleta dos dados

DOCUMENTO ANALISADO
ITEM DESCRIÇÃO

País:
Título
Forma de acesso
Forma de apresentação
Local/Data publicação
Entidade responsável
Elaboração
Coordenador
Natureza da publicação:(*)
Finalidade
Abrangência geográfica:(**)
Validade (temporal)
Estruturação do documento
(*) Recomendação;Relatório; Plano de ação; Plano de Metas; Documento normativo;
Documento legal; Documento crítico.
(**) Global; Supranacional; Nacional Regional; Local.
238

ASPECTOS ANALISADOS NO DOCUMENTO


ITEM DESCRIÇÃO

País:
Título
Descrição (Conteúdo e enfoque
central)
Pressupostos (Bases conceituais
implícitas/explícitas)
Premissas
Temas tratados (amplitude e
abrangência)(*)
Diretrizes
Objetivos
Metas
Expectativas(**)
Riscos
Proposições
Recomendações
Atores sociais (papéis)(***)
Forma de financiamento(****)
Público alvo: (beneficiários)
Resultados
Resultados (forma de
mensuração)
Impactos (explicitados)
Responsabilidades dos atores
sociais
(*) Emprego, trabalho, empresas; Educação; Habilitação; Pesquisa e Desenvolvimento;
Infra estrutura; Conteúdos; Governo; Sociedade; Mercado produtor; Mercado
consumidor.
(**) Sociais; Políticas; Culturais; Econômicas
(***) Instâncias globais; Instâncias supre nacionais; Estados nacionais; Poder local;
Mercado global; Mercado nacional; Mercado local; Entidades da Sociedade CiviL.
(****) Fundos internacionais; Governo federal; Governo local; Fundos internacionais; Fundos
nacionais; Setor privado; Parcerias.

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