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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ANA CAROLINA FERREIRA MENDES

TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA PAISAGEM CONSTRUÍDA DA CIDADE DE


SÃO PAULO.
O EIXO DA RUA AUGUSTA, DO CENTRO À MARGINAL PINHEIROS.

São Paulo
2014
ANA CAROLINA FERREIRA MENDES

TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA PAISAGEM CONSTRUÍDA DA CIDADE DE


SÃO PAULO.
O EIXO DA RUA AUGUSTA, DO CENTRO À MARGINAL PINHEIROS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. José Geraldo Simões Junior

São Paulo
2014
M538a Mendes, Ana Carolina Ferreira.
Transformações recentes na paisagem construída da
cidade de São Paulo: o eixo da rua Augusta, do Centro à
Marginal Pinheiros / Ana Carolina Ferreira Mendes. – 2014.
183 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –


Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
Referências bibliográficas: f. 179-183.

1. Rua Augusta. 2. Avenida Cidade Jardim. 3.


Morfologia Urbana. 4. Transformação da paisagem
construída. I. Título.

CDD 711.4098161
ANA CAROLINA FERREIRA MENDES

TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA PAISAGEM CONSTRUÍDA DA CIDADE DE


SÃO PAULO.
O EIXO DA RUA AUGUSTA, DO CENTRO À MARGINAL PINHEIROS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________
Prof. Dr. José Geraldo Simões Junior – Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________
Profa. Dra. Ruth Verde Zein
Universidade Presbiteriana Mackenzie

__________________________________________________________________________________ 

Prof. Dr. Candido Malta Campos Filho

Universidade de São Paulo


A meus pais.
AGRADECIMENTOS

Ao professor José Geraldo Simões Junior, meu orientador, com seu olhar
sempre otimista, pela preciosa orientação.
Aos professores do Stricto Sensu pelas oportunas correções de rotas do
percurso.
Ao escritório Biselli + Katchborian pelo constante incentivo a essa pesquisa.
Aos novos amigos que fiz ao longo do Mestrado, pelos debates
enriquecedores.
À meus pais, pelo apoio incondicional.
RESUMO

A pesquisa tem por objetivo o levantamento, análise e crítica das transformações


recentes na paisagem construída pelas quais São Paulo tem passado,
especificamente em um eixo selecionado de seu quadrante sudoeste, historicamente
dos mais valorizados da cidade. O eixo selecionado para estudo liga a região central
à Marginal Pinheiros, iniciando-se na Rua Martins Fontes, continuando pela Rua
Augusta, Rua Colômbia, Avenida Europa e finalmente culminando na Avenida
Cidade Jardim. Diversas são as morfologias urbanas presentes ao longo desse eixo,
que se formou e se consolidou ao longo do século XX, e importantes são as
mutações que as transformações recentes têm trazido a esses tecidos pré-
existentes. Tais transformações revelam-se resultado da legislação construtiva que
as viabiliza, bem como da ação da sociedade que de diversos modos as incentiva,
seja através da incorporação de determinado produto imobiliário, ou do modo de
vida escolhido pelos cidadãos. A paisagem construída tem passado por mutações
em todo o eixo da Rua Augusta, especificamente nos trechos Baixo Augusta e
Cidade Jardim, através de intensa verticalização e homogeneização da linguagem e
produtos arquitetônicos oferecidos, quando comparada à paisagem pré-existente.

Palavras-chave: Rua Augusta, Avenida Cidade Jardim, Morfologia Urbana,


Transformação da Paisagem Construída.
ABSTRACT

The research aims to survey, analyze and criticize the recent transformations taking
place in São Paulo urban landscape, specifically in a selected axis located in the
southwestern area of the city, historically it's most valued location. The selected axis
connects Downtown and Marginal Pinheiros, starting in Martins Fontes St.,
continuing through Augusta St., Colômbia St., Europa Avenue and, finally, reaches
Cidade Jardim Avenue. Several urban morphologies take place all over this axis,
formed and consolidated during the 20th century, and important mutations are
happening in this pre-existing urban fabric. Such transformations reveal themselves
as a result of the constructive laws, and also of the society action which in several
ways happens to encourage, through the products of the real estate market or the
way of life citizens chose. The built landscape throughout the Augusta St. axis is now
changing, specifically in sections Baixo Augusta and Cidade Jardim, through intense
verticalization and homogenization of architectural language and products offered,
compared to the pre-existing landscape.

Key-words: Augusta Street, Cidade Jardim Avenue, Urban Morphology, Urban


Landscape Transformation.
SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................p. 08
1 Eixo Rua Augusta – Avenida Cidade Jardim e a escala urbana...........p. 16
1.1 O eixo da Rua Augusta e as centralidades rumo ao sudoeste....................p. 17
2 Eixo Rua Augusta – Avenida Cidade Jardim e a escala local...............p. 38
2.1 Aspectos metodológicos.............................................................................p. 39
2.2 Aspectos históricos......................................................................................p. 42
2.3 Aspectos atuais............................................................................................p. 79
2.3.1 Setor 1 - Rua Martins Fontes e Rua Augusta, da Avenida São Luis à
Rua Caio Prado.................................................................................p. 85
2.3.2 Setor 2 - Rua Augusta, da Rua Caio Prado à Rua Matias Aires.......p. 88
2.3.3 Setor 3 – Rua Augusta, da Rua Matias Aires à Avenida Paulista.....p. 91
2.3.4 Setor 4 – Rua Augusta, da Avenida Paulista à Alameda Tietê.........p. 94
2.3.5 Setor 5 – Rua Augusta, da Alameda Tietê à Rua Estados Unidos...p. 97
2.3.6 Setor 6 – Rua Colômbia e Avenida Europa, da Rua Estados Unidos à
Rua Itália.........................................................................................p. 100
2.3.7 Setor 7 – Avenida Cidade Jardim, da Rua Itália à Marginal
Pinheiros.........................................................................................p. 104
3 Análise da paisagem construída atual..................................................p. 107
3.1 Transformações recentes no trecho Baixo Augusta..................................p. 111
3.1.1 Lançamentos imobiliários............................................................... p. 114
3.1.2 Paisagem construída atual, uma aproximação gráfica...................p. 118
3.1.3 Processo de transformação da paisagem.......................................p. 124
3.2 Transformações recentes no trecho Cidade Jardim..................................p. 132
3.2.1 Lançamentos imobiliários................................................................p. 135
3.2.2 Paisagem construída atual, uma aproximação gráfica....................p.144
3.2.3 Processo de transformação da paisagem.......................................p. 150
3.3 Transformações das paisagens em uma leitura comparativa...................p. 153
Considerações Finais........................................................................................p. 173
Bibliografia..........................................................................................................p. 179
8
 

Introdução

Apresentação
Como as transformações arquitetônicas recentes tem se concretizado em
territórios historicamente consolidados na cidade de São Paulo? Essa é a questão
principal da presente dissertação, que se propõe a investigar as mutações ocorridas
na paisagem construída no eixo da Rua Augusta, entre os anos de 2006 e 2014.
O eixo proposto para estudo configura-se como um dos vetores de ligação
entre o Centro e a Marginal Pinheiros, representando com grande diversidade de
tipos de ocupação o crescimento da cidade ao longo dos séculos XX e XXI. É de se
notar que mais dois eixos promovem essa conexão – Avenida Rebouças e Avenida
Nove de Julho – nenhum deles, porém, com tamanha diversidade (de morfologias de
quadra, tipo de ocupação do lote e usos) e abrangência temporal como o eixo que
se inicia na Rua Martins Fontes, passando pelas Ruas Augusta, Colômbia e
Avenidas Europa e Cidade Jardim.
O eixo da Rua Augusta, pode-se dizer, fica ao longo das décadas de certo
modo protegido das decorrências negativas dos grandes fluxos viários, pois estes
são absorvidos tanto pela Avenida Rebouças, como pela Avenida Nove de Julho. É
também fundamental lembrar que o desenvolvimento dos bairros-jardim, residenciais
de baixa densidade, contribuiu para a manutenção de certa escala local a este eixo
da cidade.
É possível a leitura da continuidade do eixo da Rua Augusta para além da
Marginal Pinheiros. Observamos, no entanto, que do outro lado do rio diversas
outras dinâmicas atuam na formação e consolidação das morfologias urbanas - do
mercado imobiliário à influência de outras regiões da cidade, mais a oeste - nos
levando a crer que o trecho selecionado entre o Centro e a Marginal Pinheiros já é
representativo da sucessão de centralidades que diversos autores elegem, e
portanto, suficiente para o presente estudo.
A pesquisa pretende incluir-se na escala entre a arquitetura e o urbanismo, no
âmbito do desenho urbano, ao investigar como o território do eixo insere-se na
lógica de crescimento da cidade, em um momento seguinte o compreendendo como
unidade territorial possível de ser estudada em si mesma e, finalmente, observando
como novos empreendimentos recentes se inserem na trama consolidada e repleta
9
 

de palimpsestos que verdadeiramente caracterizam o eixo. A escala é a do desenho


urbano.
Teremos por ponto de partida a condição da cidade como palimpsesto, como
sobreposição de tempos e histórias, e a necessidade do ato projetual ter por
premissa essa condição. Nesse sentido, abordaremos a cidade existente e as
relações que ali continuamente se reestabelecem como um bem cultural, um
patrimônio a ser levado em conta ao ser transformado.
A transitoriedade dos fatos, estabelecida claramente na contemporaneidade,
parece atingir em cheio a construção dos espaços das cidades, e o eixo da Rua
Augusta inclui-se nesse raciocínio. Harvey (2003, p. 65) destaca a efemeridade da
vida pós-moderna, quando descreve que o capitalismo, para manter seus mercados,
se viu forçado a sucessivamente produzir desejos. A própria força do mercado
imobiliário tem se mostrado em muitos casos impactante nos locais nos quais se
inserem, no sentido de ignorar pré-existências; bairros inteiros, pouco a pouco, se
descaracterizam em nome do novo.

No campo da arquitetura e do projeto urbano, considero o pós-


modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a idéia
modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem
concentrar-se em planos urbanos de larga escala, de alcance
metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes [...]. O pós-
modernismo cultiva, em vez disso, um conceito do tecido urbano
como algo necessariamente fragmentado, um 'palimpsesto' de
formas passadas superpostas umas às outras e uma 'colagem' de
usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. (HARVEY,
2003, p. 69).
Wenders (1994, p. 184) com seu olhar externo à arquitetura, porém sensível à
paisagem e à imagem, também destaca o valor do convencional, do pequeno, das
coisas modestas:

O que é pequeno desaparece. Em nossa época, só o que é grande


parece poder sobreviver. As pequenas coisas modestas
desaparecem, bem como as pequenas imagens modestas ou os
pequenos filmes modestos. Esta perda de tudo o que é pequeno e
modesto é um triste processo, do qual hoje somos testemunhas
dentro da indústria cinematográfica. E para as cidades, esta mesma
perda das pequenas coisas modestas é ainda mais manifesta e, sem
dúvida, de maior relevância.
É dentro desse contexto de valorização do pequeno, do modesto, do cotidiano
e do não monumental que teremos nosso olhar na análise da paisagem desse eixo,
considerando que é essa arquitetura, e não apenas aquela dos grandes ícones
tecnológicos ou arquitetônicos, que conforma o tecido de nossas cidades.
10
 

Venturi, Brown e Izenour (2003, p. 25) abordam a paisagem urbana por outro
viés, mais radical, e enfatizam a oposição pós-modernismo/ modernismo na
construção das cidades, afirmando que os arquitetos têm muito mais a aprender
com a paisagem comercial e popular existente do que com os edifícios monumentais
e cidades planejadas e ideais.

O corredor comercial [...], desafia o arquiteto a assumir um ponto de


vista positivo e não arrogante ou depreciativo. [...] A arquitetura
moderna tem sido de tudo, menos tolerante: os arquitetos preferiram
mudar o entorno existente em vez de realçar o que já existe.
Podemos dizer que a relação que se estabelece entre a presente pesquisa e
esses autores indicados logo acima diz respeito mais aos seus preceitos do que
propriamente ao seu estudo sobre o simbolismo na arquitetura; seguindo o olhar dos
autores, o interesse da pesquisa recai sobre as paisagens construídas,
compreendendo os objetos que a compõem enquanto constroem a paisagem como
um todo, e não unicamente como obras isoladas.
O plano de fundo nessa pesquisa é a valorização da arquitetura convencional,
aquela que constrói massivamente a paisagem da cidade, e que particularmente
analisaremos nesse pequeno trecho de cidade, o eixo da Rua Augusta. Venturi,
Brown e Izenour (2003, p. 160 e 161) inclusive, alertam para a postura do arquiteto
nesse contexto:

Em geral, o mundo não pode esperar que o arquiteto construa sua


utopia, e a preocupação maior do arquiteto não deveria centrar-se no
que deveria ser, mas no que é – e em como ajudar a melhorá-lo
agora. Trata-se de um papel mais humilde para os arquitetos do que
o movimento moderno gostaria de aceitar; porém, é artisticamente
mais promissor.

Objetivos
O objetivo geral da presente pesquisa é investigar como a sucessão de
centralidades rumo ao Sudoeste, apontada por diversos autores como Frúgoli Junior
(2000) e Villaça (2001) se coloca como paisagem construída no eixo da Rua
Augusta.
O objetivo específico, por sua vez, é levantar as transformações recentes no
eixo da Rua Augusta, entre os anos de 2006 e 2014 (reformas, demolições e
construções), e seu impacto nas paisagens pré-existentes, principalmente do ponto
de vista morfológico.
11
 

Após uma análise geral do eixo, temos por meta estudar dois trechos nos
quais os novos empreendimentos do mercado imobiliário marcadamente têm
promovido mutações na morfologia urbana e paisagem pré-existentes; são eles o
trecho do Baixo Augusta e da Avenida Cidade Jardim, nas proximidades da Marginal
Pinheiros. Interessa-nos na aproximação desses dois setores analisar os edifícios
produzidos, do ponto de vista de sua linguagem e composição do produto, bem
como sua inserção na paisagem existente, no lote e em relação à rua.

Balanço bibliográfico
O deslocamento das centralidades no vetor sudoeste da cidade de São Paulo,
plano de fundo dessa pesquisa, é objeto de estudo de alguns autores. Elencamos
dois principais, a partir dos quais se desdobra o entendimento do eixo da Rua
Augusta no contexto da cidade.
Frúgoli Junior (2000) estuda especificamente o caso de São Paulo,
compreendendo tal deslocamento do ponto de vista dos deslocamentos dos centros
financeiros, do Centro para a região da Paulista, e em um segundo momento para a
região da Berrini.
Villaça (2001) aborda o tema a partir da tese de que a diferenciação da
ocupação dos territórios urbanos, e o consequente valor de uso que adquirem de
acordo com sua localização, são resultado dos deslocamentos possíveis e
viabilizados pelas classes dominantes; tais deslocamentos se referem às
mercadorias, ao capital, e consequentemente aos consumidores. Nessa relação, na
visão do autor, está o cerne da segregação espacial das cidades. Apesar de seu
estudo ter abrangência nacional, ao analisar outras cidades além de São Paulo, sua
visão será de interesse no entendimento das dinâmicas que consolidaram o eixo da
Rua Augusta ao longo das décadas.
Há também trabalhos elaborados a respeito dos trechos de cidade permeados
pelo eixo - seja sobre os bairros que o eixo cruza, seja sobre alguns dos edifícios
que o margeiam.
Pissardo (2013), por exemplo, estuda especificamente a história da Rua
Augusta, focando no trecho do Centro à Avenida Paulista, tendo por base o acervo
histórico de jornais – é na verdade o único trabalho de caráter histórico que
localizamos especificamente sobre a Rua Augusta. Stinco (2005), por sua vez, relata
com riqueza de detalhes a história do Conjunto Nacional.
12
 

Wolff (2001) e Bacelli (1982) elaboram trabalhos históricos especificamente


sobre os bairros-jardim, particularmente o Jardim América, com vasta documentação
iconográfica. Dimand (1970) e Brandão (2000) elaboraram pesquisas acerca da
história do Club Athlético Paulistano, uma das primeiras ocupações do Jardim
América, cuja história remete às primeiras ocupações do eixo Augusta.
Todas estas são pesquisas relevantes elaboradas sobre trechos do eixo da
Rua Augusta, e são de fundamental importância para o entendimento dos processos
que conformaram seu território.
A coletânea de Passos & Emidio (2009) é uma importante referência
bibliográfica do ponto de vista iconográfico, ao reunir mapas do final do século XIX
até o ano do IV Centenário da cidade de São Paulo.
Nas fontes pesquisadas, entretanto, não foi localizado nenhum trabalho sobre
a leitura do eixo da Rua Augusta como unidade territorial, compreendida do ponto de
vista de sua paisagem construída. Buscaremos entendê-lo, a partir da bibliografia
selecionada, como um fio condutor possível para a compreensão do desdobramento
das centralidades em São Paulo.
A transformação das paisagens urbanas especificamente no caso de São
Paulo, por sua vez, também é um tema estudado por alguns autores, dentre eles
destacamos Lefèvre (2006) e Macedo (2012).
Ambos são resultado de extensas pesquisas de caráter histórico e
iconográfico, que redesenham a paisagem ao longo de décadas, respectivamente
nas Avenidas São Luiz e Higienópolis. Através de sobreposição de mapas históricos,
levantamento, junto aos órgãos responsáveis, dos projetos de edificações
construídas (e mesmo as eventualmente demolidas) e redesenho de paisagens em
cortes e fachadas, os autores logram em identificar as camadas do palimpsesto que
conformam essas duas importantes avenidas da cidade.
São também importantes para a presente pesquisa os estudos de Hepner
(2010), autor que investiga questões ligadas à transformação da paisagem de São
Paulo, porém, menos do ponto de vista histórico como os dois autores acima, e mais
do ponto de vista do desenho urbano promovido pela ação do mercado imobiliário,
voltando-se ao trecho de mais recente ocupação da Marginal Pinheiros.
No caso da pesquisa do eixo da Rua Augusta, seremos mais restritos no
tempo pesquisado, levando em conta aspectos históricos de formação do território
13
 

do eixo, porém, focando na paisagem que vemos construída hoje no local e as


transformações recentes que a tem alterado, entre os anos de 2006 e 2014.
De qualquer modo, as três pesquisas indicadas acima são referenciais para o
presente estudo, no sentido de buscarem compreender a passagem do tempo nas
paisagens urbanas através de mapas, imagens e redesenhos.
Trata-se, portanto, de um trecho de cidade já pesquisado pontualmente, e
nossa pesquisa pretende se colocar unificando tais conhecimentos previamente
adquiridos e consolidados, ao analisar a paisagem construída resultante da
sucessão de fatos e marcos históricos.
Do ponto de vista das análises morfológicas que pretendemos realizar, duas
são as referências principais: Kohlsdorf (1996) e Bentley et al. (1985).
A primeira referência apresenta diversas técnicas gráficas para
reconhecimento de um território, algumas levantadas a partir de outros autores, para
finalmente elaborar sua própria. Dentre as expostas pela autora nos interessa a
caracterização morfológica.
Bentley et al. (1985) por sua vez pretende ser um manual prático para
projetos, apresentando seus sete conceitos na escala do desenho urbano. São eles:
permeabilidade, variedade, legibilidade, versatilidade, imagem apropriada, riqueza
perceptiva e personalização. Estes conceitos estarão presentes ao longo as análises
do eixo da Rua Augusta, particularmente a permeabilidade e a variedade.
Do ponto de vista da crítica das novas paisagens urbanas que se tem
construído, dois autores não arquitetos são elencados como principais.
Caldeira (2000), antropóloga, é uma autora de leitura bastante atual e
relevante para essa pesquisa, particularmente na crítica aos movimentos recente do
mercado imobiliário no eixo da Rua Augusta. A autora estuda o crime a violência na
transformação dos espaços urbanos, elegendo a construção de muros como seu
símbolo. Lipovetsky (2005) é filósofo e estuda a evolução do luxo na história da
moda, destacando como a ideia de luxo passa a ser entendido como bem de
consumo, e referência na construção da identidade e diferenciação de grupos
sociais. Será importante à pesquisa no entendimento da composição dos novos
produtos do mercado imobiliário.

Metodologia
Quatro métodos se estabelecem na produção da presente pesquisa.
14
 

Um deles é revisão da bibliografia selecionada, acima indicada, elaborada por


autores que já estudaram os temas aqui propostos – deslocamento de centralidades
em São Paulo, transformação e análises morfológicas da paisagem urbana. Tal
método permeia toda a pesquisa, no enfrentamento do território do eixo da Rua
Augusta, em um diálogo no qual teoria e prática interferem uma na outra.
O segundo método estabelecido é a leitura e demarcação de mapas, tanto
históricos, para o entendimento da formação do território do eixo da Rua Augusta,
quanto atuais, afim de entender as transformações recentes que tem ocorrido.
Os mapas históricos foram obtidos em fonte secundária, a partir de pequenos
recortes em mapas reunidos por Passos & Emidio (2009), bem como em fonte
primária, nos mapas Sara Brasil (1930), Vasp (1954) e Gegran (1974), disponíveis
no acervo da FAU-USP.
Os mapas atuais foram realizados através da comparação entre o Mapa
Digital da Cidade (2006), as imagens do Google Street View (2011) e levantamento
fotográfico no local, proveniente de diversas visitas ao longo de todo eixo e entorno
imediato, realizadas no 2° semestre de 2013 e 1° semestre de 2014. De 2006 para
os dias atuais, muito se transformou nesse eixo. O que temos a partir dessa
comparação é uma radiografia atualizada dos lotes que fazem frente ao eixo da Rua
Augusta, demarcando tudo o que ali foi reformado, demolido ou construído.
O terceiro método estabelecido é o levantamento de todos os lançamentos
imobiliários realizados ao longo do eixo, com destaque para os trechos Baixo
Augusta e Avenida Cidade Jardim, nas proximidades da Marginal Pinheiros.
Levantamos todo o material disponível na internet, focando no entendimento do
produto oferecido e sua inserção no lote em relação à rua.
O quarto método estabelecido é o desenho sobre a base iconográfica
produzida, buscando entender na paisagem atual do eixo a relação entre cheios e
vazios, entre os novos lotes e os lotes existentes, a permeabilidade no nível do
térreo e as linhas de coroamento das fachadas urbanas.
O método estabelecido visa identificar a consolidação do eixo da Rua Augusta
e identificar as transformações recentes nele construídas, criticando-as com
embasamento gráfico e teórico.
15
 

Organização dos capítulos


No Capítulo 1 o objetivo é compreender a inserção histórica do eixo na
cidade, como representativo do desenvolvimento do quadrante Sudoeste da cidade
de São Paulo. Para tanto, nos debruçaremos sobre autores que já pesquisaram o
deslocamento do desenvolvimento urbano de São Paulo rumo ao Sudoeste, e como
este está ligado ao deslocamento territorial das elites.
No Capítulo 2 o território do eixo da Rua Augusta, entendido como unidade
possível de leitura, é o foco. A partir de uma organização em setores, o eixo será
abordado em dois tempos: o tempo histórico e o tempo presente.
No tempo histórico, procura-se resgatar as diversas camadas que conformam
o verdadeiro palimpsesto que é o eixo, através da sucessão de mapas existentes e
da história de marcos territoriais selecionados.
No tempo presente analisaremos as transformações recentes que tem
ocorrido no eixo, especificamente entre os anos de 2006 e 2014, particularmente do
ponto de vista morfológico. A análise textual será embasada em mapas elaborados
pela autora, que retratam tais transformações, a partir da comparação entre três
fontes: Mapa Digital da Cidade (2006), Google Street View (2011) e observação do
local atualmente.
No Capítulo 3 o objetivo é nos aproximar dos trechos de transformações
recentes mais intensas, com maior número de lançamentos imobiliários,
selecionados a partir dos levantamentos realizados no Capítulo 2: Baixo Augusta,
entre as Ruas Dona Antonia de Queirós e Peixoto Gomide, e Avenida Cidade
Jardim, entre as Ruas Mario Ferraz e Franz Schubert. Tendo por instrumentos
plantas, cortes e fachadas, estudaremos os impactos dos novos lançamentos nos
respectivos locais.
O território recortado parece ser um bom trecho para entender o
desenvolvimento da cidade, seja do ponto de vista histórico (entendendo-o como um
fio condutor dos deslocamentos das centralidades na própria cidade) ou do ponto de
vista contemporâneo, ao nos depararmos com intervenções recentes em um local
consolidado. Desse modo, podemos colocar a questão de fundo da pesquisa: a
possibilidade da construção de uma cidade que dialogue de modo mais qualificado
com sua própria história.
 
16
 

1
Eixo Rua Augusta – Avenida Cidade Jardim e a escala urbana

Figura 1. Vista aérea, a partir da Avenida Europa, em direção à Avenida Paulista.


A data da foto não consta na fonte consultada.
Fonte: Acervo Cia. City.
17
 

1.1 O eixo da Rua Augusta e as centralidades rumo ao sudoeste

O eixo da Rua Augusta é entendido na presente pesquisa como aquele que


se inicia na Rua Martins Fontes, passando pelas Rua Augusta, Rua Colômbia,
Avenida Colômbia e, por fim, na Avenida Cidade Jardim. Procuraremos inseri-lo, ao
longo desse capítulo 1, no âmbito geral da história da cidade de São Paulo,
particularmente no que diz respeito à identificação de sua representatividade no
território que muitos autores denominam quadrante sudoeste da cidade, para a
perfeita compreensão do desenvolvimento deste eixo no processo de transformação
da cidade como um todo.
É recorrente na literatura sobre a história de São Paulo, ao menos naquela
selecionada para a pesquisa, o entendimento sobre o deslocamento das
centralidades urbanas (econômicas, políticas, territoriais) como decorrente do
deslocamento das elites.
Frúgoli Júnior (2000) discorre sobre o quadrante sudoeste da cidade de São
Paulo, sob o ponto de vista das forças articuladoras e de negociação que o levou
este setor da cidade a se desenvolver de maneira mais intensa que outros locais da
cidade. O autor foca no estudo daquelas que ele elege como centralidades
principais: Centro histórico, Avenida Paulista e Avenida Berrini, sendo esta última um
tipo de modelo de ocupação para outras similares que se desenvolveram
posteriormente.
No entanto, o que nos interessa na perspectiva histórica desse quadrante da
cidade, assunto que discorreremos a seguir, são os impactos dessa sucessão de
centralidades na paisagem construída do eixo da Rua Augusta.

Primeiro momento de inflexão: do Centro Velho ao Centro Novo


O território da Rua Augusta, trecho inicial do eixo em estudo, é um território
que veio a se desenvolver depois de ultrapassada a barreira do Vale do
Anhangabaú no final do século XIX; faz-se necessária uma breve descrição sobre
este primeiro momento de inflexão para a compreensão da formação do eixo da Rua
Augusta.
Villaça (2001, p. 262) nos relata que por volta do ano de 1870, as elites
paulistanas concentravam-se em cinco locais, ainda não denominados bairros:
Glória, Carmo, Liberdade (ao norte do centro original, cuja referência era o Pátio do
18
 

Colégio) Luz (ao sul) e Santa Efigênia (à oeste). A Rua Quinze de Novembro era,
então, a espinha dorsal da cidade.
Segundo o mesmo autor, na década de 1870, dois eram os caminhos para
possível expansão da cidade, a partir do Triângulo Histórico: à leste (além
Tamanduateí) ou à oeste (além Anhangabaú). Em ambos os sentidos teriam de ser
enfrentadas dificuldades: para o leste, era necessário "[...] vencer a ampla e
inundável Várzea do Carmo e ainda cruzar a estrada de ferro." (VILLAÇA, 2001,
p.193), para o oeste, era necessário ultrapassar o vale do córrego do Anhangabaú,
mais estreito que o Tamanduateí a leste, e menos alagável.
Simões Junior (2004) associa a constituição da Companhia Cantareira e
Esgotos, que inicia a construção de um grande reservatório de água na Consolação,
e a inauguração do sistema de esgotos na cidade em 1883 à possibilidade de
crescimento da cidade. Antes arcaico, através de chafarizes, o abastecimento
domiciliar de água passa a ser um sistema moderno, do qual cada vez mais a cidade
pode usufruir e, dada a localização desse reservatório, "[...] a expansão dos novos
arruamentos podia tomar o rumo do espigão da Paulista, próximo à região do
Pacaembu. Esse seria o local escolhido para a implantação do loteamento de
Higienópolis." (SIMÕES JUNIOR, 2004, p. 59).

Dessa forma, todas as inovações processadas no sistema de


abastecimento de água na cidade nesses últimos vinte anos do
século XIX vão trazer profundas alterações não só no modo de vida
da população, mas sobretudo na lógica de expansão urbana.
(SIMÕES JUNIOR, 2004, p. 58).
A expansão a oeste era, portanto, mais vantajosa do ponto de vista dos
incorporadores (em especial da Cia City como veremos mais à frente), e assim as
classes de mais alta renda para lá se direcionaram; as de mais baixa renda e
fábricas deslocaram-se para o leste.
19
 

Figura 2. Os primeiros loteamentos rumo ao Oeste. As marcações cor marrom são do autor
da fonte. Norte aproximado, sem identificação de escala.
Fonte: SIMÕES JUNIOR, 2004, p. 59, com marcação em vermelho da autora. 
Nas décadas de 1870 e 1880 os sítios elevados valorizam-se, por sua
salubridade e paisagem. Nessa época instalam-se nas proximidades da Paulista os
primeiros hospitais, e junto vinham as recomendações de clima saudável. "Não sem
razão, o segundo grande loteamento aberto para a aristocracia paulista chamou-se
Higienópolis, e localizava-se precisamente nos contrafortes da futura avenida
Paulista." (VILLACA, 2001, p. 193 e 194).
O cruzamento do Vale do Anhangabaú se dá com a inauguração do Viaduto
do Chá em 1892. São marcos da ultrapassagem do Anhangabaú, e consequente
expansão do Centro Velho rumo ao Centro Novo: a inauguração do Teatro
Municipal, em 1911, a mudança da Mappin Stores da XV de Novembro para a Praça
Ramos de Azevedo, em 1939, e a inauguração da Biblioteca Municipal, também nos
anos 30.1
                                                            
1
Conforme visto em VILLAÇA (2001, p. 264) e em FRÚGOLI JÚNIOR (2000, P. 50 e 51).
20
 

Figura 3. A transposição do Vale do Anhangabaú e o caminho rumo ao novo bairro de


Higienópolis. As marcações cor marrom são do autor da fonte. Norte aproximado, sem
identificação de escala.
Fonte: SIMÕES JUNIOR, 2004, p. 77, com marcação em vermelho da autora. 
Rolnik (1997, p. 108) também destaca o papel da construção do Viaduto do
Chá rumo ao sudoeste:

Sua instalação viabilizaria os mais importantes empreendimentos


imobiliários do final do século XIX: Higienópolis e Paulista. Neles se
envolveram proprietários de terras, investidores potenciais,
engenheiros e políticos, contando o fato de que a região da
Consolação era um reduto de coronéis, figuras de grande prestígio
político com o advento da República.
Há de ser lembrado, conforma ilustração a seguir, que outros loteamentos
ocuparam a porção oeste da cidade, mas claramente esta era menos atraente que a
sudoeste, de sítios ondulados e mais altos. "A aristocracia paulista fez então uma
deflexão à esquerda e, através da Vila Buarque e Higienópolis, chegou à Avenida
Paulista, aberta em 1892." (VILLAÇA, 2001, p. 195). Um dos caminhos rumo a
Paulista, como também se observa na imagem, é a Rua Augusta, o trecho inicial da
presente pesquisa.
21
 

Figura 4. Formação do centro principal de São Paulo. Observar o encaminhamento das


elites sentido Rua Augusta. Norte aproximado, sem escada identificada.
Fonte: VILLAÇA, 2001, p. 195, com marcação em vermelho da autora.
As posições [...] aqui expostas evidenciam, quanto à gestão Prestes
Maia, os primórdios de um crescimento metropolitano e, ao mesmo
tempo, a reafirmação da importância do Centro, que, nesse período,
além de expandir-se efetivamente do Triângulo para além do
Anhangabaú, passou a ser ponto nodal do complexo sistema viário
da cidade. (FRÚGOLI JÚNIOR, 2000, p. 55).

Segundo momento de inflexão: da região central para a Paulista


Na área além Anhangabaú, como vimos, forma-se o Centro Novo; Villaça
(2001, p. 264) destaca que o centro da cidade é bipartido, processo este que se
inicia com a área do Triângulo sendo abandonada pelas burguesias e culmina na
década de 1950, quando definitivamente fica para as camadas populares.
Frúgoli Júnior (2000) estende um pouco este período, indicando que até a
década de 1960, ainda era possível a leitura de um único centro metropolitano,
formado pelo Centro Novo e pelo Centro Tradicional, e que o grande momento de
caracterização de uma nova subcentralidade na Paulista se dá com o Milagre
Brasileiro (1968-1973). De qualquer modo, é possível ler esse momento como um
movimento de abandono do Centro em direção a novas centralidades,
caracterizando o que denominamos aqui um segundo momento de inflexão na
leitura do eixo em estudo.

Teve início então a clara ocupação do quadrante sudoeste da capital


pelos bairros das camadas de mais alta renda, num caminhamento
22
 

que permanece até hoje e se firmou como um elemento básico na


definição de toda a estrutura territorial da metrópole. As bordas do
quadrante sudoeste foram ocupadas tanto pela alta renda como pela
classe média, formando bairros como Perdizes, Ipiranga, Cerqueira
Cesar, Pacaembu, Alto da Lapa, Bosque da Saúde, etc. (VILLAÇA,
2001, p. 196).
A década de 1960, portanto, marca uma nova transformação na cidade,
quando se faz a leitura de um único centro decadente (Centro Novo e Centro
Tradicional), e a formação de um novo centro – a região da Paulista e Rua Augusta.

