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JUVENTUDE BOLSONARISTA
A extrema direita sai do armário no Brasil
CONSUELO DIEGUEZ
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“Se o meu pessoal estivesse no comando da segurança de Bolsonaro em Juiz de Fora, duvido que teria acontecido
aquilo”, disse a empresária Leticia Catel, sobre o atentado ao candidato FOTO_JR DURAN_2018
“P
ista quente!” O alerta, dado por uma voz feminina,
indicava que a partir daquele momento ninguém poderia
entrar na área de tiro, sob o risco de ser alvejado. A dona
da voz, Leticia Catelani – ou Leticia Catel, como se apresenta nas
redes sociais –, posicionada em uma das cabines do Interarmas, um
clube de tiro em São Paulo, fez três disparos com sua Glock calibre 45,
uma pistola leve e compacta, como anuncia o fabricante. Os tiros
foram precisos. Os projéteis perfuraram dois pontos próximos do
coração e outro na altura do estômago do alvo de papelão.
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direita é que foi para as ruas para pôr abaixo o sistema podre que
estava aí. Fomos nós que protestamos contra a corrupção e a
desordem.”
O
clube de tiro Interarmas está instalado no bairro Santa Cecília,
num galpão sem janelas, pintado de amarelo claro, nos fundos
da loja de mesmo nome, um comércio de armas. Para entrar, o
cliente tem que se identificar pelo interfone. Dentro da loja, a primeira
coisa que se avistava era uma foto de cerca de 1 metro de Jair
Bolsonaro, com o slogan de sua campanha: “Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos.” Sobre o balcão de vidro, havia pilhas de
adesivos com o rosto e o número do candidato presidencial. Nas
paredes, fotos de militares e recortes de publicações sobre eles. Uma
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O investidor Otávio Fakhoury e o advogado Victor Metta compõem o retrato de uma geração que se
orgulha de ser de direita e cultua a família, a hierarquia, a ordem e a religiosidade. FOTO_JR
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P
or volta de uma da tarde, Catel, Metta e Fakhoury chegaram
para o almoço em um restaurante no bairro do Itaim Bibi.
Dirigiram-se a uma mesa no canto do salão, com os lugares
praticamente ocupados por quase vinte pessoas. O almoço tinha sido
organizado pela cirurgiã plástica Ana Helena Patrus, dona da Clínica
Santé – frequentada por gente famosa como Anitta, mas que já passou
por maus momentos, como em 1994, quando uma mulher morreu
durante uma cirurgia. No restaurante estavam jovens de grupos de
direita do Nordeste: o Endireita Fortaleza, o Direita Pernambuco, o
Direita Paraibana e o Movimento Liberta Brasil, do Rio Grande do
Norte. O almoço tinha dois objetivos. Primeiro, agradecer aos jovens
nordestinos por sua atuação na campanha de Bolsonaro na região, o
que nem sempre é devidamente reconhecido por seus
correligionários. Foi, por exemplo, o empresário cearense Alex Melo
que idealizou, há dois anos, as recepções ao candidato presidencial
nos aeroportos, que se espalharam pelas capitais do Norte e Nordeste,
e depois por todo o país. No almoço, o grupo também iria combinar
as ações no Nordeste na manifestação nacional em favor de
Bolsonaro, em 21 de outubro, uma semana antes do segundo turno.
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D
urante o almoço com os jovens bolsonaristas do Nordeste,
Mateus Henrique, do Direita Pernambuco, um jovem franzino
de 22 anos e fala rápida, mostrou, às gargalhadas, as fotos das
camisetas que tinham sido confeccionadas para serem vendidas em
seu estado. Traziam estampadas frases de Cid Gomes, senador eleito
pelo PDT do Ceará que, durante um ato em Fortaleza em apoio à
candidatura de Haddad, acabou criticando o PT e discutindo com
militantes. “Lula tá preso, babaca” e “Vão perder feio” – lia-se nas
camisetas.
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O
cearense Alex Melo, um homem forte de 46 anos e sorriso largo,
não disfarçava o orgulho de ter concebido as recepções a
Bolsonaro nos aeroportos. Ele contou que muitos grupos de
WhatsApp se formaram na esteira de páginas no Facebook que
divulgavam o candidato de forma bem-humorada, como Bolsonaro
Zuero e Turn Down for What, inspirado num clipe do DJ americano
Snake. A marca registrada dessa última página eram uns óculos
pretos rajados de branco, colocados sobre o rosto do candidato cada
vez que ele respondia aos que o desafiavam. A imagem de Bolsonaro
com os óculos vinha sempre acompanhada do bordão “mitou”. O
meme viralizou. Foi assim que o candidato virou “mito”.
