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UNIVERSIDADE FEEVALE

DISCIPLINA DE BIOÉTICA E BIODIREITO

BIODIREITO E O DIREITO A VIDA

THALES MAURICIO GRAEF

Novo Hamburgo (RS), 03 de novembro de 2021.


1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:

O Estado Democrático de Direito, instituído através da promulgação


da Constituição Federal em 1988, teve, entre outros, a nobre missão de
assegurar determinados exercícios de direitos sociais, individuais e
coletivos, estes emanados através da concepção de direitos fundamentais.
Dentre tais fundamentos, destaca-se o da dignidade da pessoa
humana, positivado no art. 1 da carta magna:

  Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela


união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.

Destaca-se que tais fundamentos são basilares, ou seja, são os


princípios materializam a do espírito constitucional, uma vez que tais
fundamentos são princípios pautarão o agir do Estado Brasileiro. Neste
viés, destaca-se o fundamento da dignidade da pessoa humana, uma vez
que este constitui o núcleo de toda a ação estatal e, sem sua presença e
salvaguarda, desmaterializa os demais. Nas palavras de Miguel Reale, “O
reconhecimento da dignidade da pessoa humana é o pilar de
interpretação de todo o ordenamento jurídico e toda a Constituição
Federativa do Brasil”
Ou seja, a dignidade da pessoa humana é a chave para a
interpretação material das demais normas jurídicas.
Neste prisma, é imperioso uma aplicação hermenêutica ao conceito
do que é tal fundamento. Antônio Junqueira Azevedo estabelece que “a
dignidade traduz-se em respeito absoluto à vida humana, e
consequentemente a proibição da eutanásia, do aborto e da pena de
morte, o respeito à integridade física e psíquica da pessoa, respeito à
condições mínimas de vida, de liberdade e convivência igualitária entre os
homens”
2. O DIREITO À VIDA:

Uma definição do fundamento da dignidade da pessoa humana


encontra acolhimento, de forma mais abrangente, em diversos incisos
contidos no art. 5 da CF. Todavia, cabe ressaltar o direito à vida não está
restrito hermenêutica deste principio fundamental e ganha primordial
relevância no tocante à sua defesa:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

O artigo Constitucional acima replicado guarnece, taxativamente, o


respeito à inviolabilidade ao direito à vida. Em primeira análise, não há
qualquer margem para uma aplicação hermenêutica de tal dispositivo
legislativo. Todavia, embora o texto constitucional fundamente a
dignidade da pessoa humana como balizador da conduta estatal e traga
taxativamente a inviolabilidade do direito à vida como garantia
constitucional, este não é um direito absoluto no regramento jurídico
brasileiro. Tal afirmativa encontra amparo, inicialmente, em inciso do
próprio Art. 5º do texto constitucional:

XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX;

Ora, diante da presença de tal dispositivo na constituição federal,


resta empreender que o direito à vida não se trata de um direito absoluto.
No que tange a compreensão da delimitação dos direitos individuais, onde
inegavelmente se compreende o direito à vida, empreende-se que os
direitos fundamentais possuem caráter mitigado, conforme decisão
proferida pelo STF no MS 23452/RJ:

Os direitos e garantias individuais não tem caráter


absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro,
direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto,
mesmo porque razões de relevante interesse
publico ou exigências derivadas do principio de
convivência das liberdades legitimam, ainda que
excepcionalmente, a adoção por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas
individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos
estabelecidos pela própria Constituição.”

Neste prisma, muito embora o direito a vida seja revestido de


garantia individual fundamental, tal atributo não confere uma concepção
de proteção estatal absoluta.
Outra decisão proferida pelo STF que demonstra o entendimento de
que nenhum direito é absoluto diz respeito à legalidade do aborto de feto
anencefálico, julgado na ADPF 54.
Todavia, determinadas restrições à inviolabilidade do direito a vida
não se resumem , unicamente, a um artigo Constitucional ou
determinados entendimentos da corte suprema. Existem Leis
infraconstitucionais que descaracterizam o caráter absoluto do direito à
vida.

2.1. O CÓDIGO PENAL:

2.1.1. DA INIMPUTABILIDADE DE PENA AO ABORTO:

O Código Penal, expressamente, preconiza a inimputabilidade de


pena a aborto praticado em situações especiais:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:


        Aborto necessário
        I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
        Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
        II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é
precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.

O aborto nada mais é que a interrupção da gestação, ou seja, a


eliminação do feto do ventre materno. Tal prática inegavelmente é a
interrupção da vida que ali se origina.
Em leitura ao parágrafo segundo do artigo, verifica-se que a
decretação da interrupção da vida – ou declaração da sentença de morte
– foi declinado à competência de um direito potestativo, determinado
pela mulher ou do responsável legal, sem qualquer intervenção estatal.
Tais situações logicamente restringem-se à interpretação literal da
norma penal e eventuais decisões STF, porém reduzem à inviolabilidade
da vida, preceito fundamental da dignidade da pessoa humana, à
fragilidade de uma decisão tomada individualmente.

2.1.2. DA EXCLUSÃO DA ILICITUDE:

Não obstante a inimputabilidade de pena ao aborto praticado em


situações específicas, preconizadas em lei, o código penal também
estabelece a inexistência de pena quando a conduta é praticada em
determinada situações:

Art. 23: Não há crime quando o agente pratica o fato:


I - em estado de necessidade;
  II - em legítima defesa;
        III - em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.  

Novamente a redação da lei se dá de forma taxativa. Todavia,


existem determinadas características a serem verificadas na conduta
praticada para que seja excluída a ilicitude. Porém, o que interessa nesta
pesquisa é a ratificação de que eventual pena, para aquele que pratica um
fato quando na salvaguarda de uma destas três condutas tipificadas no
código penal, não comete crime, inclusive contra a vida.

2.1.3. DA CONDENAÇÃO NA ESFERA CIVIL:

A inimputabilidade garantida à conduta praticada, a qual é


compatível com aquelas elencadas no que tange a exclusão de ilicitude, é
garantida a eventual condenação também na esfera civil. Tal imunidade é
garantida pelo código penal:

Art. 65.  Faz coisa julgada no cível a sentença penal que


reconhecer ter sido o ato praticado em estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento
de dever legal ou no exercício regular de direito.

Ou seja, tirar a vida de outrem, desde que na salvaguarda de


determinadas condutas tipificadas pelo ordenamento jurídico, são imunes
a tanto a pena de privação de liberdade quanto a condenação
indenizatória.

3. CONCLUSÃO:
Diante a síntese aqui apresentada, obtida através de estudos
realizados a diversas biografias, instrumentos legislativos e jurisprudência
pacificada da corte suprema, resta compreender que a garantia do direito
à vida, muito embora seja um dos fundamentos do dever de proteção
estatal na constituinte, não é direito absoluto e torna-se absolutamente
fragilizado em determinadas situações.

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