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“Sacrários Abandonados”
AUTOR: IR. LUCILIA LINS BRANDÃO VEAS, EP
Ora, se a vinda de Jesus no Natal nos faz sentir tanto gáudio, com maior razão
deveríamos vibrar de entusiasmo ao aproximarmo-nos de um sacrário, onde está o
mesmo Jesus, real e verdadeiramente presente em Corpo, Sangue, Alma e
Divindade, sob as Espécies Eucarísticas.
Por isso Deus não deixa de suscitar ao longo dos tempos almas fervorosas que O
adorem no tabernáculo, assim como Ele chamou outrora os pastores e os Magos a
Belém. Entre estas almas especialmente devotas da Divina Eucaristia cabe destacar
uma, cuja vida hoje nos ocupa: Dom Manuel González García, o “Bispo do Sacrário
Abandonado”.
Chamado ao sacerdócio desde a infância
Nasceu ele em Sevilha, a 25 de fevereiro de 1877. Sua família era muito católica,
sobretudo a mãe, piedosa senhora que desde tenra juventude nunca deixara de assistir à
Missa e comungar todos os dias.
A infância, passou-a tranquila junto aos pais e irmãos. Embora em casa nada de
essencial lhe faltasse, alguns de seus pueris desejos nunca puderam ser satisfeitos,
como, por exemplo, possuir um burrico com o qual brincar e passear. Todavia, o fato de
não terem sido atendidos alguns destes anseios de criança levaram-no, anos depois, a
dar graças a Deus, porque com isso, dizia ele, aprendera a bem governar seus gostos
pessoais, a ter um conhecimento mais real da vida e a compadecer-se dos necessitados.
Outro fato da época de seminarista revela-nos seu zelo pela vocação: aproximando-se o
tempo do serviço militar, pôs sua causa nas mãos do Sagrado Coração de Jesus e de
Maria Imaculada, pedindo-Lhes que o livrassem deste risco para sua vocação. No
entanto, acabou sendo chamado às filas… Confiante, não se perturbou. Havia ainda a
possibilidade de se pagar um indulto de 1.500 pesetas para obter a dispensa.
Apesar de não ver nos aldeões a sede das coisas divinas – e talvez exatamente por este
motivo! -, desejava ser para as almas como Cristo na Sagrada Hóstia: doar-se com amor
até o sacrifício e por toda a vida. Com este propósito no coração foi ordenado
presbítero, em 21 de setembro de 1901, aos 24 anos de idade.
Passou os três primeiros anos de sua vida sacerdotal pregando nas igrejas da Diocese de
Sevilha. Incansável na cura de almas, também o era no zelo por Jesus Sacramentado.
Numa de suas missões, em Palomares del Río – cidade-fantasma em matéria de
frequência à igreja e aos Sacramentos -, recebeu o chamado para ser reparador dos
“Sacrários Abandonados”.
Tendo ouvido do sacristão o relato da pouca piedade de seus habitantes, descreve-nos
ele mesmo o que se passou: “Fui direto ao sacrário da restaurada igreja, em busca de
asas para meu entusiasmo quase desfalecido e… que sacrário! Que esforços tiveram de
fazer minha fé e meu ânimo para eu não montar no burro, que ainda estava amarrado à
porta da igreja, e voltar correndo para minha casa! Mas não fugi! […] Ali, de joelhos
ante aquele monte de farrapos e sujeiras, minha fé via através daquela velha portinha
um Jesus tão calado, tão paciente, tão menosprezado, tão bom, que me fitava… Parecia-
me que depois de percorrer com sua vista aquele deserto de almas, pousava em mim seu
olhar, entre triste e suplicante, que me dizia muito e me pedia mais…”.
A partir de então, foi por toda a vida um adorador e reparador de Nosso Senhor
abandonado nos sacrários, e procurou transmitir seu espírito de reparação a todos
quantos se colocaram sob sua direção, sobretudo aos sacerdotes, pois bem sabia que do
exemplo deles depende muito a fé e a devoção do povo católico.
A graça recebida em Palomares del Río calou fundo no espírito do padre Manuel.
Sempre que narrava o episódio, parecia revivê-lo. Foi esta graça ali recebida que deu
rumo ao seu ministério sacerdotal e a muitas de suas iniciativas pastorais.
Mais tarde, fundou a obra dos Discípulos de São João. Ambas as iniciativas tinham por
objetivo primordial incentivar os fiéis – homens e mulheres – a promoverem adoração e
reparação diante dos “sacrários-calvários”, a exemplo de Maria Santíssima, Maria
Madalena, Maria de Cléofas e São João Evangelista, aos pés da Cruz.
Sobre seu intenso trabalho para reparar os “Sacrários Abandonados”, dizia: “Não é que
não existam ou nos importem pouco outros males que ofendem a Deus e afligem nossos
irmãos, senão que deixamos a outras obras e instituições, nascidas ou especializadas
para isso, o remédio para os outros males, pois estes não são mais que efeito ou
sintomas do gravíssimo e transcendental mal do abandono”.
Há pouco mais de uma década à testa da Diocese de Málaga, Dom Manuel vê seu
palácio episcopal ser consumido pelas chamas, sem ter meios de evitá-lo. Para salvar a
própria vida precisou refugiar-se na vizinha Gibraltar, e ali permaneceu exilado por
alguns meses. Estabeleceu-se mais tarde em Ronda, mas logo seguiu para Madri, de
onde acompanhava os acontecimentos de sua diocese. Em 1935, foi nomeado Bispo de
Palência, cidade em que passou o último período de sua vida.
Em novembro de 1939, sua saúde, já debilitada, sofreu grande abalo com uma
enfermidade renal, e em 31 de dezembro foi transladado ao Sanatório do Rosário, em
Madri, onde na madrugada de 4 de janeiro de 1940, aos 62 anos de idade, entregou sua
alma a Deus.
Seus restos mortais foram depositados aos pés do Santíssimo Sacramento, na Catedral
de Palência. Sobre a lápide de mármore branco, ficou gravado o seguinte epitáfio, por
ele mesmo composto: “Peço ser enterrado junto a um sacrário, para que meus ossos,
depois de morto, como a minha língua e a minha pena durante a vida, estejam sempre
dizendo aos passantes: Aí está Jesus! Aí está! Não O deixeis abandonado!”. (Revista
Arautos do Evangelho, Janeiro/2016, n. 169, pp. 32 a 35)