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Capítulo VIII
294
Publicado originalmente no volume 53 do Washington and Lee Law Review, p. 21/31
(1996).
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296
orrespondem, em grande parte, às ações
coletivas no sistema jurídico brasileiro, embora não englobem todos os tipos de ações,
existentes nos Estados Unidos, que podem ser consideradas coletivas. vide nota 127
.
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Até certo ponto, tais situações podem ser controladas por pro-
cessos judiciais instaurados por agentes públicos. Se o interesse público
for grande e o interesse privado relativamente insignificante, então o Mi-
nistério Público deve ter capacidade jurídica para processar os corretores.
Em virtude de termos uma forte tradição, que data do fim do século XIX,
na autorização de ações judiciais cíveis, iniciadas pelo governo, como
alternativa para a ação penal em determinadas áreas297, temos sido relu-
tantes em torná-la a única alternativa disponível para lidar com tais casos.
Esta relutância pode refletir a característica desconfiança norte-americana
com relação ao poder do governo e o desejo de preservar um lugar para o
cidadão ingênuo e imaginativo. Mais concretamente, a relutância em
fazer da ação judicial de iniciativa do governo a única opção civil nessas
situações pode estar enraizada nas preocupações com o sistema oficial de
governança e com a maneira pela qual os agentes públicos cumprem suas
obrigações. A questão relaciona-se à maneira pela qual se responde a uma
determinada situação. O poder de que se investe o Ministério Público é
discricionário e há temores de que essa discricionariedade seja utilizada
de forma abusiva, em razão da corrupção, ou de que necessidades de
certos segmentos da sociedade por exemplo, daqueles sem peso político
sejam sistematicamente negligenciadas. Como resultado, surgiu a ideia
de um sujeito privado exercer as funções do Ministério Público (a ideia
de um private attorney general298). O poder de iniciar uma ação é confe-
rido ao cidadão individual, mas a função do processo judicial é a mesma
de uma ação iniciada pelo Ministério Público, a saber, defender o interes-
se público.
Como tal ação judicial de iniciativa do cidadão deve ser finan-
ciada? A ação judicial deve ser proposta em nome de algum cidadão in-
dividual, mas o trabalho será feito por advogados. Enquanto o termo
private attorney general é normalmente aplicado aos autores da ação,
são os advogados que, na realidade, cumprem esse papel e devem ser
compensados por suas horas de trabalho e esforço. De fato, analisando-se
a questão mais profundamente, nota-se que a compensação deve ser alta o
suficiente para que os melhores e mais brilhantes advogados assumam
tais riscos. Em razão do fato de nós, nos Estados Unidos, operarmos sob
uma norma que não concede os honorários advocatícios ao vencedor, não
297
Ver Sherman Act, 15 U.S.C. §§ 1-7 (1994); Mugler v. Kansas, 123 U.S. 623, 672-73
(1887) (afirmando que os processos na corte de equidade iniciados pelo Ministério
Público são uma alternativa apropriada a processos criminais para restringir danos de-
correntes do direito de propriedade).
298
Conserva-se no texto a expressão em inglês pela ausência de uma tradução cômoda
Direito como Razão Pública 187
Legal Services Corporation, Center for Law & Social Policy, Equal
Rights Associates que disponibilizam advogados para servirem como
private attorneys general302.
A terceira, e talvez mais imaginativa, solução para o problema
de financiar o private attorneys general, é a adotada pela class action.
Na essência, a class action permite que o autor do exemplo apontado
obtenha em juízo não apenas os setenta dólares quantia relativa ao
dano individual sofrido , mas sim os sessenta milhões de dólares
relativos às indenizações devidas a todos os investidores lesados. A
maioria dessas indenizações seria paga aos investidores, mas uma gran-
de parte talvez seis milhões de dólares (10%) ou, até mesmo, vinte
milhões de dólares (33,3%) iria para os advogados do autor da ação.
Os advogados seriam pagos pelo fundo comum que criaram com o re-
sultado positivo da ação.
Em suma, a class action pode ser considerada uma criação des-
tinada ao financiamento do private attorney general. Permite a reunião de
pretensões, quando similares ou idênticas, de um grande número de pes-
soas, nenhuma das quais permanecendo isolada justificaria o processo
judicial. A pessoa que ingressa com o processo judicial é referida como
identifi
não identificados da classe e, para melhor entender os dilemas criados
pela class action, devemos considerar o impacto da ação do autor identi-
ficado sobre os direitos da classe.
Uma vitória do autor identificado precluirá ações judiciais futu-
ras dos membros não identificados da classe. Isso parece relativamente
simples. Os membros não identificados da classe não terão qualquer ra-
zão para perseguir suas reivindicações porque, em hipótese, elas já foram
pagas e honradas e, em caso algum, a mais elementar justiça exigiria tal
resultado. Os réus não têm de pagar duas vezes.
Mas o que aconteceria se, como de fato é possível, o autor iden-
tificado perdesse o processo? A regra geral, nos Estados Unidos, é impe-
dir que os membros não identificados da classe ingressem com ações
futuras, mas os fundamentos de tal regra estão longe de serem claros303.