Iniciou-se então uma fuga dos escritórios centrais das grandes


empresas para áreas de maior prestigio, tanto na região da Paulista,
como também nas residências senhoriais de determinados
corredores de serviços metropolitanos, nas Avenidas Brigadeiro Luis
Antonio, Rebouças, Nove de Julho, Brasil e Faria Lima. (FRÚGOLI
JÚNIOR, 2000, p. 130).
Ao longo das décadas de 1960 e 1970 a Avenida Paulista se firmou como um
novo centro financeiro e de serviços da cidade, o qual na década de 1980 foi
compartilhado com o eixo da Avenida Faria Lima, que estudaremos na sequência.
Apesar de muitos autores destacarem o papel de sítios altos, com boas vistas
panorâmicas na escolha dos loteamentos – Villaça (2001) cita, por exemplo, Richard
Morse, Pierre Monbeig e Caio Prado Jr. - o mesmo autor deixa claro que esta não é
a única característica que fez a ocupação da Paulista vingar, lançando sua tese de
que é o tempo de deslocamento que direciona o crescimento das cidades.
Destacamos dois aspectos do argumento do autor que direcionam o entendimento
de sua tese.
Em primeiro lugar, o autor ressalta que as classes de alta renda ao atingirem
o ponto culminante entre as bacias do Tietê e Pinheiros, não ocupou toda a
extensão desses terrenos altos, hoje Domingos de Morais e avenida Dr. Arnaldo. Em
segundo lugar, o autor nos lembra que o loteamento de classe alta sucessivo à
Paulista foi o Jardim América, seguido nas décadas seguintes pelo Jardim Europa,
Alto de Pinheiros e City Butantã, todos estes territórios nos vales.

A tese do papel determinante do sítio natural cai então por terra, mas
não a do controle do tempo de deslocamento, isto é, de
acessibilidade ao centro. Os casos desses loteamentos são
excepcionalmente importantes para a compreensão da conceituação
de uma estrutura territorial urbana, da inter-relação entre seus
elementos e de como seu processo de produção é comandado pela
classe dominante, tendo em vista manter o controle - em seu
benefício - dos tempos de deslocamentos espaciais. (VILLAÇA,
2001, p. 197).
23
 

Frúgoli Junior (2000, p. 61), no entanto, nos alerta que:

O processo de crescente popularização do Centro, a partir de


meados dos anos 60, foi concomitante ao início da evasão de
empresas e bancos para outros subcentros, à deterioração de parte
de seus equipamentos urbanos e ao declínio de seu valor imobiliário.
Deve-se observar que se está frisando a concomitância de ambos os
processos, não a determinação do primeiro sobre o segundo, a fim
de se evitar o velho jargão ideológico que sustenta que é a presença
maciça de classes populares a responsável pela deterioração de
determinados espaços da cidade. Considero, antes de tudo, a lógica
do desenvolvimento urbano rumo a outras regiões da cidade – fruto
de decisões tanto do poder público, como da iniciativa privada – o
principal fator de deterioração, o que gera queda na qualidade dos
serviços públicos e das edificações das áreas abandonadas por tais
investimentos.
Apesar de Frúgoli Júnior (2000) apontar a Paulista como uma nova
centralidade, Villaça (2001), afirma que a nova região formada pela Avenida Paulista
e pela Rua Augusta não representam para a área metropolitana na década de 1990
(época na qual elabora sua pesquisa) o que o Centro velho da década de 1950
representava para a área metropolitana de então. Fundamenta sua afirmação
esclarecendo que

[...] a característica fundamental de um centro principal é a


diversificação do seu comércio e serviços. O centro que surgiu na
década de 1960 na região Paulista-Augusta era especializado; a
avenida Paulista, em cinemas, escritórios e bancos e a Augusta, num
limitado leque de butiques. (VILLAÇA, 2001, p. 265).
  Frúgoli Júnior (2000, p. 113 a 121) descreve que ao mesmo tempo em que a
ocupação de torres comerciais amplia o significado simbólico da Paulista, a
expansão ao sudoeste continua a se desdobrar. Dos casarões das elites do final do
início do século XX, às torres residenciais da década de 1950 e comerciais da
década de 1960, quando a avenida de fato passa a constituir uma centralidade na
metrópole, a Paulista sempre foi território valorizado. "De toda forma, tal condição
até então [até a década de 1980] 'permanente' de prestigio da Paulista, ainda que
assentado em cada época em grupos sociais e configurações urbanas distintas, não
poderia durar indefinidamente." (FRÚGOLI JUNIOR, 2000, p. 133).

Terceiro momento de inflexão: da Paulista para a Faria Lima


Prosseguindo a sequência territorial da constituição deste eixo no contexto da
cidade, identificamos como um terceiro momento de inflexão o deslocamento de
centralidade da região da Avenida Paulista para a Avenida Faria Lima.
24
 

Dois são os símbolos desse momento: o planejamento e construção dos


bairros-jardim e a inauguração do shopping Iguatemi. Pode-se dizer que um vem em
decorrência do outro, pois os bairros-jardim, tanto o Jardim América (o primeiro a se
consolidar) como o Jardim Europa, eram moradia do público alvo do shopping
Iguatemi.
Bacelli (1982, p. 21) esclarece que a partir de 1915, para além do Jardim
América,

São Paulo passa a apresentar uma configuração com setores mais


diferenciados e áreas funcionais bem definidas: encontramos uma
zona comercial no velho centro, paralelamente a um comércio
atacadita nas vertentes do Tamanduateí; uma zona com
industrialização concentrada nos bairros do Brás, Moóca e
Belenzinho; e uma zona de características residenciais definidas,
iniciada nos Campos Elíseos, subindo por Higienópolis, atingindo o
espigão da Avenida Paulista e descendo em direção ao novo Jardim
América.
O autor também destaca que nessa época, mais precisamente a partir de
1912 quando a City inicia oficialmente seu funcionamento no Brasil (BACELLI, 1982,
p. 33) é clara a intenção da City em adquirir terrenos localizados no quadrante
sudoeste da cidade, como se vê no mapa a seguir.

Figura 5. Propriedades da Companhia City em São Paulo, 1912. Norte aproximado, sem
escala identificada.
Fonte: BACELLI, 1982, p. 39, com demarcação em vermelho da autora.
Deve-se atentar, contudo, que nem todos esses terrenos adquiridos foram
projetados como bairros-jardim. Muitos eram adquiridos já loteados com os padrões
da cidade, e revendidos. Um exemplo desse tipo de negócio dentro do eixo em
25
 

estudo é a Vila América, trecho de algumas quadras localizado entre a Avenida


Paulista e o futuro Jardim América.
A consolidação do Jardim América, que se dá entre os anos de 1915 e 1945,
coincide com intensa metropolização da cidade.

É o início da fase dos 'slogans' ufanistas como 'São Paulo não pode
parar'. [...] Esse clima contagia a todos; o crescimento vertical
assume proporções relevantes, de forma que a semelhança com as
cidades norte-americanas seja realçada: em São Paulo, a construção
não é apenas vertical, mas é também efetuada sobre a antiga
cidade; conforme a feliz expressão de Benedito Lima de Toledo, 'São
Paulo é um palimpsesto. (BACELLI, 1982, p. 23).
Data de 1930 a publicação do Plano de Avenidas, e cabe aqui inserirmos o
eixo em estudo nesse plano, que é "Sem dúvida o mais célebre dos planos
urbanísticos elaborados para São Paulo na primeira metade do século XX [...]"
(SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 56). O Plano importa para a pesquisa na medida
em que decretou o fim do transporte sobre trilhos baseado nas linhas de bondes
elétricos que, como uma continuidade linear dos bondes da Rua Augusta, foi o meio
de transporte base para lançamento e desenvolvimento inicial dos bairros jardim.
Estabelece-se assim o modelo sobre rodas, com destaque para o papel que o
automóvel passará a desempenhar no crescimento da cidade.
O ponto de partida ao Plano de Avenidas é o Perímetro de Irradiação, um
sistema de avenidas radial em torno do Centro Histórico. As vias radiais partiriam do
Perímetro de Irradiação, e destacam-se entre elas na ligação sudoeste, aqui em
estudo, a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio (continuação da Avenida Anhangabaú,
iniciada por Pires do Rio, atual Avenida Nove de Julho) a abertura da Avenida Itororó
(atual 23 de Maio) e o alargamento da Rua da Consolação, prolongando-a pela
Avenida Rebouças. As perimetrais formam-se internamente pelas Avenidas Paulista
e Angélica e externamente pelas marginais do Rio Tietê, anteriormente traçadas.
Duas das radiais que conectam o Centro ao quadrante sudoeste, no entanto,
estabelecem uma conexão mais extensa ao cruzar o perímetro de irradiação,
ligando Norte e Sul da cidade através da atual Avenida Prestes Maia. São elas as
atuais Avenidas Nove de Julho e 23 de Maio que formam o sistema Y previsto no
Plano.
O eixo em estudo aparentemente consta no Plano de Avenidas, como um
eixo com obras viárias previstas. É notável que as radiais sejam de essencial
importância para o prosseguimento das centralidades rumo ao Rio Pinheiros.
26
 

Para Maia, o crescimento é um aspecto essencial da realidade


paulistana, a ser organizado e articulado, e não um problema a ser
contido; a própria estrutura radial salienta a possibilidade de
expansão permanente. [...] No entanto não bastavam intervenções
viárias; estas, embora formassem o cerne das proposições de
Prestes Maia, deveriam ser combinadas a uma política de renovação
urbana dirigida explicitamente no sentido de eliminar os bolsões de
pobreza adjacentes ao centro, os 'rincões da cidade'. (SOMEKH &
CAMPOS, 2002, p. 64 e 65).
O plano trata também da descentralização da cidade, tema em voga à época,
por conta da lotação da área central. Prestes Maia disfarça a possibilidade de
degradação do centro em função do perímetro, no entanto não a evita, e claramente
o Plano de Avenidas leva ao abandono do Centro. Conforme descreve Campos
(2002, p. 411 e 412):

De fato, não há uma verdadeira 'descentralização' na proposta de


Prestes Maia. Pelo contrário: o perímetro, ampliando a área central,
reforça a centralidade existente e evita o recurso de subcentros ou
cidades-satélite como saída para descongestionar o 'triângulo'. Ao
mesmo tempo, permite que o 'centro novo', intimamente integrado ao
novo circuito, ganhe importância igual ou superior ao 'centro velho',
formando com este um duplo polo de atenção, unificado pela solução
perimetral´.
O desenho do perímetro privilegia o 'centro novo', tratado como 'zona
principal de expansão'. [...]. Decretava-se o abandono do 'triângulo'
pelo poder público, inaugurando o processo de deslocamento do
centro comercial de prestígio em São Paulo que perdura até hoje.
O prefeito Fabio Prado (1934-1938) adianta algumas obras do plano "[...]
enfatizando a melhoria dos acessos viários no vetor Sudoeste, onde se situam os
bairros-jardim da City (novo viaduto do Chá, avenidas Rebouças e Nove de Julho)."
(SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 68).
No entanto é a concretização do Perímetro de Irradiação no início da década
de 1940, na primeira gestão de Prestes Maia como prefeito, nomeado pelo Estado
Novo (1938-1945) fator determinante para a expansão do Centro, que demarca a
importância do Plano de Avenidas nas transformações urbanas que se seguiriam.
Bacelli (1982, p. 56) destaca a atuação da Companhia City em relação à
Avenida Nove de Julho colocando que:

A questão da abertura da Av. 9 de Julho transcende as


transformações sofridas apenas no Jardim América, conforme por
nós observado, pois implica na abertura de uma via que se estende
do Vale do Anhangabaú até a Praça do Vaticano, no Jardim Europa.
Esta via já havia sido previamente concebida pela própria
Companhia que, concomitantemente ao Jardim América, loteava
suas propriedades no referido Vale. [...]
27
 

A concretização da transação entre a Companhia City e a Prefeitura


do Município de São Paulo dá-se em 14 de outubro de 1942, quando
da assinatura do contrato de venda e compra dos lotes necessários à
execução da obra, firmado pelas partes acima mencionadas. Em
fevereiro de 1943 o movimento grosso de terra é executado.
O autor também coloca que a Companhia City tem papel fundamental na
criação de infra-estrutura urbana, celebrando contratos tanto com o poder público,
quanto com empresas privadas fornecedoras de bens e serviços:

A questão da retificação do rio Pinheiros exige grande empenho


econômico por parte da Companhia para a sua realização. A
canalização do rio Tietê em 1928 foi também objeto de negociações
com a Prefeitura.
A City participa também da abertura de vias públicas. Tal é o caso da
Avenida Anhangabaú, atual 9 de Julho, bem como o prolongamento
da mesma, quando alcança os terrenos do Jardim América. São
dispostos 10.844m², a preços inferiores ao normalmente cobrado,
logrando no entanto auferir vantagens tais como: abertura de ruas
úteis à Companhia; garantia de direitos reais sobre terrenos cuja
posse vinha sendo contestada; melhoramentos urbanos, entre
outras. (BACELLI, 1982, p. 36 e 37).
O interesse da Companhia City em realizar obras de infra-estrutura, para além
das interferências no Jardim América em relação à Avenida Nove de Julho,
aparentemente também se revela do outro lado do Rio Pinheiros, em relação à sua
retificação, com o lançamento do Jardim Guedala em 1950, na sequencia do eixo
em estudo imediatamente após o Pinheiros.
Rolnik (1997, p. 131) destaca que os bairros residenciais exclusivos
(podemos citar como exemplo o Jardim América) tinham como propaganda a
existência de infra-estrutura, o que obviamente valorizava o imóvel a venda. A
autora alerta, no entanto, que os critérios para a chegada da infra-estrutura "[...] nem
sempre visavam ao atendimento dos setores da cidade onde se instalavam a maior
quantidade de usuários."
O eixo em estudo caracterizado pelo transporte por bondes até início do
século XX, quando da implantação do Plano de Avenidas sofre, portanto, as
consequências dessa opção rodoviarista.
É nesse contexto de desenvolvimento do quadrante sudoeste nas
proximidades da futura Avenida Faria Lima que se inaugura o shopping Iguatemi, em
1966, tendo por consequência certa degradação da Rua Augusta explicitada por
Pissardo (2013).
28
 

A inauguração é feita com grande alarde, e tratando-se do primeiro shopping


center da cidade, encontramos nos jornais da época do lançamento até mesmo uma
curiosa propaganda, que explica o que é um shopping center - praticamente um
manual de instruções para esclarecer à população como este novo equipamento
deveria ser usado. É de fundamental importância para a implantação e viabilidade
do empreendimento o modelo de transporte individual sobre rodas, estabelecido
desde o Plano de Avenidas.
O Shopping Iguatemi inaugura um novo modo de consumo na cidade,
esclarecido por Hepner (2010, p. 190 e 191):

Naquele período, o próprio conceito de 'shopping center' era algo


praticamente desconhecido no país, e mesmo as galerias comerciais
do Centro de São Paulo ainda eram bastante recentes (algumas das
mais famosas haviam sido inauguradas poucos anos antes, como a
Galeria Metrópole, de 1960, e a Galeria Nova Barão, de 1962). [...]
Cabe atentar que a grande ruptura em termos comerciais entre o
Shopping Center Iguatemi e as galerias do Centro da cidade é a sua
relação com o conceito de 'mall' suburbano norte-americano,
implantado em pontos periféricos da cidade e destinado a ser
facilmente acessível através do uso do automóvel, ampliando
enormemente o 'raio de atendimento' do empreendimento. Naquela
época, o local era visto como uma localização quase 'periférica' em
relação à centralidade exercida pelas lojas do Centro e dos Jardins,
apesar de estar localizado junto aos bairros nobres da região.
A Rua Iguatemi à frente do shopping Iguatemi já existia, no entanto, não
atendia ao porte do empreendimento. Para resolver esse problema, dois anos após
a inauguração do shopping Iguatemi, é aprovado um projeto de lei (7.105/68) para o
alargamento da Rua Iguatemi, que passaria a ter 40 metros de largura, e iria da Av.
Pedroso de Moraes à Avenida dos Bandeirantes. Após muitas desapropriações,
acabou sendo executado apenas o trecho entre o Largo da Batata e a Avenida Nove
de Julho, justamente aquele que conectava o público alvo do shopping (morador dos
bairros-jardim) ao empreendimento (HEPNER, 2010, p. 191). Reconhecemos essa
como a primeira fase da construção da Avenida Faria Lima.
Rolnik (1997) explica do ponto de vista da legislação o desenvolvimento rumo
sudoeste. Destacaremos aqui a fala da autora em relação à Lei de Uso e Ocupação
da Cidade de 1972 na determinação dos parâmetros construtivos no setor sudoeste,
em relação ao que se propõe para o restante da cidade.

Noventa por cento da área incluída nas zonas mais permissivas do


ponto de vista do potencial de edificabilidade, assim como as mais
restritivas – as exclusivas Z1 – concentram-se no vetor sudoeste.
29
 

Nessas zonas, a lei de zoneamento proposta correspondeu quase


literalmente ao tipo e forma de ocupação que estava sendo
praticada. Portanto, ao declarar que só ali – onde já estavam
concentrados os terrenos mais valorizados – poder-se-iam praticar
os coeficientes mais altos e os usos mais diversificados, a lei se
transformou em indexador, reiterando o status quo de distribuição de
riqueza imobiliária da cidade. (ROLNIK, 1997, p. 201).
Tal trecho já inaugurado da Avenida Faria Lima inseria-se nas margens dos
loteamentos da Cia. City, mas também em trechos mais permissivos em relação ao
adensamento, como o caso do shopping Iguatemi. Esses trechos cresceram com
bastante intensidade e "A área passou a desempenhar funções centrais em relação
à metrópole." (BARONE, 1995, p. 86).

Figura 6. Propaganda: o que é um Shopping Center? Interessante notar que para facilitar
assimilação do shopping Iguatemi, o anúncio vende para o consumidor a ideia do shopping
como um local de "Ruas e avenidas cobertas". Afinal, este era o referencial comercial que o
potencial frequentador deste shopping tinha, já que até então tinha o hábito de comprar na
Rua Augusta.
Fonte: O Estado de São Paulo, 31 de janeiro de 1965, p. 13.
30
 

Figura 7. Inauguração do Shopping Center Iguatemi, como um "acontecimento rico de


significações". De fato, o é, pois inaugurou m São Paulo um novo modo de consumo e,
juntamente com a cultura rodoviária, um novo modo de relacionar-se com a rua.
Fonte: O Estado de São Paulo, 27 de novembro de 1966, p. 11.
31
 

Apesar de não se referir diretamente ao Shopping Iguatemi, mas à presença


de modo geral de shoppings na cidade de São Paulo, Frúgoli Júnior (2000, p. 38) os
aponta como agentes de fragmentação:

Numa metrópole cujo processo de expansão dotou os espaços de


grande complexidade, a fragmentação dessa centralidade acentuou-
se ainda mais a partir do surgimento de shoppings centers,
espalhados em diversas regiões, que passaram a se caracterizar
como importantes espaços de consumo, lazer e sociabilidade de
crescentes segmentos de população, inicialmente ligados às classes
média e alta, e posteriormente também a vários segmentos das
classes populares.
Villaça (2001, p. 304) compara os shoppings centers aos subcentros das
cidades, afirmando que os subcentros levariam anos para construir o que shopping
faz de modo praticamente instantâneo, e isso gera impactos nas áreas urbanas.
Além disso, todas as decisões são tomadas pelo empreendedor (localização do
shopping, horários de funcionamento, mix de lojas) e o autor coloca isso como o
domínio do capital imobiliário sobre o mercantil.

A instantaneidade – mais do que a dimensão – dos


empreendimentos imobiliários característicos dessa nova era de alta
concentração de capital imobiliário [...] é que está provocando uma
revolução nas áreas nobres de nossas cidades e em nosso
urbanismo. (VILLAÇA, 2001, p. 307).
É relevante que um anúncio pouco menos de um ano antes do lançamento do
Shopping Iguatemi traga indícios de valorização dos terrenos no entorno. À época
de sua inauguração, por mais que, como visto, a centralidade caminhasse no
sentido Rio Pinheiros, a ocupação não era tão intensa. É razoável levantar a
possibilidade de que um dos principais fatores de desenvolvimento e ocupação
intensiva do trecho final do eixo tenha de fato sido o Shopping Iguatemi.
32
 

Figura 8. Valorização dos terrenos, antes da inauguração do Iguatemi.


Fonte: O Estado de São Paulo, 20 de junho de 1965, p. 11.
33
 

Quarto momento de inflexão: da Faria Lima à região da Berrini e Marginal


Pinheiros
O prolongamento da Avenida Faria Lima para além da Avenida Nove de
Julho, no traçado como conhecemos hoje, veio apenas na década de 1990, com a
aprovação da Operação Urbana Faria Lima, que consideramos símbolo do quarto
momento de inflexão do deslocamento de centralidades, tendo em vista o
entendimento do eixo da Rua Augusta inserido escala da cidade. É a partir dessa
segunda fase de construção da avenida que se desdobram as novas ocupações,
inicialmente na região da Berrini e na sequência na região da Marginal Pinheiros.
Hepner (2010, p. 109 a 116) realiza relevante pesquisa sobre a ocupação da
Marginal Pinheiros, identificando a ocupação da Berrini como o momento pioneiro de
sua ocupação. O autor sintetiza o deslocamento das centralidades a partir da
década de 1940:

Entre as décadas de 1940 e 1970 a empresa Cia. Light, responsável


pela gestão dos recursos hídricos de São Paulo, realizou seguidas
obras de retificação do Rio Pinheiros, drenando as áreas inundáveis
existentes em ambas as margens. [...] No mesmo período, a
prefeitura de São Paulo havia executado uma série de obras
ampliando a infra-estrutura viária desta região, incluindo a Av. Brig.
Faria Lima, inaugurada em 1968; a Av. Luís Carlos Berrini, aberta no
início dos anos 1970; e a Marginal Pinheiros, cuja construção deu-se
em fase ao longo desta década. (HEPNER, 2010, p. 109).
O autor se reporta à pesquisa de Mariana Fix2 ao estabelecer períodos de
ocupação na região da Berrini e Marginal Pinheiros. Interessa para a presente
pesquisa a descrição que o autor faz do período entre os anos de 1994 e 2000 como
aquele "[...] caracterizado pela produção 'eufórica' de novos empreendimentos de
grande porte [...]" (HEPNER, 2010, p. 110).
Cercada de manifestações e polêmicas acerca do enorme potencial que se
permitiu construir a fim de viabilizar obras de infraestrutura a serem realizadas
(acima do indicado pela Lei de Zoneamento), a Operação Urbana Faria Lima
considerava extensas demolições, inclusive para a implantação da própria Avenida
Faria Lima. Até hoje vemos o efeito da OU Faria Lima na transformação da
paisagem não apenas do eixo da Rua Augusta, mas em todo o seu perímetro.

                                                            
2
FIX, Mariana. Parceiros da exclusão – duas histórias da construção de uma "nova cidade" em
São Paulo: Faria Lima e Águas Espraiadas. São Paulo: Boitempo editorial, 2001.
34
 

Figura 9. Operação Urbana Faria Lima, perímetros originais. Em laranja, as áreas


diretamente beneficiadas. Em amarelo, as áreas indiretamente beneficiadas, entre elas a
Avenida Cidade Jardim, no centro da Operação Urbana. Norte aproximado, sem escala
identificada.
Fonte: HEPNER, 2010, p. 272, com demarcação em vermelho da autora.
Caracterizada a expansão rumo sudoeste, Villaça (2001) indaga: porque a
aristocracia seguiu ocupando esse quadrante da cidade, culminando na várzea do
rio Pinheiros, local sem atrativos? Para o autor, a explicação está em um
entendimento mais amplo da própria cidade:

A razão para isso está na teia de inter-relações espaciais que se


desenvolve [...], acentuando cada vez mais uma 'amarração' entre os
diversos bairros (os da burguesia, no caso) e outros elementos vitais
definidores dos deslocamentos espaciais, especialmente os locais de
compras, serviços e empregos, como centros principais e os
subcentros ([...] avenida Paulista, avenida Faria Lima, marginal do rio
pinheiros), e todos os locais de emprego, comércio e serviços [...]
que definirão os deslocamentos espaciais dessas classes.
Abandonar a área de maior segregação significa ficar longe 'de tudo',
ficar 'fora de mão'. Abandonar a direção radial significa piorar a
acessibilidade. (VILLAÇA, 2001, p. 202 e 203).
Villaça (2001) também esclarece que a concentração de setores de alta renda
é mais vantajosa em termos financeiros, seja ao poder público, seja ao mercado. Na
imagem a seguir, à esquerda temos o modelo de São Paulo e à direita um modelo
35
 

hipotético. Entende-se por essa figura a atratividade da Operação Urbana Faria


Lima: "[...] a atratividade não está efetivamente na Operação em si, e sim na área
sobre a qual a Operação rege." (HEPNER, 2010, p. 272). Nossa interpretação é a de
que a Operação Urbana Faria Lima representa a continuação do desenvolvimento já
iniciado dentro do setor sudoeste da cidade, há mais de um século.

Figura 10. Alternativas de segregação urbana. O diagrama à esquerda refere-se ao modelo


paulistano, com uma direção preponderante de crescimento urbano. À direita, modelo
hipotético, no qual diversos centros urbanos distribuem-se no território.
Fonte: VILLAÇA, 2001, p. 340.
Rolnik (1997, p. 186 e 187) sintetiza de modo claro a expansão da cidade
rumo ao Sudoeste, do final do século XIX à contemporaneidade:

No final do século XIX, o Centro estava sendo abandonado pelas


elites, e foi reinvestido pela função comercial; na segunda década do
século, loteamentos residenciais exclusivos foram abertos,
estabelecendo frentes de expansão para os bairros burgueses – os
Jardins da City Improvements Co. Quando nos anos 30, a
capacidade de rendimento do primeiro cinturão oeste (Centro Novo/
Higienópolis) chegava no limite, foi reinvestida pelo uso vertical dos
apartamentos. E a abertura da avenida Nove de Julho, parte do
Plano de Avenidas de Prestes Maia, cuja implantação iniciou-se nos
anos 30, começou a sentar bases para a imigração das atividades
terciárias do Centro, na direção sudoeste. Com isso a avenida
Paulista, símbolo da riqueza gerada na Primeira República, com seus
palácios de novos e velhos ricos, seria implodida para abrigar as
torres de bancos, grandes corporações e antenas de comunicação a
partir dos anos 60, sem nunca abalar seu prestígio. Assim, a
valorização sobe as colinas e desce para as baixadas em ondas de
ressignificação, invariavelmente acompanhadas pela prioridade dos
investimentos públicos da cidade. Na rubrica investimentos no
orçamento municipal de São Paulo de 1993 e 1994, sob a gestão do
prefeito Paulo Maluf, 85% foram aplicados nesse vetor (sudoeste),
36
 

concentrados sobretudo em obras viárias geradoras de


revalorizações no interior de áreas já bastante valorizadas – caso do
túnel do Ibirapuera, o prolongamento da avenida Faria Lima e sua
ligação com a frente de expansão dos edifícios de escritórios, na
marginal do rio Pinheiros.
Como vimos por meio de diversos autores, as elites paulatinamente se
deslocam rumo ao Sudoeste, e os investimentos públicos e privados acompanham
tal deslocamento. Identificamos quatro momentos de inflexão, conduzidos pela
lógica econômica da produção do mercado imobiliário, que para além de sua
representatividade no desenvolvimento do quadrante sudoeste, foram de
importância para a consolidação específica da ocupação do eixo da Rua Augusta:
- primeiro momento de inflexão: deslocamento do Centro Velho ao Centro Novo,
tendo por símbolo a transposição do Vale do Anhangabaú, através do Viaduto do
Chá, viabilizando a ocupação do trecho inicial do eixo da Augusta;
- segundo momento de inflexão: deslocamento da região central para a Avenida
Paulista;
- terceiro momento de inflexão: deslocamento da região da Paulista para a
Avenida Faria Lima, tendo por símbolos o planejamento e construção dos bairros-
jardim, e a decorrente instalação do shopping Iguatemi;
- quarto momento de inflexão: deslocamento da região da Faria Lima para a região
da Berrini e posteriormente Marginal Pinheiros, tendo por símbolo a aprovação da
Operação Urbana Faria Lima.
O mapa de 1930, o primeiro levantamento cadastral da cidade de São Paulo,
é emblemático na síntese do presente capítulo, pois nele é possível observar a
região central consolidada em traçado e ocupação, os bairros-jardim com traçado
básico lançado, bem como a Avenida Cidade Jardim já definida, inclusive para além
Rio Pinheiros. A ocupação ainda não é integral – particularmente no trecho da
Avenida Cidade Jardim ainda é bastante rarefeita - no entanto, estão lançadas as
bases que a viabilizarão.
37
 

Figura 11. Mapa Sara Brasil, 1930. Em vermelho, eixo em estudo. Demarcação por ACFM.
Observa-se ocupação densa no trecho próximo ao centro, e cada vez mais rarefeita no
sentido Rio Pinheiros.
Fonte: Acervo FAU-USP.
É a partir do entendimento do desenvolvimento da cidade no quadrante
sudoeste, apresentado nesse capítulo, que iremos nos debruçar sobre o eixo da Rua
Augusta. O consideraremos uma unidade possível de leitura, analisando-o do ponto
de vista histórico através de marcos específicos de seu território, bem como do
ponto de vista contemporâneo, buscando uma leitura das transformações recentes
que tem ocorrido neste valorizado eixo da cidade.
38
 

2
Eixo Rua Augusta – Avenida Cidade Jardim e a escala local

Figura 12. Vista aérea, a partir da Avenida Europa, em direção à Marginal Pinheiros. A data
da foto não consta na fonte consultada.
Fonte: Acervo Cia. City.
39
 

2.1 Aspectos metodológicos

Tendo em mente o entendimento do eixo Augusta – Cidade Jardim como uma


unidade possível de ser identificada e analisada, no Capítulo 1 o contextualizamos
na história da própria cidade, como parte do quadrante sudoeste, baseando-nos em
diversos autores que já estudaram a história da cidade sob o viés do
desenvolvimento deste setor da cidade, em detrimento de outros setores.
No Capítulo 2 iremos nos debruçar sobre o eixo de estudo em si, tendo em
vista a consolidação de seu próprio território, e transformações recentes que nele
tem ocorrido. Para tanto, torna-se necessário esclarecer alguns aspectos
metodológicos que levaram à organização desse capítulo.
Entenderemos o eixo da Rua Augusta sob dois pontos de vista: do ponto de
vista histórico e do ponto de vista atual. O eixo será compreendido como unidade
territorial possível de estudo em si mesma, no entanto, sua grande extensão tornou
imperativa a necessidade de organizá-lo em setores, tanto para compreender
historicamente sua consolidação, como para identificar as morfologias que hoje
existem.
Na caracterização desses setores, por terem se formado em períodos tão
distantes no tempo – mais de um século – muitas vezes os critérios aplicados na
caracterização de um setor, não são passíveis de serem aplicados em outro.
A divisão em setores indicada abaixo em croquis recai sobre a identificação e
diferenciação dos fatores abaixo combinados:
- volumetria,
- morfologia das quadras,
- ocupação dos lotes,
- usos atuais,
- momento histórico de consolidação do local.
40
 

Figura 13. Croquis com setores identificados, incluindo volumetria, morfologia das quadras e
ocupação dos lotes.
Fonte: Croquis ACFM.
41
 

Em 2.2 entenderemos o eixo da Rua Augusta do ponto de vista histórico,


buscando uma visão do objeto em si e seus marcos referenciais. Tal apanhado será
feito com base em autores que já estudaram com grande profundidade cada um dos
temas ou locais abordados. Desse modo, o objetivo não é o relato histórico
detalhado, mas sim entender como os lugares se conectam na conformação do
objeto de estudo como o vemos hoje. O avanço que tentaremos obter é o da
compreensão do eixo como unidade, a partir do entrelaçamento de histórias.
Destacaremos a formação do território através da evolução das informações
apresentadas em mapas históricos, em alguns pontos significativos selecionados ao
longo do eixo. Não foi possível, no entanto, identificar as escalas dos mapas, por
não termos estabelecido por método o acesso às fontes primárias destes. Além dos
mapas, serão utilizadas também fotografias e desenhos no sentido de esclarecer
como cada um dos setores se consolida ao longo do tempo.
No item 2.3 abordaremos o eixo da Rua Augusta nos dias de hoje,
apresentando mapas inéditos elaborados, uma verdadeira radiografia atual do eixo
da Rua Augusta. São eles:
- Transformações 2006-2014, incluindo fotos atuais;
- Usos 2014, incluindo marcos referenciais.
Com base nesse material, bem como na legislação que incide atualmente
sobre ele, caracterizaremos a configuração atual de cada setor, do ponto de vista de
sua morfologia, das transformações recentes e de seu zoneamento e usos atuais.
42
 

2.2 Aspectos históricos

Os aspectos históricos do eixo propriamente dito serão abordados nesse


subitem, através de marcos selecionados. Os diversos tipos de marcos descritos a
seguir deverão ser entendidos como referências culturais e históricas que se fazem
presentes no eixo nos dias de hoje; não pretendemos aqui limitar os aspectos
históricos deste eixo a apenas estes marcos, nem mesmo esgotar informações a
respeito de cada um deles, mas sim apenas retomá-los no âmbito de sua
importância na consolidação do território do eixo. A divisão de setores segue aquela
indicada no croquis apresentado em 2.1.

Setor 1
Identificam-se no setor 1 dois grandes marcos no que tange à sua
constituição histórica e morfológica: o Velódromo e a Praça Roosevelt.
O setor 1 tem seu desenho estabelecido como o conhecemos hoje apenas
em 1930, o que demonstraremos através dos mapas históricos a seguir,
demarcando em vermelho os pontos de interesse para essa pesquisa.

Figura 14. À esquerda, planta de 1890 ("Planta da Capital do Estado de São Paulo e Seus
Arrabaldes").
À direita, planta de 1895 ("Planta da Cidade de São Paulo").
Fonte: PASSOS & EMIDIO, 2009, p. 33 e 35, com marcação nossa em vermelho.
43
 

Em 1890 representa-se a Igreja da Consolação, sendo esta um indicativo do


futuro local da Praça Roosevelt. Neste mapa também é importante notar o Ribeirão
Saracura, determinante para os futuros arruamentos, que serão feitos em função de
seu traçado. A Rua de Santo Antônio já se faz presente, paralela ao Ribeirão.
Em 1895, por sua vez, observa-se pela primeira vez registrada em mapa a
Rua Augusta, tendo por limite a Rua Caio Prado; por uma década este será o limite
da Augusta. A Rua Martinho Prado aparece pela primeira vez com este nome, já
com um traçado através do qual se identifica de modo um pouco mais claro a forma
da futura Praça Roosevelt.

