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Uma abordagem para o luto na viuvez da mulher idosa

Uma abordagem para o luto na viuvez da mulher idosa


Tatiana Lima Both*, Alessandro da Rosa Alves**, Camila Pereira**, Thaís Pinto Teixeira**

Resumo Introdução
O luto é conhecido como o sofrimento O processo de morte ainda é perce-
desencadeado pela morte de uma pessoa bido como um tabu, rodeado de valores,
com a qual se possui laços de afeto. Li-
dar com o processo requer suporte social crenças e rituais, de forma que a socieda-
e uma série de recursos emocionais para de em geral nega essa situação que nos
reorganizar os investimentos afetivos. Os espreita em algum momento da nossa
recursos externos e internos desempenham
vida. Do mesmo modo, a morte ainda é
uma combinação heterogênea de sentir o
luto e elaborá-lo, criando uma diversidade vivida como algo negativo e complexo de
de modos de experimentar a viuvez. Pen- entender. (LISBOA; CREPALDI, 2003).
sando em instrumentos de intervenção que O silêncio diante de algo esperado
contribuam para facilitar o luto na viuvez,
o objetivo do artigo de reflexão é buscar
pode ser um dos motivos culturais que
estratégias de intervenções baseadas nas tornam o luto, segundo Parkes (1998),
técnicas da Terapia Cognitivo-Comporta- um processo doloroso, temeroso, que pro-
mental. Para tanto, abordam-se os fatores move o desenvolvimento de dores físicas,
envolvidos no luto em virtude da viuvez,
as repercussões desse processo, as diferen- emocionais e psicológicas. A repressão
tes formas de sua expressão na mulher ido- das emoções e a não exposição para o
sa e as técnicas da abordagem cognitivo- ambiente externo dos sentimentos que
-comportamental para realizar um trabalho
circulam nos pensamentos do indivíduo,
de cunho psicológico com mulheres idosas
enlutadas em razão da viuvez. numa forma de aliviar essa tensão, de-
senvolvem a somatização e danificam o
Palavras-chave: Viuvez. Psicologia. Enve- sistema imunológico.
lhecimento. Morte.
A viuvez em idade avançada, dentre
os vários acontecimentos do ciclo de vida,
é um dos mais normativos e, simultanea-

*
Psicóloga com especialização em Terapia de Casal e Família (2011), especialização em Humanização e Ges-
tão do SUS (2009), mestrado em Psicologia Social e Institucional (UFRGS, 2004). Professora da Faculdade
Meridional – Imed e psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Passo Fundo. E-mail: tatiboth@imed.
edu.br. Rua Senador Pinheiro, 304 - Passo Fundo, CEP 99070-220, Bairro Rodrigues.
**
Graduandos em Psicologia pela Faculdade Meridional – Imed - RS.
Recebido em setembro de 2012 – Aprovado em outubro de 2012.
doi:10.5335/rbceh.2012.035

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mente, um dos menos investigados. Além um trabalho de cunho psicológico com


