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Jossias Agostinho Bakala

A educação como fundamento da liberdade: uma reflexão crítica da pedagogia


opressora em Paulo Freire

(Licenciatura em ensino de Filosofia com habilitações em Ética)

Universidade Pedagógica

Nampula

2019
ii
9

Jossias Agostinho Bakala

A educação como fundamento da liberdade: uma reflexão crítica da pedagogia


opressora em Paulo Freire

Monografia Científica a ser apresentada ao


Departamento de Ciências Sociais e filosóficas da
Universidade Pedagógica, Delegação de Nampula para
efeitos de obtenção do grau académico de Licenciado
em ensino de Filosofia com habilitações em Ética,
Supervisor:
Dr. Jacó Braz

Universidade Pedagógica

Nampula

2019
Índice

Declaração de Honra……………………………………………………………………………....v

Dedicatória…………………………………………………………………..……………………vi
Agradecimento………......……………………………………………………………………….vii
Resumo………………………………………………………….........………………………….viii
Introdução ........................................................................................................................................ 9

CAPÍTULO I: VIDA, INFLUÊNCIA E OBRAS DE PAULO FREIRE ...................................... 12

1.1. Vida ........................................................................................................................................ 12

1.2. Influência ................................................................................................................................ 13

1.3. Obras ....................................................................................................................................... 14

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO OPRESSORA VERSUS EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA ................ 17

2.1. Conceptualização .................................................................................................................... 17

2.2. A pedagogia ............................................................................................................................ 17

2.3. Educação ................................................................................................................................. 17

2.4. A Educação tradicional (opressora) e suas características ..................................................... 17

2.5. A crítica de Paulo Freire à educação tradicional (opressora) ................................................. 20

2.6. Principais características da opressão ..................................................................................... 22

2.6.1. A conquista .......................................................................................................................... 22

2.6.2. A divisão .............................................................................................................................. 22

2.6.3. Manipulação ........................................................................................................................ 23

2.6.4. A invasão cultural ................................................................................................................ 23

2.7. A educação libertária .............................................................................................................. 23

2.7.1. O diálogo como fundamento da educação libertária ........................................................... 24


9

2.7.2. As etapas do diálogo para uma educação libertária ............................................................. 26

2.7.2.1. Investigação ...................................................................................................................... 26

2.7.2.2. Tematização ...................................................................................................................... 27

2.7.2.3. Problematização................................................................................................................ 28

2.8. Principais características da libertação ................................................................................... 28

CAPÍTULO III: VISÃO CRÍTICA DA PEDAGOGIA TRADCIONAL ..................................... 29

3.1. A concepção pedagógica de Ivan Illich .................................................................................. 29

3.1.1. Redes de aprendizagem para nova escola............................................................................ 31

3.2. Visão pedagógica de Carl Rogers ........................................................................................... 32

3.2.1. Princípios de aprendizagem ................................................................................................. 33

3.3. A concepção pedagógica de John Dewey............................................................................... 34

3.3.1. Democracia e educação ....................................................................................................... 35

CAPÍTULO IV: A EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE – EM BUSCA DE UMA PEDAGOGIA


LIBERTÁRIA ............................................................................................................................... 37

4.1. Breve itinerário da educação em Moçambique ...................................................................... 37

4.2. A origem do conteúdo programático ...................................................................................... 39

4.3. A língua oficial como um instrumento de exclusão ............................................................... 41

4.4. A pedagogia libertária como base da educação para responsabilidade .................................. 44

Conclusão ...................................................................................................................................... 47

Biliografia………………………………………………………………………………………...49
v

Declaração de Honra

Declaro que esta Monografia é resultado da minha investigação e das orientações do meu
supervisor, Dr. Jacó Braz. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão
devidamente mencionadas no texto e na bibliografia final.

Declaro, ainda, que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para a
obtenção de qualquer grau académico.

Nampula, 05 de março de 2019

____________________________________________

(Jossias Agostinho Bakala)


vi

Dedicatória

Aos meus pais, Agostinho Bakala e Doroteia Rafael.


vii

Agradecimentos

Agradeço a Deus pela vida e saúde; ao meu Supervisor, Dr. Jacó Braz, que acompanhou todo
processo de elaboração da minha monografia, tendo tornado possível a concretização do meu
sonho. Ao corpo docente do Curso de Licenciatura em ensino de Filosofia que incansavelmente
transmitem os seus conhecimentos. Aos meus pais (Agostinho Bakala e Doroteia Rafael), pelo
apoio que me deram durante todo o processo da minha formação. Agradeço, também, aos meus
colegas e amigos que directa ou inirectamente contribuiram para minha formação.
viii

Resumo
O trabalho tem como tema “A educação como fundamento da liberdade: uma reflexão crítica da
pedagogia opressora em Paulo Freire”. O tema surge devido aos problemas que se verificam no
campo da educação. Hoje, há sinais que denunciam a existência de alguns fragmentos da
pedagogia opressora nas escolas. Como objectivo geral, pretende-se: reflectir até que ponto a
educação é um instrumento da liberdade. No que concerne aos objectivos específicos, pretende-
se: explicar as contradições entre a pedagogia opressora e a pedagogia libertária; identificar os
obstáculos que impedem a transição da pedagogia opressora para a pedagogia libertária; propor
alternativas para a edificação da pedagogia libertária. A preocupação central de Freire é a de
fazer uma reforma a nível do campo da pedagogia. A pedagogia antiga estava centrada no
educador. Este era visto como aquele que tudo sabia, por isso, devia transmitir o conhecimento,
um conhecimento acabado e inquestionável, e que não se relacionava com a realidade em que os
educandos estavam inseridos. E o educando, sendo aquele que nada sabia, a sua missão era a de
simplesmente decorar ou reproduzir mecanicamente o que lhe era transmitido pelo educador. Esta
atitude não soou bem nos ouvidos de Freire, o que fez com que este dirigisse duras críticas àquela
pedagogia. No entender do pedagogo brasileiro, é injusto se conceber os educandos como
indivíduos passivos no processo de educação, porque sendo sujeitos com experiências de vida, os
educandos têm algo a dizer para transformar o mundo, todos homens têm direito de dizer algo, de
contribuir para a mudança. A imposição do conhecimento na educação tradicional não passa de
uma forma de retirar aos educandos o seu direito de contribuir para a transformação do mundo.
Freire identifica a pedagogia libertária como solução para a libertação dos educandos. Esta
pedagogia fundamenta-se no diálogo, alicerçado no amor, na humildade e na fé nos homens. Com
esta pedagogia não haverá espaço para transmitir o conhecimento, mas o conhecimento passará a
ser produzido por todos intervenientes da educação (educador e educando). A pedagogia
libertária apresentada por Freire, não se limita apenas em dizer o que se deve aprender, mas ela
questiona aos educandos o que querem aprender, na medida em que os envolve na busca do
conteúdo programático.
Palavras-Chave: Pedagogia, Educação, Diálogo, Libertária.
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Introdução
O trabalho tem como tema: A educação como fundamento da liberdade: uma reflexão crítica da
pedagogia opressora em Paulo Freire. O trabalho tem como objectivo geral: reflectir até que
ponto a educação é um instrumento da liberdade. E tem por objectivos específicos: explicar as
contradições entre a pedagogia opressora e a pedagogia libertária; identificar os obstáculos que
impedem a transição da pedagogia opressora para a pedagogia libertária; propor alternativas para
a edificação da pedagogia libertária.

Paulo Freire foi um renomado filósofo com grande importância na Filosofia da educação, as suas
ideias sobre a educação o tornaram grande pensador de quase todos os tempos. Neste trabalho
procura-se fazer uma interpretação das suas ideias. Freire foi um crítico da pedagogia tradicional,
a que ele chamou de pedagogia bancária. Na pedagogia tradicional, o estatuto epistemológico do
educador era o de um sábio e o de aluno era o daquele que nada sabe, cabendo-lhe apenas beber
sem margem de dúvidas o que o educador ditava. Apesar de um suposto abandono, nas escolas
actuais há fragmentos da pedagogia tradicional, daí que, o tema surge na tentativa de responder a
seguinte questão: porque razão os educandos são considerados objectos passivos e não sujeitos
activos no processo da educação?

O trabalho resultou da leitura e interpretação de várias obras, as quais constam nas referências
bibliográficas, e está estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo, proponho apresentar
a “vida, influência e obras de Paulo Freire”. No segundo capítulo, “educação opressora versus
educação libertária”. Apresentamos a diferença existente entre a educação tradicional e educação
moderna. A educação tradicional (opressora) e moderna (libertária) marcaram bastante a história
da pedagogia, em ambas o que se pretendia era construir uma sociedade melhor onde o
humanismo ou bem-estar seria bússola da vida. Refira-se que na educação tradicional o
conhecimento era transmitido pelo professor e o aluno apenas recebia e não podia indagar.

Com andar do tempo, a pedagogia dos depósitos que vigorava na educação tradicional ou
opressora, veio a cair por terra, depois de se ter percebido que todos os homens têm algo a dizer,
portanto os educandos não podem ser meros passivos, devem ser sujeitos activos. Aliás, dizer a
palavra não deve ser direito de um grupo de pessoas, mas sim direito de todos. Todos têm algo a
dizer para transformar o mundo. É a partir deste pressuposto que emergiu a educação moderna ou
libertária que funciona na base de uma pedagogia de comunicação.
10

No capítulo três, intitulado “visão crítica da pedagogia tradicional”, trouxemos as concepções


pedagógicas de alguns filósofos, como Ivan Illich, John Dewey e Carl Rogers, este último é um
psicoterapeuta. No que concerne ao primeiro, nas suas reflexões em volta da pedagogia, Illich
identifica a escola como um mega opressor. Para Illich, a escola não passa de uma instituição
alienante, que cria um espírito de dependência nas pessoas. Nesta instituição faz-se confusão de
quase tudo, confunde-se aprendizagem com ensino, diplomas com competência, entre outros
aspectos. Os professores aparecem como peritos em matéria de ensino, o que constitui uma
falácia, uma vez que são várias as pessoas que aprendem sem chegar na escola, aprendem até
mesmo conteúdos que a escola pretende ensinar. Na visão de Illich, a escola inventa necessidades
que só ela em algum momento pode resolver para garantir a sua existência.

É a partir desse pressuposto que Illich acredita que as pessoas podem aprender por meio de rede
de contactos sem precisar chegar na escola, onde em algum momento aprendem coisas que não
precisam e com pessoas ou professores que não gostam. O filósofo, que não acredita na
possibilidade da escola libertar alguém, entende que a desescolarização da sociedade deve iniciar
com os indivíduos que passaram na escola. Aliás, para este, não é só a educação que está
escolarizada, mas toda sociedade, e a libertação passa necessariamente por aquilo que ele chama
de desescolarização da sociedade.

Por outro lado, encontramos as ideias pedagógicas de Rogers. O psicoterapeuta exalta a figura do
professor que, para ele, é um indivíduo cujo seu papel é fundamental na educação, por isso, este
deve ser sincero, verdadeiro; o professor deve ser ele mesmo, nunca pode fingir ser o que não é,
sob o risco de hipotecar o acto educativo.

Rogers não pretende defender que o professor, sendo uma figura crucial, deve dissertar ou impor
as suas ideias aos alunos, pelo contrário, o professor deve ser um facilitador, não pode impor o
conhecimento, mas deve facilitar a produção do mesmo. O educando, neste caso, deve ter a auto-
iniciativa de buscar o conhecimento, o educador não pode ser o dono do processo educativo, as
responsabilidades naquele processo devem ser partilhadas entre o educador e os educandos.