Figura 15. À esquerda, planta de 1901 ("Planta da Cidade de São Paulo com as Redes dos
Esgotos").
À direita, planta de 1905 ("Planta Geral da Cidade de São Paulo").
Fonte: PASSOS & EMIDIO, 2009, p. 47 e 50, com marcação nossa em vermelho.
O Velódromo aparece pela primeira vez em mapas em 1901, reaparecendo
no mapa de 1905.
No ano de 1905 a Rua Augusta aparece estendida até a Rua Martinho Prado,
o que pode ser lido como um indicativo da importância que o Velódromo adquiria
como atividade de lazer em São Paulo. Também em 1905 observa-se a
representação da Rua Frei Caneca, terminando na então denominada Rua L.
Augusta – pela leitura de mapas atuais, entendemos hoje ser a Rua Marquês de
Paranaguá. Está configurado, portanto, o terreno do Colégio Des Oiseaux,
44
 

verificável na planta de 1913, na sequência, o que coincide com relatos históricos do


início de suas atividades.

Figura 16. À esquerda, planta de 1913 ("Planta da Cidade de São Paulo").


À direita, planta de 1924 ("Planta da Cidade de São Paulo mostrando todos os arrabaldes e
terrenos arruados").
Fonte: PASSOS & EMIDIO, 2009, p. 58 e 85, com marcação nossa em vermelho.
Em 1913 o Velódromo é registrado pela última vez, o que de fato coincide
com demais registros históricos como veremos mais adiante ao tratar
especificamente do Velódromo. Muitos são os novos registros nesse mapa:
- a Rua Augusta aparece em projeção, cruzando a Rua Martinho Prado e chegando
até a Rua Major Quedinho.
- a Rua Frei Caneca é entendida até a Rua Caio Prado, seu limite atual;
- a Rua Marquês de Paranaguá avança até a Rua Santo Antônio;
- o SPAC (Clube Atlético São Paulo) e o Colégio Des Oiseaux são registrados pela
primeira vez;
- surge a Rua Olinda, definindo o perímetro atual da Praça Roosevelt.
Em 1924, apesar de não se apresentarem muitas mudanças em relação a
1913, uma é essencial: a Rua Nestor Pestana aparece traçada no mapa, indicando a
demolição do Velódromo.
Em ambos os mapas, observamos o antigo Ribeirão Saracura ainda como
limitador dos arruamentos.
45
 

Figura 17. À esquerda, planta de 1929 ("Planta da Cidade de São Paulo – Folha I").
À direita, planta de 1930 ("Mapa Topográfico do Município de São Paulo, Folha 51").
Fonte: PASSOS & EMIDIO, 2009, p. 111 e 119, com marcação nossa em vermelho.
Em 1929 observamos um arruamento distinto da malha ao redor – a Rua
Avanhandava aparece pela primeira vez traçada, de certo modo seguindo a
topografia desenhada nas margens do Ribeirão Saracura. No traçado propriamente
dito do Ribeirão, configura-se a Avenida Anhangabaú, futura Avenida Nove de Julho.
Também aparece traçada a Rua Álvaro de Carvalho, hoje uma bifurcação, por assim
dizer, do eixo da Rua Augusta.
É em 1930 (mapa conhecido por Sara Brasil, a empresa que o executou,
sendo o primeiro levantamento cadastral realizado da cidade de São Paulo) que é
mapeada a Rua Martins Fontes, consolidando o trecho inicial dos arruamentos do
eixo em estudo, como o conhecemos hoje.
É interessante destacar a ligação constatada na pesquisa entre o Velódromo
e o Club Athletico Paulistano (CAP); suas histórias se misturam, e reforçam o
deslocamento das centralidades da cidade ao longo do eixo da Rua Augusta. O
Velódromo, concebido inicialmente para o ciclismo, na realidade, foi a primeira sede
do CAP. Retomaremos brevemente à história dessas instituições, levando em conta
a ênfase da pesquisa em compreender a transformação dos espaços no eixo em
estudo.
46
 

Consta na bibliografia que conta a história do CAP, que o Velódromo é


construído em 1857 por Conselheiro Antônio Prado, tendo por função a prática e
competições de ciclismo, um hábito importado da Europa. Há, no entanto,
controvérsias em relação a esta data, pois há referencias à existência do Velódromo
em mapas apenas a partir de 1901.
Em 1900, à procura de uma sede para os treinos de futebol, esporte
introduzido pelos ingleses que chegavam ao Brasil para trabalhar em companhias
instaladas na cidade, o recém-fundado clube passa a alugar de Dona Veridiana o
Velódromo, "[...] por 250 mil réis mensais, um pouco da influencia do neto Antônio e
muito do espírito de colaboração [...]" (DIMAND, 1970, p. 13).
Conjecturamos que a confusão de datas de início das operações do
Velódromo se dê pela própria história do CAP, que ali inicia suas operações em
1900.
Em 1901 o Velódromo passa por sua primeira reforma, com a construção de
um campo de futebol no centro da pista de ciclismo.
Descrições nos mostram a realidade cotidiana da cidade à época:
Era muito comum a presença de senhoras no Velódromo com seus
trajes baseados nos figurinos franceses. As saias arrastando pelo
chão, os chapéus de abas, as sombrinhas bordadas, apertadas nos
espartilhos, soltavam gritinhos de entusiasmo tanto quanto a etiqueta
e o espartilho permitissem. Sozinhas as mais jovens não podiam
nem ir às compras. Imaginem ao futebol. Por isso as mães estavam
sempre de guarda, para protegê-las de olhares mais indiscretos.
Mesmo assim, dizem que muitos noivados e casamentos nasceram
nas tardes de domingo no Velódromo. Os rapazes com seus fraques,
colarinho em pé, gravata plastrão, a indispensável flor na lapela e os
bigodões retorcidos tratados com cosméticos, driblavam o controle
das mães. E ai começavam os namoros.
A luz elétrica começava a aparecer e se pensava que já não
havia muita coisa para se descobrir. [...] E o automóvel surgiu com
toda a sua força. Antônio Prado Junior, e os irmãos Dumont – Luis e
o Santos Dumont, dos aviões – fizeram num domingo o passeio
triunfal. As pessoas saiam na janela para ver 'a máquina elétrica'
barulhenta andando a 20 quilometros por hora. Era o progresso que
chegava. (DIMAND, 1970, p. 18).
Em 1905 o clube entra em uma pequena crise em função da saída de alguns
sócios para a Associação Atlética das Palmeiras e nova reforma é feita no
Velódromo, no intuito de diversificar os esportes oferecidos. Nos serviços estão
incluídos pintura das arquibancadas, construção de duas quadras de tênis e "uma
parede para pelota" (DIMAND, 1970, p. 22). Antônio Prado, filho de Dona Veridiana,
prefeito da cidade é na época da diretoria do CAP. O futebol, no entanto, não perde
47
 

sua força e o campo do Velódromo recebe seu primeiro jogo internacional em 2 de


fevereiro de 1910, o time inglês Corinthians em jogo contra o próprio Paulistano.
Após alguns anos de crescimento (de 60 idealizadores a 166 membros, entre
1900 e 1903), reformas absorviam muito da receita do clube e, associado a isto, o
aluguel de 250 mil réis em 1900 passou para 400 mil réis em 1907, trazendo fase de
crise no clube. Finalmente, em 1915 o Velódromo foi desapropriado para a abertura
da Rua Nestor Pestana.
Com a desapropriação, o clube busca outro local para se instalar,
encontrando no Jardim América lugar para sua nova sede, o que investigaremos ao
tratarmos da consolidação do que denominamos setor 6 do eixo.

Figura 18. Vista do Velódromo (1857-1915), década de 1910.


Fonte: BRANDÃO, 2000, p. 29.
A construção da Praça Roosevelt, outro marco do setor 1 juntamente ao
Velódromo, é do final da década de 1960, mas é delimitada como território desde
1913, conforme mapas históricos apresentados. Em 1905 aparece nos mapas sua
primeira nomenclatura como Largo da Consolação, e em 1913 surge a Rua Olinda,
delimitando o território como o conhecemos hoje.
Podemos entender a história da Praça Roosevelt tendo em vista o referencial
de três períodos. Final da década de 1960, período de transição, e a partir de 2012.
De certo modo, essa organização temporal também se refletiu na própria Rua
Augusta, particularmente no seu trecho entre o Centro e a Avenida Paulista.
De autoria do arquiteto Roberto Coelho Cardoso, conforme consta na Revista
Acrópole, v.32, o projeto da Praça Roosevelt é elaborado no final da década de
1960, em resposta a um programa solicitado pela Prefeitura, que além de
48
 

estacionamentos previa outros usos como supermercado distrital, áreas de


recreação, casa de lanches, etc.
Segundo a equipe de projeto, dois pontos de partida foram os principais, que
se notam claramente: o sistema de pistas existente e a topografia original da praça.
Não sendo possível remanejar níveis das Ruas Olinda e Martinho Prado, optou-se
por um plano gerador a meio nível dessas ruas, e desse plano foram criados os
demais.
A retícula de 6 x 17 metros adequou-se ao viário e gerou uma figura
pentagonal, que foi aproveitada fortemente no projeto, criando-se a identidade da
Praça. A equipe fala em termos de "topografia de concreto", conforme consta na
Revista Acrópole, v.32, nº380 de dezembro 1970, à época de sua inauguração.
No período que indicamos como de transição, acompanhando de modo geral
a decadência do Centro, a Praça deteriora-se e diversos são os relatos de
insegurança, decorrentes do abandono desse espaço público. Diversos projetos
foram pensados, alguns realizados, porém, como ações pontuais que não resolviam
substancialmente os problemas.
Em 2012 inicia-se a implantação de um projeto de realização da Emurb3, e
autoria do arq. Rubens Reis. O projeto nasce em 2005 e sofre revisões em função
de acalorados debates com a comunidade até sua versão final de 2009.
O projeto contempla ações no entorno da Praça e daí vem a denominação
Polo Roosevelt, que tem o objetivo de intensificar a presença de pedestres na região
como um todo, e não só na praça. As ações no entorno incluem restauro de um
edifício tombado, alargamento de passeios, dentro outros.
O ponto mais forte do projeto é a demolição de três dos níveis projetados,
incluindo o pentágono, a forma mais simbólica da Praça. Os subsolos se mantêm
como parte do programa e serão reformulados – a Praça já foi reinaugurada, mas
com os subsolos em obras, ao menos até o período da pesquisa.
Foi motivo de grande crítica essa reforma, particularmente por parte das
companhias de teatro que se estabeleceram desde a década de 1990 nas bordas da
Praça. Muitos argumentaram que a pretensa renovação da Praça promoveu uma
grande valorização imobiliária, inviabilizando a permanência daqueles que por

                                                            
3
Para referências a esse projeto, ver
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/arq
uivos/ouc/ouc_apresentacao_78_roceouc.pdf
49
 

longos anos lutaram pela retomada da vida urbana na Praça, através da apropriação
pela arte. De fato é discutível se a reforma da Praça com a demolição do
emblemático pentágono de fato contribuiu para sua efetiva melhora, ou se o publico
que a frequenta é o mesmo que sempre a frequentou.

Figura 19. Fotografias que mostram a sequência da transformação do espaço, de


estacionamento à Praça, parte de exposição realizada na Praça Roosevelt em 2013.
Fonte: ACFM, 24.03.2013.

Figura 20. Folder em comemoração aos 40 anos da Praça Roosevelt, parte de exposição
realizada no local em 2013.
Fonte: ACFM, 24.03.2013.
50
 

Figura 21. Folder da exposição "Arquitetura da Desconstrução" realizada no local em 2013.


Fonte: ACFM, 24.03.2013.

Figura 22. Foto de trecho da exposição "Arquitetura da Desconstrução" realizada no local


em 2013, mostrando a demolição do emblemático pentágono.
Fonte: ACFM, 24.03.2013.
51
 

Setores 2 e 3
A Rua Augusta organiza-se historicamente em dois grandes trechos, o lado
Centro e o lado Jardins, tendo por divisa a Avenida Paulista. Faz sentido nesse
momento de reconhecimento histórico do eixo na pesquisa agrupar os setores 2 e 3,
e na sequencia os setores 4 e 5.
A história da Rua Augusta, como vimos parcialmente no setor 1, remonta ao
ano de 1895, quando aparece pela primeira vez em mapas. A Augusta toma forma a
partir do arruamento de chácaras, conforme descreve em detalhes Pissardo (2013).
Muitas das ruas traçadas no mapa abaixo continuam a existir nos dias de hoje e são
facilmente identificáveis, como a Avenida Paulista e a Rua Bela Cintra, lado centro.
Observamos no mapa abaixo que, mesmo em seu período embrionário, a Rua
Augusta já aparece em projeção para além da Avenida Paulista.

Figura 23. Chácara do Capão. Em vermelho a Rua Augusta, demarcação por ACFM. Data
não identificada na fonte.
Fonte: PISSARDO, 2013, p. 27, com demarcação da autora.
Nesse momento embrionário da Rua Augusta conforma-se um daqueles que
elegemos como um marco do setor 2, o terreno do antigo Colégio Des Oiseaux - o
52
 

território conformado à época de sua fundação permanece o mesmo até os dias de


hoje.
A história do terreno desse colégio nos leva a Dona Veridiana, proprietária de
uma das chácaras que dá origem ao território da Rua Augusta. Casada com
Martinho Prado, morava em sua fazenda em Mogi Mirim, eventualmente passando
temporadas em sua chácara em São Paulo. Em 1897, separa-se de seu marido e
passa a administrar as terras em São Paulo, fixando-se em São Paulo – em 1884
constrói em sua chácara em Higienópolis um palacete ao estilo francês, hoje de
propriedade do Iate Clube de Santos. Seus três filhos Antônio, Martinico e Eduardo
cuidam de negócios na cidade, e Veridiana é articuladora de contatos para favorecê-
los, tocando também alguns negócios próprios.
Veridiana cede um de seus lotes, à esquina da Rua Augusta com a Rua Caio
Prado, ao casal Flavio de Mendonça Uchoa e Evangelina Prado Uchoa. O casal
constrói um palacete em 1902, encomendado a Victor Dubugras, que apenas alguns
anos depois, em 1907, é leiloado para pagamentos de dívidas.
O terreno no mesmo ano é comprado pelas irmãs da congregação de Santo
Agostinho, vindo a ser implantado no local colégio Des Oiseaux – então um dos
principais colégios para damas da cidade; o colégio funciona até a década de 1960,
quando as freiras migram para o Colégio Madre Alix. Interessante destacar que o
pórtico de entrada à Rua Caio Prado existe até os dias de hoje.
Sua implantação, à época, acaba por atrair outros colégios à região, como a
Escola Alemã, na Rua Olinda; nos anos 1970, acompanhando os deslocamentos de
centralidades que vimos no capítulo 1, a escola migra para o Morumbi,
acompanhando seu público.
Esse terreno, vazio como se encontra hoje, é objeto de disputa entre a
sociedade civil e investidores privados; é do desejo da sociedade em geral o
estabelecimento de um parque no local, considerando, por exemplo, que há um
considerável maciço verde tombado. Porém, a recente notícia de que esse terreno
foi vendido para incorporadoras, nos leva a crer que essa quadra passe a ser
inteiramente privada, seguindo modelos de ocupação e construção comuns em
outros pontos da cidade. É, no entanto, um assunto em aberto.
Outro marco do trecho, a Subestação AES Eletropaulo, tem origem em algo
muito característico da Rua Augusta: a presença dos bondes. É um marco o ano de
1910 quando, por reivindicação popular, o bonde elétrico 45 'Rua Augusta' é
53
 

inaugurado, com percurso da Rua Martinho Prado à Avenida Paulista. Podemos


entender a inauguração desse bonde como um marco do início da valorização
comercial da Rua Augusta.
Destacamos que em 1912 a Light inaugura uma casa de transformadores e
armazenamento de bondes, para estacioná-los quando não estão em
funcionamento. Pissardo (2013, p. 38 e 39) identifica que nesse local hoje funciona a
referida Subestação, que conserva algumas características do prédio original. É,
portanto, um marco histórico do setor 2, apesar de um pouco descaracterizado de
seu projeto original, presente até os dias de hoje.

Figura 24. Antiga estação de bondes elétricos (1921), atual subestação AES Eletropaulo
(2013, foto do autor).
Fonte: PISSARDO, 2013, p. 38 e 39.
A Rua Augusta, desse modo, torna-se cada vez mais referência urbana do
ponto de vista comercial, não apenas localmente, mas para toda cidade. Em um
intervalo de menos de 40 anos de seus primeiros traçados consolida-se como polo
comercial na cidade.
As décadas entre 1940 e 1960 representam para a Rua Augusta seu ápice, o
ponto principal de comércio de luxo na cidade. Há citações a grandes
congestionamentos, e diversas são as soluções propostas – de proibição de
estacionamento a modificações no trânsito. É dessa época também a construção do
de muitos dos edifícios de uso misto que vemos hoje no local.

A partir da primeira metade da década de 1950, a Rua Augusta


passa a receber empreendimentos de maior altura e com um número
maior de apartamentos. [...] Desde o início, esses grandes prédios
residenciais têm, em sua grande maioria, o piso térreo reservado
para o comércio e outros serviços, nos moldes de outros prédios
construídos na mesma época no centro de São Paulo. Essa
característica comum aos edifícios vai facilitar a instalação de
estabelecimentos comerciais, ajudando na construção da zona
comercial que a rua vai abrigar na década de 50. (PISSARDO, 2013,
p. 94).
54
 

Contextualiza-se nesse período, do auge do sucesso comercial da Rua


Augusta, a construção do Edifício Nicolau Schiesser, projeto de Rino Levi, o qual
reconhecemos como marco histórico do setor 2.
Conforme nos relata Nascimento (2014) O edifício foi construído por Rino
Levi, entre os anos de 1934 e 35, por encomenda do próprio Nicolau Schiesser, que
nomeia o prédio. Engenheiro industrial, veio da Suíça para trabalhar no projeto e
edificação das tecelagens das Indústrias Francisco Matarazzo, enriqueceu com essa
atividade e acabou investindo em edifícios residenciais, como é o caso desse na
Augusta.
A partir da década de 1970, contudo, observa-se o abandono da Rua
Augusta, por motivos diversos, dentre os quais destacamos o lançamento do
Shopping Iguatemi em 1968, que levou consigo a clientela da Augusta,
acompanhando o movimento das elites na cidade. Nota-se então, particularmente no
lado Centro da Augusta, a presença maciça de prostíbulos, comércio ilegal e
cortiços.
O edifício começa a ser descaracterizado na década de 1980, acompanhando
a própria desvalorização da Rua Augusta. Nascimento (2014) coloca que tais
acréscimos são um desrespeito à obra do arquiteto:

Este tipo de intervenção pode ser até mais danosa que uma
demolição. Enquanto a demolição remove a obra por completo
deixando apenas a saudade, a descaracterização influi diretamente
na obra assinada pelo arquiteto. É como se rabiscassem um
“bigodão” na Mona Lisa ou se construíssemos um “puxadinho” no
Museu do Ipiranga.
Na década de 1990 a Rua Augusta começa novamente a ter atenção da
mídia, por ter se transformado em um polo de cultura alternativa, quando por
exemplo parte dessa rua passa a ser denominada Baixo Augusta – um primeiro
momento de renovação.
O que vemos atualmente é um segundo momento de renovação da Rua
Augusta: diversos imóveis têm sido demolidos, e lotes unidos, para a incorporação
de novos edifícios. O edifício Nicolau Schiesser é um desses edifícios, demolido
recentemente, junto com outros edifícios anônimos da Augusta, para a incorporação
de novos empreendimentos.
É daquele primeiro momento de renovação aquele que reconhecemos como
marco do Setor 3, o Cinema Itaú. Ele se estabelece como parte de outras
55
 

intervenções culturais na augusta na década de 1990 que se voltam a um público


interessado em atividades culturais alternativas, seja através do teatro (muitos deles
tendo se estabelecido na Praça Roosevelt) ou do cinema.
Segundo informações levantadas por Pissardo (2013, p. 150 a 153), o prédio
no qual se instala hoje, entre as Ruas Luis Coelho e Antônio Carlos, abrigou em
1947 o Cinema Majestic, inaugurado na época de ouro da Rua Augusta. Ao longo
das décadas, contudo, ele acompanha a decadência da Augusta. Não encontramos
nas fontes consultadas até que ano permaneceu aberto, no entanto, sabemos que
em 1993 reabre como Espaço Banco Nacional de Cinema, funcionando com este
nome até 1995. Entre 1995 e 2012 passa a se chamar espaço Unibanco para,
finalmente, denominar-se Cinema Itaú Unibanco, como o conhecemos hoje.
Interessante notar que o cinema Itaú Unibanco possui duas salas à frente
desse complexo principal, e elas também guardam relação com a história da Rua
Augusta. Nesse local, em 1963 inaugurou-se a Casa de Goethe, um espaço cultural
voltado à cultura alemã, que permanece aberta até 1980. Em seu lugar instala-se
em 1986 o Auditório ALS, visando atender público de perfil mais comercial. Em
1995, quando se estabelece o Espaço Unibanco à frente, incorpora-se a antiga Casa
de Goethe ao espaço do cinema, conformando-o como o conhecemos hoje, com
salas nos dois lados da Rua Augusta.

Figura 25. Cinema Itaú Unibanco, antigo Cinema Majestic. Atual inserção na Rua Augusta.
Fonte: ACFM, nov/2013.
Frisamos que novas intervenções do mercado imobiliário, principalmente
voltado a edifícios residenciais, tem descaracterizado a região, do ponto de vista de
seu contato com o térreo da cidade, particularmente no trecho Centro da Augusta.
56
 

Torres de uso misto, características do local, vêm sendo paulatinamente substituídas


por torres de maior porte, de uso exclusivamente residencial. Este é um fenômeno
bastante recente.

Setores 4 e 5
O Conjunto Nacional, o que consideramos como marco da consolidação do
setor 4, começa a ser construído em 1955, e por sua localização na esquina da
Avenida Paulista com a Alameda Santos, é um forte indicativo do direcionamento da
cidade rumo ao sudoeste.
Para a compreensão da importância histórica que culmina com o tombamento
do Conjunto Nacional pelo Condephaat em 2005, e da importância do objeto
arquitetônico em si, particularmente em seu pavimento térreo, que guarda relação
direta com o tipo de ocupação de galerias que é característico da Rua Augusta, faz-
se necessário traçar um breve histórico4.
O início da história do Conjunto Nacional remonta à história do sítio no qual se
insere. Stinco (2005) relata que Horácio Sabino, advogado e então proprietário de
diversas terras na cidade, em 1903 construiu sua casa no terreno que hoje é
ocupado pelo Conjunto Nacional. A casa, então denominada Vila Horácio Sabino,
havia sido projetada por Victor Dubugras.
José Tjurs, na época já proprietário da maior rede hoteleira da cidade, adquire
a Vila Horácio Sabino em 1952, localizada em um lote de 14.600m². No ano seguinte
ela é demolida, sob o argumento da construção de um grande empreendimento,
então chamado Hotel Nacional.

                                                            
4
Para estudo histórico detalhado do Conjunto Nacional, ver STINCO, Claudia Virgínia. David
Libeskind e o Conjunto Nacional. Caminhos do arquiteto e a síntese do construir cidade. Dissertação
de Mestrado, São Paulo, FAU-Mackenzie, 2005.
57
 

Figura 26. Vila Horácio Sabino, casa que ocupava o terreno hoje ocupado pelo Conjunto
Nacional.
Fonte: IACOCCA, 1998, p. 27.
Logo no início do desenvolvimento do projeto, em 1952, Gregori Warchavchic
e Salvador Candia são chamados para elaborar o projeto e até 1954 estão
envolvidos em sucessivas apresentações à Prefeitura, tendo sido a terceira versão
aprovada pelo órgão responsável, porém cassada pelo então prefeito Janio
Quadros, sob o argumento de não assegurar as características urbanas
predominantes na região.
Durante esse processo, Libeskind é informado da necessidade de um projeto
para um futuro empreendimento na Avenida Paulista e, ao se apresentar à Tjurs, é
convidado a elaborar um estudo para o referido projeto, que a princípio seria um
centro de exposições para a indústria, com prazo de uma semana para entrega.
Tjurs aprova o primeiro estudo, e Libeskind segue o projeto, elaborando o programa
de necessidades. O futuro Conjunto Nacional, ainda sem nome à época, manterá o
partido desse estudo inicial.
Libeskind segue desenvolvendo o projeto e em julho de 1955 entrega o
anteprojeto, que é aprovado pelo cliente. Em 7 de agosto de 1955 o projeto é
protocolado para aprovação na Prefeitura e este, portanto, é considerado o projeto
original do edifício.
Segundo legislação vigente à época, o gabarito máximo permitido a edifícios
era de 80 metros de altura, para ruas com largura superior a 18 metros. Desse
58
 

modo, configura-se a ocupação total da quadra pelo bloco horizontal, e a lâmina


vertical recuada em relação à Paulista, garantindo a possibilidade de uso da altura
integral permitida.
Nesse que é considerado o projeto original do edifício (aquele protocolado na
Prefeitura) já é possível observar que o bloco horizontal eleva-se do chão,
permitindo no térreo a extensão das calçadas limítrofes do edifício.
Com entradas por todas as vias que limitam o terreno, quatro galerias com 11
metros de largura interrompem o pavimento térreo, ladeadas por lojas de diversos
tamanhos, convergindo para um grande hall central. Neste ponto, a circulação
vertical e o acesso aos subsolos e andares superiores da lamina é possível por meio
de escadas rolantes e elevadores; a estrutura destes últimos sustenta rampas para
pedestres em formato helicoidal que perpassam os cinco pavimentos. Com o intuito
de iluminar naturalmente este hall central, Libeskind desenhou uma cúpula
geodésica inspirada nas pesquisas que Buckminster Fuller desenvolvia nos Estados
Unidos, conhecidas pelo arquiteto através de publicações da revista Architectural
Record (STINCO, 2005, p. 119).
Em 1956, devido a um momento de crise pelo qual passava o mercado
imobiliário, as vendas das unidades residenciais não iam bem, o que levou a uma
revisão do programa. A torre agora conjugaria unidades residenciais e escritórios. O
arquiteto sugeriu o acréscimo de um teatro no primeiro subsolo, apoiado por Tjurs,
que sempre via novas possibilidades de negócio para o empreendimento.
Em 1957, os andares superiores ainda estavam em obras, mas o pavimento
térreo já começava a ser ocupado. A confeitaria Fasano foi o primeiro ponto
comercial a se instalar, nesse mesmo ano. Posteriormente, Ruggero Fasano adquire
salões construídos no terraço, e neles passaram a funcionar o restaurante e o jardim
de inverno, inaugurados em 1958. A inauguração oficial do bloco horizontal se deu
em dezembro de 1958, com 57.000 m² de área construída e contou com a presença
do então presidente da República Juscelino Kubitschek.
A partir do ano de 1959, contudo, Libeskind passa a participar apenas
parcialmente das soluções desenvolvidas, e diversas alterações são feitas durante a
obra, em relação ao seu projeto.
Ao longo do tempo muitas áreas foram locadas com usos diferentes dos
inicialmente previstos. Também a contragosto do arquiteto e seu projeto, essas vias
de pedestres no pavimento térreo foram ocupadas na faixa central por stands.
59
 

Em 1962 dá-se por concluída a obra, sem os acabamentos previstos para a


fachada voltada à Paulista. Planos vazados previstos para reduzir a incidência solar
e diminuir o impacto da grande fachada na Paulista não foram instalados, nem os
brises metálicos especialmente desenhados para as fachadas do bloco horizontal,
por motivos de redução de custos, que na realidade acompanharam as decisões
durante toda obra.
Na década de 1960, o Conjunto Nacional vê o seu apogeu, acompanhado da
já estabelecida Rua Augusta e de uma Paulista em franco desenvolvimento - vida
diurna agitada pelo comércio fino, vida noturna em ascensão, inauguração do
MASP.
Na década de 1970, contudo, os espigões de concreto eram erguidos à
revelia de órgãos de preservação, que já haviam tombado diversos exemplares
residenciais da Paulista. A Rua Augusta, como vimos, começa a perder seu valor
comercial, particularmente pela abertura de shoppings centers na cidade, em
particular o Iguatemi. O Conjunto Nacional também sofre as consequências da
desvalorização da Rua Augusta.
Na década de 1980, sob nova administração, em um sério trabalho para a
recuperação de seus usos e imagem na cidade, o Conjunto renasce e se consolida
como polo de diversidade, reinserindo-se no novo tempo da cidade.

Figura 27. Terreno do futuro Conjunto e sua fotomontagem.


Fontes: IACOCCA, 1998, p. 52 e 54/55.
Como vimos nos setores 2 e 3, durante a década de 1970 a Rua Augusta
sofre as consequências da inauguração do Shopping Iguatemi, marcadamente no
lado Centro. O lado jardins (setores 4 e 5), com menor intensidade, também vê seu
movimento diminuir – o Conjunto Nacional, como vimos, é testemunha dessa
desvalorização.
60
 

Conforme relata Pissardo (2013, p. 84 e 85) data de 1973 uma importante


tentativa em atrair o público de volta à Augusta: o arquiteto Jorge Wilheim, com o
apoio dos comerciantes locais, elabora um projeto de reurbanização da Augusta.
Para tanto, sua proposta prevê o ajardinamento da Augusta, entre a Alameda
Santos e a Rua Estados Unidos, restringindo os automóveis a bolsões no
cruzamento com as transversais. A fim de verificar a efetividade da solução
proposta, por quatro sábados a Augusta foi fechada ao tráfego de veículos, e foram
promovidos eventos na rua para atrair o público. A operação não teve resultados
satisfatórios, e o projeto não foi aprovado, mantendo a Rua Augusta aberta aos
veículos.
Os setores 4 e 5, na realidade, são um trecho da cidade pouco pesquisado.
Observamos, no entanto, nos mapas históricos referências aos setores 4 e 5 como
Villa América: em visitas à Cia City, por conta de pesquisas voltadas aos bairros-
jardim, localizamos um mapa desse local, que abrange da Alameda Santos à Rua
Estados Unidos.
Pelo mapa e memoriais obtidos, a Cia. City adquiriu terrenos no bairro, entre
as ruas indicadas acima, e no outro sentido, entre as Ruas Augusta e Melo Alves. A
Rua Augusta aparecia pouco ocupada, ao menos neste mapa que mostra as
aquisições da Cia. City.
Apenas a partir deste material, seria possível uma extensa pesquisa, no
entanto, no âmbito da presente pesquisa cabe notar que a planta data de 1925 e,
portanto, nessa data o que denominamos setores 4 e 5 encontravam-se em franco
desenvolvimento.
61
 

Figura 28. Referência à Vila América, como propriedade de Cia City (observar carimbo do
desenho). Norte aproximado, sem escala identificada.
No Memorial do Bairro indica-se que a propriedade dos lotes é da Companhia City.
Ao longo do Memorial observa-se que os primeiros lotes foram comprados por Horacio
Sabino de proprietários diversos, sendo o primeiro adquirido em 1898.
Fonte: Acervo Cia. City. Mapa de 1925, com marcação da autora em vermelho.
62
 

Figura 29. Zoom do mapa acima, mostrando o nível de detalhe que contém. Rua Augusta,
lotes com nomes dos proprietários no ano de 1925. A paralela acima é a Rua Haddock
Lobo. As transversais à esquerda Alameda Franca, e à direita a Alameda Itu. Norte
aproximado, sem escala identificada.
Fonte: Acervo Cia. City. Mapa de 1925, com marcação da autora em vermelho.

Setor 6
Objetivando o entendimento da transformação territorial nos bairros-jardim ao
longo do tempo, são apresentados a seguir alguns dos mapas levantados por
Passos & Emidio (2009), à semelhança com o que elaboramos anteriormente para o
início da Rua Augusta. Pela singularidade de seu traçado, consideramos o desenho
urbano dos bairros jardim um marco do setor 6.
O traçado dos bairros-jardim aparece pela primeira vez registrado nos mapas
da cidade em 1922, com o Jardim América, e em 1924, com o Jardim Europa.
Vejamos em maiores detalhes, através dos mapas, como se deu a consolidação
desses bairros.
63
 

Figura 30. À esquerda, planta de 1913 ("Planta da Cidade de São Paulo").


À direita, planta de 1922 ("Planta da Cidade de São Paulo para o Indicador Prático").
Fonte: PASSOS & EMÍDIO, 2009, p. 58 e 82, com marcação nossa em vermelho.
No mapa de 1913, no trecho logo abaixo da Avenida Paulista, é possível
observar a chamada Vila América, a qual referenciamos no trecho sobre os setores
4 e 5, e que hoje denomina-se Jardim Paulistano. O território do futuro Jardim
América, no trecho inferior esquerdo no mapa, ainda é um local vago.
No mapa de 1922, observa-se o Jardim América já traçado até o limite que
conhecemos hoje, a Rua Groenlândia. A partir desse eixo virá a se constituir o
Jardim Europa.
É nítida na planta a diferença entre o traçado em malha da Rua Augusta e o
traçado orgânico do Jardim América.
64
 

Figura 31. À esquerda, planta de 1924 ("Planta da Cidade de São Paulo mostrando todos os
arrabaldes e terrenos arruados").
À direita, planta de 1926 ("Projeto preliminar para iluminação pública da cidade de São
Paulo").
Fonte: PASSOS & EMÍDIO, 2009, p. 85 e 102, com marcação nossa em vermelho.
Em um intervalo de apenas dois anos, no mapa de 1924 constata-se a
presença do traçado do Jardim Europa. Em seu entorno, exceção a bairros
anteriormente existentes, ainda não há ocupação.
Em outro intervalo de dois anos, em 1926 observa-se que o entorno do
Jardim Europa começa a ser ocupado. Em uma observação atenta, é possível notar
a quadra na qual hoje se encontra o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), um outro
marco referencial desse setor 6 que falaremos a seguir, e a quadra à sua frente
demarcada de modo diferenciado do restante; não se encontrou registro no mapa do
significado desta demarcação.
Destacamos um fato relevante neste mapa de 1926 para o setor 7, o próximo
e último a ser estudado: pela primeira vez o eixo da Avenida Europa aparece
traçado após o Jardim Europa.
65
 

Figura 32. Planta de 1930 ("Serviços de utilidade pública - companhias subsidiarias").