disso, é evidente a falta de projetos e/ou mulheres idosas enlutadas em razão da
expectativas culturais de que as pessoas viuvez, aprofundando as intervenções
com idade avançada possam participar, o da Terapia Cognitivo-Comportamental
que aumenta a dificuldade de superar o em Grupos (TCCG) e considerando que
luto. (SILVA; FERREIRA-ALVES, 2012). o apoio mútuo favorece a ressignificação
Pensar em instrumentos de inter- desse sofrimento.
venção que contribuam para facilitar o
luto na viuvez é de extrema relevância, Os elementos envolvidos nas formas de
pois, em um estudo sobre a mulher ido- vivenciar o luto
sa, Camarano constatou que esse era o
estado conjugal predominante entre o A heterogeneidade de experienciar o
grupo, somando cerca de 40%, seguidos luto reporta a uma variedade de fatores,
de 39% de idosas casadas. Em contra- que, de maneira geral, dependem da
partida, em torno de 70% dos homens relação: a) consigo – história de vida,
eram casados e apenas 13%, viúvos. A personalidade, atividades, recursos
proporção de viúvas tem aumentado com emocionais e financeiros; b) com o côn-
a idade, ao mesmo tempo em que há um juge – tempo de união, vínculo com o
declínio no número de idosas casadas. Os companheiro (se oprimido ou havendo
diferenciais por sexo quanto ao estado excesso de conflitos, geralmente a sensa-
conjugal devem-se à maior longevidade ção é de liberdade; se harmônico, maior
das mulheres e à prevalência da cultura é a probabilidade de um luto difícil); c)
de os homens casarem-se novamente e com a família – se tem apoio dos filhos
com mulheres mais novas. (CAMARA- e netos; d) com amigos – compartilhar
NO, 2002). sofrimento, companheirismo; e) com a
Esse dado revela a necessidade de sociedade – cultura de vivenciar a velhi-
intervir no processo envolvendo o luto ce, espaços para ocupação de seu tempo.
de viúvas idosas, o que conduz a inda- Benincá, Costella e Vivian (2006)
gar qual seria o manejo mais adequado consideram que a forma como cada in-
para essa demanda. Nesse sentido, divíduo encara as dificuldades e perdas,
parece premente contribuir para o es- como a morte do marido, está diretamen-
tabelecimento de uma maneira mais te relacionada à própria história de vida.
adequada de se trabalhar o luto. Assim, Assim, circunstâncias e experiências que
o artigo de reflexão apresenta os fatores constituem a biografia de um sujeito
envolvidos no luto em virtude da viu- influenciam na sua forma de lidar com
vez, as repercussões desse processo, as os problemas e de enfrentá-los, inclusive
diferentes formas de sua expressão na diante da situação de morte do cônjuge
mulher idosa e as técnicas da abordagem na velhice. A história de vida é um dos
cognitivo-comportamental para realizar aspectos constitutivos da personalidade,

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que, de acordo com Doll (2011), depen- positivos e sorrisos apresentam uma
dendo da sua estrutura, pode estar re- melhor adaptação à perda.
lacionada à tendência de ter um olhar Observa-se que viúvas sem ocupa-
mais negativo ou positivo para os acon- ções significativas tendem a ter difi-
tecimentos. Assim, segundo o autor, os culdade em trabalhar o luto, evitando
indivíduos que conseguem ter um olhar enfrentar o problema e adaptar-se a essa
mais positivo para os acontecimentos em nova fase de sua vida. Enquanto a viúva
sua vida, como a perda e as situações es- não começar a distinguir o que é seu e
tressantes do luto, conseguem adaptar- o que foi do outro, a sua mente ainda
-se melhor do que as que se envolvem em estará desorganizada e incapacitando
enfrentamento ruminativo. a elaboração do luto. (PARKES, 1998).
Quanto mais desenvolvidos os me- Além dessa distinção, é necessário
canismos de ajustamento psicológico, fazer uma avaliação do que foi possível
maior a chance de adaptação, presu- durante a união; caso contrário, a culpa
mivelmente, sem grande declínio na encontra um campo fértil. Krüger e
qualidade de vida do idoso. Outros fa- Werlang (2006) entendem a culpa e a
tores envolvidos no luto são as perdas sensação de abandono como elementos
inerentes ao processo de envelhecimento, presentes no luto. Como se supõe, a
ao potencial de mudança do indivíduo, imperfeição é característica do homem
à flexibilidade e resistência para lidar e em suas relações é possível fazer uma
com os desafios e as exigências que autoavaliação e encontrar muitos lapsos,
constituem a sua capacidade de reserva os quais são esperados em nosso compor-
e de autopreservação. (STAUDINGER; tamento imperfeito. Assim, os erros, os
MARSISKE; BALTES, 1995). atropelos, a falta de zelo, uma palavra
Para Benincá, Costella e Vivian mal dita atuam fantasmagoricamente no
(2006), as experiências positivas na vida imaginário diante da ruptura involuntá-
pregressa, como fatores de proteção, ria presente na viuvez.
contribuem para fortalecer a imagem O “e se eu tivesse...” gerado pela
que as idosas viúvas têm de si mesmas. culpa cria inúmeras alternativas para
Nesse sentido, elas podem apresentar preencher as falhas de nossa conduta, e
uma capacidade importante de enfrentar essas condições criadas na virtualidade
e resolver problemas relacionados com não encontram possibilidades de serem
o seu próprio jeito de ser e de encarar reparadas no presente. Portanto, reava-
a vida. O humor, por exemplo, é um re- liar junto a uma rede de apoio as atitudes
curso interno que pode ser considerado que teriam sido possíveis e agora não
um mecanismo de enfrentamento do são mais, além de trazer alívio, pela
luto conjugal, visto que as pessoas que externalização dos sentimentos, pode
se expressam por meio de sentimentos proporcionar uma devolução para o en-