No que concerne a origem do conteúdo, Rogers entende que a educação ou conteúdos de um acto
educativo devem mexer com a sensibilidade das pessoas envolvidas, daí que, estes não podem ser
desvinculados da realidade em que os educandos vivem. A pedagogia ou educação deve estar
centrada na pessoa.
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Não obstante ao leque das críticas, Dewey, filósofo pragmatista, defende uma educação
funcional. As pessoas devem aprender fazendo. A pedagogia tradicional levava as pessoas a um
isolamento, o que constitui um erro gravíssimo. Os conteúdos eram avessos à realidade dos
educandos. No entender de Dewey, não se pode atingir objectivos de uma educação enquanto os
conteúdos são uma imposição do professor, portanto, é preciso se respeitar a visão dos
educandos, o que não significa reduzir a figura do professor e para tal deve-se implantar uma
sociedade democrática.

No quarto e último capítulo, intitulado “a educação em Moçambique – em busca de uma


pedagogia libertária”, vamos fazer uma análise em volta da educação moçambicana. O sistema
educativo moçambicano vem, desde o período pós-independência, sofrendo várias metamorfoses
cujo principal objectivo é o de adequar a educação em função da realidade. Apesar disso, o país
não tem sido muito feliz com as reformas, uma vez que os objectivos não têm sido alcançados,
pelo menos na totalidade. Os mais pessimistas chegam a dizer que a nossa educação, hoje, é pior
que a do tempo colonial, mas nós olhamos de forma positiva essa vontade de dinamizar alguns
aspectos no campo da educação, pois isto revela que estamos cientes da imperfeição do nosso
sistema, mas é notório a busca incessante da educação libertadora.

Supõe-se que o mundo atingiu ou alcançou uma educação que se desejava depois do falimento da
pedagogia tradicional. Mas, a educação libertária (a educação actual, a pedagogia moderna, a
escola nova, etc), carrega alguns fragmentos da educação antiga a que supostamente foi
abandonada, isto é mais visível pelo menos nos países do terceiro mundo, talvez se deve às
condições em que os estabelecimentos educacionais se encontram. Isto, porém, nos faz pensar
que há dificuldade de nos livrarmos do passado, talvez Marx teve razão ao ter afirmado que a
“tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.
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CAPÍTULO I: VIDA, INFLUÊNCIA E OBRAS DE PAULO FREIRE


No presente capítulo o autor pretende desenvolver o percurso de vida de Paulo Freire, para
melhor se perceber o seu pensamento.

1.1. Vida
Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, em Recife. Filho de Joaquim
Temístocles Freire, nascido no rio-grandense-do-norte e sargento de exército, e de Edeltrudes
Neves Freire, dona de casa, bordeira e pernambucana. Seu nome foi invenção do pai, deveria ser
Re-gu-lus, mas houve erro no cartório. Já na adolescência, começou a ser conhecido como Paulo
Freire (Cfr. GADOTTI, 2004:17).

Paulo Freire aprendeu a ler com os pais, à sombra das árvores do quintal da casa em que nasceu.
Sua alfabetização partiu de suas próprias palavras, palavras de sua infância, palavras de suas
práticas como criança, de sua experiência, e não da experiência dos pais, facto que influenciaria
seu trabalho, anos depois. Seu giz, nessa época, eram os gravetos da mangueira em cuja sombra
aprendia a ler, e seu quadro quadro-negro era o chão. A informação e a formação se davam num
espaço informal, antecedendo e preparando-o para o período escolar. Era pré-escolar vivido,
livre, despretensioso. Freire viveu uma crise que forçou a sua família a se mudar para Jaboatão, a
18 km do Recife, onde parecia ser menos difícil sobreviver. Tinha 13 anos quando perdeu o pai.
Com todos esses problemas, seus estudos primários foram adiados. O que fez com que ele
entrasse no ginásio com 16 anos, quando seus colegas tinham 11 ou 12 (idem).

Freire teve sempre grande dificuldade para assimilar a qualquer tipo de educação formal. Mas
começou a dar aulas cedo, na época em que ainda fazia os estudos secundários. Sua mãe formou-
o na religião católica, influência que marcaria tanto a sua prática. Tinha 20 anos quando
conseguiu uma vaga na Faculdade de Direito do Recife. Nessa época, conheceu Elza Maia Costa
de Oliveira, professora primária, alfabetizadora, com quem se casou. Foi Elza quem o estimulou
a se dedicar aos estudos, de forma sistemática, chegando até mesmo a colaborar no método que o
tornou conhecido (ibidem, p. 18).

Em 1946, morando novamente em Recife, Paulo Freire começou a trabalhar no SESI –Serviço
Social da Indústria, onde permaneceu durante oito anos. No SESI, Freire aprendeu a dialogar com
a classe trabalhadora, a compreender a sua forma de apreender o mundo, através de sua
13

linguagem. Foi aí, aprendendo na prática, que se tornou um educador. E foi praticando que ele
aprendeu algo de que nunca se afastaria (pensar sempre na prática).

Foi director do Serviço de Educação do SESI e coordenou os trabalhos dos professores com as
crianças, além de trabalhar com as famílias delas. Nesses círculos, no exercício das relações entre
escolas e as famílias, foi aprendendo que não era com um discurso abstrato que se pode
sensibilizar um pai concreto, que bate num filho real, numa situação concreta. No SESI, Paulo
Freire ficou encarregado de estudar as relações entre alunos, mestres e pais de alunos. É aí que se
encontram as raízes de sua atitude pedagógica anti-elitista e anti-idealista. Paulo Freire atribuía
seus problemas a diferença entre sua linguagem culta e a linguagem popular dos trabalhadores. O
estudo da linguagem do povo foi, então, o ponto de partida para o aperfeiçoamento de seus
trabalhos em educação popular e para a evolução de sua pedagogia (ibidem, p. 21).

Freire foi reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa através de numerosas
homenagens. Além de ter seu nome adotado por muitas instituições, é cidadão honorário de
várias cidades no Brasil e no exterior. Paulo Freire foi outorgado o título de doutor Honoris
Causa por vinte e sete Universidades. Por seus trabalhos na área educacional, recebeu, entre
outros, os seguintes prêmios: “Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento” (Bélgica, 1980);
“Prêmio UNESCO da Educação para a Paz” (1986) e “Prêmio Andres Bello” da Organização dos
Estados Americanos, como Educador do Continentes (1992). No dia 10 de abril de 1997, lançou
seu último livro, intitulado “Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa”.
Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997 em São Paulo (idem).

1.2. Influência
Paulo Freire foi influenciado pelos acontecimentos do seu país. Um dos grandes episódios que
influenciou o pensamento pedagógico de Freire registou-se entre a década 50 e início da década
60 quando as classes populares entraram no cenário político. Nesta época, grupos militantes de
diferentes orientações, entre eles os católicos radicais, empreenderam uma mobilização popular,
consequência do populismo e do nacionalismo daquele tempo. Naquela altura, uma serie de
factos importantes estava em andamento. A campanha de alfabetização se inseria num contexto
social em que tinham lugar as reformas de base e cresciam as ligas camponesas (Cfr. GADOTTI,
2004:57).
14

Devido a existência de terras ociosas, Freire assistiu uma revolta popular levada a cabo
principalmente pelos trabalhadores rurais, organizados nas ligas camponesas, que eram na altura
associações sindicais muito ativas no interior do Nordeste. Os trabalhadores revindicavam porque
não achavam justo existir terrenos baldios enquanto há trabalhadores sem terra.

Com aquela situação, os lideres populistas começaram a perder o controle ou a capacidade de


manipulação das revindicações das massas, cuja mobilização passou dos limites urbanos e
alcançou as áreas rurais, que eram marginalizadas. E como resposta, os grandes senhores de
terras, que, pela primeira vez desde o descobrimento do Brasil, viam seu poder ser questionado,
veio esmagadora, com suporte de aliados estrangeiros, sob a forma do golpe militar de 1964
(ibidem, p. 59).

Paulo Freire teve uma prisão injusta em algum momento, a prisão também o influenciou. Foi na
cadeia que, ele teve ainda maior clareza a respeito da relação entre educação e política,
confirmando a sua tese de que a mudança social teria de partir das massas e não de indivíduos
isolados, esta posição podemos encontrar em quase todas as suas obras.

No chile, Paulo Freire também teve experiências que influenciaram bastante o seu pensamento.
Naquele país, Freire dedicou-se principalmente ao trabalho de formação de adultos camponeses.
E la, verificou que, com a modernização capitalista do trabalho no campo, apesar de adquirirem
mais conhecimentos, os camponeses continuavam a ser explorados. De seguida, Freire propôs
uma reforma educativa que objectivava a transformação das relações de trabalho, através da
tomada de consciência, pelas populações rurais, da exploração do seu trabalho. Ainda no Chile, o
pedagogo aprendeu com as diferenças culturais, a virtude política essencial que faltava no seu
país, que é a tolerância, principalmente em relação a outras culturas, uma vez que não há cultura
melhor que a outra (ibidem, p. 63).

1.3. Obras
Paulo Freire é autor de várias obras, dentre as quais destacamos: Educação como prática da
liberdade (1965); Pedagogia do oprimido (1968); Extensão ou comunicação (1988); Educação e
mudança (1979) e Acção cultural para a liberdade (1970).

Educação como prática da liberdade (1965): esta obra resulta das ideias divulgadas em vários
artigos, conferências, seminários, dentro do contexto do processo do desenvolvimento económico
15

e do movimento de superação da cultura colonial. Nesta obra, o autor procura mostrar o papel
que a educação pode desempenhar na construção da sociedade aberta. A categoria-chave nesse
livro é a conscientização, que constitui um processo de libertação, pela consciência dominada, da
influência exercida pela consciência do dominador. A consciência dominada hospeda dentro dela
o dominador, e o processo de conscientização é um processo de libertação desse hóspede (Cfr.
GADOTTI, 2004:53).

Pedagogia do oprimido (1968): nesta obra Freire evidencia os mecanismos opressivos da


educação capitalista. Inicia pela discussão da constituição histórica da consciência dominada e
sua relação dialéctica com a consciência dominadora. É a obra teórica mais importante de Freire,
pois cobre tudo o que ele dissera, até então, a respeito de educação, além de ser a mais extensa. A
sua análise apoia-se no pensamento dialético, na unidade entre a subjectividade e a objectividade,
entre o passado e o futuro, entre o conhecimento anterior e o conhecimento novo. Para ele, a
sectarização é própria dos reaccionários e radicalização é própria do revolucionário (idem).

Extensão e comunicação (1988): nesta obra, Freire analisa a comunicação entre o técnico e o
camponês, no desenvolvimento da sociedade agrária, que se estava criando. Discute a reforma
agrária e a mudança, opondo os conceitos “extensão cultural e comunicação cultural”, e
mostrando que a primeira proposta é invasora enquanto a segunda é conscientizadora. Assinala
que a acção educadora do agrónomo, como a do professor, deve ser a da comunicação, se ele
pretende atingir o homem. Para Freire, só aprende aquele que é preenchido por outros com
conteúdos que contradizem sua própria forma de estar no mundo. Que o agrónomo-educador que
não conhece a visão de mundo do camponês não pode mudar-lhe a atitude (idem).

Entretanto, Freire procura acentuar os princípios e a fundamentação de uma educação como


prática da liberdade que não se reduz à meta capacitação técnica, mas inclui o esforço do homem
em se decifrar.

Educação e mudança (1979): outra obra bastante importante, aqui, Paulo Freire discute o papel
do intelectual e do técnico, mostrando que, se por um lado toda transformação radical implica
uma vanguarda lúcida, é preciso, por outro lado, que tal transformação se nutre no diálogo, com
as massas populares e que as conheça, para que, com elas, possa realizar o que é historicamente
viável. Freire vai mais além, e crítica ainda o falso dilema entre humanismo e técnica, no seu
16

entender, uma educação que se oponha à capacitação técnica dos indivíduos é tao ineficiente
como a que se reduz à competência técnica sem uma formação geral humanista (ibidem, p. 55).