Fonte: PASSOS & EMÍDIO, 2009, p. 122, com marcação nossa em vermelho.
Já em 1930 nota-se claramente que essas duas quadras acima referidas
constam aparentemente como áreas verdes ou, no mínimo, livres.
Nesse mapa observamos também, através da legenda em sua versão
completa, que no eixo da Rua Colômbia e Avenida Europa projeta-se uma tramway
line; apesar de nunca construída, é interessante notar que é nesta data
aproximadamente que a bibliografia encontrada indica a consolidação dos bairros-
jardim.
66
 

Figura 33. Trecho bairros-jardim. À esquerda acima, planta de 1930 (Mapa Topográfico do
Município de São Paulo – Sara Brasil).
À direita acima, planta de 1954 (Vasp).
Ao centro, planta de 1974 (Gegran).
Observar que ao longo das décadas de 1930 a 1970, o traçado se consolida conectando-se
à trama ao seu redor.
Fonte: acervo FAU-USP, com marcação nossa em vermelho.
Nos três mapas acima se observa a consolidação dos bairros-jardim, em dois
aspectos.
Do ponto de vista do seu traçado, este se consolida e se conecta com a trama
urbana a seu redor.
Do ponto de vista das edificações, em 1930 as construções concentravam-se
no Jardim América, em 1954 passam a ser registradas com intensidade no Jardim
Europa, e por fim em 1974, ambos os bairros apresentam-se plenamente ocupados.
67
 

Os bairros-jardim, cujo traçado vimos se consolidar ao longo das décadas nos


mapas acima, nascem como ideia bastante específica de urbanização na cidade de
São Paulo com a Companhia City, formada em 1912 (CAMPOS, 2002, p. 150), com
o projeto para o Jardim América. O projeto para este bairro foi iniciado em 1913,
elaborado pelo escritório de Raymond Unwin, mas o projeto efetivamente executado
é o de Barry Parker.
Parker acabara de se desligar do escritório que havia formado com Unwin,
quando chega a São Paulo em 1917, para reprojetar os bairros da Companhia City –
sua estadia na cidade duraria até o final da Primeira Guerra (CAMPOS, 2002, p.
240). Parker e Unwin haviam juntos formado o mais importante escritório de
desenvolvimento de projetos de cidades-jardim; destaca-se a cidade de Lechworth,
Inglaterra (1904-08), cujo modelo foi adaptado para o projeto de subúrbios
residenciais, como o Hampstead Garden Suburb, também na Inglaterra (1907).
No Jardim América importa-se o modelo de bairro-jardim, mas ao invés da
construção de subúrbios residenciais, o modelo se adapta e transforma-se em bairro
praticamente residencial e voltado às classes média e média alta - os usos comercial
e institucional, presentes com maior intensidade em estudos iniciais, foram
parcialmente excluídos. Conforme descreve Wolff (2001, p. 134):

Esse projeto de Barry Parker traz a marca da novidade e traduz uma ideia
muito clara das intenções do arquiteto e dos loteadores. O caráter de
inovação dava-se pelas características do conjunto. Embora existisse um
princípio ordenador com aspectos tradicionais [...] o bairro diferenciava-se
do urbanismo clássico de ruas rigorosamente paralelas e perpendiculares.
As vias longas e curvas – entremeadas por outras curtas e locais, por
pracinhas e canteiros nos cruzamentos, pelo formato irregular dos lotes e,
principalmente, pelos jardins comuns nos miolos dos quarteirões, muito
diferentes de quintais escondidos – criaram uma paisagem inusitada que
foi recebida com agrado.
Os terrenos começam a ser efetivamente comercializados em 1919; o último
registro de aprovação pela City de residência em terreno não ocupado anteriormente
consta de 1958.
Nesse longo período, muitas transformações se passaram pelo bairro,
descaracterizando parcialmente o projeto original de Parker. A eliminação dos
jardins nos miolos de quarteirões é um exemplo disso: por ficarem em uma situação
entre o privado e o público, não foram incorporados pelos moradores do entorno,
terminando abandonados, e a City decidiu por comercializá-los.
68
 

Não tendo sido implantado pela Companhia City, partido semelhante ao do


Jardim América acima descrito é adotado para o Jardim Europa por Hipólito Pujol
Junior.
Juntamente com o característico desenho urbano dos bairros-jardim, o Club
Athletico Paulistano (CAP) é mais um dos marcos referenciais do setor 6 -
podemos dizer que foi a primeira ocupação dos bairros-jardim. Após a
desapropriação do Velódromo, um dos marcos do setor 1, o time de futebol do CAP
passa a treinar em campos emprestados. A desapropriação do Velódromo acaba por
inaugurar um novo momento na história do clube, como veremos profundamente
ligada à história das elites da cidade.
Antônio Prado, membro da diretoria do clube, entra em acordo com a City
para a compra do terreno onde até hoje o CAP se encontra, no Jardim América,
entre as ruas Colômbia, Honduras e Estados Unidos. "Aliás, quando ainda se
procurava a nova área de terreno, por volta de 1915, foi Washington Luiz quem
aconselhou os dirigentes do Paulistano a adquirir o terreno do Jardim América. Ele
era, na época, o prefeito de São Paulo." (DIMAND, 1970, p. 35).
Carlito Aranha, Maurício Monteiro e o próprio Antônio foram ao local verificar
as condições do terreno:

Nessa época, o bairro do Jardim América era todo um charco. Por


isso, tivemos que deixar o carro na Alameda Santos e descemos a
Rua Augusta a pé. O bairro era tão deserto que Maurício aproveitou
para fazer exercícios de tiro ao alvo. [...] Visitamos o terreno e demos
nossa opinião a Antônio Prado. As condições eram boas e então fez-
se o negócio. [...]
150:000$000 (cento e cinquenta contos de réis) em 240
prestações mensais iguais, vencidas de 1:074$650, compreendendo
juros de 6% ao ano, pagou o Paulistano pelo terreno. Na escritura
lavrada nas notas do 2° tabelião, a 16 de agosto de 1916, consta que
a área é de 23 mil metros quadrados.
Para início das construções, a diretoria contraiu um empréstimo
entre os associados, que atingiu a soma de Rs. 146:000$000. E o
Coronel Bento Canavaro ofereceu a importância de 50 contos de réis
a longo prazo.
Mas faltava ainda comprar aquela área pertencente ao
português Policarpo Pinto Correa junto ao terreno da City, que
quebraria a harmonia das futuras construções. Área: 4.060,00
metros; preço: 20:000$000. Negócio fechado.
Um novo Paulistano surgia. (DIMAND, 1970, p. 35).
69
 

Figura 34. Fotos à época da construção da nova sede do CAP, sem data. Observar ao fundo
o futuro Jardim América desocupado.
Fonte: DIMAND, 1970, p. 39.
Relata-se, além das áreas descritas acima, uma área de 13 mil metros
quadrados que levaria o clube até a Rua Argentina, mas que dependeria da
eliminação da Rua das Guianas, então localizada entre o Clube e o referido lote.
Após levantamento recursos entre os sócios, possíveis de serem resgatados em dez
anos (o que nem todos os sócios fizeram, preferindo manter a doação ao Clube) e
negociação com a prefeitura, o Clube adquiriu essa área. Delimita-se o Clube como
o vemos hoje: "Num sistema de troca, o clube fechou seu lote, e a rua das Guianas
desapareceu, para reaparecer como uma pracinha no Jardim América." (BRANDÃO,
2000, p. 31).
70
 

Figura 35. Mapa Jardim América, mostrando a Rua das Guianas entre a Rua Augusta e a
Rua Argentina, ainda não incorporada ao terreno do CAP. Demarcação da autora. Norte
aproximado, sem escala identificada.
Fonte: Acervo Cia. City, com marcações em vermelho da autora.

Figura 36. Mapa Jardim América, observar que em entre os anos de 1921/1925 o CAP
incorpora em seu terreno a área até a Rua Argentina, seu limite atual, demarcado pela
autora em vermelho. Norte aproximado, sem escala identificada.
Fonte: Acervo Cia. City, com marcações em vermelho da autora.
71
 

O CAP é inaugurado em sua nova sede no Jardim América, em 29 de


dezembro de 1917.
Consta na história, descrita por Brandão (2000), que em função da nova
localização do Clube, a Light prometeu fazer modificações em horários de linhas que
atendiam o bairro, e que "A prefeitura mandou calçar a rua Augusta e a quadra da
Colômbia até alguns metros abaixo do clube." (BRANDÃO, 2000, p. 31).
Sobre essa época, Brandão (2000, p. 52) traz informações relevantes sobre o
perfil de ocupantes que se fazia ao longo do eixo em estudo nessa pesquisa:

Um dos orgulhos da cidade era a Biblioteca Municipal, inaugurada


em 1926, na Rua Sete de Abril. E o Jardim América estava sendo
gradualmente ocupado pela elite, que aderira ao moderno conceito
de bairro implantado pela City, com ruas curvas de 22 metros de
largura e pequenas praças de interligação. As terras tinham sido
drenadas, e os esgotos, instalados. A primeira casa construída no
bairro foi a do dr. Carlos Gonzaga de Oliveira, a menos de cem
metros do Paulistano, na esquina das ruas Colômbia e Nicarágua.
Não cabendo no contexto da presente pesquisa a trajetória detalhada do
Clube, resumimos sua história ao fato de que se firmou na cidade como um dos
principais e mais exclusivos clubes da cidade, com obras arquitetônicas marcantes
em sua sede. Em 1958 inaugura-se a nova sede, com projeto de Gregori
Warchavchik; de 1958 é também o projeto do Ginásio, de Paulo Mendes da Rocha.

Figura 37. Maquete do projeto de Gregori Warchavchik.


Fonte: DIMAND, 1970, p. 95.
72
 

Figura 38. Sede Social do Clube, projeto de Gregori Warchavchik, foto sem data.
Fonte: BRANDÃO, 2000, p. 78.

Figura 39. Ginásio, projeto de Paulo Mendes da Rocha, sem data.


Fonte: BRANDÃO, 2000, p. 82.
É de se notar que a história do Paulistano é relevante no entendimento da
formação e consolidação desse eixo da Rua Augusta na cidade, sendo inclusive
indutor de melhoramentos urbanos para o trecho do Jardim América, então uma
área alagadiça que apenas décadas depois viria a ser plenamente ocupada com o
73
 

projeto da City. Desde o princípio é possível afirmar que a consolidação histórica


desse vetor na cidade se deu pelo direcionamento das elites.
Além do CAP, e do desenho urbano dos bairros jardim, outro marco na
consolidação dos bairros-jardim é a implantação do MuBE.
O debate mais importante e de maior envergadura acerca da transformação
dos bairros Jardim América e Jardim Europa, desde sua consolidação, se deu à
época do tombamento dessa região e diz respeito à destinação do terreno que hoje
é ocupado pelo MuBE. Para além de sua marcante arquitetura, sua chegada foi
decisiva para definir o bairro como o conhecemos hoje.
Em março de 1985, a Prefeitura concede alvará para a construção de um
shopping center na esquina da Avenida Europa com a Rua Alemanha, atual terreno
do MuBE. Indignados com tamanha descaracterização do uso residencial do bairro
histórico, e preocupados com as decorrências da instalação de um equipamento
desse porte (por exemplo, outros usos comerciais que poderiam se instalar na
região), moradores do bairro se uniram na SAJEP (Sociedade de Amigos do Jardim
Europa e Paulistano) a fim de defender o tombamento das áreas verdes dos bairros,
e contra a implantação do referido shopping center. Segundo notícia da Folha da
Tarde, em 13/05/1985, que consta no processo de tombamento do bairro número
23372/1985, volume 2:

Há muito não se via uma manifestação tão enfática, uma explosão


tão calorosa de moradores revoltados, que resolveram lutar com
unhas e dentes para impedir a destruição de uma das últimas áreas
da cidade ainda mantidas a salvo da especulação e da ganância.
O processo legalmente teve um resultado positivo, pois se decide pelo
tombamento dos bairros (Processo 23372-85), e a não construção do shopping
center: Conforme o processo de tombamento, só seria permitido derrubar ou
reformar casas mantendo a área construída e sem a remoção de árvores e, além
disso, a Prefeitura estaria proibida de alargar ruas ou mudar seu traçado, ou
autorizar obras que desvirtuassem o caráter residencial dos bairros.
A Prefeitura doou o terreno e em contrapartida, os próprios moradores teriam
de apresentar a ela uma proposta de interesse social para ocupação do terreno, e
daí surge a ideia de um museu de esculturas – há relatos sobre a influência da
família Brecheret, moradora do bairro, na escolha deste uso (ROCHA in PIÑON,
2002, p. 27).
74
 

O MuBE, cujo projeto implantado foi selecionado através de concurso, tem


seus 3.000m² distribuídos em 7.000m² de terreno, resultando em uma Taxa de
Ocupação menor do que 50% do lote. Em meio ao bairro no qual se insere e diante
da vizinhança local extremamente preocupada com o que se construiria ali, Paulo
Mendes da Rocha entende que não poderia se implantar um museu em um bloco
fechado em si mesmo.
Uma construção no meio do lote, resultando em recuos em todas as suas
bordas, ou com pátios internos, não seria adequada nem ao uso proposto. Não
seriam adequadas nem mesmo na inserção de um equipamento público em relação
à rua, ou à cidade (ROCHA in PIÑON, 2002, p. 28) – preocupação esta recorrente
na obra de Mendes da Rocha.5 A relação espaços internos e externos, inclusive, é
geradora do conceito do projeto:

[...] colocou-se a intriga entre espaço interno e espaço externo, uma


vez que isso passou a ser, passou a se considerar uma exigência de
um museu de esculturas; fazer conviver espaços de pleno ar, de ar
livre com espaços internos. Para mim, isso passou a ser uma
questão fundamental a resolver. (ROCHA in PIÑON, 2002, p. 28)
A diferença de cotas (aproximadamente 4m) entre a Avenida Europa e a Rua
Alemanha é decisiva no partido do projeto; o arquiteto implanta o museu em níveis
no subsolo, e da Avenida Europa o que se vê é apenas uma praça de esculturas.
Perrone (2011) ressalta que em diversas obras de Mendes da Rocha há uma
"Relação entre estrutura e forma definidora da solução arquitetônica"; no caso do
MuBE a vemos identificada claramente no único elemento – simultaneamente
arquitetônico e estrutural - que o identifica como espaço, o grande pórtico que, com
seus 60 metros de vão, implanta-se transversalmente à Avenida Europa, em uma
tomada de decisão, ao nosso ver, de plena consciência da legibilidade da esquina
na qual se insere. Tomada a decisão da implantação transversal em relação à
Avenida Europa, Mendes da Rocha descreve que:

Restava saber em que altura, e também decidimos situá-la em


relação à parte mais alta do museu, do piso, na altura de uma
casinha comum, da nossa casa, dois metros e quarenta, dois metros
e cinquenta, como uma referência de escala para aquilo que se fosse
ver no jardim. (ROCHA in PIÑON, 2002, p. 29)

                                                            
5
Para maior profundidade neste tema, ver: Se é Espaço, deveria ser público. In: MENDES, Paulo
Mendes da; VILLAC, Maria Isabel. América, cidade e natureza. São Paulo: Estação Liberdade,
2012, p. 88-92.
75
 

Este único elemento na paisagem associado à sua importância para a


construção da esquina na qual se insere, é também de valor simbólico em relação à
Avenida Europa. Sendo o Museu propriamente dito subterrâneo, se fazia necessário
um marco externo. Mendes da Rocha recorre à linearidade da Avenida Europa
colocando que:

Dizer que uma coisa aparece, por melhor que se possa fazer, nem
sempre é fazê-la aparecer como algo exuberante em si mesmo,
como quem enche um prédio de colunas jônicas e coisas do tipo [...].
Talvez o melhor fosse contrapor com uma certa limpidez ou, melhor,
fazer ver com uma certa limpidez o que estava por ali. A beleza do
eixo da Avenida! [...] Ora, se fosse conseguida uma linha visível
muito extraordinária, muito visível, perpendicular à Avenida Europa,
esta seria valorizada. (ROCHA in PIÑON, 2002, p. 30).
A praça que se forma no nível da Avenida Europa é seca; não há maciços de
jardins. Isto foi uma decisão consciente: a laje de piso da praça, é a cobertura do
que está no subsolo, então se optou por implantar jardins apenas sobre solo natural,
liberando e acentuando a importância de todo o resto para a exposição de
esculturas. Desse modo, em um bairro histórico e consolidado da cidade, implanta-
se algo inovador que ao mesmo tempo reverencia o existente.

Figura 40. Vista do MuBE a partir de seu acesso na Rua Alemanha. Ao fundo, Avenida
Europa.
Fonte: PIÑON, 2002, p. 103.
76
 

Setor 7
A consolidação do setor 7 foi facilitada pela retificação do Rio Pinheiros, o que
fica claro nos mapas a seguir.

Figura 41. Trecho Avenida Cidade Jardim. À esquerda acima, planta de 1930 (Mapa
Topográfico do Município de São Paulo – Sara Brasil).
À direita acima, planta de 1954 (Vasp).
Ao centro, planta de 1974 (Gegran).
Observar que é apenas entre as décadas de 1950 a 1970 que o traçado das ruas se
consolida, bem como a ocupação do setor 7.
Fonte: acervo FAU-USP, com marcação nossa em vermelho.
Na década de 1930 podemos observar o Rio Pinheiros não retificado, e nas
bordas da Avenida cidade Jardim pouquíssimas ocupações, possivelmente
chácaras. Nota-se um córrego, sem nome localizado neste mapa, nome este
também não encontrado nas demais folhas que o compõe. Já está presente o Spot
Club Germania, futuro Esporte Clube Pinheiros.
77
 

Em 1954 o Rio Pinheiros acaba de ser retificado, e as ocupações nas bordas


da Avenida Cidade Jardim ainda são escassas, apesar de uma maior presença de
edificações que vem do sentido centro. A antiga Rua Maria Antonieta torna-se Rua
Professor Artur Ramos, à semelhança da Rua João Augusto, que tem seu nome
alterado para Rua Dr. Mario Ferraz, como as conhecemos hoje. O córrego ainda
aparece aflorado. Já há, contudo, uma ponte que conecta ambos os lados do Rio
Pinheiros.
Pode-se dizer que o período entre as décadas de 1950 e 1970 é aquele de
consolidação do traçado e ocupação desse setor. Surge a Rua Frederic Chopin,
exatamente no traçado do antigo córrego, bem como a rua Franz Schubert
(conectando a Rua Prof. Artur Ramos à Avenida Cidade Jardim) e uma pequena rua
que conecta a nova Frederic Chopin à Artur Ramos. Esse é o traçado como o
conhecemos hoje. Nota-se que do outro lado da Avenida Cidade Jardim, desde a
década de 1930 há uma rua, então denominada Rua do Meio, que segue presente,
hoje chamada Rua Jacurici.
Apesar do córrego se apresentar canalizado, no mapa de 1974 há um trecho
ainda aflorado, nas proximidades do Rio Pinheiros. Hoje esse trecho não mais se
encontra aflorado – a Rua Prof. Ramos de Azevedo chega à Marginal Pinheiros. No
mapa de 1974 também surgem as alças de acesso à atual ponte Cidade Jardim.
Um aspecto a se destacar na evolução da ocupação desse setor é que o
limite do atual Parque do Povo é exatamente o limite de um dos antigos meandros
do Rio Pinheiros, visível no mapa de 1930.
É justamente o Parque do Povo que elegemos como marco deste setor 7,
por sua configuração histórica, e também por sua permanência até os dias de hoje.
Localizando-se em uma área altamente valorizada da cidade, diversas foram as
ameaças à sua existência, passando inclusive pela possibilidade da venda de sua
área - que sem dúvida reverteria muito lucro à iniciativa privada. No entanto, após
anos de luta e de muitos interesses financeiros em jogo, o Parque do Povo é
tombado (Processo 26513-88).
78
 

Figura 42. Vista do acesso do Parque do Povo pela Avenida Cidade Jardim, a partir da
passarela que a cruza. Notar intensa verticalização nos arreadores do Parque.
Fonte: ACFM, nov/2013.

Figura 43. Foto aérea tomada a partir do Jardim Guedala, à época de seu loteamento. Nela
é possível visualizar praticamente todo o eixo em estudo – Avenida Cidade jardim, passando
pelos bairros-jardim, e visualizando-se a verticalização da Avenida Paulista. O ano da foto
não consta nos arquivos originais, porém, tudo leva a crer que esta foto é contemporânea do
levantamento Vasp, de 1954, pois apesar do Rio Pinheiros já estar retificado, as margens da
Avenida Cidade Jardim ainda estão bastante desocupadas.
Fonte: Acervo Cia. City, com marcações em vermelho da autora.
79
 

2.3 Aspectos atuais

O eixo da Rua Augusta será abordado nesse item em seu tempo presente,
considerando as transformações recentes que ocorreram entre os anos de 2006 e
2014.
Os mapas apresentados a seguir foram cuidadosamente elaborados a partir
de plantas e imagens existentes, com ajuda de levantamento fotográfico proveniente
de diversas visitas ao local.
O método que se estabelece é o seguinte: tendo por base o Mapa Digital da
Cidade (MDC) datado de 2006, disponível no portal da Prefeitura, o comparamos
com o Google Street View 2011, igualmente de acesso público, e com o que vemos
no local hoje, com visitas ocorridas no 2° semestre de 2013 e 1° semestre de 2014.
O objetivo é observar o que foi demolido, o que foi construído e o que foi
reformado ao longo desses anos. Temos aqui, portanto, um panorama de
transformações bastante atualizado, apesar de inexoravelmente em contínua
mutação, que compreende os períodos de 2006-2011 e 2011-2014. Temos,
portanto, uma espécie de radiografia atualizada, por assim dizer, da situação
construtiva atual do eixo, na qual se notam quais edifícios se mantiveram intactos
desde 2006, quais edifícios foram reformados ou demolidos, em qual dos dois
períodos observados.
A partir dessa base iconográfica, levantamos os usos que atualmente abrigam
as construções que tem acesso ou fazem divisa com as Ruas Martins Fontes,
Augusta, Colômbia e as Avenidas Europa e Cidade Jardim. Os usos foram
classificados em:
- uso residencial (exclusivo)
- uso comercial e de serviços (exclusivo)
- uso misto (térreo ou térreo e sobreloja comerciais + torre residencial)
- uso institucional
Dessa forma, temos como produto dois grandes mapas:
- Transformações 2006-2014
- Usos 2014
O zoneamento vigente (Plano Diretor Estratégico e Lei de Uso e Ocupação do
Solo, Lei 13.885/ 04) foi sintetizado em uma planta e uma tabela com os parâmetros
das zonas indicadas na referida planta.
80
 

Algumas ressalvas e observações são importantes de serem feitas a priori –


possivelmente elas serão mais bem compreendidas após a leitura dos mapas -
porém é necessário que sejam esclarecidas nesse momento, do ponto de vista
metodológico.
No mapa Transformações 2006-2014, as ressalvas e observações são as
seguintes:
1. As construções com a legenda "reformado entre 2006-2011" se referem a casos
de divisão ou união de lojas. O método foi comparar o MDC 2006 com o Google
Street View 2011, portanto, não há informações sobre a imagem de determinada
construção em 2006, apenas de sua projeção no lote. Podem, portanto, ter ocorrido
outras reformas entre 2006 e 2011 alem das retratadas nesse mapa.
2. As construções com a legenda "novos edifícios 2011-2014" incluem edifícios já
inaugurados e em uso, aqueles em obras, bem como os futuros lançamentos.
3. Terrenos vazios (ou com indicação de demolições e sem novos prédios) no mapa
Transformações 2006-2014 e com algum uso no mapa Usos 2014, possivelmente se
referem à estacionamentos descobertos. É muito comum observar nas novas obras
o ciclo: demolição de construções existentes, seguida por transformação do terreno
em estacionamento e posterior construção de um novo edifício. Todos os
estacionamentos, portanto, são vistos como locais de potencial transformação.
4. Desconsiderada a diferença de meses entre os levantamentos do Google Street
View, o relevante e considerado para a presente pesquisa é que elas datem do ano
de 2011.
5. Na categoria "novos edifícios", para ambos os períodos, optamos por não
desenhar o perímetro da edificação, apenas indicando que naquele lote há uma
nova construção. Como não há informação precisa disponível ao público sobre a
implantação dos novos edifícios, escolhemos não desenhá-la para evitar incorrer em
erros.
No mapa Usos 2014, as ressalvas e observações são as seguintes:
1. Exemplos de uso comercial e de serviços: estacionamentos, bancos, hotéis,
postos de gasolina, floriculturas, restaurantes, teatros, cinemas.
2. Exemplos de usos institucionais: escolas, museus, clubes, igrejas.
3. Flats foram incluídos no uso residencial, caso não tenha comércio no térreo.
81
 

4. Edifícios hoje desocupados ou abandonados foram classificados de acordo com


seu uso anterior. Não foram destacados como "sem uso", pois o objetivo da
pesquisa não é a observação de vacâncias.
5. As vilas (caracterizadas como vias particulares sem saída) que além de
residência, também abrigam serviços, foram incluídas na categoria "uso misto".

Figura 44. Mapa do eixo em estudo, indicando o zoneamento vigente (PDE 2002 e LUOS
2004) que organiza a ocupação dos territórios que o margeia. Em roxo, divisão de setores
proposta para análise. Marcações em roxo e vermelho da autora.
Fonte:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano
s_regionais/index.php?p=1897 e
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano
s_regionais/index.php?p=1891.
82
 

Figura 45. Quadro síntese do zoneamento do eixo.


Fonte: elaborado pela autora a partir da LUOS 2004.
85
 

2.3.1 Setor 1 - Rua Martins Fontes e Rua Augusta, da Avenida São Luis à Rua
Caio Prado

Figura 48. Vista a partir do cruzamento da Rua Augusta com a Caio Prado, sentido Centro.
À direita, tapume de obras do Ca'd'Oro.
Fonte: ACFM, abr/2014.

Figura 49. Diagrama setor 1, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
86
 

Morfologia
O setor 1, que abrange a Rua Martins Fontes e um pequeno trecho da Rua
Augusta, inicia-se na Avenida São Luis, terminando na rua Caio Prado. Tal
delimitação territorial justifica-se pelos registros históricos em mapas, que retratam
pela primeira vez em 1895 a Rua Augusta. Neste ano, a Rua Augusta inicia-se na
Caio Prado em direção à atual Avenida Paulista, e apenas 10 anos depois, também
segundo registros em mapas, ela se prolonga em direção ao Centro, até a Rua
Martinho Prado.
De volumetria alta, este setor caracteriza-se por edifícios de mais de dez
pavimentos, sem recuos laterais ou frontais. As quadras tem forma não ortogonal.
Como vimos em 2.1, a morfologia deste setor foi em grande parte definida
após a demolição do Velódromo, levando o desenho das quadras a ocupar os
espaços remanescentes. Importante destacar que a topografia deste setor,
especialmente nos trechos próximos à Rua Avanhandava – nos mapas históricos
nota-se o Ribeirão Saracura, no local da futura Av. Nove de Julho - também contribui
para uma geometria irregular, acomodando-se ao desnível do terreno.
Transformações recentes
Desde 2006 muitas transformações tem ocorrido no setor. Apenas duas foram
as reformas observadas, a de maior envergadura deu-se no Hotel Braston. Por outro
lado, muitas foram as demolições, em maior quantidade entre os anos de 2011 e
2014.
O Hotel Ca'd'Oro foi demolido para dar lugar a um empreendimento de uso
misto, com hotel, salas comerciais e unidades residenciais compactas – tipo de
unidade que é típica na maioria esmagadora de lançamentos na Augusta, até a
Avenida Paulista. O empreendimento é da Brookfield Incorporações, e está em fase
de obras. As construções de toda a quadra foram sendo paulatinamente demolidas,
de modo que o empreendimento terá frente para três ruas – Augusta, Avanhandava
e Caio Prado. Entre as demolições, estão casas antigas, edifícios altos e uma EMEI.
Apenas duas construções permanecem na quadra.
A Praça Roosevelt também foi parcialmente demolida nesse intervalo de
tempo, e o novo projeto inaugurado, conforme vimos no capítulo 2.
Os novos empreendimentos se propõem de fato como algo "novo" em meio
ao "velho": linguagem arquitetônica e programa estão aos moldes de intervenções
realizadas em áreas mais novas da cidade, como é o caso do outro extremo do eixo,
87
 

no setor 7. No caso do Ca'd'Oro, o slogan "Um novo marco da revitalização do


centro!" indica seu propósito, confirmando a percepção que temos no local.
Além deste, há mais dois novos empreendimentos no local, um já construído
à Rua Álvaro de Carvalho (residencial, de grande porte, em diversas torres) e outro
em início das obras, o Motion Avanhandava (residencial, de pequeno porte, em
apenas uma torre).
Zoneamento e usos atuais
Neste setor duas são as legislações que organizam seu crescimento,
parcialmente sobrepondo-se.
Todo o setor configura-se em uma ZCP-b/05 (coeficiente de aproveitamento
básico 2, máximo 4, com gabarito de altura sem limites, permeabilidade de 15% da
área do lote). Da Rua Martins Fontes até a Rua Guimarães Rosa (ou seja, do início
do eixo em estudo, até o final da Praça Roosevelt) sobrepõe-se a esses índices a
Operação Urbana Centro (OU Centro), que permite empreendimentos de maior
porte ao determinar parâmetros urbanísticos como o coeficiente de aproveitamento
máximo 6 para habitações e uso misto. Além disso, a OU Centro incentiva térreos
mais permeáveis à passagem do pedestre, ao não computar para o Coeficiente de
Aproveitamento áreas destinadas à fruição pública no térreo do edifício, ou em sua
cota de acesso.
A união de lotes é também incentivada, quando a OU Centro propõe que na
união de lotes maiores de 1.000m² o empreendimento possa ter um acréscimo de
área construída, livre de contrapartida, de 10% da área total do novo lote.
O grande empreendimento residencial à Rua Álvaro de Carvalho, por seu
grande porte, aparentemente se utilizou do máximo coeficiente de aproveitamento.
No entanto, pelas poucas transformações que observamos nesse trecho, muitos
outros instrumentos da OU Centro, não parecem ter sido utilizados nesse pequeno
trecho que está compreendido em seu perímetro. É um trecho de paisagem bastante
consolidada e em pleno uso.
O uso atual é preponderantemente de edifícios inteiramente comerciais,
seguidos por edifícios de uso misto. Raros são os edifícios inteiramente residenciais;
os dois que existem no setor são os novos residenciais acima citados.
88
 

2.3.2 Setor 2 - Rua Augusta, da Rua Caio Prado à Rua Matias Aires

Figura 50. Vista a partir da Rua Augusta, olhando para seu cruzamento com a Rua Dona
Antônia de Queirós, sentido Centro.
Fonte: ACFM, nov/2013.

Figura 51. Diagrama setor 2, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
89
 

Morfologia
O setor 2 abrange a Rua Augusta, iniciando-se na Rua Caio Prado junto ao
doravante denominado Parque Augusta, terminando na Rua Matias Aires.
Com alguns edifícios verticais de até 10 andares, este setor tem volumetria
mais variada que o setor 1. Casas de dois andares, ou térreas, misturam-se a esses
edifícios mais altos. São comuns construções sem recuo lateral e frontal.
A forma da quadra urbana torna-se um pouco mais regular que no setor 1,
mas guarda a mesma característica de longos quarteirões.
Transformações recentes
O setor 2 possivelmente é o setor que sofreu maiores alterações em anos
recentes. Entre 2006 e 2011 algumas demolições ocorreram mas de fato foi entre os
anos de 2011 e 2014 que se acentuaram. Uma explicação plausível para tal escala
de alterações é que este setor tenha sido um dos trechos mais degradados da Rua
Augusta, o que ainda se observa pela presença de casas noturnas voltadas à
prostituição, e até mesmo pelo mau estado de conservação de boa parte das
construções.
Localizava-se nesse setor o Edifício Nicolau Schiesser, de Rino Levi,
demolido para incorporação de novo edifício residencial.
Há exceções à este cenário em parte da quadra que se volta ao (possível,
como vimos no capítulo 2) Parque Augusta. Parte das edificações pré-existentes (e
por sua arquitetura, bastante antigas), desse trecho foram reformadas e estão em
bom estado de conservação, em pleno uso.
Novos edifícios se inserem de modo bastante agressivo em relação à
morfologia de ocupação do lote, horizontal e verticalmente: torres de mais de 15
andares, com recuos laterais e frontais adensam a ocupação. Um aspecto de
destaque em muitos dos novos empreendimentos, é a realização do acesso pelas
ruas transversais ou mesmo por paralelas à Rua Augusta.
É o caso do empreendimento Link (Habitacon Construtora e Incorporadora),
em obras em fase inicial, que com apartamentos studio de um ou dois dormitórios e
mais de 100 unidades, terá seu acesso de pedestres e automóveis pela Rua Dona
Antônia de Queirós, transversal à Augusta. Ou mesmo pelo empreendimento
residencial Bela Cintra (Even) já entregue e habitado, cujo acesso se dá, como o
nome do empreendimento diz, exclusivamente pela Rua Bela Cintra.
90
 

Tais empreendimentos, à exemplo dos dois acima citados, fecham-se para a


Rua Augusta com muros ou grades, sendo uma mudança significativa nos padrões
de ocupação de frente de rua da Augusta.
É de se esperar no entanto, que esses novos edifícios, independente de seu
padrão arquitetônico ou de inserção no lote, melhorem a ocupação do setor,
trazendo comércio local, e melhores opções de lazer noturno. O que notamos, em
função de poucas reformas realizadas, é que isso ainda não ocorreu de forma
maciça. A reforma da Rotisserire Bologna é a mais notável; existente desde 1925
em outros endereços, desde 1958 está instalada na esquina das Ruas Augusta e
Marquês de Paranaguá e passou por reforma entre os anos de 2011 e 2014.
Zoneamento e usos atuais
Todo o setor 2 pelo zoneamento vigente enquadra-se em uma ZCP-b/05,
identico ao setor 1, correspondendo a um coeficiente de aproveitamento básico 2, e
máximo 4, com gabarito de altura sem limites e permeabilidade de 15% da área do
lote.
Os recuos obrigatórios pelo zoneamento contribuem para a mudança do tipo
de ocupação do lote pré-existente. Apesar dos 5 metros de recuo frontal poderem
ser extintos, caso 50% da face de quadra no qual o edifício de instala estejam no
alinhamento do logradouro, os recuos laterais não são exigidos apenas até 6m de
altura, exigindo-se escalonamento acima desta altura. Muitos são os edifícios
verticais pré-existentes sem recuos laterais, e nesse sentido os novos edifícios
verticais necessariamente diferenciam-se em sua ocupação no lote de muitos
existentes.
Raríssimos são os usos exclusivamente residenciais: mesclam-se
praticamente em mesma proporção os edifícios de uso misto, de térreo comerrcial e
torre residencial, com construções exclusivamente comerciais, muitas térreas. Os de
uso residencial praticamente são apenas aqueles recentemente construídos.
91
 

2.3.3 Setor 3 – Rua Augusta, da Rua Matias Aires à Avenida Paulista

Figura 52. Vista a partir da Rua Augusta, esquina com Rua Luís Coelho, sentido Avenida
Paulista.
Fonte: ACFM, nov/2013.