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lutado, de forma a substituir o “e seu eu morrer nessa etapa está naturalmente


tivesse” pelo “eu fiz o que estava dentro relacionado ao cumprimento de finali-
das minhas condições para o momento”. dades para as quais se vem ao mundo.
Nesse sentido, o apoio pode fazer a di- (KASTEMBAUM; AISENBERG, 1983).
ferença entre tristeza e depressão como Em contrapartida, mesmo que de um
maneiras de viver o luto. ponto de vista existencial a finitude seja
Essas redes de apoio, para Neri uma condição inexorável ao ser humano,
(2005), oportunizam amparo emocional, especialmente na longevidade, a perda
reconhecimento, contatos sociais, sen- de um ente querido consiste numa situ-
sação de pertencimento e auxiliam na ação traumática, independentemente da
percepção de suas próprias ações, habi- etapa da vida em que acontece.
lidades e competências. Elas promovem O enorme impacto da viuvez na
um suporte social que configura laços vida das pessoas não se deve apenas à
de reciprocidade e atende à motivação tristeza da ausência, à estranheza na
gregária do ser humano. Silverman mudança do status social ou ao choque
(2004) também salienta que as mulheres de realidade pela alteração das condições
enlutadas que buscam auxílio sentem-se econômicas. Alia-se a isso tudo a dor de
sozinhas e querem alguém para com- perder um grande amor ou, no mínimo,
partilhar seu sofrimento, procurando o companheiro de uma vida, o implacá-
saber como o outro lida com o luto para vel confronto com o fim da existência
encontrar uma forma mais satisfatória terrena, enfrentando, simultaneamente,
de vivenciá-lo. algumas das condições existenciais mais
difíceis de elaboração para o ser humano:
As repercussões do luto a impotência, a solidão e a finitude da
vida. (BENINCÁ; COSTELLA; VIVIAN,
Segundo Doll, 2006).
[...] tratar da viuvez é falar sobre um tema A morte do companheiro tem sempre
altamente sensível e complexo. O enorme
uma representação emocional de vazio. É
impacto que a viuvez causa nas pessoas,
provavelmente, advém do fato de que, ao se quase como se um pedaço de si deixasse
tornar viúva, a pessoa enfrenta dois aconte- de existir concretamente para permane-
cimentos ao mesmo tempo: a separação do cer na memória e no coração. (BENIN-
parceiro e o confronto com a morte e a finali- CÁ; COSTELLA; VIVIAN, 2006). Solidão
dade da existência. (2011, p. 1335).
pode ser, também, proveniente do vazio
A morte representa um fenômeno produzido pela ausência do cônjuge, que
inerente à fase do desenvolvimento não mais habita o cenário cotidiano.
em que essa pessoa se encontra – a Tristeza, mal-estar geral, depressão,
velhice, considerando uma perspectiva desespero, angústia, culpa e solidão são
culturalmente determinada de que o sentimentos que podem vir à tona. (SIL-

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VERMAN, 2004). Porém, Baldin e Fortes situação estressante, e o corpo humano