Acção cultural para a liberdade (1970): sendo defensor de uma educação dialógica, nesta obra
Freire mostra a impossibilidade de um dialogo autêntico entre antagonistas, uma vez que o
diálogo supõe igualdade de condições e reciprocidade. Implicitamente, o autor faz uma crítica
referindo-se sobretudo às relações neocolonizadoras existentes entre os países-mães do primeiro e
os países do chamado terceiro mundo (idem).
17

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO OPRESSORA VERSUS EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA


No segundo capítulo o autor propõe-se apresentar a visão pedagógica de Paulo Freire. De igual
forma, pretende-se mostrar as características da educação opressora e características da educação
libertária.

2.1. Conceptualização
2.2. A pedagogia
O termo “pedagogia” vem do grego, onde pais, paidós significa criança; agein – conduzir e logos
– ciência. Na Grécia antiga, eram chamados de pedagogo escravos que acompanhavam as
crianças nas escolas. Estes eram submissos a crianças, mas tinham que fazer valer a sua
autoridade quando necessária, por esse motivo, esses escravos desenvolveram grandes
habilidades no trato com as crianças. Hoje, é chamado de pedagogo pessoa especialista em
assuntos educacionais. A pedagogia possuí vários conceitos, talvez estes (conceitos) variam de
época para época, mas aqui importa-nos trazer o conceito moderno, no qual a pedagogia é a
filosofia, ciência e a técnica da educação (Cfr. PILETTI, 2004:39).

2.3. Educação
A educação, em princípio, é um processo de modificação das aptidões dos indivíduos e ela
decorre em todos momentos, tanto na escola (educação formal) assim como na comunidade
(educação informal). Para Platão e Pitágoras, a educação é um “conjunto dos processos
geralmente dirigidos pelos adultos que voluntária e intencionalmente, desenvolvem as
potencialidades do ser humano para o levar a desempenhar um papel activo e responsável na
sociedade em que vive” (PLATÃO & PITÁGORAS Apud GOSST, 2000:168).

Para Dewey (1959:354) “a educação é o processo da renovação das significações da experiência,


por meio da transmissão, acidental em parte, no contacto ou no trato ordinário entre os adultos e
os mais jovens, e em parte intencionalmente instituída para operar a continuidade social”.

2.4. A Educação tradicional (opressora) e suas características


A educação tradicional surge com o aparecimento dos Sistemas Nacionais do Ensino no século
passado, mas esta só veio a atingir maior força e abrangência nas últimas décadas do século XX.
Alicerçada na ideia de que a educação é direito de todos e dever do estado, a educação tradicional
aparece com a intenção de construir uma sociedade democrática e consolidar a democracia
burguesa com vista a superar a opressão que se vivia naquele momento e, consequentemente,
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ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado livremente entre os


indivíduos. E para tal, entendeu-se que era preciso libertar os indivíduos da ignorância (Cfr.
SAVIANI, 1991:5).

A escola foi identificada como um espaço peculiar para a resolução do problema acima indicado,
ou seja, identifica-se o ensino como a base para transformar os ignorantes súbditos em cidadãos
livres e/ou esclarecidos. Neste caso, a escola surge como um antídoto da ignorância, o papel desta
era a de difundir ou transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados
logicamente. Refira-se que, na educação tradicional a escola aparece como uma agência centrada
no professor, a este (professor) cabia-lhe transmitir o conhecimento aos alunos, e os alunos
apenas cabia-lhes assimilar os mesmos. Na educação tradicional,

O educador é o que educa; os educandos, os que são educados; o


educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o
educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o
que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o
educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o
educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que
seguem a prescrição; o educador é o que atua; os educandos, os que
têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; o educador
escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos
nesta escolha, se acomodam a ele; o educador identifica a
autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe
antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-
se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do
processo; os educandos, meros objetos (FREIRE, 1987:35).
Como podemos ver, na educação tradicional a relação entre os alunos e professores era
meramente a de um dissertador e um ouvinte. O professor neste caso aparece como aquele que
sabe, daí que, este doa o seu conhecimento aos que não sabem (alunos). O professor faz uma
narração que conduz os alunos à uma memorização mecânica do conteúdo por ele narrado, ou
seja, este trata os alunos como se fossem recipientes vazios que precisam de ser enchidos ou
depositados algo. Na referida educação, o essencial era ter um professor bem preparado para
expor as lições e aplicar os exercícios para os alunos realizarem disciplinadamente. Aliás, uma
das principais características da educação tradicional “é a sonoridade da palavra e não sua força
transformadora, isto é, o educando é obrigado a fixar, memorizar e repetir o que o educando diz,
sem perceber o real significado” (ibidem, p. 33).
19

A pesar de tanto esforço, a educação tradicional não foi capaz de lograr os seus intentos, porque
mais tarde seguiu-se uma enorme decepção, por ela não ter conseguido realizar o seu desiderato
de universalização, isto é, nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre
eram bem-sucedidos, ainda se deparou com situações em que nem todos os bem-sucedidos se
ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. Desta forma, começaram a surgir duras
críticas para aquela forma de educação, que depois foi supostamente abandonada e passou a ter
nomenclaturas como escola tradicional, educação tradicional ou opressora, etc.

Neste caso, o termo tradicional refere-se a concepções pedagógicas formuladas e sistematizadas


do século XIII à segunda metade do século XIX. No que tange à pedagogia tradicional, esta
inclui concepções de educação onde prepondera a acção de um agente externo na formação do
aluno, o primado do objecto de conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição, o
ensino como impressão de imagens ora propiciada pela linguagem ora pela observação sensorial
(Cfr. NOT, 1981:16-17).

Mesmo com as insurgências, a educação tradicional resistiu até nos nossos dias, talvez com uma
roupagem diferente, nas nossas escolas há miuçalhos da escola ou então educação tradicional.
Como podemos ver,

Na escola tradicional uns receberam mais educação do que outros


[…]. O iluminismo educacional representou o fundamento da
pedagogia burguesa, que até hoje insiste, predominantemente na
transmissão de conteúdos e na formação social individualista. A
burguesia percebeu a necessidade de oferecer instrução, mínima,
para a massa trabalhadora. Por isso, a educação se dirigiu para a
formação do cidadão disciplinado. O surgimento dos sistemas
nacionais de educação, no século XIX, é o resultado e a expressão
que a burguesia, como classe ascendente, emprestou à educação
(GADOTTI, 1995:90).
A educação tradicional, a pesar de forma desapercebida ainda prevalece nos Sistemas de Ensino
actuais, a ideia da universalização de educação acima referida, não passou de mera utopia, uma
vez que nem todos os indivíduos tiveram ou têm acesso à educação, e os que têm não saem com a
mesma qualidade. Apenas alguns países do ocidente é que conseguiram marcar passos um pouco
positivos com esta teoria da educação. Em continentes como a África, ainda se enfrenta grandes
dificuldades na execução das técnicas modernas no campo educativo. A escassez de material
didáctico, a baixa qualidade de formação dos professores, entre outros aspectos, pode estar na
20

lista dos factores que imperam a permanência da educação tradicional nos países africanos em
geral, com particular enfoque para Moçambique.

2.5. A crítica de Paulo Freire à educação tradicional (opressora)


A educação tradicional ou simplesmente opressora foi severamente criticada por vários filósofos,
uma vez que esta tem como essência a transmissão de conteúdos de forma final, onde o educador
ou simplesmente professor é concebido como um sabichão e o educando como aquele que nada
sabe, e em virtude disto, este tem como missão capitar ou reproduzir de forma mecânica aquilo
que o seu mestre o transmite.

Nesta forma de educação, cuja finalidade é a de manter fronteiras entre os que sabem e os que
não sabem, o educador aparece como um agente indiscutível, ele é o sujeito da história, o seu
papel assemelha-se à do Deus da idade medieval que manejava os homens. Aqui, o pequeno Deus
deposita nos educandos conteúdos que são avessos e retalhos da realidade em que são
transmitidos, ou seja, o educador transmite conteúdos disconectados com a realidade em que os
alunos ou educandos estão inseridos. De acordo com Freire (1987:33),

A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que


devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada
e alienante. Dai que seja mais som que significação e, assim,
melhor seria não dizê-la. Por isto mesmo é que uma das
características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da
palavra e não sua força transformadora. […] A narração, de que o
educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização
mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta
maneira, a educação se torna um acto de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar
de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam
e repetem.
A partir da citação acima, podemos notar que na educação opressora, a que Freire preferiu
chamar de bancária, a única margem de acção que se oferece aos educandos é a de receberem os
conteúdos de forma passiva guardarem e/ou arquivarem para posteriormente reproduzirem. Na
visão de Freire, não são apenas os conteúdos que são arquivados; o filósofo entende que os
21

grandes arquivados na verdade são os homens, isto é, o educador e os educandos se arquivam na


medida em que, naquela que ele considera destorcida visão da educação, não há criatividade, não
há transformação, não há saber. O saber só existe na invenção, na reinvenção, na busca inquieta,
impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.

O repasse ou transmissão de conhecimento de forma cabal, funda-se numa das manifestações


instrumentais da ideologia da opressão, que é neste caso a absolutização da ignorância, ou seja,
alienação da ignorância, que encontra-se sempre no outro. Portanto, no contexto da educação
tradicional, o outro (ignorante) era sempre o educando, e o educador que alienava a ignorância, se
mantinha em posições fixas, invariáveis, aparecia como um sábio infalível e o educando aparecia
como aquele que sempre nada sabia.

A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como


processos de busca. O educador se põe frente aos educandos como
sua antinomia necessária. Reconhece, na absolutização da
ignorância daqueles a razão de sua existência. Os educandos,
alienados, por sua vez, à maneira do escravo na dialética hegeliana,
reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador,
mas não chegam, nem sequer ao modo do escravo naquela
dialética, a descobrir-se educadores do educador (FREIRE,
1987:34).
A educação opressora, pela sua natureza, não garante aquilo que Freire chama de superação da
contradição entre o educador e o educando. Isso torna-se impossível porque o conhecimento e
valores são transmitidos de forma final e, por outra, trata-se de um conhecimento e valores
desvinculados da realidade em que se transmitem. Isto favorece a edificação de uma sociedade
em que os homens se transformam em seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais os
educandos permanecerem nesta situação em que eles aparecem como recipientes vazios e o
educador como aquele que tem conteúdo para encher nos tais recipientes, os educandos menos
desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele.

Na educação opressora, não há quase nada que ajuda ou incentiva os educandos a terem o gosto
da pesquisa, da constatação, da revisão dos conteúdos, o que implicaria no desenvolvimento da
consciência transitivo-crítica. E é impossível formar homens capazes de transformar o mundo na
base de uma educação desvinculada da vida, centrada na palavra, em que é altamente rica, mas na
palavra milagrosamente esvaziada da realidade (Cfr. FREIRE, 1967:95).
22

2.6. Principais características da opressão

O opressor que no contexto da educação consideramos a elite dominadora, para alcançar os seus
objectivos de oprimir cada vez mais e manter o poder, usa elementos como: a conquista, divisão,
manipulação e invasão cultural. Com estes elementos o opressor faz com que o oprimido tenha
medo da sua libertação.

2.6.1. A conquista
A conquista configura um acto essencial para a obstrução do diálogo. Os conteúdos e métodos da
conquista variam historicamente; o que não varia, enquanto houver elite dominadora, é a ânsia
necrófila de oprimir, ou seja, nas suas relações com os oprimidos, o opressor procura cada vez
mais o conquistar para sempre o dominar, isto acontece por meio de várias técnicas, das mais
duras ás mais súteis; das mais repressivas as mais adocicadas, como o paternalismo. O desejo ou
necessidade de conquista acompanha a acção anti-dialógica em todos os momentos.