Figura 53. Diagrama setor 3, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
92
 

Morfologia
O setor 3 abrange a Rua Augusta, iniciando-se na Rua Matias Aires e
terminando na Avenida Paulista. Tal divisão se dá em relação ao setor 2 em função
da presença da primeira galeria comercial identificada no eixo, sentido Centro –
Marginal Pinheiros, a Galeria Ouro Velho. Definimos a Avenida Paulista como
divisora para o setor 4 em função das diferentes dinâmicas comerciais históricas que
ocorrem de um lado e de outro da Paulista. O setor 3 relaciona-se historicamente
com o lado Centro, enquanto o setor 4 com o lado Jardins.
O desenho característico dos lotes é igual ao setor 2, sem recuos laterais ou
frontais, porém, o setor 3 tem verticalização mais intensa, com edifícios que passam
dos 25 pavimentos nas proximidades com a Paulista. Nas proximidades com a
Paulista também é cada vez mais comum a presença da torre recuada com
embasamento, este sim no alinhamento da rua.
As quadras começam a apresentar geometria mais regular, e dimensões mais
reduzidas em relação aos setores 1 e 2.
Transformações recentes
Poucas foram as transformações pelas quais este setor passou nos últimos
anos, ao longo da pesquisa identificamos poucas reformas, realizadas apenas entre
os anos de 2011 e 2014, e um novo edifício. Não ocorreram demolições nesse setor.
Uma das reformas ocorreu na Galeria Ouro Velho, de pequeno porte. Outra
reforma ocorreu no antigo Hotel Ceasar Park São Paulo, que inicialmente iria
transformá-lo em edifício residencial; apesar de não haver nada na fachada que o
identifique, Pissardo (2013, p. 188) descreve que esse projeto, porém, não foi
concretizado e o antigo hotel transformou-se em uma faculdade. O único edifício
novo encontra-se bem próximo à Paulista; no mapa MDC 2006 constava como um
terreno vazio, e hoje no local há um edifício comercial.
Uma reforma recente de bastante importância ao cenário cultural da Rua
Augusta é a do atual Cinema Itaú, mas ela foi anterior ao ano de 2006 e por
questões metodológicas de abrangência temporal não foi incluída no mapa que
retrata as transformações recentes.
Zoneamento e usos atuais
O zoneamento do setor 3 é o mesmo que incide nos setores 1 e 2 (ZCP-b/05),
correspondendo a coeficiente de aproveitamento básico 2 e máximo 4, com gabarito
93
 

de altura sem limites e permeabilidade de 15% da área do lote. As mesmas


restrições de recuos dos setores 1 e 2 valem para o setor 3.
Este zoneamento pouca influencia teve sobre este setor 3, por se tratar de um
setor bastante consolidado do eixo, devido à proximidade da Avenida Paulista,
consolidada como polo de comércio e serviços em décadas anteriores, como vimos
no capítulo 1.
Os usos atuais são preponderantemente de edifícios comerciais, seguido pelo
uso misto. Não há edifícios exclusivamente residenciais.
94
 

2.3.4 Setor 4 – Rua Augusta, da Avenida Paulista à Alameda Tietê

Figura 54. Vista a partir da Rua Augusta, esquina com Alameda Jaú, sentido Avenida
Paulista.
Fonte: ACFM, nov/2013.

Figura 55. Diagrama setor 4, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
95
 

Morfologia
O setor 4 compreende a Rua Augusta, entre a Avenida Paulsita e a Alameda
Tietê. As quadras caracterizam-se por terem forma bastante reular, seguindo a
malha característica dos bairros do entorno imediato. Os lotes tem dimensões
preponderantemente retangulares, de frente estreita em relação à sua profundidade,
porém não cruzando a quadra para as ruas adjacentes. Há algumas exceções, a
mais significativa delas sendo o Conjunto Nacional, a única que efetivamente tira
proveito de sua condição de frentes para diversas ruas.
Sem recuos frontais ou laterais, a volumetria do setor caracteriza-se por ser
mais alta nas quadras próximas à Paulista, paulatinamente diminuindo em direção
aos bairros-jardim, quando a paisagem se transforma e predominam construções de
térreo mais dois andares, pontuadas com edifícios de cerca de dez andares.
Há dois momentos de rompimento do alinhamento das construções com a
rua. Um deles refere-se à uma casa antiga, acessada por estreitos corredores a
partir da Rua Augusta, entre as Alamedas Santos e Jau. Aparentemente bastante
antiga, na planta leem-se duas edículas das construções à frente, no entanto, na
realidade configuram apenas uma casa. Uma hipótese, não confirmada, é que essa
casa, hoje dividida, tenha sido construida em um momento anterior às construções
na frente.
O outro momento de rompimento do alinhamento frontal refere-se uma vila de
uso misto, entre as Alamedas Franca e Tietê.
Transformações recentes
Observamos na pesquisa apenas um edifício novo, que será de uso
comercial, em fase de obras, entre a Alameda Santos e a Alameda Jaú. Mais
constantes são as reformas, que se distribuem uniformemente entre os períodos
estudados (2006-2011 e 2011-2014).
Algumas demolições foram observadas, mais concentradas entre os anos de
2006 e 2011, e a que mais chama a atenção é a efetuada entre as Alameda Franca
e Tietê, pois o terreno encontra-se sem qualquer uso já há alguns meses; os demais
locais que contaram com demolições hoje são estacionamentos.
Zoneamento e usos atuais
Diferentemente dos setores 1, 2 e 3, o setor 4 é enquadrado em outras
categorias: ZM-3b/16 e ZCL-b. A Zona Mista abrange as quadras do eixo e diversas
em seu entorno. A Zona de Centralidade Linear abrange o eixo em si, iniciando-se
96
 

na Rua Augusta a partir da Avenida Paulista. Os zoneamentos são identicos em


seus parâmetros, diferenciando-se apenas na taxa de ocupação.
Os parâmetros que se estabelecem para a ZCL-b, que incide sobre o eixo da
Rua Augusta em si, são: coeficiente de aproveitamento básico 2, máximo 2,50, taxa
de ocupação de 70% do lote, permeabilidade mínima de 15% da área do lote,
gabarito de altura sem limites. Os recuos permanecem com os mesmo parâmetros
das zonas anteriores.
Em relação aos setores 1, 2 e 3, portanto, há uma diminuição do
aproveitamento do terreno, via menor Coeficiente de Aproveitamento Máximo.No
entanto, como praticamente não há novos edifícios nesse setor, pouca ou nenhuma
influencia tiveram esses parametros em sua transformação recente.
Há um outro fator legislativo a ser levado em conta, que é o tombamento pelo
CONDEPHAAT do Conjunto Nacional (Processo 42666 de 2001) . Há duas esferas
de proteção: o conjunto arquitetônico em si e sua área envoltória.
Para o conjunto arquitetônico, a resolução indica que qualquer alteração
neste deve ser aprovada pelo Condephaat, e além disto, obriga a manutenção da
permeabilidade do pedestre aos acessos do edifícios.
A área envoltória, em relação ao eixo, abrange metade da quadra da Rua
Augusta imediatamente após a Avenida Paulista, lado Centro, bem como duas
quadras lado Jardins, indo da Avenida Paulista até a Alameda Jau. Não há
restrições nesse caso, porém, assim como intervenções no próprio edifício, qualquer
alteração na área envoltória deve ser aprovada pelo órgão.
O uso do setor é preponderantemente comercial, sendo poucos os edifícios
de uso misto, tendo por seu maior representante o Conjunto Nacional. As galerias
comerciais continuam presentes.
97
 

2.3.5 Setor 5 – Rua Augusta, da Alameda Tietê à Rua Estados Unidos

Figura 56. Vista da Rua Augusta, entre as Alameda Lorena e Rua Oscar Freire, sentido
bairros-jardim.
Fonte: ACFM, set/2013.

Figura 57. Diagrama setor 5, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
98
 

Morfologia
O setor 5 é muito semelhante ao setor 4, distinguindo-se apenas pela
influência que o comércio de luxo da Rua Oscar Freire exerce sobre os pontos
comerciais a partir da Alameda Tietê. Muitas lojas internacionais, ou que facilmetne
se encontram também em shoppings centers, localizam-se no setor 5.
O desenho de quadra é identica à do setor 4 – em quadrícula regular – exceto
na última quadra, entre as Ruas Oscar Freire e Estados Unidos, quando a quadra
fica um pouco mais extensa.
A morfologia dos lotes também se assemelha muito ao setor 4, havendo do
mesmo modo alguns lotes com edifícios que tem o comprimento total da quadra. Um
deles é o Shopping Galeria Vitrine Augusta, entre as Alamedas Tietê e Lorena,
tirando proveito dessa morfologia de lotes ao conectar as Ruas Augusta e Haddock
Lobo. Outro é o Condomínio Galeria Augusta, entre as Ruas Oscar Freire e Estados
Unidos, que liga pelo térreo as Ruas Augusta e Barão de Capanema. O outro lote
existente nessa condição, entre as mesmas ruas acima, refere-se a um edifício
residencial e não tira proveito de sua morfologia de modo público, como conexão
entre ruas paralelas.
A volumetria também acompanha o setor 4: paisagem formada por
edificações de dois ou três andares, pontuada por edifícios de cerca de dez
pavimentos.
Transformações recentes
Obsevamos na pesquisa grande quantidade de reformas, e pouquissimas
demolições e novas construções. A quantidade de reformas é, na realidade, o que
distingue o setor 4 do setor 5 – neste, o número de construções reformadas é muito
superior.
As reformas distribuiram-se de modo equilibrado entre os períodos
pesquisados (2006-2011 e 2011-2014). A partir das fotos observadas, as lojas
procuraram atualizar-se esteticamente, o que pode nos levar a entender tais
reformas como uma busca em estarem em sintonia com o comércio de luxo, sempre
moderno e atualizado, da Rua Oscar Freire.
As poucas demolições foram insignificantes para a transformação da
paisagem construida, e delas resultou apenas uma edificação nova, entre as Ruas
Oscar Freire e Estados Unidos. Na realidade, pelo que pudemos observar pelos
99
 

mapas e fotografias do local, refere-se apenas a um anexo de um edifício residencial


já existente, realizado entre os anos de 2011 e 2014.
É possível explicar as poucas novas construções no setor 5, bem como no
setor 4, devido a dois motivos principais. O primeiro deles é o alto valor do ponto
comercial, para além do valor do imóvel e do terreno, que deve ser incorporado ao
valor de compra por parte do incorporador, tornando o negócio menos lucrativo. O
segundo é a própria geometria dos lotes, desfavorável a grandes incorporações: a
maioria dos lotes tem pouca profundidade, e o trecho posterior geralmente encontra-
se já edificado.
Zoneamento e usos atuais
O zoneamento deste setor é identico ao do setor 4, e também pelo fato de
ocorrerem pouquissimas novas construções, os parâmetros pouco ou nada
influenciaram a paisagem pré-existente no setor 5.
Não havendo restrições construtivas ou de legislação que impeçam
demolições e novas edificações, conjecturamos que ambos os setores 4 e 5,
apresentam-se extremamente consolidados do ponto de vista comercial e em pleno
uso, e por esse motivo pouco se transformam (a não ser por reformas que atualizam
as fachadas).
Há de se ter cuidado com a palavra influência, porém, no caso do setor 5 nos
parece ser realmente o que ocorre. O comércio consolidado e de alto padrão da Rua
Oscar Freire influencia o padrão do comércio de ruas adjacentes, incluindo a Rua
Augusta e, como observamos, particularmente no que denominamos setor 5.
O uso é macicamente comercial, com alguns edifícios de uso misto. Há quatro
galerias comerciais (independentes ou sob edifícios): Shopping Galeria Vitrine
Augusta, Galeria Ouro Fino, Centro Mercantil Jardim América e Condomínio Galeria
Augusta. Há muitos estacionamentos, alguns deles existentes há anos.
100
 

2.3.6 Setor 6 – Rua Colômbia e Avenida Europa, da Rua Estados Unidos à Rua
Itália

Figura 58. Vista da Avenida Europa, entre as Ruas Alemanha e Inglaterra.


Fonte: ACFM, nov/2013.

Figura 59. Diagrama setor 6, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
101
 

Morfologia
O setor 6 correponde ao trecho do eixo que cruza os bairros Jardim América e
Jardim Europa, respectivamente através da Rua Colômbia e Avenida Europa.
As quadras do setor 6 mudam completamente de forma, quando comparadas
com os setores anteriores. De geometria diversificada, são fruto dos traçados
sinuosos estabelecidos para o bairro pela Cia City.
Ora longas, ora mais curtas, quadradas ou triangulares, a diversidade
morfológica das quadras se reflete também nos lotes que nelas se inserem. Há
quadras de lotes alongados, de frente estreita, e também aqueles que cruzam as
quadras em direção às ruas transversais. Os lotes possuem dimensões bastante
diversificadas, e a dimensão das construções acompanham essa diversidade.
Observamos no eixo a união de lotes para configuração de lotes de maior
porte, fato este recorrente em ruas dos bairros Jardim América e Europa. No bairro,
contudo, tal união de lotes objetiva a construção de enormes mansões de alto
padrão, enquanto que no eixo em pesquisa o objetivo é apenas o aumento das
sedes de uso comercial.
A volumetria é baixa, atingindo no máximo 10m de altura, o que está na
origem do desenho urbano dos bairros, e é resguardado atualmente pela legislação.
Há recuos entre as edificações.
Transformações recentes
A transformação recente do setor 6 caracteriza-se por grande número de
reformas, concentradas maciçamente entre os anos de 2011 e 2014. Percebe-se
uma preocupação constante dos pontos comerciais (preponderantemente
showwrooms de automóveis de alto padrão) em manterem-se atualizados.
Há também novas construções, geradas a partir da demolição de edificaçãoes
pré-existentes sendo dois deles a partir da união de lotes (um entre as Ruas Áustria
e Inglaterra, e outro na esquina da Rua Costa Rica). As demolições concentram-se
entre os anos de 2006 e 2011, porém as novas edificações concentram-se entre os
anos de 2011 e 2014. A transição dos períodos pesquisados, protanto, foi uma
época de muitas obras no eixo, nesse setor.
Pelas fotos utilizadas ao longo da pesquisa, pudemos notar que é muito
comum a mesma marca trocar o ponto comercial, permanecendo na mesma via.
Zoneamento e usos atuais
Diversas são as legislações que organizam a ocupação desse setor 6.
102
 

À semelhança dos setores 4 e 5, no setor 6 existem duas zonas: ZER-1/04 e


ZCLz-I. A Zona Exclusivamente Residencial abarca a totalidade das quadras dos
bairros Jardim América e Europa, incluindo as quadras que se voltam ao eixo. A
Zona de Centralidade Polar abrange apenas o eixo em si, iniciando-se na Rua
Estados Unidos, terminando na confluência com a Avenida Nove de Julho. Os
zoneamentos são identicos em seus parametros.
Interessante destacar que o zoneamento desse setor é o único efetivamente
distinto dos demais setores:
- coeficiente de aproveitamento básico e máximo 1 (nos demais setores, de modo
geral os coeficientes são 2 e 4, respectivamente);
- taxa de ocupação de 50% da área do lote (nos demais setores de modo egral é de
70%);
- permeabilidade mínima de 30% (nos demais setores é de 15%);
- lote mínimo de 250m² e frente mínima de 10m (nos demais setores esses valores
correspondem a respectivamente 125m² e 5m);
- gabarito de altura de 10m (na maioria dos demais setores, não há limites);
- recuo frontal obrigatório de 5m (nos demais setores, isso pode variar em função do
alinhamento das demais edificações da rua); os recuos laterais seguem o padrão
dos demais setores, não sendo obrigatório recuos laterais até 6m de altura, além
dessa altura passa a ser necessário escalonamento de acordo com fórmula definida
pela legislação.
O uso da edificações é preponderantemente comercial, em sua esmagadora
maioria de showroons de automóveis de luxo, com poucas casas de uso residencial.
O estabelecimento de tais usos tem um histórico bastante conturbado, pois na
realidade se instalam em meio a uma zona que sempre foi exclusivamente
residencial. Campos Filho (2003, p. 215-219) relata que tais usos começaram a
ocorrer como uma "convivência civilizada" permitida pela Lei dos Corredores de
Serviços (9.049 de 1980), acreditanto que esse caso poderia ser um "exemlpo de
proximidade entre usos diversificados".
No entanto, o que ocorreu ao longo do tempo foi uma pressão dos
proprietários desses pontos comerciais, exigindo cada vez mais permissividade em
relação aos usos possíveis. Campos Filho (2003, p. 216) também relata que muitas
foram as consequências da instalação desses usos para a ambiência dos bairros-
jardim, como por exemplo a derrubada de árvores e jardins pertencentes às
103
 

edificações que em outro momento eram residencias e a pavimentação dos recuos


frontais.
Destaca-se nesse momento que o bairro dos Jardins América e Europa é
tombado pelo Condephaat (processo 23.372 de 1985), o que inclui o setor 6 do eixo.
Questionamentos sobre a liberação para corredores comercias em meio a essa zona
residencial são parte do referido processo de tombamento, devido aos efeitos
negativos acima indicados que terminou por provocar. O tombamento, no entanto,
não freiou o tipo de uso que poderia se instalar, limitando-se a tombar a volumetria
das edificações (10 metros), o traçado viário e os maciços vegetais. Além disso, toda
intervenção nos lotes deve ser deliberada pelo CONDEPHAAT, incluindo a união e
desmembramento de lotes, que tem se tornado recorrente nos bairros Jardim
América e Europa como um todo.
A legislação atual, através do estabelecimento de quais usos não-residenciais
(NR) podem ser instalados nas diferentes zonas da cidade, tenta regular o uso
comercial cada vez mais presente nesse eixo.
Ocorre que a legislação vigente nesse setor do eixo, ZCLz-I, permite apenas
os chamados NR1 (que em resumo são os usos comerciais e de serviços de menor
impacto), e no eixo o que vemos é aparentemente um comércio especializado,
descrito na lei (decreto 45.817 de 2005) como "comércio de veículos automotores
em geral" e pertencente à categoria NR2 (usos comerciais de impacto maior do que
os permitidos pela NR-1).
O argumento para que tais usos presentes hoje no setor continuem
funcionando é que essas lojas, na verdade, funcionam apenas como showrooms, e
não como área de vendas e retirada dos automóveis propriamente ditos. É,
portanto, uma brecha na legislação que permite que esse setor seja um verdadeiro
polo do mercado de automóveis de luxo na cidade.
Pode-se dizer que a legislação do setor 6 é a mais incisiva do eixo em relação
à definição da paisagem construida, pelos baixos coeficientes construtivos, porém,
principalmente pela definição de um gabarito de altura e resolução de tombamento,
que obriga toda e qualquer alteração nos lotes e edificações a ser deliberado pelo
CONDEPHAAT.
104
 

2.3.7 Setor 7 – Avenida Cidade Jardim, da Rua Itália à Marginal Pinheiros

Figura 60. Vista da Avenida Cidade Jardim, entre as Ruas Dr. Mário Ferraz e Franz
Schubert. A Marginal Pinheiros está à esquerda.
Fonte: ACFM, jun/2014.

Figura 61. Diagrama setor 7, cheios e vazios.


Fonte: MDC 2006, com atualizações da autora.
105
 

Morfologia
A partir da Rua Russia, ou Praça do Vaticano, a ocupação muda
significamente em relação aos bairros Jardim, particularmente do ponto de vista dos
usos, aproximando-se dos usos recorrentes na Avenida Faria Lima. Esse é o motivo
que nos leva a defini-lo como o início do setor 7, último do eixo em estudo.
As quadras apresentam forma irregular, e quadras longas e curtas se
misturam. Os lotes são preponderantemente longilíneos, com frentes pequenas em
relação à suas profundidades.
A volumetria é bastante verticalizada, talvez a de maior envergadura de todo
o eixo em estudo, com diversos edifícios com mais de 20 pavimentos.
A maioria das edificações conta com recuo frontal, mas nem sempre com o
lateral: as mais baixas de modo geral não tem recuo lateral, as mais altas contam
com esse afastamento.
Transformações recentes
Muitas demolições e poucas reformas caracterizam o setor 7.
Constam reformas nos dois períodos analisados, no entanto, elas se
concentram entre os anos de 2011 e 2014.
As demolições também ocorreram nos dois períodos analisados mas, por
outro lado, concentraram-se entre os anos de 2006 e 2011. A maior parte dos
edifícios que surgiram nesse setor também foram construídos no período entre 2006
e 2011; constam dois lançamentos entre 2011 e 2014, sendo que um deles está no
início das obras. Os novos edifícios caracterizam-se por serem de alto padrão.
Zoneamento e usos atuais
Diversas são as legislações que regem a ocupação e crescimento do setor 7.
O setor 7 nas proximidades da Rua Rússia encontra-se em uma ZER-1/04,
sendo o eixo da Avenida Cidade Jardim uma ZCLz-I, ou seja, as mesmas zonas de
uso, com os mesmos parâmetros do setor 6. Esse zoneamento incide em um
pequeno trecho da Avenida Cidade Jardim, até a confluência com a Avenida Nove
de Julho e nele concentram-se diversos bancos. Pode-se dizer que é uma zona de
transição entre o setor 6 e o setor 7, pois ao mesmo tempo em que os usos se
voltam mais àqueles presentes na Avenida Faria Lima, sua volumetria possui maior
relação com aquela do setor 6.
A quadra seguinte a esta, em outro pequeno trecho so setor, pertence à ZM-
3b/05, com Coeficiente de Aproveitamento Básico 1 e Máximo 2, com Taxa de
106
 

Ocupação de 50%, podendo em alguns casos chegar a 70%. O gabarito de altura é


de 25 metros; o recuo de frente é de 5m, mas pode ser eliminado em função do
alinhamento das ocupações lindeiras existentes, os recuos laterais não são exigidos
até 6 metros de altura – a partir dessa altura, segue escalonamento conforme
fórmula, assim em todos os demais setores. Nesse trecho houve apenas uma
reforma, e os edifícios que ai existem estão em pleno uso aparentemente pouco
interessando sua demolição para a construção de novos edifícios, logo a legislação
não foi significativa para as transformações recentes que ocorreram.
A partir da Avenida Faria Lima, a zona de uso que rege a ocupação é a ZM-
2/13, que estabelece Coeficiente de Aproveitamento Básico de 1 e Máximo de 2,
com Taxa de Ocupação de 50%, podendo chegar a 70%. Nesta zona não há limite
de gabarito de altura. A esse zoneamento, contudo, sobrepõe-se a Operação
Urbana Faria Lima, estabelecendo Coeficiente de Aproveitamento Máximo 4 e
permitindo Taxa de Ocupação de 70%.
A Operação Urbana Faria Lima (OU Faria Lima) aparentemente foi
responsável por grande transformação recente do setor 7, entre a Avenida Faria
Lima e a Marginal Pinheiros, pela quantidade de demolições e novos edifícios,
grandes e super verticalizados.
Como qualquer uma das OU, mediante contrapartida financeira, a iniciativa
privada adquire potencial construtivo a ser utilizado dentro da área delimitada; uma
das ideias por trás desse pagamento é justamente o poder público investir na infra-
estrutura necessária para suportar o crescimento do local. Hepner (2010, p. 271 a
279), no entanto, ao esclarecer o histórico da OU Faria Lima, conclui que, ao
subverter o zoneamento e permitir usos além daqueles permitidos na zona de uso,
ela acaba por transferir da esfera pública à esfera privada a responsabilidade pelo
desenho urbano.
O uso atual é preponderantemente de comércio e serviços. Dos cinco novos
edifícios do período, dois são edifícios comerciais e três são edifícios residenciais. O
uso residencial exclusivo nesse setor existe praticamente apenas nesses novos
edifícios, exceção feita a um flat (considerado residencial) nas proximidades da
Avenida Faria Lima.
107

3
Análise da paisagem construída atual

Figura 62. A verticalização da paisagem existente.


Acima, segmento da fachada do trecho Baixo Augusta, sendo à direita a Rua Dona Antônia
de Queirós.
Abaixo, segmento da fachada do trecho Cidade Jardim, sendo à esquerda a Rua Franz
Schubert.
Fonte: levantamento da autora no local em 14.06.14.
108

No capítulo 3 procura-se explorar morfologicamente as transformações


recentes ocorridas nos trechos de maior concentração destas. A partir do
mapeamento de transformações recentes mapeadas no capítulo 2, entre os anos de
2006 e 2014, elaboramos a tabela abaixo, que sintetiza os usos e transformações
preponderantes por setor.

Figura 63. Tabela síntese de usos e transformações entre os anos de 2006 e 2014 no eixo
em estudo.
Observou-se que dois setores sofreram maiores mutações, tendo em vista
reunirem a maior quantidade de alterações e maior intensidade nos critérios
observados. Nos setores 2 e 7 ocorreram mudança de uso dos novos edifícios em
relação aos usos existentes, preponderância de demolições sobre as reformas,
transformações de alta intensidade e de grande impacto na paisagem. Observando
em detalhe os mapas realizados, identifica-se que tais transformações concentram-
se em quadras bastante específicas de cada um dos setores, e são elas:
- no Setor 2 (Rua Augusta) entre as Ruas Dona Antonia de Queirós e Peixoto
Gomide;
- no Setor 7 (Avenida Cidade Jardim) entre as Ruas Mario Ferraz e Franz Schubert.
Tais quadras acima indicadas, pelos levantamentos e análises realizadas no
capítulo 2, nos parecem ser aquelas de maior transformabilidade do eixo em estudo,
ou seja, as que reúnem a maior quantidade de fatores que viabilizam e colaboram
para a ocorrência de transformações.
Nesse sentido, partiremos em 3.1 e 3.2 para a análise de ambas as quadras
respectivamente acima indicadas.
Para cada uma delas, inicialmente iremos levantar os empreendimentos
109

lançados entre os anos de 2006 e 2014, destacando os principais aspectos dos


projetos.
A seguir exploraremos as quadras através de plantas, fachadas e cortes, no
intuito de observar como tais mudanças, através de novos edifícios, tem impactado a
paisagem local pré-existente. Não incluiremos nessa análise critérios estéticos. Para
tal finalidade utilizaremos como instrumental o indicado a seguir:
Plantas
- Relações entre cheios e vazios (KOHLSDORF, 1996, p. 145 e 146).
Nesse item iremos observar a relação figura e fundo, formada pelas
edificações e vazios entre elas. Incluiremos uma estimativa da projeção dos novos
edifícios daqueles que tiverem disponibilizado de modo público o material gráfico de
divulgação. Daqueles que ainda não tiverem disponibilizado material algum, não
indicaremos sua projeção, para não incorrer em graves erros.
- Tipos de parcelamento de lotes (KOHLSDORF, 1996, p. 144 e 145).
Nesse item iremos observar como os lotes se dividem para organizar a
ocupação das construções dentro da quadra urbana, particularmente do ponto de
vista de suas proporções. No caso da presente pesquisa, apesar de não existir na
proposta de análise de Kohlsdorf, iremos observar como a união de lotes, para
empreendimentos de maior porte do que os existentes, tem alterado a morfologia
dos lotes típicos.
- Permeabilidade ao pedestre no térreo (BENTLEY et al., 1985, p. 12 a 26).
Consideraremos nessa pesquisa permeáveis as áreas passíveis de serem
acessadas pelo pedestre, que não sejam de acesso restrito. Nesse sentido
incluiremos o comércio existente, abrangendo uma diversidade de usos, como
farmácias, lanchonetes, teatros, instituição de ensino, padarias, cabeleireiros, etc.,
desde que passíveis de serem permeados pelo pedestre. Um edifício residencial
sem comércio no térreo, por exemplo, não é permeável ao pedestre.
É um ponto polêmico, pois não são usos efetivamente públicos, porém o autor
ao resumir aspectos importantes para a permeabilidade física e visual das quadras
urbanas, coloca como critério de permeabilidade a inclusão de "fachadas fazendo
frente ao espaço público (a rua, praça ou parque), perto o suficiente para que se
possa desfrutar de sua atividade" (BENTLEY ET AL., 1985, p. 14).
Esse aspecto será de relevância, pois observaremos como as novas
intervenções tem se colocado de modo incisivo na paisagem através de grandes
110

muros.
Fachadas
- Linha de coroamento (KOHLSDORF, 1996, p. 147 e 148).
Delimitação das fachadas em seu alinhamento superior, destacando a
volumetria do conjunto da quadra.
- Sistema de pontuações (KOHLSDORF, 1996, p. 148).
Referem-se aos picos da linha de coroamento, e sua variação de altura e
ritmo contribuem para revelar a volumetria da quadra urbana.
- Linhas de força (KOHLSDORF, 1996, p. 148 e 149).
Formam-se a partir das pontuações sendo, de certo modo, síntese das duas
categorias anteriores. Teremos por resultado a identificação clara da volumetria
atual da paisagem construída das quadras em estudo.
Cortes
- Relação entre largura da rua a altura dos edifícios (MACEDO, 2012, p. 224)
Macedo dedica parte de sua tese ao estudo das áreas livres de uso público
do bairro de Higienópolis, e um dos instrumentos que adota é o desenho de cortes
transversais em duas épocas distintas, identificando a transformação da volumetria,
particularmente da relação entre largura da rua e altura dos prédios, ao longo das
décadas.
Na presente pesquisa, o objetivo é a observação da paisagem atualmente
construída, e os impactos que as novas intervenções promovem nos locais nos
quais se inserem. Nesse sentido, partiremos para o mesmo tipo de representação de
Macedo, porém, não o faremos em dois tempos, mas apresentaremos apenas a
situação atual, em trecho estratégico, para compreender a relação do novo com o
pré-existente.
Na sequência iremos comentar as demolições ocorridas para dar lugar a
novos edifícios, comparando fotos do Google Street View 2011 com as atuais.
Finalmente em 3.3 iremos comparar as intervenções recentes levantadas e
analisadas em 3.1 (Baixo Augusta) e 3.2 (Cidade Jardim), tendo em vista o objeto
em si (composição de produto e linguagem arquitetônica), a relação do objeto com a
rua e a relação de tais objetos construídos com as pré-existências dos locais nos
quais se inserem.
111

3.1 Transformações recentes no trecho Baixo Augusta

A escolha do trecho entre as Ruas Peixoto Gomide e Dona Antônia de


Queirós recai sobre o fato de se localizar em um dos setores de maior transformação
recente do eixo em estudo. Muitas demolições e pequenos lotes reunidos e
transformados em verdadeiros territórios de grandes incorporações do mercado
imobiliário, sob o pretexto de requalificação urbana, são características dessa
quadra.
Pissardo (2013) elabora um excelente trabalho histórico sobre a Rua Augusta,
particularmente no trecho entre o Centro e a Avenida Paulista. O autor tem por fonte
bibliográfica principal acervos históricos de jornais, remontando a história a partir das
notícias sobre a Augusta, bem como sobre os edifícios emblemáticos que nela se
localizam.
No presente subcapítulo diversas serão as referências ao trabalho de
Pissardo (2013), pelo valioso levantamento que realizou, procedendo ao que
podemos chamar de uma arqueologia urbana, neste que é um trabalho pioneiro
sobre a Rua Augusta. Pretendemos avançar a pesquisa do autor ao estudar
morfologicamente na paisagem construída atual como as muitas temporalidades da
Augusta, por ele investigadas, se consolidam hoje nesse pequeno trecho da Rua
Augusta.
Os mapas desenvolvidos no capítulo 2 destacam as intensas transformações
ocorridas entre os anos de 2006 e 2014 no trecho selecionado. Associado a isso,
visitando o local, é possível observar que este trecho da Augusta ainda guarda
resquícios de um passado bastante decadente. O histórico deste pequeno trecho
confirma isto, e será retomado no intuito de compreendermos e avaliarmos com
bases reais os recentes movimentos do mercado imobiliário no trecho.
Pissardo (2013, p. 134) relata que a partir da década de 1980 instalam-se na
região hotéis de preço acessível, com menos serviços do que aqueles de 3 ou 4
estrelas existentes em outros pontos da rua, particularmente próximos à Paulista ou
ao Centro. Tais hotéis instalam-se justamente no trecho que escolhemos para
análise neste capítulo 3.1:

A maioria desses hotéis menores se estabeleceu na região entre a


rua Costa e a rua Marquês de Paranaguá, que então oferecia lotes
menores e valores imobiliários menores que a região onde se
estabeleceram os hotéis de alto padrão, além de terem sido menos
112

afetadas pela verticalização ocorrida nas décadas de 50 e 60.


(PISSARDO, 2013, p. 136).
Destacam-se dois aspectos na fala do autor: o baixo valor dos lotes,
indicando uma clara desvalorização desse trecho específico da Augusta, bem como
a baixa verticalização desse trecho, quando comparada a outros trechos da Augusta
– este último aspecto será retomado mais adiante.
Em região já desvalorizada, tais hotéis contribuíram para a formação de um
6
público para os prostíbulos, que já sendo uma realidade da Augusta na década de
1980, se fortalecem de fato como negócio. Muitas são as críticas na mídia a esse
novo polo na cidade: "[...] nas décadas de 1980 e 1990, a rua ganha força na arte e
na mídia ao refletir a crise econômica e social que o país estava passando,
contrastando com sua antiga imagem de prosperidade econômica e alto luxo."
(PISSARDO, 2013, p. 142). É apenas a partir dos anos 2000 que a Prefeitura passa
a combater as atividades ligadas à prostituição.
Um primeiro momento de mudança recente identificado pelo autor é a
chegada da casa noturna Vegas (Rua Augusta, 765), então localizada no trecho em
estudo nesse capítulo 3.1. Pioneiro na retomada da vida noturna não ligada ao
mercado da prostituição é atrativo para que diversos outros clubes noturnos do
mesmo tipo se instalem na Augusta, em grande quantidade entre as ruas Costa e
Marquês de Paranaguá. É um novo momento para o Baixo Augusta.
Ao mesmo tempo em que esses clubes "[...] ajudam a 'glamourizar' o universo
e a estética da prostituição, através da decoração exagerada, romantizada ou vulgar
[...]" (PISSARDO, 2013, p. 143), eles mesmos passam a contribuir para a expulsão
dos prostíbulos, justamente por atrair um público que, apesar de apoiar a tolerância
e diversidade sexual, não era o público dos prostíbulos, mas sim um novo público
que tinha por objetivo apenas se divertir, como o faz em outros locais da cidade.
Para além da região denominada pela mídia Baixo Augusta, a partir de 2009,
as casas noturnas se espalham pela Augusta, caracterizando-a como uma grande
mancha de lazer noturno na cidade (PISSARDO, 2013, p. 160).
A revalorização da Rua Augusta, via público jovem apropriando-se dos novos
usos noturnos, tornou-a muito atrativa ao mercado imobiliário, gerando um
movimento curioso: as mesmas casas noturnas que a revitalizaram, passaram a ser

6
Para mais informações sobre o histórico da chegada dos prostíbulos à região, ver o capítulo 3 de
Pissardo (2013).
113

afetadas, sendo compradas a preços altíssimos para darem lugar a novos


empreendimentos.

