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Rita Margarida Toler Russo NEUROPSICOPEDAGOGIA » CLINICA Introdugao, \.« Conceitos, Teoria e Pratica SJURUA EDITORA PSICOLOGIA Editora da Jurua Psicologia: Ana Carolina de Carvalho Pacheco ISBN: 978-85-362-5263-6 = Brasil — Av. Munhoz da Rocha, 143 — Juvevé — Fone: (41) 4009-3900 JURU! Fax: (41) 3252-1311 ~ CEP: 80,030-475 — Curitiba ~ Parand ~ Brasil PITOPA europa —Rua General Tortes, 1.220 ~Lojas 15 ¢ 16 — Fone: (351) 223 710 600 — ‘Centro Comercial D’Ouro ~ 4400-096 — Vila Nova de Gaia/Porto — Portugal Editor: José Emani de Carvalho Pacheco R969n Russo, Rita Margarida Toler. Neuropsicopedagogia clinica : introdug4o, conceitos, teoria e pratica / Rita Margarida Toler Russo. — Curitiba: Jurua, 2015. 146p.; 22 cm. — 3° impressdo (ano 2020) Inclui bibliografia e indice. ISBN 978-85-362-5263-6 1. Neuropsicopedagogia clinica. 2. Neurociéncias — Educagiio. 3. Aprendizagem. 4. Distirbios da aprendiza- gem. 5. Avaliac&o neuropsicopedagégica. I. Titulo. CDD 37.013.82 CDU 370.15 (Bibliotecaria responsavel: Sabrina Leal Araujo — CRB 10/1507) Visite nossos sites na internet: www. juruapsicologia.com.br e www.editorialjurua.com e-mail: psicologia@jurua.com.br AGRADECIMENTOS Agradego ao Diretor-presidente do Grupo Educacional CEN- SUPEG e da Faculdade Sao Fidélis, representado pelo Msc. Sandro Albino Albano e Carlos Alexandre da Silva Rodrigues, Coordenador de Projetos Institucionais, por terem me escolhido para escrever este primeiro estudo sobre Neuropsicopedagogia Clinica. As colegas Aline Carolina Rausis, Secretaria Executiva da So- ciedade Brasileira de Neuropsicopedagogia - SBNPp e Patricia Cardoso, responsavel Administrativa da entidade, por todas as orientagdes de apro- vacdo e contatos no sentido da publicagao deste livro. Quero agradecer, ainda, a toda a equipe do Grupo Educacional CENSUPEG e Faculdade Sao Fidélis, em especial aos colegas Patricia Ferreira Thives Uzinski, Laiz Menegazzo, Angelita Fiille, Weliton Rodrigues, Andreia Schley, Denilson Luiz Uzinski e a equipe técnica e administrativa que auxiliaram no processo de publicacdio da obra. Também é necessario agradecer aos membros da SBNPp, inte- grantes dos Conselhos de Etica e do Técnico-profissional, pelas avaliagdes € por terem contribuido com sugestdes bastante precisas, em especial aos colegas: Fabricio Bruno Cardoso, Cristiano Pedroso, Joselma Gomes da Silva, Vera Lucia Mietto; e a Presidéncia através do Prof. Dr. Luiz Antonio Corréa, pelo respaldo e confianga a mim delegados. E, acima de tudo, quero agradecer ao meu esposo, Clovis Pires Russo, pelo companheirismo e compreensio durante minha auséncia do convivio semanal; ao meu filho Alexandre Toler Russo, por ter sido o primeiro a ler a obra completa e me ajudar a tornar os contetdos mais claros; ¢ aos meus outros dois filhos, Marcos Toler Russo e Adriana To- ler Russo, que sempre me incentivaram no percurso académico. APRESENTAGAO Com o crescimento da Neuropsicopedagogia no Brasil e tam- bém do reconhecimento da sua importancia e aplicabilidade em varios contextos, sentiu-se a necessidade de se lancar um livro inédito de Neu- topsicopedagogia Clinica. Esse livro abordar as bases tedricas e praticas para sustentagdo da formagao dos profissionais da Neuropsicopedagogia Clinica. Bases essas que sao: Neurociéncias e Educagio. O estudo das Neurociéncias ajudara o neuropsicopedagogo cli- nico a entender sobre a complexidade do funcionamento cerebral e as articulagdes entre cérebro e comportamento humano. Iré trazer informa- g6es sobre neurofisiologia, divisio do sistema nervoso, neurotransmisso- tes, neuromoduladores, plasticidade cerebral e demais elementos que fundamentarao todo esse aprendizado. Ja o estudo da Educagéo trara intmeras contribuigdes para compreender 0 processamento do ensino-aprendizagem. Mencionaraé o desenvolvimento e a aprendizagem da crianga e as dificuldades de apren- dizagem existentes. A obra relataré sobre atuacao do Neuropsicopedagogo Clinico, que trabalha com sujeitos portadores ou