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O
s protestos de Mateus Henrique emulavam o pensamento de
Olavo de Carvalho. Há mais de duas décadas, primeiro na
imprensa, depois em seus cursos de filosofia online e em
pregações nas redes sociais, Carvalho defende com insistência que
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Morto aos 46 anos, em 1937, depois de passar dez anos preso pelos
fascistas de seu país e escrever boa parte de sua extensa obra no
cárcere, Gramsci defendeu que o exercício do poder tem uma
dimensão coercitiva, que cabe ao Estado, e uma dimensão, por assim
dizer, persuasiva, que cabe não ao Estado, mas à sociedade civil
desenvolver. As escolas, as universidades (poderíamos dizer hoje “as
redes sociais”) são espaços em que se disputa a hegemonia das ideias,
ou da condução mental de uma sociedade em determinado período
histórico. Sem ter hegemonia na sociedade, sem persuasão, é muito
mais difícil se manter no poder recorrendo apenas aos instrumentos
coercitivos do Estado.
Foi nessa época, a segunda metade dos anos 90, que Carvalho
começou a aparecer com mais frequência nas páginas dos grandes
jornais do país. Publicou na Folha de S.Paulo e em outros veículos e
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manteve, entre 2000 e 2005, uma coluna no jornal O Globo, até ser
dispensado. Mudou-se então para Richmond, na Virgínia, onde vive
em um casarão numa área arborizada, ao lado da terceira mulher,
Roxane Andrade Souza. Ao longo dos anos, tornou-se uma espécie de
pai espiritual da direita, que começou a ganhar terreno na esfera da
cultura. Nomes como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Luiz
Felipe Pondé se beneficiaram da trilha aberta por Carvalho. Com Lula
no poder desde 2003, havia espaço para o antipetismo raivoso crescer.
O polemismo de direita virou um nicho de mercado no país.
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C
onversei com Olavo de Carvalho, via Skype, em 15 de
novembro. Seu computador fica sobre a escrivaninha do
escritório de sua casa em Richmond. É dali que ele fala com os
alunos e transmite as aulas do Curso Online de Filosofia para os
seguidores. Ao fundo, vê-se uma estante e um armário recheados de
livros. Com modos cordiais, ele disse não ter dúvida de que sua
influência tinha a ver com a falência do pensamento de esquerda.
“Vamos dizer que era possível até os anos 50 uma pessoa inteligente
acreditar que a análise crítica marxista do capitalismo tinha algum
sentido”, afirmou. “Agora isso não é mais possível. Toda a
sustentação dos partidos de esquerda é na base da mentira, do
artifício, do truque sujo, do teatrinho.” Deu um trago no cigarro (é um
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N
a sua trajetória já longa pelo campo conservador, o guru do
bolsonarismo acabou deixando desafetos pelo caminho. Um
deles é Rodrigo Constantino, a quem a revista Época chamou
anos atrás de “novo trombone da direita brasileira”. Constantino foi
blogueiro e colunista da revista Veja e hoje trabalha para a IstoÉ. A
expressão “esquerda caviar”, que foi criada na França (gauche caviar) e
ele adotou no título de um livro, lhe rendeu certa fama. Formado em
economia pela PUC do Rio de Janeiro, Constantino hoje vive em
Miami. Ele acredita que Olavo de Carvalho perdeu o prumo ao
defender “a desmoralização do sistema inteiro” e pretender
reconstruir tudo do zero. “É uma coisa meio jacobina”, disse ele, por
telefone. Citou como exemplo do jacobinismo de Carvalho a sua
reação quando o Movimento Brasil Livre, o MBL, anunciou apoio ao
governo de Michel Temer. “As reformas da previdência e política que
o MBL apoiava fazem parte do ideário liberal, e foram rechaçadas por
Carvalho. O comportamento do MBL era racional. Havia uma
preocupação com o país que não existe no discurso niilista do
filósofo”, disse Constantino.
