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A Mulher e o Dragão no

Apocalipse
 Daniel Conegero

O capítulo 12 do livro do Apocalipse onde é narrado o relato sobre a mulher e o


dragão, é um dos mais conhecidos e debatidos desse livro. A figura do dragão
como símbolo de Satanás, e a figura do filho da mulher como sendo Jesus, é
praticamente um consenso. Porém, todo esse debate fica por conta da seguinte
pergunta: Quem é a mulher em Apocalipse 12?
Existem diversas interpretações que se propõem a responder esta pergunta. A
seguir, conheceremos algumas destas interpretações, e qual delas é a que se
apresenta mais coerente com as Escrituras.

Quem é a mulher em Apocalipse 12?


 A mulher é Maria: essa é a interpretação defendida pela Igreja Católica,
que entende que a mulher é um símbolo de Maria. Essa é uma das passagens
mais utilizadas pelo catolicismo para defender uma ascensão de Maria ao céu.
 A mulher é a Nação de Israel: essa é a interpretação preferida por quem
defende o Pré-Milenismo Dispensacionalista, mas também existem estudiosos
de outras linhas escatológicas que defendem essa posição. Nessa interpretação,
os 1260 dias em que a mulher foge para o deserto, representam o período de
Grande Tribulação.
 A mulher é a Igreja: essa interpretação entende que tanto no Antigo
Testamento quanto no Novo Testamento, a Igreja é uma só, logo, a mulher é um
símbolo da Igreja.

A Mulher e o Dragão: Qual a melhor é a


melhor interpretação?
Primeiramente, é importante entender a estrutura de organização do conteúdo do
Apocalipse, bem como seu estilo literário. Sabemos que basicamente existem duas
maneiras de organizar o livro, sendo: em ordem sucessiva e cronológica; e em
ordem paralela progressiva. Você pode saber mais sobre isso lendo o texto “Leitura
de Sucessão ou Recapitulação em Apocalipse?“.
Após entender que a Leitura de Recapitulação, ou Paralelismo Progressivo, é a que
melhor se encaixa ao conteúdo do livro, é possível identificar as sete seções as
quais o livro está internamente dividido, ou seja, no Apocalipse a mesma história
que compreende desde a primeira até a segunda vinda de Cristo é contada várias
vezes, porém com ângulos ou focos diferentes.

As sete seções também podem ser organizadas em duas grandes seções, sendo a
primeira entre os capítulos 1 ao 11 (agrupando três seções menores), e a segunda
entre os capítulos 12 ao 22 (agrupando quatro seções menores, e totalizando as
sete seções).

O tema de ambas as divisões maiores do livro é o mesmo, isto é, a vitória de Cristo


e de sua Igreja. Mas, enquanto a primeira grande seção nos mostra a luta externa
entre a Igreja e o mundo, a segunda grande seção nos mostra a profundidade por
trás das cenas, ou seja, nos mostra uma guerra que os olhos carnais não podem
ver. Então, enquanto na primeira seção vemos o conflito entre a Igreja e o mundo
iníquo, na segunda seção vemos porque existe esse conflito, quando João nos
informa de outro conflito, o conflito entre Cristo e Satanás (o dragão).

Voltando às sete seções menores, na primeira seção (Os Sete Candeeiros caps. 1-3)
vemos como Cristo se revela através de sua Igreja, e como Ele a conhece
profundamente. Na segunda seção (Os Sete Selos caps. 4-7) vemos a perseguição
clara do mundo contra essa Igreja. Na terceira seção (As Sete Trombetas caps. 8-11)
temos o juízo parcial de Deus, também como resposta às orações da Igreja
perseguida, sendo derramado em forma de aviso contra o mundo perseguidor. E,
finalmente, na quarta seção em questão (caps. 12-14) temos o dragão e seus
aliados atacando a Igreja como reflexo da luta que os olhos não veem, como já
foi citado.
No capítulo 12 vemos que o propósito principal do dragão é destruir o filho da
mulher (Cristo). Por conta disso, a mulher é perseguida por ele, a fim de que o
nascimento do menino fosse evitado. Esse conflito é anunciado ainda no livro de
Gênesis 3:15:
E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua
semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.
(Gênesis 3:15)
A “semente” da mulher em Gênesis 3 é o “filho varão” em Apocalipse 12, bem
como a “serpente” é o “dragão” (Ap 12:9). Podemos ver a realidade desse conflito
anunciado no primeiro livro da Bíblia e por todo o Antigo Testamento, com a
tentativa de Satanás em frustrar a promessa inicial de Gênesis.