nao de transtornos e dificuldades de aprendizagem, atuando na avaliagdo, intervenc’o, acompanhamento, orientagao de estudos e no ensino de estratégias de aprendizagem, além de manter dialogo permanente com a familia, escola e com outros profis- sionais envolvidos no caso. Citara os Principios da Avaliacio Neuropsicopedagogica, nos quais os estudos mostram que a abordagem quantitativa é fortemente baseada em normas, anilises fatoriais e estudos de validade. Os testes formais sio métodos estruturados aplicados com instrugdes especificas e normas derivadas de uma populagao representativa. Os resultados sao descritos a partir de média e desvio-padrao, que permitem a utilizagao de calculos para comparagao, e, embora permitam uma avaliagao quantitati- va, 0S testes formais podem ser interpretados qualitativamente. 10 Rita Margarida Toler Russo E por fim enfatizara os Instrumentos de Avaliagao ¢ a Interven- g&io Neuropsicopedagdgica, destacando os testes que podem ser aplicados por psicélogos, neuropsicélogos, pedagogos, psicopedagogos, fonoaudis- logos e profissionais afins das areas de saiide ¢ educagio. Prof. Dr. Luiz Antonio Corréa Doutor em Psicologia -- Presidente da SBNPp — Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia. PREFACIO E surpreendente como cada vez mais nds, seres humanos, nos tornamos necessitados de nos entendermos e, assim, compreendermos os outros, para que no estabelecimento das relagdes possamos melhorar, nos superar e aprender para enfrentar as demandas que a vida impGe de forma constante e sempre diferente. Existe uma evolucao na complexidade das relagdes que estabe- lecemos, nas formas como aprendemos e eniendemos o mundo, na ma- neira como vivemos, experimentamos 0 novo; tudo isso gera muitas du- vidas, muitas afligdes e, consequentemente, nos envolve em uma trama em que estar atento aos encontros possibilitados diante de nossas escolhas € fundamental. Dessa forma, profissionais que trabalham em um contato inten- so e constante com o ser humano, como professores, pedagogos, psicdlo- gos, médicos, fonoaudidlogos, terapeutas ocupacionais e muitos outros, se sentem desafiados diante dessa complexidade a se aventurar em novas buscas para compreender 0 SER HUMANO, através do exercicio do olhar atento e miltiplo. Este olhar se depara com dificuldades, questdes fisicas, patolo- gias, transtomos, comportamentos, atitudes e formas de ser, agir e pensar muito variadas, eminentemente ainda mais complexos, que se distribuem nos mais diferentes espacos e tempos. A coragem de se aventurar nessas buscas resultou na sistemati- zacao e registro em torno de uma nova proposta, na qual a multiplicidade do olhar diante do ser humano nos propde uma nova pratica, uma nova possibilidade de conduta e atitude diante do auxilio e tratamentg das dife- rengas ¢ dificuldades que abarcam a complexidade humana, que pode ser tratada também como uma nova ¢ futura ciéncia: falamos da Neuropsico- pedagogia. Seja no contexto educacional, clinico, terapéutico, familiar ou qualquer outro, pois todos sio adaptaveis as diferengas abarcadas pela complexidade humana, um olhar construido em bases das Neurociéncias, 12 Rita Margarida Toler Russo da Psicologia e da Pedagogia oportunizam uma sensibilizagdo e aprofun- damento maior das necessidades do ser humano para que ele possa aprender sempre, melhorando suas condigdes de vida, comportamentos e atitudes de envolvimento com o mundo e com seus pares. As reflexdes e conhecimentos sistematizados nesta obra oportu: nizam que diferentes profissionais que trabalham em instituigées de ensi- no, hospitais, consultérios, empresas e tantos outros locais conhecam este novo campo de conhecimento e atuagdo profissional, com indicagdes tedricas ¢ praticas, constituindo um movimento de didlogo, aprendizagem e superagdo de estagios e dificuldades. Fica um convite ao exercicio da hermenéutica diante desta obra construida por muito conhecimento cientifico, larga experiéncia profissional e de vida, Ela é uma partilha corajosa ¢ configura um novo principio para trabalharmos com a esséncia do movimento da vida: O SER HUMANO, Sandro Albino Albano Diretor-presidente do Grupo Educacional CENSUPEG e da Faculdade Sao Fidelis. SUMARIO Capitulo I- A NEUROPSICOPEDAGOGIA CLINICA 1.1 Neuropsicopedagogia: Bases Teoricas.... 