Ao mesmo tempo em que essa iconização acontece, a valorização


imobiliária e a chamada 'revitalização' do Baixo Augusta também são
assuntos comuns na mídia que, em sua maioria, olha com
entusiasmo para a transformação ocorrida. Tal revalorização
imobiliária, no entanto, começa a partir de 2011 a afetar as casas
noturnas existentes na rua, na medida em que para implantar seus
grandes edifícios vai comprar e demolir os imóveis que abrigavam
esses estabelecimentos [...] (PISSARDO, 2013, p. 161).
A chegada dos novos empreendimentos marca uma segunda etapa de
revalorização recente desse setor da Rua Augusta. É justamente sobre ele que
iremos tratar a seguir.
114

3.1.1 Lançamentos imobiliários


No quarteirão em estudo, ambos os lados da Augusta passaram por
transformações totalizando quatro novos empreendimentos, conforme figura abaixo.

Figura 64. Localização novos empreendimentos no Baixo Augusta, em laranja.


Fonte: Google Earth, 2004, com marcação da autora.

Edifício Bela Cintra


O edifício Bela Cintra (Rua Bela Cintra, 201), da construtora Even, é um
exemplo dessa série de novas intervenções. Construção pioneira desse movimento
recente do mercado imobiliário, é o único empreendimento até o momento
inaugurado. De uso exclusivamente residencial, oferece apartamentos de um e dois
dormitórios que variam entre 52m² e 76m², distribuídos em duas torres, com ampla
rede de serviços aos condôminos7. O lote no qual se implanta resulta da união de ao
menos 7 lotes, alcançando profundidade que liga as Ruas Augusta e Bela Cintra.
Seu acesso se dá exclusivamente pela Rua Bela Cintra.

7
São eles: Fitness, Piscina coberta com raia de 25 m e tratamento de ozônio, Descanso e sala de
massagem, Sauna seca e úmida com ducha, Salão de jogos com simulador de golfe, Playground,
Solarium, Deck molhado, Piscina adulto e infantil, Churrasqueira e bar de apoio à piscina, Home
office, Salão gourmet, Churrasqueira gourmet, Salão de festas, Boulevard de entrada, Lavanderia
coletiva. Informações obtidas em http://www.even.com.br/sp/sao-paulo/bela-vista/residencial/bela-
cintra, em 21.06.14.
115

Figura 65. Edifício Bela Cintra, fachada lado Rua Bela Cintra.
Fonte: http://www.even.com.br/sp/sao-paulo/bela-vista/residencial/bela-cintra.

Figura 66. Edifício Bela Cintra. Da esquerda para a direita, plantas unidades 52m², 70m²,
76m².
Fonte: http://www.even.com.br/sp/sao-paulo/bela-vista/residencial/bela-cintra

Edifício Belaugusta Boulevard Offices


O edifício Belaugusta Boulevard Offices (showroom à Rua Augusta, 890), de
salas comerciais em única torre de 14 andares tipo, da incorporadora Esser. As
salas comerciais variam de 33m² a 431m² - assim como outros edifícios comerciais
recentes na cidade, a flexibilidade é mandatória, podendo ser ocupadas partes de
andar, ou o andar inteiro.
À semelhança do empreendimento vizinho, a partir da união de alguns lotes, o
Belaugusta liga as Ruas Augusta e Bela Cintra. O edifício terá, diferentemente, dois
acessos: Rua Augusta n° 890 e Rua Bela Cintra. Informações no site levam a
entender que o acesso principal se dará pela Rua Bela Cintra, pois se destaca como
diferencial "Lobby com pé-direto duplo na Rua Bela Cintra"8

8
Outras características do empreendimento são: Arquitetura imponente, Fechadura biométrica (na
116

Figura 67. Edifício Belaugusta. Fachada da Rua Augusta.


Fonte:
http://www.esser.com.br/content/img/landing/belaugusta/empreendimento/externas/fachada_
diurna.jpg

Figura 68. Edifício Belaugusta. Planta da torre.


Fonte:
http://www.esser.com.br/content/img/landing/belaugusta/empreendimento/plantas/incorporad
o.jpg

Edifício Exclusive Offices Augusta


Já no lado impar da Rua Augusta, o Exclusive Offices Augusta (Rua Augusta,
953), com realização e construção Tibério, é o terceiro empreendimento que
observamos ocorrer na quadra em estudo. Diferente dos outros dois casos acima,

entrada do conjunto), Infraestrutura para instalação de ar-condicionado, Possibilidade de junções


entre os conjuntos, Catracas eletrônicas no lobby, Guarita de Segurança Blindada Previsão para mais
1 banheiro ou copa, Previsão para piso elevado, 4 elevadores. Informações obtidas em
http://www.esser.com.br/belaugusta#!/produto.
117

além do terreno de menor porte, o empreendimento faz frente apenas para a Rua
Augusta. Salas de 30m² a 285m², em única torre de 13 andares, mais quatro
subsolos para estacionamento de veículos. Não há menção a qualquer tipo de uso
comercial voltado ao público no térreo.
No caso desse empreendimento, a Rua Augusta é destacada como local em
transformação; o site nos informa que "A Rua Augusta está passando por um
processo de revitalização que vai mudar completamente a paisagem da região."9
Ainda não há material gráfico disponível.

Edifício Augusta
O mais recente empreendimento dessa quadra chama-se Augusta localiza-se
no lado ímpar da Rua Augusta (nº 899), imediatamente ao lado do supermercado
Dia. Pouco se sabe sobre esse empreendimento, que será brevemente lançado,
apenas que será de uso residencial, com apartamentos tipo Studio, com construção
da Gafisa.
Desde seu início esse empreendimento foi marcado por grandes polêmicas,
por ter sido o responsável pela demolição do edifício Edificio Nicolau Schiesser, de
autoria do arquiteto Rino Levi. Um breve histórico do edifício já foi traçado
anteriormente na pesquisa, cabendo aqui apenas a menção de que este será o
empreendimento a ocupar seu lugar. Ainda não há material gráfico disponível.

Outros empreendimentos
Obtivemos poucas informações sobre o supermercado Dia. Aparentemente
surge próximo ao ano de 2006, com dois acessos: Rua Augusta e Rua Frei Caneca.
Apesar de não ser o foco da pesquisa, cabe destacar que o Shopping Frei Caneca,
cerca de uma quadra após o trecho em estudo (sentido Centro) é um grande indutor
para o desenvolvimento desse trecho da Rua Augusta, contribuindo para alavancar
diversos negócios locais e também grandes empreendimentos residenciais e
comerciais.

9
Informações obtidas no site do empreendimento:
http://www.exclusiveofficesaugusta.com.br/site/#local
118

3.1.2 Paisagem construída atual, uma aproximação gráfica

Figura 69. Planta cheios e vazios Baixo Augusta, 2014. Onde se indica o terreno todo como
cheio, não foi possível estipular a projeção da torre por falta de material de divulgação do
edifício.
Fonte: MDC, com atualizações e demarcações da autora.
A elaboração da planta de cheios e vazios, ou figura-fundo, revela entre as
Ruas Peixoto Gomide e Dona Antônia de Queirós altas taxas de ocupação dos lotes.
Dentro do limite de análise de lotes (que se refere àqueles que fazem frente com a
Rua Augusta) Poucas são as edificações com recuo lateral e frontal.
Pela estimativa da projeção das torres (estipuladas em alguns dos casos, a
partir do material de divulgação dos edifícios), associada às fotografias e imagens
dos empreendimentos vistas em 3.1.1, é de se notar que os novos
empreendimentos em função da legislação vigente se descolam de suas laterais,
frentes e fundos. Os novos empreendimentos são, portanto, uma ruptura com o
padrão de ocupação de lotes típico dessa quadra.
119

Figura 70. Planta lotes originais e novos lotes, criados entre 2006 e 2014, trecho Baixo
Augusta. Destaque para a união de grande quantidade de lotes.
Fonte: MDC, com atualizações e demarcações da autora.
A planta de lotes originais e novos dessa quadra é reveladora de um
movimento que tem ocorrido de modo sistêmico em outros pontos da Augusta. Nos
novos empreendimentos, unem-se lotes para a configuração de lotes maiores, que
comportem o programa estabelecido pelo incorporador como adequado ao público
alvo ao qual pretende atingir.
O caso do edifício Bela Cintra nos parece ser o mais extremo. Ao
compararmos as informações da planta MDC 2006 com o que hoje está construído,
constata-se que oito lotes foram unidos para sua incorporação. Ao seu lado, para o
edifício Belaugusta, foram seis lotes. Nos outros empreendimentos, foram dois lotes,
ou mantiveram-se os lotes originais.
Nos dois empreendimentos que uniram maior quantidade de lotes se
estabelecem novas configurações nesse trecho: a escala de intervenção em relação
ao existente e lotes com frente para duas ruas.
120

Figura 71. Permeabilidade no térreo, trecho Baixo Augusta. Em roxo, os locais que o
pedestre tem liberdade de acessar, incluindo estabelecimentos comerciais. Os novos
edifícios se implantam de forma impactante no território da Augusta.
Fonte: MDC, com sobreposição de croquis da autora.
A planta de permeabilidade é reveladora de uma transformação em
andamento em diversos locais na cidade. Em um trecho permeável ao pedestre,
considerando que os térreos apesar de privados são em sua esmagadora maioria
comerciais, portanto passíveis de serem percorridos, os novos empreendimentos se
colocam de modo impactante ao não possuírem uso comercial voltado ao público no
térreo, e se fecharem com extensas grades e muros.
É uma transformação de bastante impacto particularmente ao pedestre, que
em uma região fartamente servida de transporte público (como destacam as
propagandas dos novos edifícios, particularmente os de uso comercial), se vê com
menos alternativas para facilidades do dia-a-dia, e além disso, passa a se sentir
mais inseguro. Os muros, afinal, são para a segurança de quem está dentro, e não
de quem está fora. Nesse sentido o supermercado Dia é uma intervenção
interessante, já que o pedestre pode entrar, fazer compras, aproveitando para cruzar
a quadra, caso deseje.
121

Figura 72. Fachadas Baixo Augusta, montagem de fotos da autora.


Acima, lado ímpar (em direção à Avenida Paulista, lado esquerdo). Abaixo, lado par. Os
números indicados referem-se ao número de pavimentos, sendo em preto os edifícios novos
e em vermelho os edifícios existentes. É comum nos edifícios verticalizados antigos o
conceito de embasamento alinhado à rua + torre recuada da rua. A maior parte dos novos
edifícios tende a verticalizar a paisagem.
Fonte: levantamento da autora no local em 14.06.14.

Figura 73. Coroamento Baixa Augusta. A linha predominante é horizontal, marcada por
alguns edifícios verticais. Os edifícios mais verticalizados são os recentemente construídos.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.
122

Figura 74. Pontuação. O sistema de pontuação na fachada da quadra urbana indica que os
edifícios mais verticalizados se distribuem uniformemente pelas quadras no lado ímpar da
rua (acima). No lado par, por outro lado, concentram-se no meio da quadra, resultando em
extremidades menos verticalizadas.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.

Figura 75. Linhas de força. As linhas de força resultantes do sistema de pontuação


expressam polarizações diferentes para cada lado da quadra em estudo. No lado ímpar
(acima) as polarizações são mais suaves. No lado par, as polarizações são mais intensas.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.
123

As fachadas das quadras urbanas do Baixo Augusta revelam uma paisagem


pré-existente de média estatura, pontuada por edifícios mais verticalizados de até 15
andares.
Os novos edifícios variam de altura, indo de um pavimento (exceção à regra,
o supermercado Dia) a 23 pavimentos (edifício Bela Cintra, nesse caso incluindo os
quatro subsolos aflorados). Esses edifícios tem representado forte ruptura na
paisagem existente.
Observamos que os edifícios mais altos tem se constituido justamente nos
trechos de união de maior número de lotes, que geram os maiores lotes da quadra.
Isto é perfeitamente compreensível já que a legislação preve apenas um coeficiente
de aproveitamento máximo, não estipulando um gabarito de altura.

Figura 76. Cortes transversais no Baixo Augusta. Em vermelho os edifícios existentes, em


preto o novo edifício, em verde a largura da calçada, destacando sua pequena proporção
em relação à rua. em azul observamos a linha que o pedestre percebe em dois locais
próximos, sempre incluindo o novo Edifício Bela Cintra. A percepção da paisagem
construída muda.
Para este corte, foi estimada a altura dos prédios tendo por base a medida de 3,20m de piso
a piso, em cada pavimento. Para o novo edifício, foi estimada também a posição do prédio,
a partir dos recuos permitidos pela legislação.
Fonte: Croquis autora sobre desenho a partir da planta.
Nos cortes da Rua Augusta, os trechos com novos edifícios permitem
observar o que as fachadas também mostraram: altas verticalizações mudam a
paisagem e por consequência, como mostram os cortes, a percepção de quem
utiliza a rua, particularmente o pedestre. Isso ocorre mesmo se compararmos com
trechos pré-existentes já verticalizados da Augusta, caso da figura à esquerda. As
estreitas calçadas associadas à nova escala de verticalização contribuem para a
percepção de proximidade dos edifícios.
124

3.1.3 Processo de transformação da paisagem


Bela Cintra (residencial, entregue) e Belaugusta (comercial, em obras)
apresentam implantações parecidas.
No caso do Bela Cintra, a possível conectividade entre as ruas é uma
característica a princípio positiva, porém, não foi aproveitada do ponto de vista
coletivo no projeto: o acesso ao conjunto de torres é feito exclusivamente pela Rua
Bela Cintra, e para a Rua Augusta resta apenas uma extensa grade e atrás dessa
um enorme muro de quatro pavimentos, que abriga os estacionamentos do conjunto
residencial, aproveitando o desnível existente entre ambas as ruas.
Além da oportunidade descartada de ligação entre as ruas, não há comércio
no térreo, tornando-a uma fachada de fato desconectada da grande fachada ativa10
que é a Rua Augusta. Ao invés de se voltar à cidade, generosamente oferecendo um
atalho aos pedestres pelo seu térreo, fecha-se em seu próprio lote, com uma
infinidade de itens de lazer exclusivos aos seus moradores.

Figura 77. Edifício Bela Cintra. Vista a partir do topo da torre lado Augusta, para dentro do
conjunto. Ao fundo, observa-se a Rua Bela Cintra. A própria implantação dos blocos, com
espaçamento entre ambos, valoriza a ampla área de lazer externo.
Fonte: http://www.even.com.br/sp/sao-paulo/bela-vista/residencial/bela-cintra
Em relação às demolições para viabilizar esse novo edifício, estas foram
sendo feitas paulatinamente, se iniciando pela Rua Augusta, e continuando na Rua

10
O termo "fachada ativa" é utilizado na proposta do novo Plano Diretor da Cidade, em debate e
aprovação no momento da presente pesquisa. O termo designa, de modo geral, fachadas de edifícios
cujos pavimentos térreos são comerciais. O objetivo no presente Plano é incentivar uso comercial nos
térreos dos novos edifícios, tornando-os áreas não computáveis nos novos empreendimentos,
contanto que tenham uso comercial. Como vemos na Rua Augusta, é um conceito de desenho
urbano existente há tempos na cidade.
125

Bela Cintra. Merece destaque o fato de que as casas demolidas da Rua Bela Cintra
não aparentavam estar em desuso, nem mesmo mal conservadas.

Figura 78. Edifício Bela Cintra. Vista a partir da Rua Augusta, à esquerda 2010 e à direita
2014.
Neste trecho do terreno a demolição havia sido realizada antes de 2010. Observamos isto
nos mapas do capítulo 2, e confirmamos com estas imagens.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.

Figura 79. Edifício Bela Cintra. Vista a partir da Rua Bela Cintra, à esquerda 2010 e à direita
2014.
Tomada à esquerda do atual acesso, observamos que ao menos parte dos imóveis
demolidos estava em uso, com automóvel na garagem. O estado de conservação da
primeira antiga casa à esquerda, ao menos externamente, era bom.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.

Figura 80. Edifício Bela Cintra. Vista a partir da Rua Bela Cintra, à esquerda 2010 e à direita
2014.
Tomada à direita do atual acesso, observamos a placa do então futuro empreendimento. Na
foto de 2010, uma casa antiga bem conservada.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.
No caso do Belaugusta, apesar de ter como ponto positivo o acesso ao
conjunto por duas ruas, este não será aproveitado de modo público. Não houve
126

preocupação em, de algum modo, disponibilizar seu térreo para o uso generoso com
pedestres que queiram cruzar essa longa quadra, entre as Ruas Costa e Dona
Antônia de Queirós. O acesso de veículos ao estacionamento, pelo que se pode
depreender das informações disponíveis sobre o projeto, se darão apenas pela Rua
Bela Cintra, restando à Rua Augusta apenas embarque e desembarque.

Figura 81. Implantação do edifício Belaugusta. À esquerda, Rua Bela Cintra. À direita, Rua
Augusta.
Fonte:
http://www.esser.com.br/content/img/landing/belaugusta/empreendimento/plantas/implantac
ao.jpg

Figura 82. Edifício Belaugusta. Acesso pela Rua Bela Cintra.


Fonte:
http://www.esser.com.br/content/img/landing/belaugusta/empreendimento/externas/acesso_
pedestres.jpg
127

Figura 83. Edifício Belaugusta. Acesso pela Rua Augusta.


Fonte:
http://www.esser.com.br/content/img/landing/belaugusta/empreendimento/externas/portaria.j
pg
As demolições concentraram-se na Rua Augusta, e incluíram a demolição de
sobrados aparentemente bastante antigos. Todos estavam mal conservados,
estando um deles completamente descaracterizado pela inserção de novos
elementos azuis na fachada.

Figura 84. Edifício Belaugusta. Vistas a partir da Rua Augusta, à esquerda 2010 e à direita
2014.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.
Em ambos os empreendimentos, Bela Cintra e Belaugusta, notamos uma
preocupação em projetar ao menos um acesso pela Rua Bela Cintra.
No caso do Edifício Bela Cintra, pode-se interpretar que o único acesso pela
Bela Cintra agregue valor ao empreendimento, já que muitos outros são os
lançamentos nesta rua. Além disso, o nome "Rua Bela Cintra" está bastante
associada ao seu lado jardins; acreditamos que isto faça a diferença na imagem do
empreendimento.
Já no Edifício Belaugusta essa característica salta aos olhos: uma pequena
faixa de terreno foi incorporada ao empreendimento, apenas para acesso a este; a
torre toda se localiza na porção mais larga do terreno, lote voltado à Rua Augusta.
128

Identificamos na legislação que todo o eixo classifica-se como uma via


estrutural N3, no entanto, não vimos implicações nessa classificação que
desfavoreça a implantação de estacionamentos voltados a esse tipo de via. Poderia
se argumentar que a Rua Augusta nesse trecho é estreita, tendo menos de 12m de
largura, porém, a Rua Bela Cintra também o é. Parece ser, portanto, mais uma
questão de valorização do imóvel, ao pretensamente se localizar nos jardins, do que
objetivamente uma questão legislativa.
No caso do Exclusive Offices Augusta, no lado oposto da Rua Augusta e ao
lado do Teatro Augusta, poucas foram as demolições em anos recentes para sua
viabilização, o terreno aparentemente já funcionava ao menos parcialmente como
um estacionamento.

Figura 85. Terreno do futuro edifício Exclusive Offices Augusta. Vistas a partir da Rua
Augusta, à esquerda 2010 e à direita 2014.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.
Por sua vez, no caso do Augusta (empreendimento da Gafisa), muitas são as
informações fotográficas anteriores às demolições, particularmente por se tratar da
demolição de uma obra de Rino Levi.
Com o edifício bastante descaracterizado, ocultado pela construção de quatro
lojas em seu recuo frontal, o edifício estava desocupado e em péssimo estado de
conservação.
129

Figura 86. Processo de demolição Edifício Nicolau Schiesser.


Fontes: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.164/5105 e ACFM tirada
em 14.06.14, (última foto, abaixo à direita).

Figura 87. Terreno do futuro edifício de apartamentos da Gafisa. Vistas a partir da Rua
Augusta, à esquerda 2010 e à direita 2014.
Fonte: Google Street View, acesso em 23.06.14.
A localização, no caso dos dois empreendimentos comerciais, tem grande
peso em sua comercialização. A proximidade da Paulista e das estações de metrô é
citada nos dois casos. Apesar de não ser o objetivo da pesquisa, observam-se
contradições entre o projeto e a propaganda – a importância da proximidade do
metrô perde sua força ao nos depararmos com um empreendimento com quatro
subsolos.
No caso do supermercado Dia, pelo fato de ser bastante recuado da Rua
Augusta, fica mais legível o entendimento a partir das fotos aéreas a seguir, ao invés
das fotos das fachadas como vínhamos fazendo.
130

Figura 88. Foto aérea, trecho Baixo Augusta, 2005. Observa-se a quadra inteiramente
construída. No lugar do futuro supermercado Dia (demarcado em vermelho) aparentemente
uma série de galpões.
Fonte: Google Earth, 2005, com marcação da autora.

Figura 89. Foto aérea, trecho Baixo Augusta, 2008. Observa-se o supermercado Dia já
executado (demarcado em vermelho), aproveitando parcialmente os galpões pré-existentes.
À direita, voltado à Rua Frei Caneca, um grande empreendimento, hoje já inaugurado, de
torres residenciais.
Fonte: Google Earth, 2008, com marcação da autora.
131

Selecionamos duas, as mais representativas dessa transformação, uma de


2005 e outra de 2008. Na imagem de 2005 no lugar do futuro supermercado Dia
observam-se diversos galpões lineares. Na imagem de 2008 observa-se o novo
supermercado, com novas construções, porém aparentemente aproveitando parte
dos galpões existentes, no miolo da quadra. Ao lado do Dia, voltada à Rua Frei
Caneca, observa-se uma grande área de demolição, transformada em um único lote
para a construção de um empreendimento residencial de três torres, atualmente já
construído e inaugurado.
132

3.2 Transformações recentes no trecho Cidade Jardim

A escolha do trecho entre as Ruas Mario Ferraz e Franz Schubert é decisiva


para a análise que pretendemos; é um dos trechos de maior transformação recente
do eixo. Foi o último trecho a ser ocupado do eixo da Rua Augusta, tendo se
consolidado como traçado urbano apenas na década de 1970, o que também se
deve ao fato da retificação do Rio Pinheiros ter sido finalizada apenas na década de
1950.
A Rua Frederic Chopin possivelmente é das últimas ruas a ter sido traçada
nas margens do eixo em estudo, e trás a tona uma constante da cidade de São
Paulo, que é o ocultamento de suas águas, como vimos na figura 41. Observamos
pelos mapas que vimos no capítulo 2.2, que este meandro do Rio Pinheiros, aflorado
em 1930, paulatinamente é encoberto pelo crescimento da cidade. Apesar de ter
ocupação mais recente, após mais de 40 anos do fechamento de seu traçado
básico, pode-se dizer que é um trecho de traçado consolidado.
Muitas demolições caracterizam a história recente desse trecho, bem como a
união de pequenos lotes em enormes terrenos para os novos empreendimentos.
Observamos que muitas das demolições e remembramentos de lotes ocorreram
recentemente, portanto após a Operação Urbana Faria Lima, aprovada pela Lei
11.732/95, da qual faz parte esse trecho em estudo.
Apesar do período de estudo da presente pesquisa se referir a um período
que se inicia uma década após a aprovação da Operação Urbana (aprovação da OU
ocorreu em 1995, por sua vez o início do período da pesquisa se dá em 2006), o
impacto dos novos edifícios na paisagem construída aparentemente se dá com
maior intensidade no período que estamos investigando. Acreditamos nessa
hipótese pois as pesquisas de Hepner (2010) trazem dados significativos sobre a
operacionalidade da OU Faria Lima, indicando seu efetivo funcionamento apenas a
partir de 2001, conforme explicaremos brevemente a seguir.
A OU Faria Lima permite que a iniciativa privada adquira potencial construtivo,
bem como amplie a taxa de ocupação permitida pelo zoneamento, mediante
contrapartidas financeiras, que seriam a princípio utilizadas para a continuidade da
Avenida Faria Lima, como vimos no capítulo 1.

Ou seja, basicamente no perímetro da Operação seria possível


'comprar' exceções na legislação. Os recursos captados desta
133

maneira, por sua vez, seriam empregados para custear as


desapropriações necessárias e as obras de abertura da avenida
[Faria Lima]. (HEPNER, 2010, p. 271).
O autor prossegue esclarecendo que tais contrapartidas financeiras seriam
organizadas mediante uma nova moeda de troca criada, denominada CEPAC
(Certificados de Potencial Adicional Construtivo), colocados à venda até um limite
máximo definido pela OU. Tais CEPAC´s poderiam ser livremente comercializados,
ou seja, mesmo que alguém não possuísse um terreno ali, poderia adquiri-los e
comercializá-los, praticamente desvinculando o direito de construir da propriedade
do solo. Funcionando verdadeiramente como um investimento financeiro, os
CEPAC´s poderiam ser adquiridos em um momento de desvalorização dos terrenos,
e vendidos em um momento de valorização dos mesmos.
Como vemos diversas foram as implicações da criação dos CEPAC´s,
contudo, o que nos interessa aqui é que eles se tornaram legalmente viáveis apenas
a partir de 2001, quando o Estatuto da Cidade regulamentou seu uso, tornando-se
"moeda corrente", para usar o termo do autor, somente a partir de 2004, quando a
OU Faria Lima foi revisada para incluir tais CEPAC´s. Desse modo, subentendemos
que as implicações construtivas na paisagem intensificam-se a partir desse ano.
Veremos a seguir nas análises gráficas que pouca ou nenhuma preocupação
com a rua, ou com a esfera pública da cidade em termos de desenho urbano,
concretizou-se no trecho em estudo, o que segundo Hepner (2010, p.275 a 279)
decorre de diversos fatores.
Um deles é ineficiência que a diferenciação de estoques e seus respectivos
valores de CEPAC´s residenciais e não residenciais promoveu: o fato de em alguns
lugares uns existirem em maior quantidade, ou mais baratos que outros, pouco
influenciou o tipo de empreendimento que se construiu no local, mantendo as
tendências de mercado anteriormente registradas. Além disso a uniformização do
coeficiente de aproveitamento levou ao tratamento igual de áreas de características
urbanas diferentes.
Hepner (2010) em suma afirma que as Operações Urbanas de modo geral
incidem sim sobre o desenho urbano, contudo a nosso ver de modo oposto ao
desejado:

[...] elas o fazem transferindo o poder sobre o desenho urbano da


esfera pública para a esfera privada. [...] Em contrapartida, tais
projetos se fecham à cidade, diluindo o sentido de urbanidade
134

presente no espaço público através da construção de uma forma


urbana fragmentada e descontínua. (HEPNER, 2010, p. 279).
Torna-se interessante uma posterior comparação deste trecho, o de ocupação
mais recente no eixo, com o trecho do Baixo Augusta, que faz parte das primeiras
ocupações do eixo, pois igualmente têm sofrido intensas e impactantes
transformações em sua paisagem construída.
135

3.2.1 Lançamentos imobiliários


Desde 2006 contabilizamos quatro lançamentos imobiliários nessa quadra,
conforme figura a seguir.

Figura 90. Localização novos empreendimentos na Cidade Jardim, em laranja.


Fonte: Google Earth, 2004, com marcação da autora.

Edifício George Sand


O primeiro deles, já executado e entregue em 2007, chama-se George Sand
(Rua Frederic Chopin, 283), da construtora São José. Em 22 pavimentos,
distribuem-se 19 unidades, um apartamento por andar, sendo uma duplex. As
unidades tem de 680m² a 802m², com cinco suítes e sete vagas na garagem; a
cobertura conta com 1368m² e 12 vagas na garagem. O hall de entrada possui pé-
direito triplo. Como diferenciais construtivos destacam-se: tratamento acústico no
contra-piso, rede hidráulica e caixilhos, vidros mais grossos, pé direito livre de 2,95
metros11. Tivemos acesso apenas às fotos externas, não às plantas das unidades. A
linguagem do edifício é "neoclássica", em cores suaves, caixilhos em arco, telhado
de alta inclinação e muitos adornos imitando os elementos do que se entende
visualmente como arquitetura clássica.

11
Informações obtidas em http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/condominio-
george-sand#prettyPhoto.
136

Figura 91. Condomínio George Sand. Vista a partir da Rua Frederic Chopin, Avenida Cidade
Jardim e Parque do Povo ao fundo.
Fonte: http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/condominio-george-
sand#prettyPhoto[gallery2]/6/

Figura 92. Codomínio George Sand. Acesso do edifício.


Fonte: http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/condominio-george-
sand#prettyPhoto[gallery2]/2/
137

Figura 93. Codomínio George Sand. Hall de entrada.


Fonte: http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/condominio-george-
sand#prettyPhoto[gallery2]/5/

Edifício Saint Paul


Ao lado do Condomínio George Sand, está o terreno do futuro Edifício Saint
Paul (Rua Frederic Chopin, 217), da mesma construtora. Ainda não foi lançado e
não começou a ser comercializado, porém já constam no site da construtora12 suas
informações básicas. Os apartamentos terão área privativa de 740m² a 864m² de
área privativa, e cada um contará com 12 vagas de garagem. A torre, pelas
imagens, terá 28 pavimentos, mais o térreo. No caso desse edifício, tivemos acesso
apenas às imagens externas, não às plantas das unidades. A linguagem desse
edifício, assim como o condomínio ao seu lado, será também inspirada na
linguagem visual da arquitetura clássica.
Pelas características do empreendimento e escala da unidade padrão, por
semelhança com o edifício George Sand ao lado, entendemos que o Saint Paul irá
ocupar toda a mancha indicada na figura 89. No entanto, a localização e dimensão
deste empreendimento em planta foram estimadas pela autora, com base nas visitas
ao local, comparação de fotos aéreas e mapa MDC, e informações do site da
construtora. No momento da presente pesquisa, apenas uma placa da construtora e
o que aparenta ser o futuro showroom encontram-se no local. Há, portanto, a

12
Informações disponíveis em http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/saint-
paul#prettyPhoto. Destaca-se no site que o produto está sujeito à alterações.
138

possibilidade, de que esse grande lote seja ocupado por mais empreendimentos da
mesma construtora.

Figura 94. Edifício Saint Paul. Vista da fachada de acesso, pela Rua Frederic Chopin.
Fonte: http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/saint-
paul#prettyPhoto[gallery2]/2/

Figura 95. Edifício Saint Paul. Detalhe do acesso, pela Rua Frederic Chopin.
Fonte: http://www.construtorasaojose.com.br/site/empreendimento/saint-
paul#prettyPhoto[gallery2]/4/
139

Edifício Design Cidade Jardim


O Design Cidade Jardim (Rua Camargo Cabral x Avenida Cidade Jardim), de
realização Lindenberg, é um empreendimento residencial. Em uma torre de 25
andares, há 23 apartamentos, sendo um deles duplex; os 23 apartamentos tipo tem
462m² de área privativa, distribuídos em quatro suítes e sete vagas na garagem. A
área de lazer comum tem uma ampla variedade programática; segundo informações
do site, os 1300 m² de lazer incluem fitness center, solarium, spa, com saunas seca
e úmida, piscina coberta, aquecida, com raia de 25m, piscina descoberta, adulto e
infantil, lounge gourmet e quadra de squash. Destaca-se no site de vendas13 dois
aspectos peculiares ao empreendimento: sua localização em rua sem saída
garantiria maior segurança aos seus moradores, e a linguagem do edifício, não
neoclássica. Segundo o próprio site indicado "O empreendimento traz um estilo
arquitetônico contemporâneo, que foge totalmente ao padrão neoclássico
usualmente encontrado em projetos de alto padrão na capital paulista.".

Figura 96. Design Cidade Jardim. Fachada vista a partir da Avenida Cidade Jardim.
Fonte: http://designcidadejardim.blogspot.com.br/

13
http://designcidadejardim.blogspot.com.br/
140

Figura 97. Design Cidade Jardim. Implantação com planta pavimento térreo, à direita,
Avenida Cidade Jardim.
Fonte: http://designcidadejardim.blogspot.com.br/

Figura 98. Design Cidade Jardim. Vista da portaria, a partir da Rua Camargo Cabral, rua
sem saída e fechada exclusivamente ao empreendimento.
Fonte: http://designcidadejardim.blogspot.com.br/

Figura 99. Design Cidade Jardim. Planta da unidade tipo.


Fonte: http://designcidadejardim.blogspot.com.br/
141

Edifício Cidade Jardim


Ao lado do residencial Design Cidade Jardim, localiza-se o mais novo
empreendimento da quadra. De uso comercial, este empreendimento chama-se
Cidade Jardim (Avenida Cidade Jardim, 803), foi entregue em janeiro de 2013 pela
construtora Tecnum14, com arquitetura de Aflalo Gasperini. Em 10 pavimentos, mais
4 subsolos, possui salas comerciais de ocupação flexível. Em sua linguagem há a
clara preocupação em conferir ao empreendimento identidade, distinguindo-o dos
demais empreendimentos da região. Segundo os arquitetos:

O Edifício Cidade Jardim busca uma escala diferenciada na cidade


com seus 10 pavimentos de altura e com uma grande frente voltada
para a avenida Cidade Jardim. A volumetria predominantemente
horizontal é marcada por placas em “L” que emolduram a grande
caixa de vidro formada pelos pavimentos tipo e são ora os terraços
dos conjuntos, ora a cobertura das áreas comuns no topo do edifício,
dando forte identidade à arquitetura.
Utilizando-se do mesmo DNA, o hall do edifício no Térreo é definido
por uma grande caixa retangular com altura de 8m e faces internas
revestidas por uma pedra de cor intensa, conferindo ao edifício
personalidade. A planta dos pavimentos tipo se desenvolve em “L” e
é livre de pilares. O núcleo de circulação vertical localizado na
fachada posterior do edifício proporciona aos conjuntos grande área
de iluminação natural e flexibilidade de layout, caracterizando um
espaço mais eficiente.
(http://aflalogasperini.com.br/?portfolio=cidade-jardim&lang=pt)

Figura 100. Edifício Cidade Jardim. Vista noturna.