Ainda no Antigo Testamento temos várias referências que comprovam que a o


simbolismo da mulher no Apocalipse é uma referência a Igreja (cf. Is 50:1; 54:1; Os
2:1;), e essa Igreja forma um só povo escolhido em Cristo, um só rebanho, um só
corpo, uma só esposa, uma única nação santa, um povo de propriedade exclusiva
de Deus (Is 54; Am 9:11; Mt 21:33; Rm 11:15-24; Gl 3:9-16,29; Ef 2:11; Ef 5:32; 1Pe
2:9; Ap 4:4; 21:12-14). O Apóstolo Paulo afirma que Abraão é pai de todos os
crentes, circuncidados ou não.
Com base nisso tudo, creio que já começa ficar claro qual é a posição mais
coerente sobre a identidade da mulher, não é mesmo? O tema principal do livro do
Apocalipse é a vitória de Cristo e de sua Igreja. Portanto, não faria qualquer sentido
uma citação repentina sobre Maria ou sobre o Israel étnico. Isso quebraria o estilo,
a organização e o raciocínio do conteúdo do livro do Apocalipse.

Além do mais, qual seria a importância prática para os irmãos das sete igrejas da
Ásia menor, que estavam vivendo uma intensa perseguição pelo Império Romano,
uma descrição de Israel ou de Maria como sendo a mulher perseguida no capítulo
12?

Considerando o contexto histórico, não faria muito mais sentido aqueles irmãos
entenderem que a mulher é um símbolo da Igreja? Certamente essa foi a
interpretação daqueles irmãos, que puderam ver a guerra que existe por trás da
perseguição a Igreja de Cristo sofre.

É claro que Maria está incluída como membro que desempenhou um papel
fundamental nesse grupo simbolizado pela mulher, bem como o próprio Israel, a
qual tivera a revelação especial de Deus (Rm 2; 3) e formava a Igreja do Antigo
Testamento, embora claramente não devemos entender que todos os judeus do
Antigo Testamento fizeram parte da Igreja, portanto há uma diferença entre o Israel
étnico e o Israel como Igreja do Antigo Testamento.
Logo, a mulher é um símbolo da única Igreja de Cristo em todos os
tempos. Para uma melhor compreensão, devemos perceber que o capítulo 12
primeiramente enfatiza a Igreja do Antigo Testamento, e após o versículo 13 a
descrição passa a incluir os santos da nova dispensação, enfatizando a Igreja do
Novo Testamento. O versículo 17 deixa isto muito claro ao dizer que o dragão “foi
pelejar com os restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de
Deus e têm o testemunho de Jesus“.

A descrição da mulher
O capítulo 12 faz uma descrição da mulher. Ela está vestida de sol (vers. 1), o que
significa que ela é gloriosa e exaltada, e reflete o brilho da glória de Deus. Ela tem a
lua debaixo de seus pés (vers. 1), isto é, ela exerce domínio pela autoridade
outorgada pelo próprio Cordeiro. Ela tem em sua cabeça uma coroa de doze
estrelas (vers. 1), ou seja, ela é vitoriosa, ela é vencedora.

A mulher está grávida (vers. 2), o que significa que ela tem uma grande missão: dar
a luz a Cristo segundo a carne (Rm 9:5). Aqui é mais uma clara referência a Igreja do
Antigo Testamento, através de um povo especialmente escolhido por Deus pela
qual o Messias viria ao mundo. Esse processo não foi nada fácil. O dragão
perseguiu ferozmente esse povo, essa igreja, essa mulher, mas Deus a guardou, e
na plenitude dos tempos Jesus nasceu.

Por fim, vemos também que a mulher é protegida por Deus (vers. 6, 14). O livro do
Apocalipse mostra essa proteção de forma maravilhosa. Nele, sabemos que a Igreja
é selada (Ap 7:3; 9:4), é medida e separada (Ap 11:1), e no capítulo 12 vemos que
ela recebe asas (vers. 14).