(2008) lembram que, com o transcorrer se prepara para alguma reação; contudo,
do tempo, estes podem ser cicatrizados. diante da morte, nem a fuga nem a luta
É por meio da sua constituição são formas adequadas de agir, deixando
psíquica, que guia seus pensamentos e a pessoa nervosa, agitada e inquieta. O
comportamentos, que a pessoa tem ca- cansaço extremo percebido por muitas
pacidade para lidar com a realidade ex- pessoas é uma reação ao estresse emocio-
terna. Porém, ao deparar-se com o luto, nal, mas pode ser causado, também, por
a viúva perde parte da sua identidade efeitos como insônia – reação frequente
social, experimentando um sentimento à perda.
de incapacidade e insegurança em si Assim, esse acontecimento traz con-
mesma. sequências para todas as esferas do ser
A distinção entre luto normal e pa- humano, exigindo processos de elabo-
tológico refere-se, mais especificamente, ração e de readaptação acompanhados,
ao tempo pelo qual o sujeito apresenta em geral, por um profundo sentimento
determinadas sintomáticas, tais como de tristeza, problemas de saúde, distúr-
reação de raiva, tristeza, culpa, choro, bios psíquicos, diminuição dos contatos
nervosismo, fraqueza muscular, insônia/ sociais e alterações do status social, entre
hipersonia, desesperança e isolamento. outros. (DOLL, 2011). Salgado (2000)
O luto patológico poderia ser compre- afirma que, independentemente de como
endido como uma dificuldade ao longo o luto é elaborado, a viuvez gera uma
de vários anos para aceitar a perda, série de mudanças e novos sentimen-
apresentando uma desesperança crô- tos com os quais a pessoa enlutada se
nica; portanto, impedindo o enlutado depara.
de reinvestir em outras pessoas ou em
novos objetivos, “paralisando sua vida Formas de vivenciar a viuvez
ocupacional e relacional”. (PARKES,
1998, p. 290). Benincá, Costella e Vivian (2006)
Os comportamentos que podem ser explicam que a rede social favorece a
notados depois da morte do parceiro são: capacidade de adaptação da viúva às
agitação, inquietação, cansaço, choro e novas condições, estando diretamente
uma tendência a se retrair da sociedade. vinculada ao seu potencial de mudança.
De acordo com Doll (2011), em situações Essa capacidade está relacionada a um
de estresse, quando um perigo ou uma contingente de recursos externos – rede
ameaça são percebidos, existem basica- social – e internos – saúde física e capa-
mente duas reações possíveis: o enfren- cidade cognitiva disponíveis no indivíduo
tamento ou a fuga. No caso da morte num dado momento. Dessa maneira,
do parceiro, isso é percebido como uma quando a viuvez acontece na terceira
idade, então, a necessidade de elaborar

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o luto, de adaptar-se à ausência e de estudos. Esses autores referem que, além


superar a tristeza soma-se às demandas das atividades do lar, as mulheres ocu-
inerentes ao envelhecimento, que, por si pam outros territórios, como grupos de
só, já é marcado por perdas e mudanças convivência, entretenimentos diversos,
físicas e psicológicas que interferem na intensificação de atividades religiosas e
maneira de perceber o mundo e de lidar trabalhos voluntários.
com os problemas. Um estudo desenvolvido por Rocha
Porém, Benincá, Costella e Vivian et al. (2005) aponta que as viúvas, após
(2006) ressaltam que a riqueza do con- a perda do companheiro, em médio ou
tingente de recursos internos e externos longo prazo, mostram-se independentes
promove a elaboração da perda conjugal, em relação aos familiares, exercendo ou-
a despeito da tristeza e da dor. Assim, as tras atividades desvinculadas do grupo
viúvas podem encontrar novas possibi- familiar, porém mantendo boa relação
lidades pela mudança da percepção de com os seus. Observa-se, na atualidade,
si mesmas e da sua condição. Em suma, um grande envolvimento social, princi-
podem descobrir outras perspectivas, palmente da mulher, pela participação
até então adormecidas, sendo capazes de em grupos de terceira idade, nos quais
dirigir sua vida para novos horizontes e elas realizam atividades culturais, ar-
interesses – grupos de convivência para tesanais, educacionais, turísticas, entre
terceira idade, cursos, hobbies, viagens outras. O convívio com outras pessoas
etc. é uma forma de manter a idosa ativa,
Motta (2005) traz uma importante evitando que permaneça reclusa em seu
reflexão acerca das mudanças rela- lar. (ROCHA et al., 2005).
cionadas aos comportamentos sociais A decisão de participar de algum
esperados das viúvas. Aponta que, até grupo deve partir do próprio idoso, sem
meados do século XX, esperava-se que imposições ou pressões de terceiros.
as mulheres se fechassem para a vida, Tornar-se participante de um grupo de
marcando sua atitude com a seriedade terceira idade é de grande valor para a
das roupas pretas. Porém, a entrada da promoção de uma velhice mais saudável,
mulher no mundo do trabalho, somada visto que pode dar um novo sentido a
a outras conquistas nos espaços sociais, essa etapa da vida, por romper os pa-
permite-lhe viver a viuvez de diversas radigmas da sensação de inutilidade,
formas. À mulher idosa, que pode estar auxiliando no processo de elevação da
aposentada e com os filhos já adultos, autoestima e, consequentemente, na
são direcionados espaços sociais que interação da pessoa no seio familiar e
abrem diferentes possibilidades, como social. (MIGUEL; FORTES, 2005).
constatam Motta (2005), Rocha et al.
(2005), Baldin e Fortes (2008) em seus