Fonte: http://aflalogasperini.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Cidade-Jardim_Principal.jpg

14
http://www.tecnum.com.br/portfolio-comercial-grid.asp
142

Figura 101. Edifício Cidade Jardim. A partir da calçada, muitos são os elementos que o
diferenciam de outros edifícios.
Fonte: http://aflalogasperini.com.br/wp-content/uploads/2013/11/13210_ag-
cidjardim_amello_319-tratada11.jpg

Figura 102. Edifício Cidade Jardim. Corte, destaque para os quatro subsolos.
Fonte: http://aflalogasperini.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Cidade-Jardim-
Eleva%C3%A7%C3%A3o.jpg
143

Figura 103. Edifício Cidade Jardim. Planta pavimento térreo, com destaque para a área livre
em pilotis e elementos paisagísticos no térreo.
Fonte: http://aflalogasperini.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Cidade-Jardim-
T%C3%A9rreo.jpg

Figura 104. Edifício Cidade Jardim. Planta pavimento tipo, praticamente com todos os
pilares nas periferias da laje, garantindo flexibilidade de layout.
Fonte: http://aflalogasperini.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Cidade-Jardim-Tipo.jpg
144

3.2.2 Paisagem construída atual, uma aproximação gráfica

Figura 105. Planta cheios e vazios Cidade Jardim, 2014. Onde se indica o terreno todo
como cheio, não foi possível estipular a projeção da torre por falta de material de divulgação
do edifício.
Fonte: MDC, com atualizações e demarcações da autora.
A planta de cheios e vazios do trecho Cidade Jardim revela edificações com
altas taxas de ocupação, porém, há casos de construções que ocupam parcelas
menores do lote, visualmente por volta de 50% do lote. A área limite de análise
define os lotes que fazem frente à Avenida Cidade Jardim, e todos estes possuem
recuo frontal, mas nem sempre o lateral.
Pela estimativa da projeção das torres (estipuladas em alguns dos casos, a
partir do material de divulgação dos edifícios), e pelas fotos, observa-se que os
novos edifícios mantêm o padrão de ocupação dos lotes existentes, apesar de o
fazerem em outra escala vertical, como veremos nos próximos itens de análise.
145

Figura 106. Planta lotes originais e novos lotes, criados entre 2006 e 2014, trecho Cidade
Jardim. Destaque para a união de diversos lotes na maior parte dos novos
empreendimentos.
Fonte: MDC, com atualizações e demarcações da autora.
Os lotes novos surgem da união de muitos lotes originais, variando de cinco a
impressionantes 12 lotes. Um deles, na esquina com a Rua Franz Schubert, já se
encontrava do tamanho indicado desde o mapa MDC 2006.
É recorrente os novos lotes alcançarem duas vias, a Avenida Cidade Jardim e
mais uma, não apenas por sua condição de implantação em esquinas, porém
também pela condição de unirem lotes contíguos pela divisa dos fundos. Nem
sempre isso significa que o condomínio terá dois acessos, como veremos nas
próximas análises gráficas.
Acreditamos que os lotes remanescentes, não unificados em grandes lotes
não mais o serão, pois são pouco profundos para incorporações, e se inserem em
trechos cujos lotes de fundos já são verticalizados.
146

Figura 107. Permeabilidade no térreo, trecho Cidade Jardim. Em roxo, os locais que o
pedestre tem liberdade de acessar, incluindo estabelecimentos comerciais. Os novos
edifícios foram enormes extensões de trechos sem permeabilidade ao pedestre.
Fonte: MDC, com sobreposição de croquis da autora.
A planta de permeabilidade do trecho Cidade Jardim revela que os trechos
permeáveis ao pedestre no térreo, nesse local referem-se exclusivamente aos
pontos comerciais da avenida, e se fazem mais presentes no meio da quadra; as
extremidades da quadra são menos permeáveis, particularmente no lado que se
volta à Marginal Pinheiros.
As construções recuadas das fachadas tornam visualmente as calçadas mais
largas, mesmo que os recuos sirvam de estacionamento para as lojas. Os novos
edifícios também são recuados em relação à avenida, no entanto, os muros que os
encerram estão no alinhamento dos lotes. Estes muros tem tido grande impacto
nessa paisagem e na percepção do espaço, pois além de alterarem o alinhamento
das construções, são muito altos.
Há uma ilha central na Avenida Cidade Jardim, que abriga pontos de ônibus;
as conexões entre esta e as calçadas das bordas da avenida, contudo, são feitas
por apenas duas faixas de pedestres em toda extensão da avenida.
147

Figura 108. Fachadas no trecho Cidade Jardim. Acima, lado par (indo em direção à Marginal
Pinheiros, lado direito). Abaixo, lado ímpar. Os números indicados referem-se ao número de
pavimentos, sendo em preto os números de pavimentos dos edifícios novos e em vermelho
dos edifícios existentes. A paisagem existente configura-se preponderantemente por
edificações térreas ou de dois andares. Os novos edifícios extremamente verticalizados
inserem-se de fato construindo uma paisagem descolada da existente.
Fonte: levantamento da autora no local em 15.06.14.

Figura 109. Coroamento. A linha predominante é a horizontal, pontuada por edifícios


extremamente altos. Os edifícios mais altos são os recentemente construídos.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.
148

Figura 110. Pontuação. O sistema de pontuação na fachada indica que os edifícios mais
verticalizados se inserem preponderantemente nas bordas do trecho em estudo. No lado par
(acima) concentra-se em uma das bordas, com apenas uma pontuação no meio da fachada
urbana. No lado ímpar, concentra-se nas duas extremidades.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.

Figura 111. Linhas de força. As linhas de força resultantes do sistema de pontuações


revelam polarizações mal distribuídas ao longo das fachadas. A polarização mais intensa
ocorre no lado par (acima), no lado que se volta à Marginal Pinheiros.
Fonte: Croquis autora sobre montagem de fotos no local.
149

As fachadas das quadras em estudo na Avenida Cidade Jardim mostram uma


paisagem pré-existente de baixa estatura, com construções de um ou dois andares,
pontuadas por algumas de três ou quatro pavimentos.
Os novos edifícios inserem-se de modo abrupto, com ao menos 11
pavimentos, podendo atingir até 29 pavimentos - uma ruptura enorme na paisagem
existente. Tais edifícios concentram-se nas bordas das quadras; os localizados nas
bordas da Marginal Pinheiros parecem ser mais proporcionais ao lugar do que no
caso daqueles nas proximidades da Rua Dr. Mario Ferraz.

Figura 112. Cortes transversais no trecho Cidade Jardim. Em vermelho os edifícios


existentes, em preto os novos edifícios, em verde a largura da calçada – há trechos em que
ela é virtualmente maior, pois contribui para a percepção de amplitude do espaço, porém
parte dela é destinada ao estacionamento de veículos. Em azul observamos a linha que o
pedestre percebe, ao se posicionar no alinhamento do Design Cidade jardim ou do George
Sand. É impactante a chegada desses novos edifícios.
Para este corte, foi estimada a altura dos prédios tendo por base a medida de 3,20m de piso
a piso, em cada pavimento. Para os novos edifícios, foi estimada também a posição do
prédio, a partir dos recuos permitidos pela legislação.
Fonte: Croquis autora sobre desenho a partir da planta.
Os cortes do trecho Cidade Jardim mostram que de fato os edifícios novos
são imponentes em relação aos pré-existentes, seja no trecho próximo ao Design
Cidade Jardim, ou ao George Sand. Apesar de se inserirem edifícios muito altos em
uma paisagem existente bastante baixa, a largura da Avenida contribui na
acomodação de tamanha discrepância. Os novos edifícios, no entanto, não deixam
de ser impactantes.
150

3.2.3 Processo de transformação da paisagem


Muitas foram as demolições ocorridas nesse trecho em estudo, e
retrataremos este processo de transformação a seguir através de fotos.
O Edifício George Sand é entregue pela construtora em 2007, conforme
informações levantadas. O Google Street View para este trecho, no entanto, inicia-
se apenas em 2010. Por este motivo, optamos por retratar a transformação do local
deste edifício a partir de duas fotos aéreas, de 2004 e 2008, que mostram o lugar
antes e depois de sua construção.
O mesmo ocorre com o Edifício Design Cidade Jardim e o Cidade Jardim –
as demolições para ambos os edifícios ocorreram em anos anteriores aos registros
do Google Street View, e por esse motivo optamos por retratá-los também através
de fotos aéreas.

Figura 113. Foto aérea de 2004. Demolições para George Sand (vermelho) já realizadas.
Demolições para os três outros futuros edifícios (azul, verde e amarelo) ainda não
realizadas.
Fonte: Google Earth, 2004, com marcações da autora.
151

Figura 114. Edifício George Sand já construído (vermelho). Edifício Design Cidade Jardim já
construído (azul). Demolições para o futuro Edifício Cidade Jardim (verde) já realizadas.
Observar que o terreno do Design Cidade Jardim é apenas o trecho em verde, o terreno ao
lado que também passou por demolições não pertence a este empreendimento. Demolições
para o Saint Paul não realizadas (amarelo).
Fonte: Google Earth, 2008, com demarcações da autora.
As demolições que viabilizaram o Edifício George Sand ocorreram antes de
2004, pois na foto aérea deste ano o terreno já se encontra vazio. Em 2008, o
edifício já está construído.
No caso do Edifício Design Cidade Jardim, ocorreram após o ano de 2006,
pois neste ano as construções anteriores ainda constavam nos mapas MDC 2006,
porém, a foto aérea de 2008 já indica o edifício construído.
O Edifício Cidade Jardim, apesar de inaugurado recentemente (em 2013),
teve as demolições que o viabilizaram já realizadas em 2008. Na imagem do Google
Street View 2010, abaixo, é possível notar que o Edifício Cidade Jardim estava em
obras nessa data.
152

Figura 115. Vistas a partir da Avenida Cidade Jardim, à esquerda 2010, à direita 2014. Em
2010 o Edifício Cidade Jardim já estava em obras.
Fonte: Google Street View, acesso em 13.08.14.
No caso do futuro Edifício Saint Paul as demolições foram progressivamente
sendo realizadas entre os anos de 2006 e 2014, como vimos através de mapas e
confirmaremos nas imagens a seguir. Tais demolições aparentemente não se
referiam a bens arquitetônicos históricos, porém, as construções demolidas
concretizavam uma paisagem uniforme e contínua em sua horizontalidade.

Figuras 116, 117 e 118. Vistas a partir da Avenida Cidade Jardim, à esquerda 2010 e à
direita 2014, duas a duas no mesmo ângulo de visão. Diversas foram as demolições,
realizadas paulatinamente ao longo de quatro anos.
Fonte: Google Street View, acesso em 13.08.14.
153

3.3 Transformações das paisagens em uma leitura comparativa

O eixo recortado para estudo, que se inicia na Rua Martins Fontes,


culminando na Avenida Cidade Jardim, localiza-se como vimos no quadrante
Sudoeste, o de maior desenvolvimento e investimento da cidade ao longo de sua
história; ao longo dele deslocaram-se as elites e junto levaram as funções
necessárias às suas vidas – comércio, serviço, lazer, transportes.
As transformações recentes no eixo em estudo nos mostram que o eixo
continua a ser um local valorizado, porém, tem causado grandes impactos na
paisagem construída, como procuramos exemplificar no estudo das quadras no
Baixo Augusta e na Cidade Jardim.
Tais transformações nesse valorizado território aparentemente tem ocorrido à
revelia das pré-existências, sejam elas morfológicas, estilísticas ou volumétricas.
Torres isoladas por recuos, em meio a construções alinhadas à rua; edifícios de
linguagem genericamente "contemporâneas" em meio a edifícios antigos
característicos; altos edifícios inseridos lado a lado com edificações térreas – essas
são algumas das transformações recentes que pudemos observar nos trechos
selecionados para análises do Baixo Augusta e da Cidade Jardim.
Retomando os novos edifícios, objeto das transformações recentes,
observados no Baixo Augusta e Cidade Jardim, ao longo do capítulo 3, temos:
- Baixo Augusta
- Bela Cintra, residencial, construído;
- Belaugusta, comercial, em obras;
- Exclusive Offices Augusta, comercial, futuro lançamento;
- Augusta, residencial, futuro lançamento.
- Cidade Jardim
- Condomínio George Sand, residencial, construído;
- Edifício Saint Paul, residencial, futuro lançamento;
- Design Cidade Jardim, residencial, construído;
- Cidade Jardim, comercial, construído.
Duas são as aproximações comparativas que faremos em relação aos novos
edifícios construídos:
- o objeto, no que tange ao produto e sua linguagem arquitetônica;
- o objeto e a relação com a rua;
154

A seguir, tendo em vista tal análise comparativa, procuraremos explorar


através de diversos pontos de vista de autores selecionados, o impacto das
transformações em estudo nos territórios pré-existentes nos quais se inserem.

O objeto – produto e linguagem


Do ponto de vista do objeto, observa-se que os empreendimentos residenciais
do Baixo Augusta e do trecho Cidade Jardim atendem a públicos diferentes, o que
se reflete em sua linguagem e produto.
No Baixo Augusta o produto disponibilizado é o de apartamentos pequenos,
de um ou dois dormitórios, visando moradores solteiros, ou casais sem filhos. Há
algumas poucas unidades projetadas que visam famílias com filhos, conforme
vemos na planta decorada do Edifício Bela Cintra (ver figura 66); apesar de nessa
quadra termos apenas um exemplar residencial construído, uma vaga na garagem
parece ser o padrão desse produto.
No trecho Cidade Jardim observamos apartamentos voltados a um público
diferente; famílias grandes, que necessitam de muitas suítes e muitas vagas na
garagem, chegando ao impressionante número de 12 vagas no futuro lançamento
Saint Paul.
Em uma unidade do existente Condomínio George Sand, com área privativa
mínima de 680m², poderiam ser acomodadas cerca de 10 unidades médias (70m²)
do Edifício Bela Cintra.
É de se notar, no entanto, que o programa das áreas comuns é similar em
sua composição. Em ambos os casos, observamos a preocupação em oferecer
ampla gama de serviços, particularmente ligados à segurança, e múltiplos itens de
lazer.
Do ponto de vista da linguagem, observamos que no Baixo Augusta tanto nos
edifícios residenciais, quando nos comerciais, se busca uma linguagem
"contemporânea", por assim dizer, caracterizando ao nosso ver um desejo em trazer
o novo para um lugar antigo. Os edifícios que ali se implantam poderiam ser
encontrados em outros bairros da cidade, o que se constata inclusive em visita aos
sites das construtoras ou incorporadoras, nos quais os lançamentos das torres em
diferentes bairros são excessivamente similares.
Apesar de ambos, residencial e comercial, seguirem uma linguagem
"contemporânea", há distinções tipológicas claras nas fachadas, por exemplo em
155

suas compartimentações.
A partir dos exemplares já construídos ou que se tem conhecimento do
projeto, no edifício residencial Bela Cintra, fica claro em suas fachadas onde ficam
os dormitórios, as salas e os banheiros, a partir de diferentes tipos e tamanhos de
caixilhos.
Por sua vez, no comercial Belaugusta, a pele de vidro o torna um monolito,
interrompido apenas por extensas e estreitas varandas. Tais varandas são
permitidas e de certo modo incentivadas pela legislação – atualmente é possível
construir até 10% da área da laje do andar em varandas, abertas em três lados, de
modo que respeitados estes e alguns outros parâmetros elas não sejam
contabilizadas como área computável; ou seja, elas não são computáveis do ponto
de vista do aproveitamento do potencial do terreno, no entanto são áreas de venda
para as unidades. Geralmente essas varandas são utilizadas para a instalação das
condensadoras de ar-condicionado das unidades. A fachada pouco
compartimentada permite a leitura de que internamente há a possibilidade de
andares inteiros voltados a uma só empresa.
No trecho Cidade Jardim, por outro lado, ocorrem casos de edifícios
residenciais com linguagem muito distinta dos edifícios comerciais. Dois dos três
edifícios residenciais apresentam linguagem comumente chamada neoclássica. Em
torres enormes, busca-se um estereótipo de luxo, via uma chamada linguagem
clássica, que inspira solidez e tradição.
São elementos existentes na arquitetura clássica a simetria na construção,
destaque para uma entrada central, pés-direitos altos nos térreos, múltiplas portas e
janelas conformando arcos, inclusão de adornos, molduras nas janelas, colunas com
capitéis adornados e diferenciação na volumetria da base, corpo e coroamento do
edifício, que são adotados livre e estranhamente nesses novos edifícios.
Há, portanto, entre os trechos Baixo Augusta e Cidade Jardim, diferenças nos
produtos ofertados, particularmente na dimensão da unidade tipo, e também na
linguagem adotada, que busca atender ao anseio do público alvo do
empreendimento. Há, contudo, semelhanças: em ambos os casos se coloca como
diferencial a ampla e moderna segurança, e especificamente no caso dos
residenciais, destaca-se a gama de serviços e itens de lazer de uso exclusivo dos
moradores.
Lipovetsky (2005), filósofo e sociólogo, debruça-se sobre temas da sociedade
156

pós-moderna, ou hipermoderna15 como ele mesmo a denomina. No livro O Luxo


Eterno, ao qual recorreremos nesse momento da pesquisa, o autor discorre sobre a
evolução do luxo ao longo do tempo e, explicando de modo muito sucinto, como
socialmente o consumo de luxo torna-se importante referência na construção da
identidade de grupos sociais.

Antigamente reservados aos círculos da burguesia rica, os produtos


de luxo progressivamente 'desceram' à rua. [....] Em nossos dias, o
setor constrói-se sistematicamente como um mercado hierarquizado,
diferenciado, diversificado, em que o luxo de exceção coexiste com
um luxo intermediário e acessível. Esfera daí em diante plural, o luxo
'estilhaçou-se', não há mais um luxo, mas luxos, em vários graus,
para públicos diversos. (LIPOVETSKY, 2005, p. 15).
Aplicando o entendimento geral sobre luxo de Lipovetsky (2005) aos
movimentos recentes do mercado imobiliário nos dois locais em estudo,
observamos, apesar das diferenças de produto e linguagem que identificamos
acima, uma clara busca de oferecer exclusividade aos compradores, em diferentes
escalas, ou, como diz o autor, "em vários graus, para públicos diversos".
É de se entender que a linguagem dos edifícios siga diferentes padrões,
buscando atingir determinado público, com seus referenciais culturais, identidade, e
senso de pertencer a determinado grupo.
No trecho Cidade Jardim com parte dos lançamentos em estilo neoclássico,
muitas das novas construções das ruas adjacentes, nas proximidades do Clube
Pinheiros, apresentam esse padrão, que se consolidou historicamente com o bairro.
Logo, a ideia é que os proprietários desses apartamentos se sintam parte de dessa
coletividade.
No caso do Baixo Augusta, os novos lançamentos sem exceção tem
linguagem mais contemporânea, uma aparência de modernidade, diferente de
alguns dos lançamentos neoclássicos da Cidade Jardim, porém, igualmente voltadas
à exclusividade de se viver ali - exclusividade esta notável, por exemplo, nos
empreendimentos Belaugusta e Bela Cintra, ambas com acesso (por menor que
seja) pela Rua Bela Cintra, conferindo o status de "estar nos Jardins" aos
empreendimentos.
Os programas dos lançamentos, em ambos os casos, reflete também essa
ideia de luxo, oferecendo inúmeros itens de lazer e segurança dentro dos

15
Para aprofundamento no tema, ver LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo:
Editora Barcelona, 2004.
157

condomínios. Seja através de 12 vagas na garagem e pé-direito mais alto que a


média, ou através de salão de jogos com simulador de golfe, o conceito é sempre
ser diferenciado através de itens de luxo, em maior ou menor grau.

O esnobismo, o desejo de parecer rico, o gosto de brilhar, a busca da


distinção social pelos signos demonstrativos, tudo isso está longe de
ter sido encerrado pelos últimos desenvolvimentos da cultura
democrática e mercantil.
[...] A paixão pelo luxo não é exclusivamente alimentada pelo desejo
de ser admirado, de despertar inveja, de ser reconhecido pelo outro,
é também sustentada pelo desejo de admirar a si próprio, de
'deleitar-se consigo mesmo' e de uma imagem elitista. [...] Assim, as
motivações elitistas permanecem, mas estão menos baseadas em
desígnios de honorabilidade e de ostentação social do que no
sentimento da distancia, do gozo da diferença proporcionada pelos
consumos raros e no afastamento que abrem em relação à maioria.
[...] Hoje o luxo está mais a serviço da promoção de uma imagem
pessoal do que de uma imagem de classe. (LIPOVETSKY, 2005, p.
51, 52 e 53).
Entendemos ser possível a leitura desses novos empreendimentos em
análise como "signos demonstrativos" dos diferentes tipos de luxos possíveis,
voltados a públicos diversos, seja através de seu programa ou linguagem.
Caldeira (2000, p. 267 e 268) analisa especificamente a questão das áreas
comuns dos edifícios, afirmando que as áreas de lazer configuram-se muitas vezes
em clubes completos, que mais se ligam ao status do que objetivamente a um uso
intenso e necessário por parte dos moradores.

O pouco uso das áreas comuns poderia também indicar que a


presença de todas essas instalações – algumas delas bastante
luxuosas – é mais uma marca de status do que uma condição
necessária para uma vida cotidiana mais gratificante. Em outras
palavras, essas instalações parecem ter a ver mais com ostentação
do que com um novo padrão de sociabilidade entre vizinhos ou com
novos conceitos de vida privada. (CALDEIRA, 2000, p. 268).
Interessante notar que tais itens diversificados de lazer encontram-se
ofertados tanto nos condomínios residenciais de luxo da Cidade Jardim, como nos
novos edifícios do Baixo Augusta, ao menos naquele já construído.
Pissardo (2013), ao investigar como tem se dado os ditos processos de
revitalização nas áreas centrais, do qual fazem parte os novos edifícios do Baixo
Augusta, indica através de nossa interpretação uma homogeneização das
intervenções na cidade, via padrões arquitetônicos e de segurança:

É interessante observar como o processo de revitalização das


regiões centrais se concretizou na rua Augusta através de um
158

processo ativo de gentrificação mascarado socialmente pelo


desenvolvimento de uma mancha de lazer voltado às classes médias
e uma identidade ligada ao conceito de 'diversidade' de pessoas,
mesmo que para que essa diversidade tenha sido possível muitos
grupos foram excluídos. A 'revitalização' proporcionou a retomada do
espaço como habitação e trabalho para as classes altas que vão ali
se instalar em prédios que desconsideram a estrutura e o perfil da
rua, reproduzindo o padrão de segurança, comodidade e estilo
arquitetônico que essas elites já estão acostumadas. Espera-se
morar no centro da mesma forma em que se morava nos distantes
bairros de elite. (PISSARDO, 2013, p. 193).
Corroboramos a opinião dos autores acima, que indicam o status e a
promoção da imagem pessoal, acima do uso efetivo de todas as facilidades
ofertadas, como o fator mais importante na escolha por morar em um condomínio.

O objeto – relação com a rua


Historicamente as duas quadras em estudo apresentam características
diferentes, no que tange aos espaços de circulação e suas formas de uso pelos
pedestres e automóveis. Isto claramente tem, ou deveria ter, consequências no tipo
de intervenção que comportam os lotes dessas quadras.
No Baixo Augusta (assim como em toda extensão da Rua Augusta) é e
sempre foi natural a presença do pedestre; a Rua Augusta nasce praticamente junto
com os bondes, e posteriormente os ônibus elétricos que cruzavam do Centro para
os Jardins. O fato de ser uma rua de duas mãos sem ilha central e possuir uma
escala local facilita a presença do pedestre, via maior possibilidade de atravessá-la.
Na Cidade Jardim, avenida consolidada em momento posterior, já sob o signo
do automóvel e muito próxima da Marginal Pinheiros, a escala é outra. Com ilha
central e duas faixas de cada lado, a via adquire outra escala. A presença do
pedestre ali não é muito constante, a não ser nas paradas de ônibus nas ilhas
centrais. Os pontos comerciais configuram-se de um modo diferente daqueles do
Baixo Augusta: todos eles são recuados, com vagas para os automóveis dos
clientes à frente da loja.
Campos Filho (2003) desenvolve um conceito muito interessante de ser
aplicado neste momento da pesquisa, que é a capacidade de suporte de uma via.
Basicamente, esse conceito indica que uma via tem determinada capacidade de
absorver tráfego, e que o tamanho e número de edifícios que se constroem ao seu
redor devem levar em conta essa capacidade.
Como podemos observar nos cortes transversais de estudo (figuras 76 e 112)
159

o trecho Baixo Augusta (com dois sentidos de tráfego com uma faixa cada, sem ilha
central), tem uma capacidade de suporte menor que o trecho Cidade Jardim
(também com dois sentidos de tráfego, porém com duas faixas cada, sendo uma
exclusiva para transporte público).
Nesse sentido, podemos especular que os novos edifícios super
verticalizados, construídos na Cidade Jardim, tem menor impacto em seu entorno do
que os novos edifícios no Baixo Augusta. Na Cidade Jardim haverá mais carros
circulando, no entanto, a via é mais larga e comporta esse acréscimo de volume. É
de se notar que, apesar de menos verticalizados, os edifícios no Baixo Augusta
contam com menores unidades habitacionais, em maior número, o que leva a um
número desproporcional de veículos circulando na Rua Augusta. Concluímos que a
Rua Augusta, nesse sentido, tem sofrido mais as consequências da implantação dos
novos empreendimentos superverticalizados do que o trecho Cidade Jardim.
Essa é uma análise teórica, que não levou em conta volume de tráfego
levantado no local. Porém, serve de parâmetro para compreendermos
comparativamente o impacto desses novos prédios do ponto de vista do volume de
tráfego de automóveis, particularmente no Baixo Augusta.

Figura 119. À esquerda, é possível associar o desenho à situação do Baixo Augusta: duas
faixas de circulação, comportando edificações de menor porte. À direita, por sua vez, à
situação de uma avenida como a Cidade Jardim que, por ser mais larga, comporta maior
volume de tráfego e consequentemente empreendimentos de maior porte.
Fonte: CAMPOS FILHO, 2003, p. 26.
Podemos dizer, portanto, que o trecho da Cidade Jardim está muito mais
preparado para receber o fluxo de automóveis e pessoas provenientes das novas
edificações do que o trecho do Baixo Augusta.
160

É interessante observar que mesmo com diferentes capacidades de suporte,


em ambos os casos (Baixo Augusta e Cidade Jardim) há uma preferência nítida no
acesso aos edifícios pelas ruas adjacentes, sempre que possível. Isso é viabilizado
pela união de diversos lotes, formando um grande lote que passa a conectar as ruas
do eixo com ruas paralelas. É uma pena que a possibilidade de cruzar a quadra, não
é em nenhum caso aproveitada, ao menos não de modo público.
A união de lotes é um assunto importante de ser abordado, pois em função da
nova escala adquirida, poderia viabilizar relação mais harmônica entre o edifício que
nele se insere e a rua.
Grandes lotes são do interesse das incorporadoras, por viabilizarem grandes
Coeficientes de Aproveitamento, e em consequência grandes áreas construídas,
além de possibilitarem a implantação dos clubes que, como vimos, tem sido um
atrativo comercial nos lançamentos. Em alguns casos, além disso, interessa também
a possibilidade de em um mesmo lote instalarem-se duas (ou mais) torres – este é o
caso do Edifício Bela Cintra.
Hepner (2010, p. 252 e 253) esclarece em detalhes dois aspectos do Código
de Obras que de fato condicionam a forma do edifício residencial: a "Faixa Livre A" e
o "Espaço I", que garantem o afastamento necessário entre construções para que,
respectivamente, aeração e insolação sejam garantidas. Sem entrar em detalhes de
seus cálculos - bastante restritivos, que muitas vezes impedem a implantação em
lotes muito estreitos, por exemplo - para a presente pesquisa basta sabermos que
se os edifícios pertencerem a um mesmo empreendimento, suas faixas "I" podem se
sobrepor, o que acaba viabilizando mais unidades do que se fossem dois lotes
separados.
O autor exemplifica isto no caso de três torres em um mesmo lote: "[...] por
exemplo, se três edifícios residenciais forem implantados em um mesmo lote, eles
quase sempre consumirão menos área de terreno do que se forem implantados
cada um em um lote separado." (HEPNER, 2010, p. 253).
Há ainda um detalhe a ser levado em conta, que é a permanência na
legislação vigente da Fórmula de Adiron, que permite o acréscimo de Coeficiente de
Aproveitamento (de 1 para 2) mediante a redução na Taxa de Ocupação (HEPNER,
2010, p. 250). Tal Fórmula existe na legislação desde o Zoneamento de 1972, e
atualmente pode ser aplicada em zonas determinadas da cidade, dentre as quais a
antiga Z2, da qual faz parte o trecho pesquisado da Avenida Cidade Jardim. O
161

trecho analisado do Baixo Augusta é uma antiga Z4, por isso tal Fórmula não pode
ser ali utilizada. Não sabemos afirmar positivamente se tal instrumento foi utilizado
No trecho Cidade Jardim, mesmo porque esse trecho também se insere na
Operação Urbana Faria Lima, o que já viabiliza um potencial construtivo maior que
do restante da cidade.
Os grandes lotes geram, como vimos, edifícios de porte inédito para as ruas
nas quais se inserem. Nesse sentido, também é nova a relação do pedestre os
novos térreos.
Na Rua Augusta muitas são as oportunidades de permeabilidade no térreo ao
pedestre (ver figura 71), o que decorre do uso comercial dos térreos dos edifícios
(farmácias, lojas, bares). Nos novos lotes que ai se configuram, contudo, além de
desperdiçada a oportunidade de conexão para o pedestre de ruas paralelas na longa
quadra, as novas torres que neles se inserem não possuem o térreo comercial,
rompendo totalmente o padrão de uso por parte do pedestre.
No caso do trecho Cidade Jardim (ver figura 107) a situação também é grave,
pois pela configuração dos lotes originais unificados, bem como porte dos
empreendimentos, os novos lotes ocupam frentes ainda maiores de fachada voltada
à rua, criando verdadeiros paredões impermeáveis. Faz-se uma exceção ao único
novo edifício comercial (Cidade Jardim) que apesar de hermético, ainda permite
algum acesso em seu térreo em pilotis, ou ao menos, libera a visual do pedestre por
não ser cercado por muros.
É compreensível, contudo, do ponto de vista das incorporadoras a não
instalação de atividades públicas ou comerciais no térreo dos edifícios (como é
bastante comum principalmente no caso do trecho do Baixo Augusta analisado),
pois a legislação vigente não contribui para que isto ocorra.
Conforme aponta Hepner (2010) o instrumento que incentiva o uso do térreo
por galerias comerciais é pouco eficiente. É necessário que o empreendimento
tenha duas frentes, e cumprida essa exigência "[...] é concedido um acréscimo de
área computável sem que seja necessário pagar pela outorga onerosa, equivalente
a 50% da área coberta que for destinada à livre circulação de pedestres no térreo."
(HEPNER, 2010, p. 257). Pela simulação do autor, ilustrada na imagem a seguir, o
incentivo equivale a apenas 2,5% de acréscimo na área total do edifício.
162

Figura 120. Simulação de acréscimo de área cedido em função da instalação de uma galeria
comercial no térreo de um novo edifício.
Fonte: HEPNER, 2010, p. 257.
Em ambos os trechos analisados (Cidade Jardim e Baixo Augusta) existe a
conexão entre duas ruas, porém como visto o incentivo a este uso é muito restrito, e
aos olhos do mercado, aparentemente não vale a pena. Há outros fatores
envolvidos, dentre os quais destacamos uma preocupação comum a ambos os
locais em estudo, do qual o isolamento dos condôminos através da construção de
muros é o símbolo máximo: a preocupação com a segurança.
Comparando-se os lançamentos do trecho Cidade Jardim com o Baixo
Augusta, é de se notar em ambos a preocupação com a segurança, um traço da
contemporaneidade apontado por Lipovetsky (2005, p. 60):

Em uma época considerada ameaçadora, proliferam os dispositivos


de proteção máxima, as residências de luxo seguradas e vigiadas
24h por dia, as villas dotadas de muros, de guaritas, de sistemas de
alarme e de câmeras para vigilância. [...] Cada vez mais, o alto nível
de segurança torna-se um argumento importante da oferta de luxo.
Analistas afirmam que a motivação dos clientes dos imóveis de luxo
é fortemente dominada pela exigência de segurança dos bens e das
pessoas.
Os sistemas de segurança são uma constante nos folders de lançamentos,
sejam os de alto luxo como da Cidade Jardim, ou de luxo acessível, no caso do
Baixo Augusta – utilizando os termos de Lipovetsky. Tal preocupação fica
particularmente evidente nos térreos que se voltam às ruas, materializada nos altos
e extensos novos muros que alteraram o caráter de certo modo permeável daquelas
ruas, via pontos comerciais.
163

É inclusive motivo de crítica a questão da segurança nas cidades, e tudo o


16
que daí decorre. Isay Weilfeld e Marcio Kogan concebem a Happyland , uma
cidade fictícia na qual o principal objetivo é a felicidade a qualquer custo.