1.1.1 Neurociéncia e educagao. 1.1.2. Componentes celulares do sistema nervaso 1.1.3 Divisdo do sistema nervoso... 1.1.4 Neurofisiologia ... 1.1.4.1 Neuromoduladores e neurotransmissore: 1.1.5 Modelo de Luria... 1.1.6 Desenvolvimento ¢ plasticidade do sistema nervoso central 1.1.7 Cognigao e cértex cerebral 1.1.7.1 Fungdes cognitiva: 1.1.7.2 Atengao .. 1.1.7.3. Inteliggnci 174 1.1.7.5 Fungdes executivas. 1.1.7.6 Linguagem 1.1.7.7 Praxia e visuoconstrucio 1.1.7.7.1 Fungées visuoconstrutivas..........seeesseeee 1,1.7.7.2 Praxia e visuoconstrugao 1.1.7.8 Habilidades sociai Capitulo I! - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM. Capitulo III — DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM... 14 Rita Margarida Toler Russo Capitulo IV - PRINCIPIOS DA AVALIACAO NEUROPSICOPEDA- GOGICA. 4.1 Instrumentos de Avaliacdo... 4.1.1 Sondagem das habilidades para alfabetizagio 4.1.2 Atengao e fung6es executivas..... 4.1.3. Linguagem ... 4.1.4 Leitura de palavras 4.1.5 Leitura e escrit 4.1.6 Leitura, escrita e aritmética .. 4.1.7 Material de intervengéio Capitulo V - INTERVENCAO NEUROPSICOPEDAGOGICA.. 5.1 Linguagem. 5.2. Exemplo de Atividades . 5.3. Expressiio Plistica 5.4 Matematica 5.5 Exemplo: Atividade de Conservagio de Quantidades 5.6 Esquema Corporal, Lateralidade, Ritmo 5.7 Coordenagio Visomotora... 5.8 Grafismo.... REFERENCIAS .... INDICE ALFABETICO.. Capitulo | A NEUROPSICOPEDAGOGIA CLINICA As bases teéricas e praticas que sustentam a formacao dos pro- fissionais da Neuropsicopedagogia Clinica vém das Neurociéncias e da Educagiio. O estudo das neurociéncias ajuda o neuropsicopedagogo clini- co a compreender a complexidade do funcionamento cerebral ¢ as articu- lagdes entre cérebro e comportamento. J 0 estudo da Educagao traz con- tribuigdes para compreender como se processa 0 ensino-aprendizagem. Segundo a Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia — SBNPp (Cap. II ~ art. 10), a Neuropsicopedagogia é uma ciéncia trans- disciplinar, fundamentada nos conhecimentos da Neurociéncia aplicada a educago, com interfaces da Psicologia ¢ Pedagogia, que tem como obje- to formal de estudo a relagio entre 0 cérebro e a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegrago pessoal, social ¢ escolar. A formagdo do Neuropsicopedagogo se dé através do curso de po: -graduagao (especializacaio lato sensu) com a titulago minima certifi- cada de Neuropsicopedagogia. (Capitulo V — art. 68 - SBNPp) O Neuropsicopedagogo pode atuar na 4rea Institucional e na area Clinica. Para tanto, devera seguir as normativas estabelecidas pela SBNPp que diz: Art. 29. Ao Neuropsicopedagogo com formagao na area Institucional, conforme deserito no Capitulo V, fica delimitada sua atuagio com atendimentos neuropsicopedagégicos exclusivamente cm ambientes escolares e/ou instituigdes de atendimento coletivo. 16 Rita Margarida Toler Russo § 1°, Entende-se que sua atuagiio na area Institucional, ou de educagéio especial, de educaco inclusiva escolar deve contemplar: a) Observacao, identificagdo ¢ analise do ambiente escolar nas ques- tées relacionadas ao desenvolvimento humano do aluno nas areas mo- toras, cognitivas e comportamentais; b) Criagtio de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do pro- cesso ensino-aprendizagem do aluno; c) Encaminhamento do aluno a outros profissionais quando o caso for de outra area de atuacdo/especializacao. Art. 30. Ao Neuropsicopedagogo com formagao clinica, conforme descrito no Capitulo V, fica delimitada sua atuag%o com atendimentos neuropsicopedagégicos individualizados em “setting” adequado, como consultério particular, espago de atendimento, posto de satide, terceiro setor. Os atendimentos em local escolar ou hospitalar devem acontecer de forma individual e em local adequado. § 