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“Está claro que hoje a direita jovem está rachada”, avaliou. “Existe o
MBL, que defende ideias liberais para a economia, e existe essa direita
conservadora apoiadora de Olavo, cujos seguidores foram
apelidados, por ele mesmo, de olavettes.” Constantino apontou o
mais flagrante equívoco político do intelectual: opor-se ao
impeachment de Dilma Rousseff. À época, Carvalho defendeu que o
impeachment não passava de “uma manobra para a salvação da
classe política” e a manutenção da esquerda no poder. O resultado
das eleições do ano passado, com a vitória espetacular da direita,
desmontou, na avaliação do economista, a tese estapafúrdia.
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E
mbora renegado por alguns ex-discípulos, Carvalho exerce
inquestionável fascínio sobre a juventude de direita. “Esse
homem sozinho mudou o rumo intelectual da nação”, afirmou o
advogado Victor Metta, em seu escritório, um casarão numa rua
tranquila no Itaim. “Somos todos olavettes: eu, a Leticia, o Filipe e o
Otávio.” Em junho de 2013, quando as ruas brasileiras começaram a
ferver, Jair Bolsonaro era um político praticamente desconhecido da
maioria da população. Mas os ventos já sopravam na sua direção.
Dias antes das manifestações eclodirem, uma gigantesca marcha de
evangélicos ocupou a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em
defesa dos valores conservadores. Por ter apoiado o pastor Marco
Feliciano na discussão sobre ideologia de gênero nas escolas,
Bolsonaro foi o único parlamentar convidado pelos evangélicos a
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subir no palanque para falar à multidão. Ele não falou muito, mas
encerrou seu discurso com o bordão militar que costumava usar em
todas as suas preleções: “Brasil acima de tudo.” Então, dando-se
conta do potencial do voto religioso, acrescentou: “Deus acima de
todos.” Os slogans seriam adotados em sua campanha presidencial.
Foi quando Leticia Catel o descobriu. “Eu pensei: ‘Esse homem vai ser
a salvação’”, contou. Decidiu apoiá-lo. Mas havia um impedimento:
ela morava em Jundiaí, e Bolsonaro era deputado pelo Rio de Janeiro.
Uma amiga a alertou de que Eduardo Bolsonaro, escrivão da Polícia
Federal em São Paulo, sairia candidato a deputado federal pelo
estado nas eleições de 2014. Catel mandou uma mensagem a ele,
dispondo-se a ajudá-lo na campanha. Acabaram ficando amigos.
Eduardo fez o seu primeiro discurso de campanha na fábrica do pai
de Catel, em Jundiaí. Mario Catelani mandou os operários pararem as
máquinas para ouvir o jovem candidato. “O Eduardo me contou
tempos depois que ficou muito nervoso naquele dia”, ela disse, rindo.
“Foi o seu primeiro discurso para uma plateia expressiva.”
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“Menos Marx, Mais Mises” era uma das frases que costumavam
aparecer em cartazes nas manifestações da direita, levados
principalmente pela turma do MBL. Era o anúncio de que o
pensamento ultraliberal havia entrado no debate.
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N
um final de tarde de outubro, fui com Catel e Martins até a
fábrica do pai dela, em Jundiaí. Ela mesma dirigiu o jipe preto
blindado. A empresária havia sido destituída do cargo de
secretária-geral do PSL em 27 de setembro, por decisão do então
presidente nacional do partido, Gustavo Bebianno, e do presidente do
PSL em São Paulo, Major Olimpio – foi este que comunicou a Catel
seu desligamento, via WhatsApp, como costuma ser feita quase toda
a comunicação dos integrantes do PSL.
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não pode abrir mão de uma pessoa tão eficiente como ela”, disse.
Major Olimpio não vê da mesma forma. “Ela se postava o tempo todo
como coordenadora da campanha do Bolsonaro. Isso causava uma
série de dissabores”, ele disse, enquanto se preparava para dar
entrevista a uma rádio em São Paulo, um dia antes da eleição do
primeiro turno. Ele enumerou suas queixas: “Primeiro, ela não tinha
essa autonomia; segundo, não dava satisfação a ninguém; terceiro, eu
sou o presidente do partido e via por fotos que ela estava cada dia
num lugar, dando entrevista, junto com o general Mourão, sem
autorização do partido para fazê-lo.” Major Olimpio contou que a
destituição de Catel fora decidida por Bebianno, mas que “todos”, ele
frisou, “todos dentro do partido concordaram”. Segundo ele, foi uma
decisão unânime da cúpula do PSL.
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