Através dela e para todos os fins implícitos na opressão, os opressores procuram extinguir a
condição de admiradores do mundo que se encontra nos homens. E como não podem fazer isto
em todas as pessoas, estes mitificam o mundo. Assim sendo, os opressores desenvolvem uma
serie de recursos através dos quais propõem à admiração das massas conquistadas e oprimidas
um falso mundo. Um mundo de engodos que, alienando-as mais ainda as mantém passiva em
face dele. Por isso, na acção da conquista nunca se apresenta o mundo como problema, mas pelo
contrário, apresenta-se o mundo como algo dado, como algo estático, a que os homens se devem
ajustar (Cfr. FREIRE, 1987:78).

2.6.2. A divisão
Depois dos opressores dominarem os oprimidos, dividir-os e os manter divididos constitui uma
das técnicas fundamentais para que os opressores continuem com o seu poder. Neste caso, a
união desses oprimidos tem constituído uma grande ameaça para os opressores. Daí que, toda
acção que possa proporcionar as classes oprimidas o despertar para que se unam é imediatamente
obstruída pelos opressores através de vários métodos, inclusive violentos.

Conceitos como união, organização, luta, são timbrados sem demora como perigosos. E
realmente o são, mas, para os opressores, que podem ver a sua hegemonia a desmoronar. Porque
a prática destes conceitos culmina sem dúvida alguma na libertação dos oprimidos. O que
23

interessa o poder opressor é enfraquecer os oprimidos mais do que já estão ilhando-os, criando e
aprofundando cisões entre eles. Através de uma gama variada de métodos e processos manejam
as massas populares dando-lhes a impressão de que as ajudam (ibidem, p. 79).

Portanto, acção divisória esta alicerçada num argumento messiânico, isto é, os opressores se
fazem passar ou parecer como quem pretende salvar os homens, mas pelo contrário
desumanizam. O que na verdade os opressores pretendem é salvar-se a si mesmos, salvar as suas
riquezas, salvar os seus poderes, os seus estilos de vida, com que esmagam aos demais.

2.6.3. Manipulação
De acordo com Freire (1987:79) “a manipulação aparece como uma necessidade imperiosa das
elites dominadoras, com o fim de, através dela conseguir um tipo inautêntico de organização,
com que evite o seu contrário, que é a verdadeira organização das massas emersas e emergindo”.
Contudo, a manipulação é um instrumento de conquista na qual todas as dimensões da teoria da
acção anti-dialógica giram. É através da manipulação que as elites dominadoras conformam as
massas populares a seus objectivos. E quanto mais imaturas politicamente estejam elas, tanto
mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se
esgote seu poder.

A manipulação não ocorre em qualquer momento, mas quando os oprimidos começam em algum
momento a manifestar um comportamento que os pode arrastar para a sua libertação, a partir daí,
o opressor entra em cena para manipular o oprimido. É a parir desse pressuposto que Freire diz
que “antes da emersão das massas, não há propriamente manipulação, mas o esmagamento total
dos dominados. A manipulação visa anestesiar as massas populares para que estas não pensem e
desta forma se evita a revolução” (idem).

2.6.4. A invasão cultural


Segundo Gadotti (2004:153) invasão cultural “é a penetração, em uma sociedade qualquer, de
uma cultura estranha que a invade e lhe impõe sua maneira de ser e de ver o mundo”. Isto
significa que, os opressores para dominarem procuram sempre invadir o contexto cultural dos
indivíduos, para impor aos mesmos as suas visões do mundo. Na educação tradicional
encontramos os educadores que transmitem conteúdos desconectados com a realidade dos
educandos.
24

2.7. A educação libertária

Em oposição à educação opressora que acima supracitamos, Freire defende ou propõe uma
educação para consciência, portanto, ao invés de se limitar na transmissão de conteúdo, o papel
da educação deve ser o de conscientizar os educandos, a educação deve fazer com que os
esfarrapados deste mundo ou simplesmente oprimidos da sociedade, se descubram como
oprimidos e posteriormente lutem para a sua libertação. Desta forma, o filósofo brasileiro se
opunha àquela forma de educação que outrora teria denominado por “educação bancária”.

Diferentemente da educação bancária que procurava acomodar os educandos ao mundo existente,


a educação libertária procura desenvolver nos educandos a curiosidade, a criatividade, a vontade
de pesquisa.

Na visão freireana, ensinar não é repassar ou então transmitir o conhecimento, mas é criar
condições para a sua produção, o que se pretende em última instância, é fazer o aluno saber ler o
mundo ou simplesmente conhecer o mundo e para depois o transformar. Portanto, a missão do
educador é a de levar os educandos a conhecer o conteúdo, mas não como verdades acabadas, por
isso que, em “Pedagogia do oprimido”, Freire (1987:39), diz que “ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

Com este posicionamento, o filósofo deixa claro que nenhum interveniente de um processo
educativo é um recipiente vazio. Portanto, não é legitimo que uns vivam na cultura do silêncio.
Ou seja, os educandos não chegam vazios na sala de aula, estes portam sempre algum
conhecimento que não é melhor e nem pior que o de educador, e que, portanto, precisam de ser
ouvidos e respeitados. De igual forma, fica claro que tanto o educador assim como o educando,
ambos aprendem um do outro, todos têm o direito de dizer algo, produzir o conhecimento para a
transformação do mundo.

2.7.1. O diálogo como fundamento da educação libertária


A pedagogia tradicional propicia a edificação de uma sociedade fechada, assim sendo, urge a
necessidade de haver uma reforma profunda no campo educativo com vista a libertar os
indivíduos nele inseridos. O que se precisa neste caso, é de uma educação que garante poder de
decisão, responsabilidade social e política por parte do indivíduo e acredita-se que, o diálogo é o
método pelo qual se pode chegar a este fim. Aliás, ouvir e considerar a cultura ou conhecimento
25

do educando é a condição primária para o sucesso da educação libertária preconizada por Paulo
Freire.

De acordo com (JASPERS apud FREIRE (1967:107), “O dialogo é uma relação horizontal de A
com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade”. Por outra, o diálogo é “o encontro
amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam, e
transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (FREIRE, 1983:43). Assim, o
diálogo implica o respeito e reconhecimento do outro, o diálogo enquanto um processo de
interação, ele deve nutrir-se da humildade e de esperança, só desta forma é que os intervenientes
se tornam críticos na busca do consenso.

Em educação libertária, o diálogo é visto como a principal via para resolver diversos problemas,
isto devido à virtude da crença pelo outro que este (diálogo) carrega. O método dialógico, garante
a formação de uma sociedade capaz de produzir mudanças por meio da deliberação colectiva.
Aqui, o educador sabe e fica convencido de que educar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para sua produção ou sua construção (Cfr. FREIRE, 1996:17).

De acordo com a citação, compreende-se que em Freire, o diálogo autêntico que visa a libertação
dos homens deve estar associado com o amor, é impossível dialogar enquanto não se tem amor
pelo mundo, pela vida e pelos homens. Entretanto, o filósofo indica a humildade como outra
ferramenta fundamental para o diálogo, no seu entender, a pronúncia do mundo com que os
homens recriam permanentemente não pode ser um acto arrogante. Sendo um encontro dos
homens cujo o fim último é saber agir, o diálogo se rompe quando os seus intervenientes perdem
a humildade. Aliás, ninguém pode dialogar enquanto acha-se auto-suficiente. Para o autor da
“Pedagogia do oprimido”,

A auto-suficiencia é incompatível com o diálogo. Os homens que


não tem a humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do
povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo.
Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os
outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao
lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há
ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em
comunhão buscam saber mais. […], não há também, o diálogo se
não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de
refazer. De criar e recriar, fé na sua vocação de ser mais, que não é
privilegio de alguns eleitos, mas direito dos homens. A fé nos
26

homens é um dado a priori do diálogo, por isso, existe antes mesmo


de que ele se instale. [….] sem esta fé nos homens, o diálogo é uma
farsa. Transforma-se, na melhor das hipóteses, em manipulação
adocicamente paternalista (FREIRE, 1987:46).
A partir do pressuposto acima, podemos perceber que, a ausência do amor, da humildade e da fé
nos homens na pedagogia tradicional, teria contribuído para o insucesso da mesma, uma vez que
devido a isto o diálogo era impossível. Ao se basear nos três elementos acima supracitados (amor,
humildade e fé nos homens), o diálogo se faz uma relação horizontal onde a confiança entre os
seus intervenientes é genuína. De antemão, afirmamos que a fé nos homens é um dado a priori do
diálogo, daí que, a confiança se instaura com ele. Neste caso, a confiança vai fazendo os sujeitos
dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Contudo, um falso amor, uma
falsa humildade, uma debilitada fé nos homens não pode gerar confiança.

O diálogo não é outra coisa senão o encontro dos homens, portanto, não é possível acontecer
entre os que negam aos demais o direito de dizer algo e os que se acham negados deste direito,
entre aqueles que pensam que há um grupo que deve ser ouvido e outro que não deve ser ouvido.
Sendo encontro de homens que pronunciam o mundo, o diálogo não deve ser o doar de
pronunciar de uns a outros. Neste caso, os excluídos devem lutar com vista a conquistar o direito,
proibindo que este assalto desumanizante continue. O diálogo é uma exigência existencial e
sendo um encontro em que se solidariza o reflectir e o agir de seus sujeitos endereçados ao
mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um acto de incutir ideias de um
sujeito no outro e nem tampouco tornar-se simples troca de ideias de um punhado de pessoas para
posteriormente depositar ou impor aos outros (Cfr. FREIRE, 1987:45).

2.7.2. As etapas do diálogo para uma educação libertária


A experiência nos mostra o quão é difícil aceitar o que o outro diz num mundo dominado pela
cultura da imposição. No campo político, registam-se cada vez mais conflitos entre as forças
políticas devido a não aceitação das ideias contrárias. Os conflitos estendem-se em outras áreas,
como é o caso da religião, entre outras. A educação libertária tendo como finalidade formar
consciência crítica, defende um diálogo autêntico, nutrido de amor, respeito pelo outro e
humildade, e para que isso aconteça, o processo de educação deve obedecer três princípios que
são: a investigação, tematização e problematização.
27

2.7.2.1. Investigação

A etapa de investigação procura descobrir o universo vocabular dos educandos, é a partir desta
etapa que são levantadas as palavras e temas geradores relacionados com a vida quotidiana dos
educandos e do grupo social a que eles pertencem. Essas palavras geradoras são selecionadas em
função da riqueza silábica, do valor fonético e principalmente em função do significado social
para o grupo. A descoberta desse universo vocabular, pode ser efectuada através de encontros
informais com os moradores do lugar em que se vai trabalhar, convivendo com eles, sentindo
suas preocupações e captando elementos de sua cultura. Nesta etapa, procura-se recolher todos
detalhes possíveis com vista a tornar o processo educativo inclusivo.

Aqui, o educador começa o seu trabalho saindo para o campo com um dispositivo capaz de captar
toda informação, como caderno ou um gravador. Mistura-se às pessoas da comunidade local de
forma mais íntima possível. Este não leva consigo um leque de questões pré-elaboradas, faz no
momento perguntas sobre a vida das pessoas e o modo como elas percebem o mundo. O
objectivo tem sido o de listar as palavras mais usadas pelos educandos. Por isso, tudo é
explorado, desde as palavras, frases, ditos, provérbios, modos peculiares de falar, de compor
versos, de contar o mundo. Com a investigação, o educador pretende revelar o mundo vivido
pelos educandos, ou seja, mostrar como se apresenta o pensamento e a realidade social do grupo
com o qual se vai trabalhar (Cfr. GADOTTI, 2004:13).