1°. Entende-se que sua atuagio na drea clinica ou de atendimento multiprofissional deve contemplar: a) Observacao, identificago e andlise do ambiente escolar nas ques- tes relacionadas ao desenvolvimento humano do aluno nas dreas mo- toras, cognitivas ¢ comportamentais; b) Avaliacio, intervengio e acompanhamento do individuo com difi- culdades de aprendizagem, transtornos, sindromes ou altas habilidades que causam prejuizos na aprendizagem escolar e social; c) Criagao de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do proces- so ensino-aprendizagem do aluno; d) Utilizagao de protocolos ¢ instrumentos de avaliagdo e reabilitagao devidamente validados, respeitando sua formagao de graduagiio; e) Flaboracio de relatérios e pareceres técnicos profissionais; f) Encaminhamento a outros profissionais quando o caso for de outra area de atuagao/especializagio. Neste livro abordaremos a atuagio do Neuropsicopedagogo Clinico, que trabalha com sujeitos portadores ou nado de transtornos e Neuropsicopedagogia Clinica 7 dificuldades de aprendizagem, atuando na avaliagio, na intervengio, no acompanhamento, na orientagdo de estudos e no ensino de estratégias de aprendizagem, além de manter didlogo permanente com a familia, com a escola e com outros profissionais envolvidos no caso. Para o trabalho de intervengio ¢ estimulagao cognitiva, o neu- ropsicopedagogo clinico utiliza, desenvolve ou cria jogos ndo competiti- vos e competitivos; brincadeiras variadas, verbais ou nio verbais, propor- cionando aos individuos com dificuldades de aprendizagem outras formas de aprender e apreender. Em fung&o de sua base tedrica e de sua atuagdo pratica vislum- bra-se um maior envolvimento deste profissional no ensino e pesquisa vol- tados para as questes relacionadas 4 aprendizagem e suas dificuldades. Para que possamos entender o trabalho do neuropsicopedagogo clinico, faz-se necessdrio descrever a definigdo e 0 campo de atuagéo da Neuropsicologia e da Psicopedagogia no sentido de esclarecer que a Neu- ropsicopedagogia Clinica nao é uma especializagfio dessas duas areas. A Neuropsicopedagogia Clinica, embora estude o funcionamento do cére- bro e 0 comportamento humano, tem os alicerces de sua pratica nas teo- tias de aprendizagem e nas estratégias para o ensino-aprendizagem. A Neuropsicologia, enquanto ciéncia, foi oficialmente reconhe- cida no Brasil, em 1988, com a fundagio da Sociedade Brasileira de Neu- ropsicologia (Ortiz et al., 2008); enquanto profissionalizagao, surgiu em 2004 com a publicagao da Resolug&o 002/04 do Conselho Federal de Psicologia, que regulamentou a pratica da Neuropsicologia como especia- lidade para Psicdlogos (Andrade & Santos, 2004; Conselho Federal de Psicologia, 2004). Segundo a ResolugSo CFP 002/04, a Neuropsicologia “atua no diagndstico no tratamento e na pesquisa da cognigao, das emogées, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relacio entre estes aspectos e o funcionamento cerebral”. Utiliza, para isso, conhecimentos tedricos angariados pelas neurociéncias e pela pratica clinica com meto- dologia estabelecida experimental ou clinicamente. A Neuropsicologia faz uso de instrumentos especificamente pa- dronizados para a avaliacdo das fun¢gdes neuropsicoldgicas, envolvendo principalmente habilidades de atengao, percepcao, linguagem, raciocinio, abstracdo, memoéria, aprendizagem, habilidades académicas, processa- mento da informagio, visuoconstrucao, afeto, fun¢des motoras e executi- vas. Na sua atuagao, estabelece pardmetros para a emissao de laudos com fins clinicos, juridicos ou de pericia, assim como complementa o diagnés- tico na area do desenvolvimento e da aprendizagem. 