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Uma abordagem para o luto na viuvez da mulher idosa

Estratégias para lidar com o luto é determinante de como irá enfrentá-


-lo, sendo influenciado pelas deman-
Procedendo-se a uma revisão de das ambientais e crenças individuais.
pesquisas realizadas por Stroebe e Schut A autora reforça que “essa avaliação é
(2001), verifica-se a importância dos flexível, já que a pessoa pode modificar
processos cognitivos no processo de luto. suas estratégias a partir do monitora-
Eliminar os pensamentos voltados para mento dos resultados obtidos por meio
a perda e o luto pode dificultar a adapta- do enfrentamento”. (2005, p. 75).
ção, assim como ficar ruminando a ideia É preciso dispor de estratégias que
da perda, concentrando-se nos aspectos contribuam para um processo de luto
e significados angustiantes, de forma mais adaptativo, envolvendo emoção,
repetitiva. Essa atitude traz, também, cognição e comportamento, pois esses são
dificuldades na adaptação, associando- elementos que influenciam e expressam
-se a altos índices de depressão alguns o modo como as pessoas organizam o
meses depois da perda. seu mundo e lhe atribuem um sentido.
Adaptação significa maximizar as Portanto, intervenções que interfiram
possibilidades individuais, reorganizan- favoravelmente nesses aspectos são re-
do a vida perante as limitações percebi- levantes para uma readaptação da vida
das, ajustando-se às diversas situações, na viuvez.
individualmente ou com a ajuda de
outros. É um processo contínuo de atua­ Terapia Cognitivo-Comportamental
lização das potencialidades pessoais e Grupal (TCCG)
de aprender a viver com as limitações,
explorando e utilizando ao máximo seus A Terapia Cognitivo-Comportamen-
recursos disponíveis como fatores de tal deve minimizar os efeitos emocionais
proteção. (SILVA; VARELA, 1999). causados pela perda do cônjuge, obser-
Quando é relacionada a um ente vando o seu funcionamento disfuncional
querido, a morte configura uma situa- e as alterações cognitivas e comporta-
ção dramática com a qual todos têm de mentais, a fim de possibilitar o desen-
conviver, independentemente da etapa volvimento de readequação do enlutado.
da vida. A perda do cônjuge, assim como A melhor abordagem a esses pacientes
de outras pessoas próximas, requer que deverá se dar de forma empática, enten-
o sujeito reconfigure-se e lance mão de dendo o momento que o indivíduo vive.
estratégias para o enfrentamento da dor (MILLER; ROLLNICK, 2001).
e para a superação das dificuldades que Essa terapia é estruturada conforme
são decorrentes dessa morte. (BENINCÁ; a teoria de Beck, focada na interação dos
COSTELLA; VIVIAN, 2006). Para Neri, pensamentos, sentimentos e comporta-
a avaliação que a pessoa faz do problema mentos dos indivíduos. Sendo assim, a