Todavia, é a partir da investigação que devem surgir as palavras e os temas geradores. As


palavras geradoras que resultam da investigação, representam o modo de vida das pessoas do
lugar em que se investiga. Assim sendo, amputa-se a possibilidade de se discutir conteúdos
avessos a realidade em que se pretende aplicar. Desta forma, os educandos discutirão com o
educador conteúdos ligados a realidade existencial, o que contribuirá para a participação dos
mesmos no processo educativo e na transformação da sociedade em que estão inseridos, assim
como do mundo.

2.7.2.2. Tematização
Na tematização, são codificados e decodificados os temas levantados na fase de tomada de
consciência, contextualizando-os e substituindo a primeira visão mágica por uma visão crítica e
social. Descobrem-se assim novos temas geradores, relacionados com os que foram inicialmente
28

levantados. É nesta fase que são elaboradas as fichas para a decomposição das famílias fonéticas,
dando subsídios para leitura e a escrita (idem).

2.7.2.3. Problematização
Nesta ida e vinda do concreto para o abstrato e do abstrato para o concreto, volta-se ao concreto
problematizado. Descobrem-se os limites e as possibilidades das situações existenciais concretas
captadas na primeira etapa. Evidencia-se a necessidade de uma acção concreta, cultural, política,
social, visando à superação de situações-limites, isto é, de obstáculos a hominização. Saber ler e
escrever torna-se instrumento de luta, actividade social e política. O objectivo final do método é a
conscientização. A realidade opressiva é experimentada como um processo passível de
superação. A educação para libertação deve desembocar na práxis transformadora, ato do
educando, como sujeito, organizado colectivamente. Desta forma, o educando torna-se o sujeito
da história, não mais aquele que não sabe e recebe os anúncios (ibidem, p. 15).

2.8. Principais características da libertação


Enquanto a elite dominadora que no contexto da educação são os educadores usam a invasão
cultural, a manipulação, a divisão e a conquista para esmagar o povo. O povo para a sua
libertação socorre-se da colaboração, a união, a organização e a síntese cultural. Os oprimidos ou
educadores revolucionários não podem usar os mesmos métodos usados pelos opressores. Os
oprimidos enquanto indivíduos esmagados pelos opressores não podem em momento algum
edificar uma teoria para sua libertação de forma individual, é preciso se unir, colaborar, ouvir o
que cada um pensa sobre o mundo, se organizarem para juntos despertarem a consciência e se
libertarem, aliás, para Freire “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens
se libertam em comunhão” (Cfr. FREIRE, 1987:96).
29

CAPÍTULO III: VISÃO CRÍTICA DA PEDAGOGIA TRADCIONAL


Neste capítulo, o autor pretende apresentar a visão pedagógica de alguns críticos da pedagogia
tradicional.

3.1. A concepção pedagógica de Ivan Illich


A semelhança de Freire, Illich teceu duras críticas a escola tradicional, este por sua vez, chamou
atenção dos educadores para o desenvolvimento individual e a libertação colectiva, combateu a
alienação e propôs a redescoberta de uma autonomia criadora. Em quanto Freire ainda alimenta
esperanças em relação a escola, Illich mostra um pessimismo em relação à aquela instituição, isto
é, o filósofo não acredita na possibilidade de se recuperar a escola da crise em que esta
mergulhada. E como solução, a escola deve ser combatida e destruída, desescolarizando a
sociedade.

Illich olha para escola como uma instituição com fins capitalistas, no seu entender, a escola cria
necessidades artificiais para poder, ela mesma, atende-las e assim continuar existindo. Critica os
especialistas em educação que propõem uma formação que dure a vida inteira, para ele, isso não
passa de um pretexto para dar andamento seguro a indústria escolar e garantir-lhe um mercado e
uma clientela cada vez maior (Cfr. ILLICH apud GADOTTI, 2004:111).

A outra epidemia que assola a escola é a dos certificados. Ora, os instrutores tornam-se escassos
por causa da crença no valor dos registros, ou seja, a escola faz entender que existem pessoas
licenciadas para transmitir o conhecimento, neste caso os professores que vivem iludindo o
mundo que o seu treinamento é melhor. O certificado constitui uma forma de manipulação
mercadológica e é plausível apenas a uma mente escolarizada,

A maioria dos professores de artes e comércio são menos hábeis,


menos inventivos e menos comunicativos que os melhores artesãos
e comerciantes. A maioria dos professores de espanhol e francês
que lecionam no secundário não falam a língua tão bem quanto
seus alunos o fariam depois de meio ano de adequado treinamento.
[…] muitos adolescentes, se tiverem incentivos adequados,
programas e acesso a instrumentos, são muito mais eficientes para
introduzir seus colegas nas explorações científicas das plantas,
estrelas, matéria e na descoberta de como e por que um motor ou
rádio funciona do que a maioria dos professores escolares
(QUINTERO apud ILLICH, 1985:43).
30

Portanto, a partir do acima citado, podemos entender que o argumento dos professores escolares,
que da conta de que eles são os peritos em matéria de treinamento não passa de uma simples
falácia, que tem por objectivo manipular as pessoas, desencoraja-las para que estas não troquem
conhecimentos entre elas, estes fazem isto para salvaguardar interesses individuais ou da classe.
A escola faz com que as pessoas tenham medo de se reunir com fins educacionais, porque trocar
habilidades entre pessoas supostamente não autorizadas é um perigo.

A escola é uma instituição baseada no axioma de que a aprendizagem é o resultado do ensino. E a


sabedoria institucionalizada continua a aceitar este axioma, apesar das evidências mostrarem que
a maior parte dos conhecimentos se adquirem fora da escola. Os alunos realizam a maior parte de
sua aprendizagem sem os professores. Aliás, a maioria das pessoas recebem o ensino da escola,
sem nunca ir à escola. A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo, a maior
parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada, o que a escola
faz é manipular as pessoas,

As pessoas que foram escolarizadas até atingirem o tamanho


previsto deixam fugir de suas mãos uma experiência
incomensurável. Para elas, tudo o que não puder ser medido torna-
se secundário, ameaçador. Não é preciso que se lhes roube a
criatividade. Sob o jugo da instrução, desaprenderam a tomar suas
iniciativas e a ser elas mesmas. Valorizam apenas o que já foi feito
ou o que lhes é permitido fazer. Na realidade, a aprendizagem é a
atividade humana menos necessitada de manipulação por outros.
Sua maior parte não é resultado da instrução. É, antes, resultado de
participação aberta em situações significativas. A escola pretende
fragmentar a aprendizagem em «matérias», construir dentro do
aluno um currículo feito desses blocos pré-fabricados e avaliar o
resultado em âmbito internacional (ILLICH, 1985:69).
Como podemos ver, a escola não passa de uma instituição alienante. Ela faz da alienação uma
preparação para a vida, separando educação da realidade e trabalho da criatividade. A escola
prepara para a institucionalização alienante da vida ensinando a necessidade de ser ensinado.
Aprendida esta lição, as pessoas perdem o incentivo de crescer com independência; já não
encontram atrativos nos assuntos em discussão; e fecham-se às surpresas da vida. A escola vende
currículo como se fosse uma mercadoria. E o professor que desempenha a função do distribuidor
entrega o produto acabado ao aluno que é consumidor.
31

A semelhança de Freire que diz que na relação oprimidos e opressores a libertação depende mais
dos oprimidos, Illich entende que a libertação das pessoas das amarras da escola depende das
pessoas que passaram por quela instituição, ou seja, a desescolarização da educação depende da
liderança dos que foram criados nas escolas. O movimento que vise a desescolarização deve
começar das escolas através da conscientização dos professores e alunos da sua condição de
exploradores e explorados, ao se descobrirem estes farão a revolução (ibidem, p. 72).

3.1.1. Redes de aprendizagem para nova escola


Há um mito no qual se afirma que na vida tem um segredo para tudo e a qualidade da vida
depende do conhecimento desse segredo; e que o mesmo só pode ser conhecido em passos
sucessivos e ordenados; e que apenas os professores sabem revelar corretamente o tal segredo.

É a partir dessa visão que Illich defende a não-institucionalização do saber, deixando a cargo de
cada um a tarefa de aprender, através de redes de pessoas que entrariam em contacto umas com
as outras, de acordo com suas necessidades pessoais. Illich reconhece a importância de meios
tecnológicos, este entende que a partir de um computador o indivíduo pode identificar nomes de
especialistas em matéria que pretende aprender (ibidem, p. 103). As redes de aprendizagens
foram apresentadas da seguinte forma:

Serviço de consultas a objectos educacionais: que facilitem o acesso a coisas ou processos que
concorrem para a aprendizagem formal. Algumas coisas podem ser totalmente reservadas para
este fim, armazenadas em bibliotecas, agências de aluguéis, laboratórios e locais de exposição
tais como museus e teatros; outras podem estar em uso diário nas fábricas, aeroportos ou
fazendas, mas devem estar à disposição dos estudantes, seja durante o trabalho ou nas horas
vagas.

Intercâmbio de habilidades: que permite as pessoas relacionarem suas aptidões, dar as condições
mediante as quais estão dispostas a servir de modelo para outras que desejem aprender essas
aptidões e o endereço em que podem ser encontradas.

Encontro de colegas: uma rede de comunicações que possibilite as pessoas descreverem a


actividade de aprendizagem em que desejam engajar-se, na esperança de encontrar um parceiro
para essa pesquisa.
32

Serviço de consultas a educadores em geral: que podem ser relacionados num diretório dando o
endereço e a auto-descrição de profissionais, não profissionais, juntamente com as condições para
ter acesso a seus serviços. Tais educadores, como veremos, podem ser escolhidos por votação ou
consultando seus clientes anteriores.

3.2. Visão pedagógica de Carl Rogers


Rogers na sua análise entende que mais do que ninguém, a figura do educador é crucial no
processo de educação. Para este, o educador deve reunir qualidades como a autenticidade, o
apreço, a aceitação, a confiança e a compreensão empática. No que concerne a autenticidade, o
psicoterapeuta é da opinião de que um educador deve ser honesto e transparente. E no que tange
ao apreço, a aceitação, e a confiança, este pretende dizer que o educador deve ser capaz de aceitar
o educando da forma que ele realmente é, um ser humano com defeitos e potencialidades a serem
despertadas (Cfr. GUEDES, 1979:65).

Ao invés de se considerar o mestre que tudo sabe e transmitir conteúdos avessos com a realidade
dos educandos, no acto educativo o educador deve ser um apoio para o educando na busca de
novos conhecimentos. Esses saberes serão alcançados pela auto-iniciativa do educando, que
buscará conhecimento conforme seu interesse, de forma a preencher seus anseios e necessidades
de forma significativa,

Neste caminhar, junto com o aluno, o professor se descobrirá como


facilitador. Seu relacionamento honesto, franco e autêntico com os
discentes proporcionará um ambiente, na sala de aula, com
liberdade que promoverá atitudes de cooperação e levantamento de
hipóteses para a solução de diversos problemas reais dos alunos. É
de extrema importância que o facilitador desafie o educando a
explorar o que ainda não conhece (ROGERS, 1977:112).
De acordo com o acima citado, entendemos que o desenvolvimento global das potencialidades
pessoais acontece naturalmente pela evolução humana, o que significa que os educandos já estão
abertos a novos conhecimentos por natureza. Todavia, a missão do educador é de despertar a
curiosidade natural do aluno, levando-o a buscar novas oportunidades para ampliação de sua
capacidade intelectual. Os educandos não podem em momento algum serem castigados ou
reprimidos por causa dos seus erros.
33

3.2.1. Princípios de aprendizagem


A semelhança de Freire, Rogers não acha correcto os educandos aprenderem conteúdos
desvinculados da realidade em que estão inseridos. O psicoterapeuta mostra-se contra o ensino ou
o que se ensina nas escolas. Rogers entende que só há aprendizagem quando o objecto de
conhecimento tem um real significado para quem aprende. Por esta razão o educador não deve
ensinar o que sabe, pois, os educandos não se apropriarão dos tais saberes por não confiarem o
mesmo valor e significado ao objecto de estudo, e consequentemente será facilmente esquecido
pelo educando por não ter nenhum vínculo com seus anseios.