18 Rita Margarida Toler Russo Além do diagnéstico, a Neuropsicologia ¢ sua area interligada de Reabilitaco Neuropsicoldgica visam realizar as intervengdes necessé- tias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou se adaptar as dificuldades; junto aos familiares, para que atuem como coparticipantes do processo reabilitativo; junto a equipes multiprofissio- nais € instituigdes académicas e profissionais, promovendo a cooperagao na inser¢ao ou reinser¢ao de tais individuos na comunidade, quando pos- sivel, ou ainda, na adaptagao individual e familiar quando as mudangas nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou a longo prazo. E da pratica do neuropsicélogo enfatizar que o exame neuropsi- cologico é inseparavel do exame neuroldgico e do exame geral. Eles nao se substituem e sim se complementam. A Psicopedagogia surgiu na Franga e posteriormente na Argen- tina, introduzindo-se no Brasil na década de 70, para atender 4 grande demanda de criangas com dificuldades de aprendizagem. Segundo a defi- nigdo descrita no Codigo de Etica da Psicopedagogia, da ABPp-SP — Associagao Brasileira de Psicopedagogia — ela é definida como “um campo de atuagdo em Educago e Saude que se ocupa do processo de aprendizagem considerando 0 sujeito, a familia, a escola, a sociedade e 0 contexto sdcio-histrico utilizando processos préprios, fundamentados em diferentes referenciais tedricos”. A Psicopedagogia é de natureza inter e transdisciplinar e utiliza métodos, instrumentos e recursos proprios para a compreensio do proces- so de aprendizagem, cabiveis na intervengo (art. 2, do Cédigo de Btica). A interveng’o psicopedagégica é sempre da ordem do conheci- mento, relacionada com a aprendizagem, considerando o carter indisso- cidvel entre os processos de aprendizagem e as suas dificuldades (Paré- grafo 1 — Cédigo de Etica). A intervencao psicopedagégica na Educaciio ena Saude da-se em diferentes ambitos da aprendizagem, considerando 0 carater indissociavel € 0 clinico (Paragrafo 2 — Cédigo de Etica). A atividade psicopedagégica tem como objetivos: promover a aprendizagem, contribuindo para os processos de inchusao escolar e social; compreender ¢ propor ages frente as dificuldades de aprendizagem; rea- lizar pesquisas cientificas no campo da Psicopedagogia; mediar conflitos relacionados aos processos de aprendizagem. As semelhangas que a Neuropsicopedagogia Clinica guarda com a Neuropsicologia e a Psicopedagogia sao: a natureza multiprofissio- nal, inter ¢ transdisciplinar e 0 estudo do desenvolvimento humano e dos processos do ensino e aprendizagem (em condigdes normais ou nao). Neuropsicopedagogia Clinica 19 11 NEUROPSICOPEDAGOGIA: BASES TEORICAS 144 Neurociéncia e Educagao Os estudos apontam que, enquanto a Neurociéncia constitui-se como a ciéncia do cérebro, a Educagiio configura-se como a ciéneia do ensino e aprendizagem. Apresentam relagdio de proximidade na medida em que 0 cérebro tem significdncia no processo de aprendizagem do individuo. Segundo Cosenza e Guerra (2011): As neurociéncias estudam os neurénios e suas moléculas constituintes, os 6rgdos do sistema nervoso e suas fungées especificas, e também as fungSes cognitivas e o comportamento que so resultantes da ativida- de dessas estruturas. (p. 142) Os avangos das neurociéncias possibilitam uma abordagem mais cientifica do processo ensino-aprendizagem, fundamentada na compreen- sdo dos processos cognitivos envolvidos, explicitam ainda os autores. As neurociéncias cognitivas fornecem aos profissionais de sat- de e educacao as bases tedricas sobre 0 funcionamento neurolégico, a plasticidade cerebral, 0 desenvolvimento e a maturagdo cerebral, subsi- dios esses que auxiliarao na compreensao do processo de ensino-apren- dizagem. Os pesquisadores da Neurociéncia, da Educagéo e de sua inter- face Neuroeducagao tém se debrugado ao estudo do cérebro e do compor- tamento humano, dos fatores que interferem na aprendizagem e das técni- cas de reabilitagdo cognitiva. A base que permeia a aco desses estudos é a interdisciplinaridade. 