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TCCG faz uso desses mesmos pressupos- • Altruísmo: é um conjunto de con-


tos, adaptando-os a situações de grupos. tribuições que cada participante
(OLIVEIRA et al., 2011). da terapia grupal pode dar para
Ao descrever-se o processo grupal na ajudar os demais, tais como acon-
TCC observam-se diferentes perspecti- selhamentos, apoio, empatia ou
vas do que este vem a ser. Conforme Bie- compreensão, trazendo benefício a
ling, McCabe e Antony (2008), o processo todos os indivíduos do grupo.
grupal trata-se de mecanismos de mu- • Recapitulação corretiva do grupo
dança que emergem de cada indivíduo, familiar primário: está relacionada
interferindo, assim, no grupo, incluindo a uma experiência histórica insa-
o desenvolvimento, fatores terapêuticos, tisfatória em seu primeiro grupo
grau e sincronia da estrutura grupal de apoio. Por meio das interações
e feedback interpessoal. Yalom (2008) entre si e com os outros, ocorre a
identifica esse processo como sendo a re- tomada de consciência de que cada
lação e a interação entre indivíduos com um é responsável pelas mudan-
objetivos ou características em comum. ças nas formas disfuncionais de
A TCCG proporciona aos integrantes do relacionar-se.
grupo possibilidades de criarem juntos • Desenvolvimento de técnicas de
novos comportamentos, mais adaptati- socialização: diz respeito à aprendi-
vos, para posteriormente aplicarem, em zagem social. Os membros do grupo
nível individual, esses novos aprendiza- têm a oportunidade de desenvolver
dos. (OLIVEIRA et al., 2011). suas habilidades sociais básicas
Yalom (2008) cita fatores terapêu- dentro da terapia.
ticos que devem estar no dia a dia das • Comportamento imitativo: por
pessoas e ser estimulados num ambien- meio dele, os participantes podem
te de grupo com o objetivo de produzir modelar-se com base em caracterís-
mudanças que são definidas de forma ticas dos outros membros do grupo
detalhada. ou do terapeuta.
• Instilação de esperança: é quando • Catarse: é a verbalização do grupo
um membro relata ao grupo expe- ao terapeuta e aos demais inte-
riências pessoais, levando a que grantes.
os demais tenham motivação para • Coesão grupal: processo de inter-
reestruturar-se. venção grupal no qual se estabelece
• Universalidade: é quando os mem- o sentimento de pertencimento en-
bros do grupo escutam relatos tre todos os membros do grupo. Na
semelhantes aos seus, de modo a terapia grupal, equivale à aliança
sentirem-se acolhidos, o que serve terapêutica na terapia individual,
como uma poderosa fonte de alívio. podendo ser definida como as con-

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dições que mantêm os membros no cionais, comportamentais e fisio-


grupo. lógicas. (KNAPP; BECK, 2008).
• Processo emocional no formato Com o auxílio desse instrumento,
grupal: o contexto grupal permite o paciente é capaz de identificar o
a expressão e o processamento evento perturbador e o pensamento
livres de emoções, pensamentos e automático que teve. A partir disso,
comportamentos, possibilitando a o segundo passo é descobrir a vera-
identificação de metas terapêuticas cidade desse pensamento, ou seja,
para intervenção. as evidências que o fazem ser real.
(BASSO; WAINER, 2011).
Estratégias terapêuticas • Registro de pensamentos disfun-
cionais (RPD): grande parte dos
Conforme os objetivos que se busca indivíduos não tem consciência
alcançar ao desenvolver a psicotera- de que pensamentos automáticos
pia em grupo, com base na TCC e nos negativos antecedem sentimentos
pressupostos teóricos, são sugeridas desagradáveis e inibições compor-
algumas maneiras de abordar e aplicar tamentais e que as emoções são
estratégias que irão auxiliar no processo consistentes com o conteúdo dos
de elaboração do luto por parte dessas pensamentos automáticos. Para
viúvas, contribuindo para o aprendizado aumentar a consciência desses
e a modificação dos pensamentos e com- pensamentos, os idosos podem
portamentos distorcidos nessa fase que aprender a identificá-los e, com
vivenciam. A seguir, são apresentadas treinamento sistemático, localizar
algumas estratégias no desenvolvimento exatamente que tipo de pensamen-
da terapia em grupo: to ocorreu imediatamente antes de
• Reestruturação cognitiva: por meio uma emoção, um comportamento e
de uma cooperação entre terapeuta uma reação fisiológica como resul-
e paciente, é possível identificar tado desse pensamento (sequência
pensamentos irracionais com ve- ABC). O exercício de RPD pode ha-
rificações de evidências favoráveis bilitar esses idosos a descobrirem,
e contrárias aos pensamentos esclarecerem e transformarem os
disfuncionais, com o objetivo de significados que lhes impuseram
examinar e descobrir outros pen- eventos perturbadores e arranjar
samentos mais adaptativos. Assim, uma resposta alternativa ou ra-
pode ser aplicado o modelo A-B-C, cional que os explique. (KNAPP;
que ressalta que qualquer situa- BECK, 2008).
ção ou adversidade é ativador (A) • Resolução de problemas: funciona
de crenças (B) que, em seguida, como meio de avaliar a situação em
irão gerar consequências (C) emo-