Assim sendo, na visão de Rogers a aprendizagem deve estar centrada na pessoa, para facilitar a
aprendizagem dos educandos. Este insiste que o educando só aprenderá a partir do momento em
que perceber que o objecto de conhecimento é essencial a sua vida pessoal, que trará algo de
relevante para si e servirá como ferramenta para resolver seus problemas reais, por isso não
adianta transmitir conhecimentos e sim conhecer o educando, facilitando seu aprendizado
constante (ibidem, p. 117).

Partindo dessa análise, podemos concluir que no processo de educação o educando é o maior
interessado no desenvolvimento da sua aprendizagem, por isso, ele deve ter total liberdade na
escolha dos conteúdos que serão desenvolvidos. Pois, os temas do debate devem estar ligados
com as necessidades e interesses individuais e do grupo no qual este (educando) está inserido. Da
mesma forma, o educando deve escolher como é que o conteúdo a ser ministrado deve ser
trabalhado, decidindo desta forma acções necessárias para o alcance dos objectivos.

Aprendizagem significativa cria raízes e faz com que este aprendizado permaneça durante a vida
do aluno promovendo mudanças de comportamento. Rogers afirma que o foco da aprendizagem
não esta no conteúdo, mas em favorecer um processo contínuo de aprendizagem. Por isso, não
importa ter o conhecimento como resultado, mas “o progresso significante na aprendizagem de
como aprender aquilo que se quer saber” (idem).

Contudo, é necessário trabalhar com simulações de acontecimentos da vida quotidiana. Esta


forma de aprendizado permite que os estudantes busquem informações sobre o assunto, e sejam
responsáveis por suas atitudes e experimentando poder de negociação, como na vida real,
sofrendo consequências das acções realizadas, e de certa forma, estarão se preparando para a vida
adulta.
34

Assim como Freire, Rogers entende que a responsabilidade da educação esta no próprio
educando, pois este é o possuidor das forças de crescimento e auto-avaliação. A educação deve
estar centrada nele, em vez de centrar-se no educador ou no ensino, o aluno deve ser senhor da
sua própria aprendizagem. E a aula não pode ser um momento em que se deve despejar
conhecimentos no aluno, e nem as provas e exames devem servir de instrumentos que permitirão
verificar se o conhecimento continua na cabeça do educando e se este o guarda do jeito que o
educador o transmitiu. A educação deve ter uma visão do aluno como pessoa inteira, com
sentimentos e emoções.

3.3. A concepção pedagógica de John Dewey


John Dewey foi um convicto defensor da sociedade democrática e sua teoria da educação é
entendida como reconstrução e reorganização contínua da experiência, ligada à teoria da
investigação, à teoria dos valores e à teoria da democracia, visando aumentar a consciência dos
vínculos entre as actividades presentes, passadas e futuras, nossas e alheias, e a aumentar a
capacidade dos indivíduos para dirigir o curso da existência (Cfr. REALE & ANTISERI,
1991:514).

Filósofo da corrente pragmatista, Dewey defendia uma educação funcional, ou seja, defendia a
ideia de que a educação das crianças devia basear-se na abordagem da solução de problemas,
porque ela combina ser prático com tomar ciência da importância da teoria, encorajando as
crianças a serem imaginativas em ambos os níveis e tornando-as competentes em todos os
campos da actividade humana.

Criticando a escola tradicional, Dewey diz que o maior erro da pedagogia tradicional está no
isolamento em que a escola e o programa se colocam diante da vida. Na visão deste, aprender é
uma função normal da criança e do homem, não há isolamento em relação a posição real das
coisas na vida corrente. Ainda o outro erro da visão da escola tradicional está em querer dar de
chofre, a organização final da matéria cujo sentido só o especialista percebe (Cfr. DEWEY,
1959:46).

A educação deweyana está voltada para a vida industrial e democrática, neste caso, a escola deve
ser uma oficina em miniatura ou uma comunidade reduzida, na qual a educação não se exerce
como mero preparo para a maturidade, mas sim como apoio ao desenvolvimento do espírito e da
incessante reconstrução da experiência.
35

3.3.1. Democracia e educação


A democracia para Dewey, mais do que uma forma de governo, é uma forma de vida associada;
de experiência conjunta e mutuamente comunicada. “Uma sociedade é democrática na proporção
em que prepara todos os seus membros para com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e em
que assegura o maleável reajustamento de suas instituições por meio da interação das diversas
formas da vida associada” (ibidem, p. 106).

Dewey não vê outra saída para a crise que aflige a educação a não ser no desenvolvimento de
uma sociedade verdadeiramente democrática. O pragmatista entende que os objectivos da
educação devem estar ligados a vida das pessoas envolvidas, classifica como imoral um sistema
de educação que visa unicamente habilitar o indivíduo para o trabalho, que exclui o trabalhador
das finalidades do mesmo, fazendo que suas acções façam parte apenas dos objetivos de outrem.
Para Dewey,

Falar-se em objetivo ou fim da educação quando quase todos os


actos de um discípulo são impostos pelo professor, quando a única
ordem na sequência de seus actos é proveniente das lições marcadas
e das direcções dadas por outrem é absurdo. Como se torna
igualmente ridículo falar-se em fins ou objetivos quando se permite
a actividade caprichosa ou descontínua, sob o pretexto da
manifestação espontânea da personalidade. Um objectivo ou um fim
importa em actividades seriadas e ordenadas, actividades cuja
ordem consiste no progressivo completar-se de um processo. [...]
por essa causa é disparate falar-se em objectivo da educação – ou de
outra qualquer empresa – se as condições não permitem a previsão
dos resultados e nem incitarem uma pessoa a encarar o futuro,
procurando prever as consequências de determinado modo de
proceder (DEWEY, 1959:110).
No entanto, uma sociedade verdadeiramente democrática deve adotar um tipo de educação que
propicie aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direcções sociais e hábitos de espírito
que permitam mudanças sociais sem ocasionar desordens.

Dewey não propõe qualquer método de ensinar, este não trata do pensamento do aluno como ser
humano genérico, muito menos de matérias de estudo situadas num e noutro espaço político. Ele
propõe um método adequado a uma sociedade que deseje educar seres humanos para a vida
associada, do pensamento como instrumento da experiência livremente compartilhada e das
matérias de ensino como depositárias desta mesma experiência.
36

Ainda no que concerne aos objectivos da educação em uma comunidade democrática, Dewey
entende que o primeiro passo é definir a natureza de um objectivo que exista no interior de uma
actividade em vez de lhe ser exteriormente fornecido. Até porque na visão deste, a ideia de
sociedade democrática só se pode aplicar a todos os membros quando há mútua cooperação entre
os homens e, quando existem convenientes e adequadas oportunidades para a reconstrução dos
hábitos e das instituições sociais por meio de amplos estímulos decorrentes da equitativa
distribuição de interesses e benefícios, ou seja, uma sociedade verdadeiramente democrática
(ibidem, p. 108-109).

A educação deve proporcionar oportunidades iguais em todos os níveis de indivíduos existentes


na sociedade, trazendo consigo oportunidades e privilégios. É um processo de vida onde se faz
uma experiência, e ao mesmo tempo, um processo social onde representa não a vida futura, mas a
presente e real para a criança. No processo de educação, deve-se respeitar o contexto em que as
pessoas vivem. Por ser um processo essencialmente humano, a função social da educação varia
conforme o grupo social em que os indivíduos estão inseridos. Aliás, a educação não passa de um
“processo da renovação das significações da experiência, por meio da transmissão, acidental em
parte, no contacto ou no trato ordinário entre os adultos e os mais jovens, e em parte
intencionalmente instituída para operar a continuidade social” (idem).

Enfim, os fins da educação não devem ser procurados fora do processo educativo, pois eles são o
próprio processo educativo. O objectivo da educação na visão de Dewey é mais educação e mais
democracia, que habilitem os indivíduos a continuar sempre mais sua educação, permitindo-lhes
desenvolver-se permanentemente, ou seja, os fins educacionais de uma sociedade democrática
são aqueles já definidos por essa sociedade que deseja não apenas manter, mas também ampliar
mais essa experiência compartilhada, com liberdade e igualdade para todos.
37

CAPÍTULO IV: A EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE – EM BUSCA DE UMA


PEDAGOGIA LIBERTÁRIA
Neste capítulo, o autor pretende analisar a educação moçambicana e identificar os reais motivos
do entrave da implementação da pedagogia libertária.

4.1. Breve itinerário da educação em Moçambique


Moçambique, à semelhança de muitos outros países africanos, durante o período colonial o seu
povo permaneceu a margem de um sistema educativo com uma visão de formação de um homem
do amanhã comprometido com a sua geração. Durante muito tempo, os colonizadores não se
preocuparam com educação dos nativos pois os seus interesses estavam mais virados com
pilhagem dos recursos existentes (Cfr. PEDRO, 2009:7).

Assim, a educação dos indígenas era vista como um absurdo, não só perante a história, como
também perante a capacidade mental dessas raças consideradas inferiores naquela altura. A ideia
de civilizar os negros com a bíblia era vista como mera utopia, pois na visão dos colonizadores, a
educação dos indígenas só podia ser feita mediante o uso da força. Para os portugueses, a
educação dos nativos não era prioritária, mas tratava-se de uma exigência formal e não uma
necessidade real. Quando se pensava na educação dos indígenas, o principal objectivo era fazer
destes trabalhadores do colono.

Para se concretizar o projecto colonial, criou-se um sistema de ensino para o indígena, que
obedecia à orientação doutrinária estabelecida pela constituição política. Os planos e programas
tinham em vista a perfeita nacionalização e moralização dos indígenas e a aquisição de hábitos e
aptidões de trabalho; de harmonia com os sexos; condições e conveniências das economias
regionais; compreendendo na moralização o abandono da ociosidade e a preparação de futuros
trabalhadores rurais e artífices que produzam o suficiente para as suas necessidades e encargos
sociais (ibidem, p. 9).

Com efeito pode-se depreender que as características principais do ensino eram a feição
nacionalista e prática, que se traduzia na obrigatoriedade nas escolas do uso e do ensino da língua
portuguesa, tolerando o uso da língua indígena somente no ensino da religião, e na
obrigatoriedade do pessoal docente, quando africano, ser todo de nacionalidade portuguesa
através da política de assimilação. É a partir desse raciocino que Ngoenha (2000:38) diz, “[…]
educar é transmitir valores. Se procurarmos desvendar os valores que a escola colonial transmitia,
38

descobriremos facilmente que era uma escola fundamentalmente nacionalizadora. A tarefa da


escola era aportuguesar os indígenas”.

A partir do substrato acima, podemos perceber que a escola colonial era extremamente opressiva,
se a ideia era aportuguesar os nativos como diz Ngoenha, então os hábitos e costumes ou
conteúdo local eram simplesmente vilipendiados, o educando neste caso era obrigado a assimilar
conteúdos alheios a sua realidade. Depois de se tornar independente em 1975, Moçambique
herdou o sistema de educação colonial e imprimiu algumas mudanças com vista a adequar com as
reais necessidades do povo.