302
Ver, de maneira geral, Jack Greenberg, Crusaders in the Courts: How a Dedicated
Band Of Lawyers Fought For The Civil Rights Revolution (1994); Samuel Walker, In
Defense of American Liberties: A History Of The ACLU (1990).
303
A coisa julgada coletiva no Brasil segue as normas dos arts. 103 e 104 da Lei
8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), em sistemática diversa daquela ado-
tada nos Estados Unidos.
Direito como Razão Pública 189
Uma noção, talvez mais apropriada para uma aposta do que para um lití-
gio304, pressupõe que os riscos do réu devem ser simétricos. Se o réu per-
de, a perda é grande; assim, se réu ganha, o ganho também deve ser grande.
Alternativamente, a regra pode estar baseada em um medo de extenuar o
réu depois de ganhar um caso, o réu pode ter de montar uma segunda
defesa, uma terceira, e assim por diante. Deve-se admitir que a extensão
do dano individual é muito pequena para supor-se que, um após o outro,
os lesados entrariam individualmente com processos judiciais, mas não
está claro o porquê do primeiro a entrar com uma class action ser o único
autorizado a fazê-lo.
Qualquer que seja a razão, a regra que impede novas ações por
parte dos membros não identificados da classe, na contingência de uma
perda pelo autor identificado, encontra-se bem estabelecida e dá origem à
tensão normativa central na class action: um conflito com o princípio que
promete a cada pessoa um dia na corte antes da preclusão de seu direito.
Em um nível superficial, essa tensão tem sido resolvida através da con-
cepção da class action como uma forma de ação representativa, porque,
para ser preciso, o sistema jurídico não garante que cada pessoa terá seu
dia na corte, mas apenas que o interesse de cada pessoa será representado
na corte. Está razoavelmente bem estabelecido que, se aponto um agente
para representar meus interesses, esse ingressa com uma ação judicial em
meu favor e perde, não poderei entrar com novo processo.
A class action é de fato uma ação judicial de representação
como já foi notado, o autor identificado está ingressando com uma ação
judicial em favor de todos os membros não identificados da classe , mas
ela emprega um conceito peculiar de representação: auto nomeação. Con-
trariamente à situação em que nomeio alguém como meu procurador, na
class action o autor identificado nomeia a si mesmo como representante
da classe. A autonomeação tem precedentes no mundo da política e em
outros domínios sociais. De fato, é lugar absolutamente comum em situa-
ções políticas, onde há mudança radical de regime. As pessoas que se
reuniram na Philadelphia, no verão de 1787, para traçar as primeiras li-
nhas da Constituição dos Estados Unidos autonomearam-se para repre-
sentar o povo. Aqueles que sentaram ao redor da mesa redonda em Buda-
peste, no verão de 1989, assumiram seus mandatos de maneira similar.
Até agora, não há negação de que a autonomeação seja uma forma anô-
mala de representação, apenas uma forma justificada, se o for completa-
mente, pelas mais excepcionais circunstâncias. Seu uso na class action
304
Harry Kalven, Jr., & Maurice Rosenfield, The Contemporary Function of the Class
Suit, 8 U. Chi. L. Rev. 684, 713 (1941).
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305
417 U.S. 156 (1974).
306
Odd-lots, no original.
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cial e, em muitos casos, isso pode ser um empecilho decisivo para que,
efetivamente, proponha a ação. Contudo, as alternativas também têm
suas desvantagens. Considerando-se tudo isso, parece que a solução
mais sensata para o presente problema é a notificação coletiva, porque
essa permite-nos permanecer um tanto indiferentes quanto ao método de
alocação, posto que as somas são bastante pequenas. Mesmo se o autor
for incumbido do pagamento, é improvável que o ônus seja decisivo. A
partir desta perspectiva, a decisão Eisen parece peculiarmente infeliz. A
Suprema Corte não só rejeitou o esforço da corte de primeiro grau no
sentido de realocar os custos da notificação, como também rejeitou a
noção de notificação aleatória e insistiu em uma forma particularmente
cara de notificação individualizada correio de primeira classe para
cada e todo membro da classe cujo nome e endereço for conhecido de
todos os 2.250.000.
A Suprema Corte fundamentou sua decisão no especial teor de
uma das Normas Federais de Processo Civil 309. Ao meu ver, a Corte não
estava vinculada àquela norma ou, no que tange ao caso em questão, a
qualquer outra das normas da class action, porque o processo pelo qual
as normas federais foram promulgadas não pode gerar normas capazes
de vincular a Corte310. As normas em questão não satisfazem a exigên-
cia de caso ou controvérsia contida na Constituição311 ou quaisquer
das outras relativas a decisões judiciais e, por essa razão, não podem
nem mesmo adquirir o peso usualmente conferido aos precedentes judi-
ciais. Tais normas também não possuem o efeito vinculante de uma lei.
Sob a Seção 2072 do Judicial Code, promulgado nos anos 30, as nor-
Idem.
311
Artigo III da Constituição Norte-americana.
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313
Alyeska Pipeline Serv. Co. v , 421 U.S. 240, 271 (1975).
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