11.2 Componentes Celulares do Sistema Nervoso Os neur6nios, as unidades basicas do sistema nervoso, sao cé- lulas que se especializam em comunicagdo e diferem da maioria das células por serem excitaveis: eles operam por meio de impulsos elétri- cos e se comunicam com outros neurénios por sinais quimicos (Gazzaniga & Heatherton, 2005). O sistema nervoso (SN) recebe uma variedade de informagdes do ambiente externo, avalia-as e depois produz comportamentos ou faz ajustes corporais para se adaptar ao ambiente. Existem dois tipos distintos de células no SN: os neurénios e as células gliai: 20 Rita Margarida Toler Russo Os neurénios existem em variadas formas e tamanhos, comuni- cando-se através de sinapses (regides de transmissao de impulsos neryo- sos). Os neurénios sao especializados na propagagao dos impulsos nervo- Sos e tém como funges basicas receber, processar e enviar informagées. A estrutura dessas células é formada por corpo celular, dendritos (expan- ses do corpo celular), axdnio e botdes terminais. Para Machado (2006), 0 corpo celular é 0 centro metabélico do neur6nio responsavel pela sintese de todas as proteinas neuronais, bem como pela maioria dos processos de degradagao e renovacio de consti- tuintes celulares, inclusive de membranas. O corpo celular refere-se a regido onde a informacdo de milha- res de outros neurénios é coletada e integrada. Uma vez integradas, im- pulsos elétricos sao transmitidos por um prolongamento estreito e longo chamado axénio. E 0 centro metabélico do neurénio, responsavel pela sintese de todas as proteinas neuronais, bem como pela maioria dos Pprocessos de degradagao ¢ renovagao de constituintes celulares, inclusive de membra- nas. O corpo celular ¢ como os dendritos, local de recepcao de estimulos, através de contatos sinapticos. Os dendritos (do grego dendron, arvores) so extensdes de neu- ronios semelhantes a ramos, que conduzem os estimulos captados do ambiente ou de outras células em dire¢%o ao corpo celular. Sao especiali- zados em receber estimulos, traduzindo-os em alteragdes do potencial de repouso da membrana. O ax6nio, principal unidade condutora do neurénio, é capaz de conduzir sinais elétricos por distancias tanto curtas quanto longas. Muitos ax6nios dividem-se em varios ramos, conduzindo, assim, informagdes para diferentes alvos. E especializado em gerar e conduzir o potencial de agdo e tem como fungao transmitir para as outras células os impulsos nervosos provenientes do corpo celular. Nas extremidades dos axénios estdo localizados pequenos nédulos chamados botées terminais. Um potencial de agao, também chamado de descarga neuronal, € uma onda de descarga elétrica que percorre a membrana de uma célula e ¢ desencadeado por diversos eventos fisicos no ambiente que incidem sobre nossos corpos. Sao gerados no cone axénico e conduzidos a0 longo do axénio, sem falha e sem distorgdo, com velocidade entre 1 e 100 me- ttos por segundo ¢ amplitude de 100 milevolts (mV). Para assegurar a condugdo com alta velocidade dos potenciais de agao, os axénios mais calibrosos so circundados Por bainha isolante, chamada de miclina. Essa bainha é interrompida a intervalos regulares, Neuropsicapedagogia Clinica a pelos nédulos de Ranvier, e é nesses segmentos desprovidos de isolamen- to elétrico, ao longo do axénio, que o potencial de agio é regenerado. Préximo 4 sua terminaco. 0 axénio se divide em ramos mais finos que fazem contato com outros neurénios. O ponto de contato entre duas células neuronais é chamado de sinapse. A célula transmissora de um sinal é designada como célula pré-sinaptica, enquanto a célula que recebe o sinal é a célula pés-sindptica. Dilatagdes especializadas nas ex- tremidades das ramificagdes ax6nicas atuam como locais de transmissao nas células pré-sindpticas. As duas células sao separadas, na sinapse, por um espago, cha- mado de fenda sindptica. A maioria dos axénios termina proximo aos dendritos de uma célula pds-sinaptica, mas também pode ocorrer comu- nicagao ao nivel do corpo celular, ou, menos frequente, no segmento inicial ou na regido terminal do axénio da célula pés-sinaptica. Krebs et al. (2013) apresentam os trés tipos de sinapses: ses axodendriticas, axossomaticas e axoaxOnicas, definindo-os: ap- Os contatos sindpticos mais comuns no SNC ocorrem entre um axénio eum dendrito, as chamadas sinapses axodentriticas [...]