Segundo Gasperine (1989:71) “o governo moçambicano não considerou suficiente o conjunto de


reformas feitas ao sistema herdado do período colonial. Para tornar a educação um instrumento
eficaz de desenvolvimento, achou que era necessária uma mudança de sistema”. Uma vez que o
sistema colonial era em algum momento excludente e discriminatório, partindo da ideia de
Gasperine, Mosse e Cortez dizem que,

O Sistema Nacional de Educação (SNE) em Moçambique foi


concebido de modo a tentar proporcionar a educação para todos.
Ele foi concebido em 1983 e, desde lá para cá, sofreu alterações
para responder às novas exigências impostas pelas mudanças
ocorridas no País. O SNE foi uma tentativa de romper com o
sistema herdado com colonialismo (MOSSE & CORTEZ,
2006:11).
Estão certos Mosse e Cortez ao terem afirmado que O SNE foi apenas uma tentativa de romper
com o sistema herdado com o colonialismo, isto porque, de rompimento mesmo não teve quase
nada, o SNE até então revela grandes dificuldades de cumprir com o seu desiderato, carrega ainda
marcas do sistema colonial - opressor. Em algum momento isto se justificava devido a guerra
civil que assolou o país, hoje é difícil encontrar as reais causas do insucesso ou fracasso deste
sistema.

Aventa-se a possibilidade deste facto dever-se a existência de doadores ou credores externos, isto
faz com que os moçambicanos não decidam sobre a sua educação; a questão “que tipo de
educação precisamos?” é respondida do exterior, o sujeito da história da educação moçambicana
são os doadores. Aliás, de acordo com Ngoenha (2000:29) “os valores que emprenham a nossa
educação executam pura e simplesmente as directivas emanadas de instituições como o Banco
Mundial e Fundo Monetário Internacional”. Desde a independência até nos nossos dias, a
39

educação teve vários deméritos, a nível social, estrutural, entre outros1. A educação em
Moçambique responde muito mais os imperativos políticos, e muito menos a exigências sociais.

4.2. A origem do conteúdo programático


A proveniência dos conteúdos programáticos na educação moçambicana tem sido obscura. Há
quem diz que os conteúdos ministrados resultam de uma consulta popular, mas parece ser pouco
abrangente. Talvez se julga que a maior parte dos moçambicanos não estejam em condições de
contribuir nesse aspecto por um facto histórico. Como é do nosso conhecimento, os portugueses
ergueram uma sociedade que inibe o diálogo ou comunicação, talvez devido a isto, o povo não se
insurge com os programas por ter acostumado receber comunicados e não comunicar.

A sociedade fechada que o sistema colonial construiu, propicia o anti-diálogo, imposições e


mandonismo. A distância social existente neste tipo de sociedade, não permite um debate aberto.
Uma sociedade dialógica, é aquela em que o homem desenvolve o sentido da sua participação na
vida comum. O diálogo, debate ou comunicação implica na responsabilidade social e política do
homem, implica um mínimo de consciência transitiva e, estas habilidades, não se desenvolvem
nas condições em que o colonialismo criou em Moçambique. Aliás, entre os moçambicanos o que
predominou foi a sua não-participação na solução dos problemas comuns.

Por outro lado, por causa das políticas globais serem cada vez menos moçambicanas, os valores
que educação veicula não são pensados em Moçambique e muito menos em função dos valores
da moçambicanidade. Isto faz com que os moçambicanos vejam os seus valores a serem
descartados e consequentemente aprendem aquilo que menos precisam. A educação não responde
aos reais imperativos do país e,

[…] não é possível educar ou mesmo fazer uma teoria da educação


sem uma ideia do homem, da sociedade, da história, da cultura, da
vida, da realidade total e dos seus valores. […], todos os estudos
sociológicos mostram que o futuro de Moçambique está no campo.
Mas, continua a não formar técnicos em número suficiente nas
áreas de agronomia e da pecuária […]. Em contrapartida as
universidades continuam a formar linguistas e literatas. Ensina-se
um Direito português – ainda por cima antiquado que não tem nada
a ver com a maneira como as populações vivem e compreendem a

1
Na vertente social a educação até então não consegue dar resultados esperados, temos um Sistema Nacional de
Educação tecnicamente fraco, mas politicamente generoso. É um sistema que responde mais as necessidades
políticas e pouco faz para o que o povo exige/necessita.
40

sua vida colectiva. Introduz-se uma medicina que integra muito


pouco o saber médico tradicional – muito apreciado nas
universidades europeias. As investigações em ciências sociais
respondem mais aos imperativos do mundo ocidental que as
necessidades reais do povo que, supostamente, deveriam servir com
os seus estudos e trabalhos (NGOENHA, 2000:28-29).
Os conteúdos da educação moçambicana não se identificam com a realidade do país. Este facto,
faz com que nas salas de aula, ao invés de se trocar ideias, se ditem ideias; no lugar de se debater
temas, discursa-se aulas; os professores trabalham sobre os alunos, não trabalham com os alunos;
impõe-se aos alunos uma ordem a que eles não aderem, mas se acomodam. Nas nossas escolas,
não há meios que galvanizam um pensar autêntico, uma vez que os alunos apenas recebem as
informações que os professores transmitem e guardam. No entanto, precisamos de criar escolas
moçambicanas, onde se debate temas impactantes na vida do povo.

É necessário haver um debate aberto sobre o programa da educação, para juntos se identificarem
os conteúdos que se devem ministrar e não se impor um conteúdo pensado por um grupo de
pessoas que, no momento da sua ministração o diálogo torna-se impossível, pois é extremamente
difícil dialogar ou discutir sobre algo que alguém não conhece. No que tange a este aspecto, o
autor da “Pedagogia do oprimido” diz que,

A inquietação em torno do conteúdo do diálogo, é a inquietação em


torno do conteúdo programático da educação. Para o educador-
educando, diálogo problematizado, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição, um conjunto de
informes a ser depositado nos educandos, mas a devolução
organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles
elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. A
educação autentica não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre
“B”, mas de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo. Mundo que
impressiona e desafia uns e a outros, originando visões ou pontos
de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de
esperanças ou desesperanças que implícitam temas significativos, a
base dos quais se construirá o conteúdo programático da educação
(FREIRE, 1987:83).
A exclusão de uns na busca do conteúdo programático da educação em Moçambique, faz com
que a escola use métodos opressores, o que dificulta a construção de uma escola moderna e
libertadora. Por exemplo, os manuais de ensino primário e secundário tem sido universal para
todos os alunos, das zonas urbanas e rurais e exige-se o mesmo tipo de competências,
41

logicamente não é fácil dialogar com alunos da zona rural, pois, os conteúdos não espelham a
realidade em que eles estão inseridos.

Os programas da educação devem contemplar a realidade cultural donde serão implementados,


aliás, algures dissemos que a educação não é outra coisa senão a devolução dos conteúdos que a
sociedade entregou de forma difusa. Se a exclusão deve-se a complexidade da matéria, a que se
perceber que “o diálogo problematizador não depende do conteúdo que vai ser problematizado.
Tudo pode ser problematizado. O papel do educador não é o de encher o educando do
conhecimento de ordem técnica mas sim o de proporcionar a organização de um pensamento
correcto […]” (FFREIRE, 1983:31).

Os conteúdos programáticos, devem ser elaborados a partir da situação presente, existencial,


concreta, reflectindo as aspirações do povo2. Isto porque, o papel do educador não é o de falar ou
impor ao povo a sua visão sobre o mundo. Se não considerarmos isto, será difícil ou mesmo
impossível formarmos homens capazes de resolver os reais problemas de Moçambique. A
existência de engenheiros agrónomos que passam a vida nos gabinetes luxuosos e arquitectos que
não se preocupam em melhorar as casas dos moçambicanos podem estar a resultar de um erro no
programa da educação que se calhar poderia ter sido identificado por alguém que hoje é excluído
na elaboração do mesmo.

Deve-se respeitar a liberdade das pessoas, isto é, os moçambicanos devem ter a oportunidade de
elaborar as suas próprias certezas, os próprios conhecimentos, as próprias regras morais. Isso não
significa reduzir a importância do programa ou dos saberes dos professores ou fazedores dos
programas. Mas os conteúdos escolares devem ser apresentados em forma de indagações e não
respostas ou soluções prontas, e para tal é preciso que os programas resultem de uma verdadeira
consulta popular. Desta forma teremos uma educação que faça as pessoas raciocinarem ou então
uma educação que se adequa com a realidade do país.

4.3. A língua oficial como um instrumento de exclusão

A língua Portuguesa transporta consigo todas as ambiguidades e ambivalências. Em


Moçambique, esta língua é marcada disforicamente, porque é por um lado considerada língua de
2
Os conteúdos programáticos devem respeitar os aspectos humanos, culturais e axiológicos, ou seja, as políticas de
educação têm que, necessariamente, ser precedidas pelos valores que uma sociedade pretende transmitir aos seus
cidadãos.
42

colonização, por outro lado, tem um estatuto privilegiado e, por isso, é admirada porque é língua
de comunicação alargada, por não haver, em relação a ela, uma identificação étnica forte, permite
a união entre os moçambicanos. Ela é vista como o modelo de perfeição linguística, visto que é
através dela que se podem discutir a maior parte dos assuntos políticos, científicos, técnicos, etc,
(Cfr. GONÇALVES & DINIZ, 2004:1).

No campo educativo, a língua portuguesa, permite que a escola realize a sua função ordenadora,
ao funcionar como elemento agregador e unificador, mas também, ela não deixa de conter em si
algo de paradoxal, isto é, para além da função unificadora, de língua oficial e de ensino, o
português assume também uma função separatista porque, ao mesmo tempo que une, ela exclui
todos os outros que não a utilizam ou dominam,

Quase totalidade das nossas crianças, quando entra para a escola,


não fala português e, naturalmente, não lê e não escreve. Esta é a
situação típica do meio rural, onde prevalece o uso das línguas
locais, as línguas bantu, e onde o português é praticamente uma
língua “estrangeira”: é aprendido e usado na sala de aula, sobretudo
através do contacto com o professor e com os livros escolares,
sendo pouco frequentes as situações de comunicação em que é
falado em ambiente natural. No seu dia-à-dia, em casa com a
família e nas brincadeiras com os amigos, as crianças comunicam
na sua língua materna (idem).

Todavia, do ponto de vista linguístico, nas escolas deste país existem dois tipos de alunos, os que
falam português e os que não falam, todos estes independentemente da sua língua materna, usam
os mesmos livros (manuais escolares) todos juntos na mesma sala. Busca-se igualdade e
assimilação igual nos dois tipos de alunos e, em termos pedagógicos, o uso da língua portuguesa
nas escolas avantaja os mais favorecidos, neste caso que são as crianças das zonas urbanas na sua
maioria, uma vez que a maior parte delas tem o português como língua materna.

A valorização das línguas locais na prática educativa é extremamente importante, pois como
dizíamos, uma educação inclusiva é aquela que contempla a cultura ou a situação real de um
povo, os valores. E a língua é um dos principais veículos axiológicos, não só no sentido em que
ela é um dos principais meios de transmissão de valores, mas antes de mais e sobretudo, porque
cada idioma é já nele mesmo habitado por uma serie de valores fundamentais dos seus falantes
(Cfr. NGOENHA, 2000:40).
43

A língua portuguesa também foi usada pelo sistema colonial e trouxe repercussões negativas.
Lembremo-nos que para alcançar os seus objectivos de estabelecer uma unidade nacional do
império português, o colono impôs a sua língua como oficial para o ensino, e naquela época, a
íngua portuguesa não era falada muito menos compreendida pela quase totalidade das populações
de Moçambique. De igual maneira, implementaram um programa que se identificava com a
realidade portuguesa, era uma educação boa para os portugueses, mas opressora para os
moçambicanos. No nosso contexto, o sistema educativo pode ser um pouco bom para as pessoas
da zona urbana, mas opressor para as pessoas das zonas rurais.