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questão, na tentativa de ressignifi- seria mantendo as emoções em


car o problema e potencializar o que equilíbrio. Dessa forma, o enlutado
ainda está organizado no indivíduo, é encorajado a desenvolver resolu-
buscando um equilíbrio entre am- ção dos seus problemas de acordo
bos os mecanismos envolvidos. O com as suas próprias habilidades.
paciente deve ter percepção sobre A motivação consiste em um con-
o seu funcionamento distorcido e junto operacional de mecanismos
eleger, de forma satisfatória, al- biopsicossociais que estimulam
ternativas para os problemas que determinada ação, podendo servir
envolvem o luto. (NEZU; NEZU, para alcançar objetivos ou fugir
1999). de algo incômodo. Sendo assim,
• Treino de habilidades sociais: vol- quanto mais motivado o indivíduo,
tado a proporcionar o treinamento mais resultado positivo a terapia
nos comportamentos interpessoais irá produzir, pois as ações desen-
no grupo, envolvendo o ambiente volvem comportamentos de acordo
e as redes de apoio. Por meio da com a estimulação do paciente por
modelagem, o indivíduo, em con- parte do terapeuta. (LIEURY; FE-
tato com o outro, produz feedbacks NOUILLET, 2000)
positivos quando compartilha de
suas experiências. Isso poderá Conclusão
contribuir de forma que cada com-
ponente se reestruture e possa, Este artigo refletiu sobre a possibi-
de acordo com seus conteúdos, lidade de a Teoria Cognitivo-Compor-
criar uma nova maneira de perce- tamental oferecer instrumentos para
ber essa realidade e modificá-la. promover a modificação de padrões de
(WESSLER, 1996). Os indivíduos funcionamento disfuncionais, podendo
enlutados podem apresentar uma ser usados nas terapias com idosas dian-
predisposição a pensamentos ne- te da viuvez, a fim de auxiliá-las nesse
gativos devido ao momento em que evento provedor de sofrimento.
estão, o “luto”. Dessa forma, o tera- Conforme o estudo realizado, cons-
peuta deve auxiliá-lo a desenvolver tata-se que o processo de luto é difícil
maneiras de adaptar-se a situações e acarreta problemas biopsicossociais e
que poderão ocorrer nesse processo. comportamentais nos indivíduos. A dor
• Motivação: indivíduos sem moti- em consequência da perda de alguém
vação não conseguirão obter êxito importante na vida gera desorganização
no processo terapêutico. Uma e confusão no modo de perceber o mundo,
forma de o terapeuta trabalhar a as relações e as possibilidades futuras.
motivação e o vínculo do paciente Sendo assim, o trabalho do psicólogo é
importante nesse processo.

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Uma abordagem para o luto na viuvez da mulher idosa

O principal objetivo do estudo foi nitivo-Comportamental. Revista Brasileira


ampliar o conhecimento de conteúdos de Terapias Cognitivas, São Paulo, v. 7, n. 1,
p. 35-43, jan. 2011.
ligados à TCC, a fim de auxiliar na tera-
BIELING, P. J.; McCABE, R. E.; ANTONY,
pia de mulheres idosas que passam pelo
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