. Um axénio também pode contatar outro neurénio diretamente na soma da célula, © que ¢ chamado de sinapses axossomitica. Este tipo de sinapse é muito menos comum no SNC e é um poderoso sinal muito mais pro- ximo do cone axonal, no qual um novo poiencial de ago pode se ori- ginar. Sinapses axoaxdnicas é quando um axénio contata outro, Essas sinapses muitas vezes acontecem no cone axonal ou proximo a ele, onde podem causar efeitos muito poderosos, inclusive produzir um potencial de agdio ou inibir um que, de outra forma, teria sido desenca- deado. (p. 5) Os neur6nios podem ser classificados, em termos de sua fungao, em trés grupos: sensoriais, motores e interneur6nios. Os neurénios senso- riais ou aferentes absorvem informagdes do meio ambiente e as transmi- tem para 0 cérebro, geralmente via medula espinhal. O neurénio motor ou eferente conduz a informagao do SNC em diregao 4 periferia. Encontra- mos neur6nios sensitivos tanto no SNC quanto no SNP. Os neur6nios motores dirigem os musculos para contrair ou rela- xar, produzindo assim 0 movimento. Sao neurGnios eferentes, pois sinais do cérebro sao transmitidos para 0 corpo (Gazzaniga & Heatherton, 2005). Os interneur6nios (neurénios de associacao) estado presentes em toda a medula espinhal, mais precisamente no H medular (substancia cinzenta), ¢ recebem a informagao dos neurénios sensoriais, processam- 22 Rita Margarida Toler Russo sha ¢ transferem um comando para as células nervosas seguintes do cir- cuito. Sao responsaveis pelo processamento dos sinais desde a fase que entram na medula, pelo como posterior, até sua saida pelo neurénio mo- tor anterior. Também recebem sinais do tronco e cértex cerebral (centros superiores), recebendo diretamente a influéncia do trato corticoespinhal Ha diversos tipos de neurénios no SNC, sendo classificados quanto ao tamanho, a morfologia ou conforme os neurotransmissores que utilizam. Sao eles: neurénios multipolares, pseudounipolares e bipolares. Os neurénios multipolares sio encontrados no encéfalo e na medula espinhal, sendo o tipo mais abundante no SNC. Possuem um cor- po celular, varios dendritos e um axénio. Constituem a maioria dos neu- ronios do tecido nervoso. Os neurénios pseudounipolares possuem um corpo celular e somente um prolongamento, que se comporta como dendrito em uma de suas porgdes € como axénio na outra. Retransmitem a informagao senso- rial de um receptor periférico ao SNC sem modificar o sinal. S40 encon- trados, sobretudo, nos génglios sensitivos da medula espinhal, que sao responsaveis pela condugao de impulsos nervosos de teto, da pressio etc. Os neur6nios bipolares possuem um dendrito, um. corpo celular © um axénio. Muitos neurdnios bipolares sdo sensoriais, como as células bipolares da retina e do epitélio olfativo. Longe de ser apenas a “cola dos neurénios”, as células gliais so um componente essencial da fungaio do SNC (Krebs et al., 2013). As células gliais compreendem células que ocupam os espagos entre os neurénios ¢ sao consideradas células auxiliares, que dao suporte ao funcionamento do SNC. Sao consideradas como tendo diversas fun- gées vitais. Tém como fungdes a sustentagdo, o revestimento ou isola- mento, a modulag%o da atividade neuronal e a defesa. Compreendem: astrécitos, oligodendrécitos, microgliécitos e células ependimarias, Os astrécitos sio células com formato estrelado, possuem cor- pos celulares irregulares ¢, muitas vezes, prolongamento relativamente longo. Sao encarregados de sustentagio e nutrigdo dos neurénios. Reco- nhecem-se dois tipos: astrécitos protoplasmiticos e astrécitos fibrosos. O primeiro esta localizado na substancia cinzenta e apresenta prolongamen- to mais espesso e curto, que se ramifica profusamente. O segundo é en- contrado na substancia branca, possui prolongamento fino e longo e rami- fica-se relativamente pouco. Os oligodendrécitos sAo células pequenas, com numero relati- vamente pequeno de prolongamentos e apresentam nticleo menor e mais condensado que o dos astrécitos. Sao as células mielinizantes do SNC.

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