De acordo com (VINET apud NGOENHA, 2000:107) “cada indivíduo deve falar a sua língua
materna com facilidade e domínio. Dominar a língua materna é prova de virtude, civilização e
preanuncia o progresso”. Portanto, a língua é instrumento bastante importante e que não se pode
menosprezar, porque é através da língua que se pode atingir uma pessoa, no seu gosto, na sua
sensibilidade, na sua reflexão e na sua consciência. Assim sendo, a língua é um sistema
pedagógico e filosófico indispensável na educação, é a natureza de um idioma que determina a
civilização de um povo.

É urgente percebermos com profundidade que a língua é um reflexo dos costumes de uma época
e de uma dada sociedade, é nela que se manifesta a moralidade da pessoa que fala ou então que
escreve. Como sabemos, saber escrever e ter eloquência discursiva é um acto de grande valência
ética, daí que, é importante dominar a língua materna. Em suma, a profundidade do pensamento
passa necessariamente pelo domínio da língua3.

Como vimos acima, a língua carrega consigo muitas virtudes. Os gestores do sistema educativo
moçambicano já devem ter se apercebido deste facto, não é por acaso que nos últimos anos,
vemos com uma azafama a introdução das línguas locais nas escolas. Talvez isso traga vantagens
principalmente nas zonas rurais, onde a maior parte das crianças tem como língua materna as
línguas nacionais. Apesar de vivermos num mundo globalizado, onde as línguas estrangeiras
dominam várias áreas (por exemplo, Inglês e Francês), a educação ou escola deve encontrar

3
O Sistema Nacional de Educação (SNE) não se pode limitar apenas a reestruturar aquilo que foi destruído pelas
guerras que assolaram o país, mas deve prospectar uma educação mais prática, mais realista e, sobre tudo, uma
educação que se propõe utilizar o substrato linguístico das populações.
44

formas de levar todos os moçambicanos para um diálogo necessário entre o saber tradicional e as
práticas modernas.

4.4. A pedagogia libertária como base da educação para responsabilidade

A educação moçambicana não garante muito a intervenção dos educandos na resolução dos
problemas que afligem a sociedade. É uma educação que não arrasta os educandos ao mundo das
indagações e criações. Difunde-se um conhecimento que leva os educandos a passividade, a
memorizar o conhecimento ou reproduzir de forma mecânica. A nossa educação é semi-
tradicional ou então semi-opressora, senão mesmo absolutamente opressora, diante desta
educação é difícil os educandos estarem cientes das suas responsabilidades.

A pedagogia libertária uma vez alicerçada no método dialógico; que permite a superação entre o
educador e o educando4, garante uma educação que catapulta os intervenientes para
responsabilidade, pois, esta não se funda numa compreensão dos homens como seres vazios a
quem o mundo enche de conteúdos. Não se baseia numa consciência especializada,
mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como corpos conscientes e na consciência
como consciência intencionada ao mundo. Ela não procura depositar conteúdos, mas
problematiza os homens em suas relações com o mundo (Cfr. FREIRE, 1987:21).

Moçambique precisa de adotar uma pedagogia libertária com vista a formar individualidades.
Para tal efeito, a pedagogia libertária moçambicana deve incorporar os aspectos culturais como é
o caso da língua, a história, e outras práticas sociais, com o intuito de fazer com que os educandos
se sintam indivíduos socialmente responsáveis. Trata-se de uma pedagogia que olha para a
educação como aquisição de meios para fazer frente às situações concretas da existência, na
agricultura, pecuária, na saúde, entre outras áreas.

A nossa educação concebe alguns indivíduos como inertes em algum momento, o que constitui
um erro, lembremo-nos que Harbamas desenvolveu uma teoria da competência comunicativa na
qual demonstrou que todas as pessoas são capazes de se comunicar e gerar acções. Todos nós
possuímos habilidades comunicativas, entendidas como aquelas que permitem comunicarmo-nos
e atuarmos em nosso meio. Além das habilidades académicas e práticas, existem habilidades
4
O diálogo rompe com os esquemas verticais da educação tradicional. Alcança-se a superação da contradição entre o
educador e educando, desta forma chega-se a educação como prática da liberdade. O educador e o educando se
tornam sujeitos activos da educação, educam-se uns aos outros e o autoritarismo do professor é amputado.
45

colectivas que buscam coordenar acções por meio do consenso (Cfr. HARBAMAS apud
FLECHA & TORTAJADA, 2000:37).

Com o pressuposto acima, Harbamas mostra claramente que não existem pessoas inertes, todos
podem contribuir para a transformação do mundo. Assim sendo, a pedagogia libertária
moçambicana deve ser capaz de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem. Onde
haverá uma educação integrada, participativa e permanente. Integrada, porque deve-se basear na
acção conjunta de todos os componentes da comunidade educativa, sem nenhum tipo de exclusão
e com a intensão de oferecer respostas as necessidades educativas de todos os educandos.
Participativa, porque deve depender cada vez menos do que ocorre na aula e cada vez mais da
correlação entre o que ocorre na aula, em casa e na rua. Permanente porque na actual sociedade
recebemos constantemente, de todas as partes e em qualquer idade, muita informação, cuja a
selecção e processamento requere uma formação continua. Assim,

O processo educativo não se esgota no âmbito escolar, temos de


reconhecer que as aprendizagens que pessoas realizam não se
reduzem as oferecidas na escola. Portanto, o ambiente familiar e
social das pessoas tem uma importância especial para facilitar e
possibilitar a formação. A escola tradicional, baseada no repasse
dos conhecimentos académicos e desvinculada da comunidade e do
meio familiar, reproduz o sistema social vigente e não permite sua
transformação. Nesse contexto, a pessoa não pode transformar a
sua realidade, tão pouco a realidade social em interação com os
demais. Dessa forma, faz-se totalmente necessária a incorporação
da comunidade e do meio familiar ao trabalho diário em toda a
escola. Não se deve repassar os conhecimentos académicos formais
de maneira exclusiva. Deve-se dar a combinação entre o prático, o
académico e o comunicativo, fazendo com que a comunidade e as
famílias participem juntamente com os professores (FLECHA &
TORTAJADA, 2000:37).
Entretanto, a escola enquanto comunidade de aprendizagem não deve resultar de ideias de alguns
teóricos. Muito pelo contrário, as comunidades de aprendizagem devem resultar de esforços
dialogantes e igualitário de muitas pessoas, como é o caso de professores, pais e encarregados de
educação ou a sociedade em geral. Todas as pessoas devem oferecer as suas capacidades e
motivações para um projecto colectivo. Desta forma, as responsabilidades serão partilhadas, isto
é, se algo fracassar, todos fracassaram e são responsáveis e se triunfarem todos triunfaram.
46

Talvez foi este espirito que levou Ngoenha (2000:213) a afirmar que “a educação tem se centrado
muito no ensino formal. Tem que se informalizar parte da educação formal, de maneira a ir ter
com as pessoas nas circunstancias que lhes são próprias”. Contudo, a educação moçambicana
deve dotar o povo de instrumentos intelectuais e práticos para fazer frende aos problemas
concretos. A prática educativa deve se adequar aos imperativos da sociedade local e não apenas
global.
47

Conclusão

A pesar de forma implícita, a preocupação da educação desde os tempos remotos foi o de libertar
os homens ou humanizar a sociedade. Mas em cada época há um entendimento diferente do que
seja libertar os homens. Na época antiga, libertar o homem por meio da educação, significava
dizer o que se deve ensinar com vista a construir um tipo de sociedade, desta forma apenas um
grupo de pessoas reuniam as competências para o tal efeito.

É a partir desta visão que o professor aparece como aquele que deve ensinar. O objectivo,
acreditamos nós, não era o de oprimir as pessoas como mais tarde veio a ser entendido, mas
naquela época achava-se que a melhor forma de libertar os homens por meio da educação era
dando-lhes um conhecimento de forma cabal.

O que aconteceu na escola nova, foi uma nova concepção do que é libertar os homens por meio
da educação, daí que, se seguiram duras críticas para a pedagogia que mais tarde teve várias
denominações: bancária, tradicional, directiva, entre outros nomes. E sugeriu-se o abandono da
mesma, uma vez que simplesmente arquiva os homens ou construía uma sociedade fechada. Na
visão Freireana, para libertar o homem é preciso criar condições para que ele mesmo saiba da
condição de oprimido na qual se encontra e lute para a sua libertação, e com uma pedagogia que
se limita na imposição do conhecimento isto é impossível.

No entanto, esta foi outra concepção do que é libertar o homem. Podemos ver também outras
formas, com Illich que ao apelar a necessidade de se respeitar ou considerar as ideias de todas as
pessoas, chega a sugerir o abandono das escolas, porque no seu entender aquela instituição aliena
as pessoas. Rogers chega a defender que o professor não pode ser visto como dono do processo
educativo, mas um simples facilitador, portanto, este não tem o direito de dissertar as suas ideias
para serem retidas e posteriormente reproduzidas de forma mecânica.

Ao longo do texto chegamos a afirmar que a pedagogia tradicional foi supostamente abandonada
porque ainda notamos nas escolas fragmentos daquela pedagogia. Em vários países do mundo,
principalmente nos mais pobres é visível a dificuldade da implementação da nova pedagogia. A
falta de fundos pode ser a principal causa desta situação, pois como vimos em Freire, uma
pedagogia libertária implica o envolvimento de todos na elaboração dos conteúdos
programáticos, e isto implica a movimentação de vários pedagogos de um lado para o outro com
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vista a efectuar um trabalho aturado que permitirá a recolha de alguns elementos que ajudarão na
elaboração do conteúdo programático.

No caso de Moçambique, notamos em algum momento vontade de se alcançar uma pedagogia


libertária, as reformas do sistema de educação, principalmente a introdução do ensino bilingue,
constituem grandes sinais dessa vontade. A pesar disso, o país esta longe de alcançar este
propósito devido aos vários problemas que fazem com que a educação seja arrastada para
periferia, não sendo uma prioridade.

A educação em Moçambique esta alicerçada numa pedagogia bancária, para não sermos
pessimistas podemos dizer mini-bancária, uma vez que os conteúdos que são ministrados pouco
têm haver com o concreto, não refletem a realidade em que estamos inseridos. Isto pode ser a
razão de termos engenheiros agrónomos presos nos escritórios luxuosos enquanto no campo vive
um camponês que necessita de conhecimentos para a boa produção. Temos vários profissionais
que não executam as suas funções como deve ser porque não se sentem vocacionados, portanto,
em Moçambique nunca nos perguntam o que queremos aprender, mas sempre nos dizem o que
devemos aprender, e isto identifica-se com um sistema opressor.

A educação moçambicana deve ter como base ou fonte de inspiração as culturas locais. Não se
pode importar currículos exteriores, porque cada povo é um povo, tem características especificas
que devem ser observadas no acto educativo. Contudo, o desafio de Moçambique é o de
encontrar uma pedagogia capaz de ligar a realidade local com a global, as culturas locais devem
ser modernizadas por meio da educação, ou seja, devem ser contempladas no processo educativo,
porque a exclusão destas repercute negativamente.

Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido, vivemos num mundo globalizado,
portanto, se a educação moçambicana se limitar apenas a transmitir valores locais, vai resvalar
para um caos em que os cidadãos não terão como comunicar com o mundo, e se a educação se
limitar apenas em transmitir os valores globais criara outra confusão na qual os intervenientes
não terão como participar no debate porque tratar-se-á de conteúdos que não fazem parte do
convívio deles. Assim sendo, deve-se conciliar o local e o global para libertar os homens.
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