Tudo isto significa que Deus protege pessoalmente o seu povo do poder
perseguidor do dragão e de seus aliados. Durante 1260 dias, que simboliza o
período da Igreja e da pregação do Evangelho, a Igreja estará protegida. Isso não
significa ausência de problemas, ao contrário, significa que nada pode parar o
avanço da pregação da Palavra, de modo que, se for preciso, Deus concede poder
aos seus eleitos para que sejam mortos por amor ao seu nome (Ap 6:9,11; 14:13).

A descrição do Filho da mulher


Aqui não há qualquer dúvida de que o Filho da mulher é o Messias. No versículo 5
mostra esse “Filho homem” como alguém muito poderoso “que há de reger as
nações com cetro de ferro“. Essa é uma citação do Salmo 2:9, que é um salmo
messiânico, inclusive aplicado pelo próprio Cristo em Apocalipse 2:27.
O versículo 5 mostra que esse Filho subiu ao céu para assentar-se no trono. Aqui
está englobado todo o processo de exaltação de Cristo, desde sua humilhação,
morte, ressurreição até sua ascensão ao céu. Finalmente o versículo 10 deixa
explicito de que o Filho da mulher se trata de Jesus, ao dizer que “agora é chegada
a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo“.

A descrição do dragão
O dragão simboliza Satanás (Ap 20:2), um ser pessoal que possui uma grande
obsessão em atacar o Filho da mulher. Ele possui sete cabeças coroadas, que
simbolizam seu domínio mundial (cf. Lc 11:20-22; At 26:18; Ef 2:2; 6:12; Cl 1:13).
Essas coroas não são coroas de glória e de vitória, mas coroas de pretensa
autoridade, pois ele tenta ser um imitador do Cordeiro. Os dez chifres simbolizam o
seu poder destrutivo. O próprio Jesus disse que o dragão “veio para matar, roubar
e destruir” (Jo 10:10).
Porém algo importante é descrito: Satanás cai. O capítulo 12 mostra que Miguel e
seus anjos lutaram contra o dragão e seus anjos, e o dragão e seus anjos não foram
apenas derrotados, mas também foram expulsos do céu e lançados à terra (vers. 9).

Aqui sabemos que, ao contrário do que muita gente pensa, a morada de Satanás é
a terra. Essa expulsão não se refere a uma queda inicial de Satanás, mas de sua
derrota no tempo da crucificação e ressurreição de Cristo (Jo 12:31; Cl 2:15; Ap
12:12)

No versículo 10 se escuta uma grande voz no céu dizendo que “o acusador de


nossos irmãos é derrubado“. O significado dessa expressão fica claro em Jó 1:9-10.
Com a morte, ressurreição e ascensão de Cristo ao céu, Satanás sofre uma derrota
esmagadora, anulando qualquer acusação contra aqueles que estão em Cristo
Jesus. O capítulo 12 revela Satanás sendo lançado na terra, já o capítulo 20 revela
Satanás sendo lançado definitivamente no Lago de Fogo.
Como ele falhou em destruir o Filho da mulher, agora ele volta sua atenção para a
mulher. Ele tenta afogar a Igreja com um rio de mentiras, desilusões e falsas teorias
filosóficas, e, com toda sua cólera ele pelejará contra os fiéis (vers. 17), porém Deus
os protege.

Por fim, nos capítulos seguintes do Apocalipse, vemos que conforme o dragão vai
sendo frustrado em seus planos, e vê suas mentiras e fraudes não surtirem efeito
diante da Igreja verdadeira, ele recruta alguns aliados para lhe servirem nessa
missão: a besta que sobre do mar, a besta que sobe da terra e a grande Babilônia.
Mas o dragão, e todos os seus aliados serão derrotados (caps. 17-20).
Para concluir, reconheço que todas as correntes escatológicas possuem suas
dificuldades, isso pelo simples fato de que a segunda vinda de Cristo e a
consumação da presente era ainda não ocorreram. Portanto, embora pessoalmente
eu não concorde com algumas interpretações por não encontrar fundamentação
bíblica suficiente, respeito meus irmãos em Cristo que adotam uma posição
diferente da minha. O melhor de tudo é que juntos temos a esperança de que um
dia iremos compreender todas essas coisas definitivamente ao lado do nosso
Senhor.

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