Uma cidade que só nos proporcione prazer. É o fim do medo, das


angústias... da liberdade. A segurança em primeiro lugar. Qual a
vantagem de se ser livre? Andar por aí morrendo de medo? Pois é.
Em Happyland, todas estas frivolidades foram abolidas.
[...] Este modelo de cidade em que as pessoas podem se cruzar nas
ruas, se olhar, se conhecer, se enamorar num encontro casual...,
este modelo está totalmente ultrapassado.
Em Happyland, não! Isto jamais acontecerá. Você não cruza com
ninguém, você não vê ninguém, você não conhece ninguém, você
não se enamora, mas também não se ilude, não sofre, não chora e
assim é melhor para todos.
[...] Outra grande vantagem é que Happyland é uma cidade sem
história. Uma cidade política e economicamente não aliada com
nenhuma outra civilização. Uma cidade que não se compromete com
nenhum ideal, ou seja uma cidade com possibilidades remotas de
ataques terroristas suicidas." (http://www.isayweinfeld.com/)
Caldeira (2000) leva o debate sobre a construção dos muros nas cidades a
outro nível, muito mais completo e complexo, ao pesquisar do ponto de vista
antropológico os efeitos do crime, do medo da violência e o desrespeito aos direitos
da cidadania nas transformações urbanas, estabelecendo um novo padrão de
segregação espacial na cidade de São Paulo, representado emblematicamente pela
construção de empreendimentos protegidos por muros, a partir dos anos 80.
A tese da autora se resume na seguinte frase: "Quando o sistema político se
abriu, as ruas foram fechadas e o medo do crime se tornou a fala da cidade."
(CALDEIRA, 2000, p. 314). A autora relaciona, portanto, a transformação das
cidades, simbolicamente sintetizada pela construção de muros, a processos políticos
de maior alcance.
Um dos pontos de maior interesse à presente pesquisa é a definição da
autora acerca do que ela denomina enclaves fortificados:

Os enclaves fortificados incluem conjuntos de escritórios, shoppings


centers, e cada vez mais outros espaços que têm sido adaptados
para se conformarem a esse modelo, como escolas, hospitais,
centros de lazer e parques temáticos. Todos os tipos de enclaves
fortificados partilham algumas características básicas. São
propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é
privado e restrito ao mesmo tempo que desvalorizam o que é público

16
Informações sobre Happyland em http://www.isayweinfeld.com/ e
http://www.mcb.org.br/mcbItem.asp?sMenu=P002&sTipo=5&sItem=313&sOrdem=1
164

e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por


muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São
voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública
rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e
sistemas de segurança, que impõem as regras de inclusão e
exclusão. São flexíveis: devido ao seu tamanho, às novas
tecnologias de comunicação, organização do trabalho e aos sistemas
de segurança, eles são espaços autônomos, independentes do seu
entorno, que podem ser situados praticamente em qualquer lugar.
[...] Finalmente, os enclaves tendem a ser ambientes socialmente
homogêneos. Aqueles que escolhem habitar esses espaços
valorizam viver entre pessoas seletas (ou seja, do mesmo grupo
social) e longe das interações indesejadas, movimento,
heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas. (CALDEIRA,
2000, p. 258 e 259).
Os novos edifícios do Baixo Augusta, e também do trecho Cidade Jardim, são
precisamente os enclaves fortificados definidos pela autora. No caso dos edifícios do
Baixo Augusta o efeito é devastador, pois se inserem em um território ricamente
permeável ao pedestre no nível do térreo (se não do ponto de vista francamente
público, sem dúvida do ponto de vista de atividades comerciais abertas à
população), murando grandes extensões da Rua Augusta.
No caso do trecho Cidade Jardim os efeitos são também graves, mas talvez
menos percebidos. Lá a presença do automóvel sempre foi mais intensa (todas as
unidades comerciais possuem estacionamento na frente) e a proximidade com a
Marginal Pinheiros associada à maior largura da avenida, de fato dá outra escala a
esse trecho, possivelmente desde sempre menos associada à escala do pedestre.
Se por um lado todo o aparato de segurança abriga os moradores,
supostamente os protegendo das mazelas do mundo externo, pode-se dizer que o
oposto ocorre nas calçadas que são limitadas por esses grandes muros,
praticamente negando-as enquanto espaço público, ou ao menos, dificultando seu
uso como tal.
Algumas soluções mitigam a sensação de insegurança, como lâmpadas que
acendem com a movimentação do pedestre, no entanto, sabemos que esses
aparatos para nada servem além de mapear possíveis invasores dos condomínios,
com câmeras registrando todo o movimento da rua. Redefinem-se as zonas seguras
e inseguras da rua, de modo que pessoas preferem atravessar a rua nesse trecho, a
ter que caminhar em uma calçada que podemos dizer, é sem saída.

[...] os efeitos dessas estratégias de segurança vão muito além da


garantia de proteção. Ao transformar a paisagem urbana, as
estratégias de segurança dos cidadãos também afetam os padrões
165

de circulação, trajetos diários, hábitos e gestos relacionados ao uso


de ruas, do transporte público, de parques e de todos os espaços
públicos. [...] A idéia de sair para um passeio a pé, de passar
naturalmente por estranhos, o ato de passear em meio a uma
multidão de pessoas anônimas, que simboliza a experiência moderna
da cidade, estão todos comprometidos numa cidade de muros.
(CALDEIRA, 2000, p. 301).
A autora vai além e identifica um código existente na sociedade, que ela
denomina "estética da segurança" (CALDEIRA, 2000, p. 293 e 294), que atinge
todas as classes sociais:

Viver atrás de muros e cercas é uma experiência cotidiana dos


paulistanos e os elementos associados à segurança constituem um
tipo de linguagem através do qual pessoas de todas as classes
expressam não só o medo e a necessidade de proteção, mas
também mobilidade social, distinção e gosto. Apesar de essa
linguagem ter vários dialetos de classe, também tem algumas
características gerais que perpassam todas as classes. Para todos
os grupos sociais, a segurança é um elemento através do qual as
pessoas pensam seu lugar na sociedade e materialmente criam seu
espaço social.
Nesse aspecto, a fala da autora, no âmbito da presente pesquisa completa a
fala de Lipovetsky (2005), ao reconhecer tal "estética da segurança" como um
elemento identificador de classes sociais, dentre elas, dos muito ricos.
Não negamos os problemas de segurança da cidade de São Paulo.
Particularmente o trecho do Baixo Augusta por muitos anos foi um dos trechos mais
inseguros da Rua Augusta, pela alta concentração de prostíbulos e atividades
relacionadas. Contudo, este trecho conforme tratamos no capítulo 3.1, começou a se
transformar anos antes da chegada desses novos empreendimentos, com a
inauguração de bares e casas noturnas que justamente diversificaram o público
local.
Conforme afirma Caldeira (2000, p. 267), é simplificado demais pensar na
questão da segurança unilateralmente:

Relacionar a segurança exclusivamente ao crime é ignorar todos os


seus outros significados. Os novos sistemas de segurança não só
oferecem proteção contra o crime, mas também criam espaços
segregados nos quais a exclusão é cuidadosa e rigorosamente
praticada. Eles asseguram 'o direito de não ser incomodado',
provavelmente uma alusão à vida na cidade e aos encontros nas
ruas com pessoas de outros grupos sociais, mendigos e sem-teto.
Não defendemos a demolição dos muros como modo de mitigar o crime, seria
um modo de negar o problema da violência na cidade. O que colocamos em debate
é a observação de que a transformação das morfologias urbanas através da
166

construção de muros – estabelecendo o que a autora chama de "novas morfologias


do medo" (CALDEIRA, 2000, p. 340) - é uma solução paliativa a um problema
sistêmico na cidade, e que ao resolver o problema de alguns, passa a acentuar
problemas da coletividade.

As transformações recentes e as pré-existências


Peixoto (2004) em seu livro Paisagens Urbanas analisa de modo geral as
paisagens de cidades e suas transformações, através de um viés artístico na leitura
da arquitetura das cidades (ou seria um viés arquitetônico na compreensão da
arte?). De um modo ou de outro, o autor coloca que "A pressa, a falta de tempo,
priva as imagens de toda a particularidade e consistência." (PEIXOTO, 2004, p. 212)
enfatizando que apesar disto, "Rostos e paisagens exigem contemplação, um olhar
diferenciado, atento aos diferentes ritmos das coisas." (PEIXOTO, 2004, p. 215).
A nosso ver, os novos projetos, indicados anteriormente nesse capítulo 3, que
se inserem nesses pequenos trechos de cidade em estudo, não parecem ter em sua
origem a preocupação com uma possibilidade de apreensão mais lenta das
paisagens que eles mesmos formarão, nem mesmo à mudança de escala na
percepção dos espaços que um novo edifício, por exemplo com mais de 20 andares,
provoca ao ter origem na demolição de diversos sobrados, com a união de seus
lotes - em alguns casos mais de oito deles.
Wenders (1994) tem uma visão muito específica sobre as paisagens, o que
fica claro em diversas viagens realizadas pelo cineasta, nas quais fotografa
paisagens, muitas delas como parte de pesquisas que realiza para seleção do local
de seus filmes17. A partir de sua mirada cinematográfica, o cineasta entende essa
variação de velocidades na leitura da metrópole contemporânea do ponto de vista
das escalas:

O que é pequeno desaparece. Em nossa época, só o que é grande


parece poder sobreviver. As pequenas coisas modestas
desaparecem, bem como as pequenas imagens modestas ou os
pequenos filmes modestos. Esta perda de tudo o que é pequeno e
modesto é um triste processo, do qual hoje somos testemunhas
dentro da indústria cinematográfica. E para as cidades, esta mesma
perda das pequenas coisas modestas é ainda mais manifesta e, sem
dúvida, de maior relevância. (WENDERS, 1994, p. 184).

17
Como parte da 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2004, realizou-se no MASP a
exposição de fotografias Win Wenders. Lugares, estranhos e quietos, compiladas em WENDERS,
Win. Lugares, Estranhos e Quietos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2010.
167

Quando o autor fala em "pequenas coisas modestas", interpretamos no viés


da pesquisa, um cuidado na compreensão do que vale ser demolido, ou aquilo que
tem algum valor histórico intrínseco, mesmo que não oficialmente reconhecido, por
exemplo, por órgãos de tombamento.
Barda (2009) é muito clara nesse ponto ao propor que o conceito de
preservação de monumentos seja estendido à fisionomia da cidade como um todo,
promovendo uma nova postura para se encarar os tecidos históricos da cidade que,
como parte da cidade existente, deve ser considerado como referência (não literal,
mas sim como parte de um sistema de valores históricos e culturais) para a
transformação dos territórios. Seria um modo de encarar o existente não como algo
obrigatoriamente a ser preservado, mas como algo que, por mais antigo que seja,
faça parte do cotidiano da cidade contemporânea.

Invejamos as cidades europeias sem perceber que mesmo no


pequeno lapso de tempo que ocorreu desde a formação do Brasil e
de suas cidades, demolimos ao invés de tentar manter o que é
importante para sua identidade.
Lembramos que esse fenômeno acontece da mesma maneira no
indivíduo; sua formação depende de suas origens, antecedentes,
educação e regras; quando esses fatores não estão presentes, foram
destruídos ou não fazem parte de suas reminiscências (anamnese),
o indivíduo perde parte de si mesmo. (BARDA, 2009, p. 24)
O Edifício Nicolau Schiesser, de Rino Levi, uma pequena joia arquitetônica
projetada na década de 1930, poderia ter sido um caso de sucesso na preservação
de algo que, mesmo não resguardado por legislações preservacionistas, tivesse seu
valor reconhecido, tanto como objeto singular, como testemunha construída de uma
configuração urbana característica de uma época.
De fato descaracterizado e em estado de conservação sofrível, todavia foi
demolido sem qualquer escrúpulo em nome de um ganho exclusivo para um
pequeno grupo interessado – os proprietários, os incorporadores e os futuros
moradores que, apesar de serem o motivo maior do produto oferecido, pouco ou
nada saberão da história daquele local.
Na Rua Bela Cintra, o mesmo ocorreu com um pequeno conjunto de casas,
em bom estado de conservação, que encontramos retratados no Google Street View
(ver figuras 79 e 80). Não encontramos registros dessas unidades como patrimônio,
nem mesmo sobre o uso que tinham, no entanto, são arquiteturas que
testemunharam a história da cidade.
168

Para além do patrimônio reconhecidamente importante, como é o caso do


Conjunto Nacional, ou mesmo do traçado dos bairros Jardim Europa e América,
Barda (2009) refere-se à arquitetura vernacular - arquitetura anônima, muitas vezes
independente de arquitetos ou engenheiros, que se coloca ao longo do tempo de
modo indireto, mais discreto, menos marcante na paisagem, capazes de exprimir a
realidade e alma da cidade, lado a lado com obras constituídas dentro de um
contexto mais formal. A autora ainda vai além, na criação de um neologismo, o
termo metavernacular; este transcenderia o significado do termo vernacular em si:

Quando se emprega o termo metavernacular, cria-se um neologismo


que transcende o significado do termo vernacular, já que o prefixo
meta exprime uma estrutura cujas ramificações, no caso, seriam as
diferentes realidades de um lugar. [...] Aqui [no Brasil], derrubam
essas construções [metavernaculares] sem dar conta de seu
significado, do quanto constituem-se em referências para criar ou
modificar as relações entre os diversos aspectos do território urbano,
da importância histórica que tem e que vai além dos aspectos
arquitetônicos, físicos e estéticos (BARDA, 2009, p. 22).
No trecho Cidade Jardim não foi nem mesmo possível obter muitos registros
no Google Street View à semelhança do que pudemos obter no Baixo Augusta, dado
que grande parte das transformações ocorreram entre os anos de 2006 e 2011,
portanto, em data anterior aos registros do Street View. O que se sabe é que as
construções anteriores, tendo por referência as construções adjacentes ainda
preservadas, tinham escala muito diferente das que observamos nos novos edifícios.
Estas são as pequenas casas e construções, as chamadas arquiteturas
metavernaculares, um pouco esquecidas na história da cidade, já que esta se
importa cada vez mais com seus grandes marcos. Quantas outras casas como
essas foram demolidas para o lucro de um pequeno grupo? Quanto a cidade tem a
perder com isto? Como é possível que a cidade se beneficie dessas transformações
que tem ocorrido? Wenders (1994, p. 187) nos trás uma visão clara sobre a
preservação desses tipos de lugares:

[...] se perdermos tudo o que é pequeno, perdemos também nossa


orientação, nos tornamos vítimas do que é grande, impenetrável,
superpotente. Deve-se lutar por tudo o que é pequeno e ainda existe.
Aquilo que é pequeno confere ao que é grande um ponto de vista.
[...] Numa cidade, o que é pequeno, vazio, aberto, é a fonte de
energia que nos permite recarregar as forças, que nos protege contra
a hegemonia do que é grande. Nada tenho contra as grandes
construções. Ao contrário: adoro os monolitos, os arranha-céus. Mas,
ao mesmo tempo, eles só são suportáveis e habitáveis quando se
encontra em sua sombra uma alameda com uma pequena loja e um
169

pequeno café que constituam uma alternativa.


Marina Waisman (2003) pontua algo muito importante, que expande a base
conceitual de Barda (2009) e Wenders (1994) que elegemos acima, a respeito do
patrimônio. Waisman pertence à primeira geração de críticos de arquitetura latino-
americanos interessados na constituição de um contexto próprio de interpretação da
história, propondo conceitos instrumentais para a análise da arquitetura a partir de
um ponto de vista latino-americano. É, portanto, uma autora sensível a essas
realidades locais e suas proposições são adequadas no contexto dessa pesquisa.
A autora critica a importação sem crítica de modelos criados em outras
realidades para aplicação imediata na realidade latino-americana; ou seja, importa-
se um conceito do que significa viver no mundo contemporâneo, e aplica-se
diretamente em uma realidade completamente distinta daquela que o originou.
Um dos oito conceitos levantados pela autora em O Interior da História
denomina-se "patrimônio arquitetônico e urbano e centros históricos". A autora se
coloca de modo enfático ao defender uma especificidade muito grande desses
termos na América Latina a partir do momento no qual

Não se pode tentar definir o que se entende por patrimônio se antes


não se determinar qual será o projeto cultural a partir do qual se
valorará o conjunto de objetos que devem ser considerados como
integrantes desse patrimônio. (WAISMAN, 2003, p. 185)
A autora se atém a duas possibilidades de valoração do patrimônio, que são:
valor de consumo e valor de uso, defendendo o último como o projeto a ser adotado
na América Latina, por considerar um melhor instrumento na construção de uma
possível identidade cultural. Considera neste conceito como pontos chave para
análise: o tipo, a relação do edifício com o entorno, a trama urbana, a escala e por
fim o tratamento do patrimônio.
Por extensão desse raciocínio, quanto a conceitos importados e histórias
traduzidas, a autora propõe justamente a não tradução, e no lugar desta, uma
linguagem própria, para uma comunicação com base nos símbolos e signos latino-
americanos.
Há de se levar em conta, porém, que em termos gerais na
contemporaneidade a globalização dos fluxos de informação trás consigo a
globalização das ideias. Essa questão especificamente da contemporaneidade não é
abordada pela autora, porém, sua contribuição é estabelecer as bases, métodos e
formas de reflexão para a consolidação da identidade latino-americana, de modo
170

que em qualquer período ou contexto se tenha plena consciência do que se é.


Muitos dos novos edifícios nos trechos Baixo Augusta e Cidade Jardim, ao
adotarem uma imagem genérica de modernidade, e ao se implantarem em torres
isoladas monofuncionais e sem térreos convidativos ao pedestre - o que se torna
mais grave no caso do Baixo Augusta - na realidade têm ignorado certas
especificidades do entorno no qual se inserem.
A transformação é sim inerente ao desenvolvimento das cidades, o que
colocamos em questão são os critérios eleitos, ou pior nem elencados, no momento
da composição do produto a ser ofertado.
Como coloca Waisman (2003, p. 185), é necessária a definição de um projeto
cultural. No caso de São Paulo, entendemos que este poderia se traduzir em um
contexto que leve tanto o agente executor (incorporadoras, construtoras, arquitetos)
quanto os consumidores (público alvo dos imóveis) a valorizarem a história dos
lugares ao elegerem determinados produtos, mais adequados aos locais nos quais
se inserem, de modo a diversificar (na cidade como um todo) as opções de
habitação e trabalho.
Ou seja, ao invés de invejarmos as cidades europeias, como coloca Barda
(2009), poderíamos compreendê-las e admirá-las em seu contexto, aprendendo com
as intervenções realizadas nelas, tendo em mente, porém, que nossas cidades têm
outras origens, outra idade, outros contextos, ou seja, outra historicidade.
Os valores culturais de uma sociedade também são abordados por Solá-
Morales (2006, p. 254) ao defender que "A relação entre uma nova intervenção
arquitetônica e a arquitetura já existente é um fenômeno que muda de acordo com
os valores culturais atribuídos tanto ao significado da arquitetura histórica como as
intenções da nova intervenção".
Não há, na visão do autor, regras gerais ou permanentes sobre como novas
intervenções devam se colocar em territórios pré-existentes, mas sim a
compreensão caso a caso dos tipos de relações novo-antigo que se estabeleceram
ao longo do tempo. Conforme coloca o autor "O projeto de uma nova obra de
arquitetura não somente se aproxima fisicamente da que já existe, estabelecendo
com ela uma relação visual e espacial, como cria uma interpretação genuína do
material histórico com o qual tem de lidar." (SOLÁ-MORALES, 2006, p. 254).
Nesse sentido, a antiga loja Forma, hoje denominada COD - Creative Official
Design (Avenida Cidade Jardim, 924), é um exemplo paradigmático de intervenção
171

contemporânea preocupada com as questões que vimos apontando. Apesar de


anterior ao período sobre o qual nos debruçamos no capítulo 2 (1987), vale menção
à qualidade de seu projeto. De autoria de Paulo Mendes da Rocha, libera o
pavimento térreo, ocupando apenas o que seria o segundo pavimento das lojas
adjacentes. Para além das qualidades do projeto arquitetônico propriamente dito
(sistema estrutural misto, com empenas em concreto e vigas metálicas), sua
inserção na avenida é de se frisar: no alinhamento e escala das lojas adjacentes,
destaca-se por sua materialidade, causando curiosidade pelo grande vão que
comporta e sua vitrine está na escala da avenida, a meia altura.

Por um lado, a forma prismática elementar, que dá ao edifício grande


intensidade formal e lhe confere destaque por contraste em meio ao
caos visual que caracteriza a avenida Cidade Jardim. Um edifício
mais elaborado formalmente se confundiria facilmente com os seus
vizinhos, impedindo a sua identificação imediata.
Por outro lado, a decisão de criar uma única vitrine, elevada em
relação à rua, garante visibilidade aos objetos à venda do ponto de
vista habitual de quem passa pela loja, quase invariavelmente dentro
de um carro e trafegando à velocidade considerável. (MAHFUZ,
2011).
Obviamente há de se levar em conta que a referida loja é uma intervenção em
uma escala diferente daquela das grandes torres residenciais ou comerciais que tem
sistematicamente demolido edificações de pequeno porte, no entanto, é um
paradigma que no mesmo local no qual há uma obra de tamanha qualidade, se
instalem torres que pouco ou nada se relacionem com o contexto pré-existente.
Assim como Solá-Morales, Montaner (2009, p. 116) também mostra um
caminho para novas intervenções, que se fundamentem em estruturas pré-
existentes, a partir de uma realidade rememorada, afirmando que "[...] a premissa é
de que toda intervenção inteligente na cidade, no território e na paisagem tem a ver
com saber interpretar os palimpsestos escritos sobre a insubstituível matéria dos
solos e das construções; com atualizar certos signos e significados."
É possível identificar tanto na antiga loja Forma, como no MuBE, para
ficarmos em dois célebres exemplos ao longo do eixo da Rua Augusta, a
interpretação dos "palimpsestos escritos". Seja através da liberação do solo e
linguagem limpa no caso do primeiro, ou pela magistral implantação perpendicular à
Avenida Cidade Jardim, destacando-a como eixo através da criação de um edifício
perpendicular à ela, no caso do MuBE, identificamos arquiteturas que reinterpretam
e valorizam o contexto no qual se inserem.
172

Em suma, a questão principal que se coloca nessa pesquisa é a qualidade da


transformação da paisagem da cidade. Peixoto (2004, p. 274) ao investigar a
sobreposição de tempos na cidade coloca que "A majestade da grande cidade se
acompanha da sua decrepitude. É à medida que se destrói que a cidade aflora como
permanência. As paisagens urbanas estão sempre em devir."
Tendo em vista a transformação das cidades como fato inexorável, a
preocupação para além da demolição das "pequenas ilhas" de Wenders (1994), é
justamente o que se coloca no lugar dessas demolições. Lembremo-nos da
demolição de um palacete de Victor Dubugras, que deu lugar ao Conjunto Nacional.
Uma nova permanência que, indubitavelmente, não apenas inseriu-se na metrópole
como se pode dizer, transformou-a, tornando-se ele mesmo um paradigma
atemporal de edifício de uso misto para a cidade.
Nos dias de hoje, e cada vez com maior intensidade, dada a intensidade de
alterações em locais consolidados da cidade de São Paulo:

Trata-se de construir no construído, de criar lugar sem romper com a


paisagem de que se partiu. Um espaço pleno de significado, um
lugar carregado de símbolos da sociabilidade. Uma arquitetura
voltada para a poesia da situação, impregnada pelo entorno,
reinvestida do seu poder de evocação. Tentativa de
reestabelecimento da urbanidade, arquitetura de pequenos gestos e
lembranças: redescoberta da cidade e discrição arquitetônica.
Pressupõem um pertencimento. A arquitetura torna-se transformação
do que está dado, quando o lugar é o fundamento do projeto.
(PEIXOTO, 2004, p. 336).
173

Considerações finais

Figura 121. A sobreposição dos tempos na cidade. Vista a partir da Rua Augusta, altura da
Rua Costa.
Fonte: ACFM, jun/ 2014.
174

O eixo da Rua Augusta insere-se no quadrante sudoeste da cidade de São


Paulo, historicamente o local de maiores investimentos públicos e privados ao longo
do século XX. Este quadrante abriga o deslocamento das centralidades econômicas
e políticas da cidade.
Identificamos quatro momentos de inflexão no deslocamento de
centralidades, quando se nota a sucessão de ocupações no eixo da Rua Augusta. O
primeiro momento de inflexão refere-se ao deslocamento do Centro Velho ao Centro
Novo, através da transposição do Anhangabaú, viabilizado pela construção do
Viaduto do Chá, em 1892.
O segundo momento de inflexão identifica-se na mudança de centralidade da
região central para a Avenida Paulista, que culmina na década de 1950, quando o
centro passa a ser visto como uma totalidade decadente, ocupada pelas camadas
populares, frente à região da Paulista.
O terceiro momento de inflexão é identificado no deslocamento de
centralidade da região da Paulista para a Avenida Faria Lima, tendo por símbolos o
planejamento e construção dos bairros-jardim entre as décadas de 1920 e 1950 e a
decorrente construção do shopping Iguatemi, em 1966. É apenas do ano de 1968,
no entanto, que de fato marca-se no traçado urbano o deslocamento de
centralidade, quando a Rua Iguatemi, atual Avenida Faria Lima, é alargada e
estendida até a Avenida Nove de Julho para abrigar o novo contingente de pessoas
e automóveis que a região passaria a atender.
Identificamos o quarto e último momento de inflexão no deslocamento de
centralidade da Avenida Faria Lima para a Avenida Berrini e Marginal Pinheiros, que
se intensifica com a aprovação da Operação Urbana Faria Lima em 1990. É dessa
década o prolongamento da Avenida Faria Lima, que consideramos um símbolo
desse momento de inflexão, pois conecta essas duas áreas, antes de certo modo
separadas na cidade.
Compreendemos o eixo da Rua Augusta como um fio condutor da mudança
de centralidades acima indicada, representando através de múltiplas morfologias
que o conformam a sucessão da história da cidade. Pode-se dizer que tal
diversidade de morfologias e escalas presentes no eixo da Rua Augusta deve-se ao
fato de ter ficado, por assim dizer, protegido entre as avenidas Nove de Julho e
Rebouças, os outros dois eixos que conectam o Centro à Marginal Pinheiros, pois
175

estes dois são calhas de circulação mais largas, e absorveram ao longo dos anos
grande parte dos fluxos de automóveis e ônibus.
A própria história do deslocamento de centralidades reflete-se no eixo da Rua
Augusta: nele observamos, além do caminhar dos usos cotidianos dos moradores da
cidade, o deslocamento dos clubes e escolas para onde as elites se deslocavam.
O exemplo mais paradigmático é o Club Athletico Paulistano, que se origina
no Velódromo, e se transfere para a região do Jardim América, tornando-se ele
mesmo a primeira ocupação do bairro, justamente demarcando territorialmente seu
início. Outro exemplo é o Colégio Des Oiseaux, que funcionou até a década de 1960
na Rua Augusta, no terreno hoje vago entre as Ruas Caio Prado e Marquês de
Paranaguá, quando suas freiras migraram para o Colégio Madre Alix, no Jardim
Paulistano.
Mesmo com o enorme crescimento da cidade e seu espraiamento ao longo do
século XX, o eixo da Rua Augusta continua a ser representante desse caminho
traçado desde o final do século XIX. Ainda hoje é possível identificar as camadas
como as de um palimpsesto, estabelecido ao longo dos anos, nos sete setores
identificados na pesquisa.
Nas Ruas Martins Fontes e Augusta, casas antigas, muitas bem conservadas,
coexistem com os primeiros edifícios verticais a ocuparem o eixo na década de
1930, e também com edifícios do segundo movimento de sua verticalização, na
década de 1960, impulsionado pela centralidade que então representava a Avenida
Paulista. O traçado da Rua Avanhandava segue a topografia revelada no traçado do
então Ribeirão Saracura. Destaca-se também a presença da antiga garagem de
bondes, na Augusta entre as Ruas Peixoto Gomide e Matias Aires, atual Subestação
AES Eletropaulo, parcialmente conservada.
No caso dos bairros-jardim destaca-se mais a preservação da paisagem
construída como um todo, bem como seu traçado urbano (o que se garante por meio
de seu tombamento) do que a manutenção dos exemplares arquitetônicos tomados
isoladamente. Grande parte do que vemos hoje no eixo não são construções da
época do assentamento do bairro, e quando o são, encontram-se descaracterizadas
pelo extensivo uso comercial que se disseminou pela Rua Colômbia e Avenida
Europa, particularmente para a atividade de showrroms de automóveis de luxo.
No caso do trecho da Avenida Cidade Jardim uma grande marca do tempo é
o limite de um dos meandros do Rio Pinheiros, hoje presente como borda do parque
176

do Povo na atual Rua Brigadeiro Haroldo Veloso; além disso, edificações térreas das
primeiras ocupações após a construção da Faria Lima coexistem com novos e
verticalizados edifícios.
Nessas camadas de tempo sobrepostas no eixo da Rua Augusta, observamos
que mais algumas vêm a se somar: intensas têm sido as transformações ocorridas,
seja através de reformas, ou de demolições, dando lugar a novos empreendimentos.
Nas proximidades da Avenida Paulista, o que se observa são muitas
reformas, que se intensificam no lado jardins da Augusta, entre a Avenida Paulista e
a Rua Estados Unidos. Há uma clara busca das unidades comerciais por manterem-
se atualizadas, particularmente nas proximidades da Rua Oscar Freire. Nos bairros-
jardim, por sua vez, o comércio continua presente e em constante renovação na
extensão do eixo: na Rua Colômbia e Avenida Europa muitas são as reformas nos
showrooms de automóveis, a fim de manterem-se no padrão internacional das
marcas ali expostas.
A alteração na paisagem nesses setores (nas proximidades da Avenida
Paulista e bairros-jardim) se dá não tanto por novas construções, mas
principalmente através da renovação da linguagem dos edifícios. Particularmente no
caso dos bairros-jardim, o gabarito de altura imposto pela legislação de fato impede
que alterações radicais ocorram.
É, todavia, nos extremos do eixo da Rua Augusta que as transformações
recentes mais intensas e de maior porte tem ocorrido: nos trechos que
denominamos Baixo Augusta e Cidade Jardim.
Até recentemente, na última década, o trecho do eixo próximo ao centro
continuava a refletir a decadência pelo qual passou do meio do século XX ao início
do século XXI. São muito recentes os esforços em revitalizá-lo, e estes têm partido
preponderantemente da iniciativa privada através de grandes incorporações
principalmente residenciais, que pouco se importam com a historicidade presente
nesse local.
Tais incorporações e novos projetos de edifícios residenciais estão
associados à centralidade tradicional da Paulista bem como a novas centralidades
locais, surgidas sobretudo com os Shoppings Frei Caneca e Higienópolis, bem como
a novas estações de metrô que tem se instalado na região.
Identificamos na região empreendimentos dotados de ampla infraestrutura de
lazer, cercados por grandes muros, que quando possível voltam seus acessos às
177

ruas transversais ou paralelas à Rua Augusta, negando-a enquanto espaço


efetivamente utilizado pelo pedestre. De modo geral, o produto é composto de
pequenas unidades de um dormitório, agrupadas em grandes quantidades em uma
ou duas torres. A opção por mais de uma torre, mais vantajosa financeiramente, se
dá quando possível pela configuração e dimensão do lote.
Na outra extremidade do eixo da Rua Augusta, no trecho que denominamos
Cidade Jardim, observa-se a construção de enormes edifícios de altíssimo padrão,
que continuam a ser lançados, havendo, portanto, mercado para estes;
empreendimentos cujas unidades atingem 800m² e contam com 12 vagas na
garagem cada uma atingem o público alvo do bairro. É, portanto, um local das elites.
As novas intervenções aparentemente tendem à homogeneização dos
espaços da cidade, do ponto de vista morfológico, através de torres monofuncionais
isoladas nos lotes por meio de recuos – o que é permitido e incentivado pelos limites
das legislações - como também do ponto de vista da arquitetura desses novos
edifícios. Linguagem arquitetônica e programas tendem a ser genéricos e
influenciados por modismos, incluindo-se este mesmo desejo de estar na moda por
parte dos cidadãos que, mais do que futuros moradores ou usuários dos edifícios e
dos bairros, são consumidores do mercado imobiliário.
Há, portanto, uma questão cultural a ser resolvida, que se reflete claramente
nos produtos lançados, seja através da linguagem arquitetônica ou do programa dos
edifícios, tanto pelo lado incorporador, como pelo lado consumidor. O mercado,
afinal, só lança o produto que será rentável, e o consumidor só adquire aquilo que
entende como condizente com o modelo da vida metropolitana.
Um dos fatores mais graves das novas incorporações, porém, é o fato de que
os empreendedores na grande maioria das vezes ignoram as pré-existências dos
locais nos quais implantam seus empreendimentos. As pré-existências aqui são
entendidas não apenas no âmbito arquitetônico (do qual o mais icônico é a
demolição do edifício Nicolau Scheisser, obra de Rino Levi, na Rua Augusta entre as
Ruas Peixoto Gomide e Dona Antônia de Queirós), como também do ponto de vista
dos modos de vida estabelecidos ao longo das décadas no lugar.
Waisman (2003) propõe que o entendimento de patrimônio de uma sociedade
parta da elaboração de um projeto cultural, através do qual é possível identificar e
valorar quais objetos serão integrantes desse patrimônio. Nesse sentido, indaga-se:
que projeto cultural temos buscado estabelecer como cidadãos e moradores de São
178

Paulo, e de cada um de seus bairros, com tantas e tamanhas demolições na cidade


que nossos antepassados ajudaram a construir?
Como vimos ao longo da pesquisa, a transformação é um fator inexorável. No
entanto, procuramos fundamentar com o presente estudo histórico e com a análise
dos novos empreendimentos inseridos nas paisagens pré-existentes, em dois
trechos bastante específicos da cidade, que aparentemente nos falta um projeto do
que queremos para o futuro de São Paulo.
Nesse sentido, temos como grande exemplo o Conjunto Nacional, símbolo da
vida na metrópole com seus diversos usos e permeabilidade ao pedestre, cujo
terreno abrigava anteriormente uma residência de autoria de Victor Dubugras,
demolida para a construção da obra de Libeskind. Qualquer tipo de edifício poderia
ter sido construído, contudo, havia no imaginário do arquiteto uma concepção de
cidade, que como vemos, permanece constantemente inserida na trama e nos
modos de vida da cidade, ao longo das gerações.
Esperamos que a presente pesquisa, ao explorar principalmente sob o ponto
de vista morfológico as transformações recentes em um dos eixos mais
consolidados da cidade, buscando estabelecer um diagnóstico da situação atual,
possa contribuir para uma relação mais equilibrada e consciente entre as novas
construções e as morfologias pré-existentes, tendo em mente que para além da
forma arquitetônica, o que está em jogo é o próprio desenho de cidade e seus
consequentes modos de vida, que deixaremos como legado às futuras gerações.

 
179

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