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Contato:
Ismael Scheffler
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Curitiba
Av. Sete de Setembro, 3165 - Rebouças CEP 80.230-901 – Curitiba – PR
E-mail: scheffler@utfpr.edu.br
Site: https://tut.ct.utfpr.edu.br/
2021
Ismael Scheffler
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
ISBN: 978-65-993780-5-8
Inclui bibliografia
Originalmente apresentado como dissertação de mestrado na
Universidade do Estado de Santa Catarina, 2004
Notas do autor 9
Abertura 11
1. Sobre termos, conceitos e por onde vamos 15
2. Escritos de Artaud 21
3. O herói mitificado, o santo martirizado 23
4. A alma arraigada no universo simbólico 27
5. Imagens indestrutíveis que falem diretamente ao espírito 35
6. Um teatro político 61
7. Mito no teatro de Artaud 67
8. Caos 75
9. Rito e teatro 79
10. Espaço sagrado 93
11. Teatro, metamorfose e mutação: um exercício de devaneio 105
Considerações finais 117
Referências 121
Mapeamento bibliográfico 127
Notas 133
Sobre o autor 135
Notas do autor
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Abertura
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Artaud e o Teatro Sagrado
sentido para nós. Talvez as reflexões deste livro possam nos ajudar
a pensar sobre nossa existência, e sobre a sociedade e a arte nesta
transição pela qual o mundo e o teatro passam.
Por fim, é importante referir a outra metade de minha
dissertação, que trata sobre o encenador polonês Jerzy Grotowski.
Desta, publiquei o artigo Elos de uma mesma cadeia: diferentes
períodos no transcurso de Jerzy Grotowski (2005), nos Anais do III
Fórum de Pesquisa Científica em Arte da Escola de Música e Belas
Artes do Paraná – o texto esteve disponibilizado por vários anos na
Revista Espaço Acadêmico, indisponível atualmente, servindo de
referência na página de Grotowski no site Wikipédia/Português.
Publiquei também o capítulo “O espectador nas encenações de
Jerzy Grotowski” (2009), no livro A interatividade, o controle da
cena e o público como agente compositor, organizado por Margarida
Gandara Rauen. A dissertação integral, Características do sagrado
nas propostas teatrais de Antonin Artaud e Jerzy Grotowski (2004),
encontra-se disponível em pdf na Biblioteca Universitária da Udesc, e
nela pode ser encontrado um desdobramento e um aprofundamento
de conceitos da Hermenêutica Simbólica correlacionados ao teatro
grotowskiano.
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1.
Sobre termos, conceitos e
por onde vamos
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2.
Escritos de Artaud
Antonin Artaud escreveu muito ao longo de toda sua vida. Aliás, foi
seu desejo de fazer carreira literária que o levou a Paris, em 1920, após
sucessivas passagens por diversos sanatórios e estações de repouso.
Martin Esslin (1978), que publicou uma biografia e cronologia
bastante detalhada, refere que, em 1915, Artaud teve uma crise
de depressão que o levou ao primeiro internamento, tendo ele 18
anos. Em 1916, convocado pelo serviço militar, foi dispensado nove
meses depois por problemas de saúde. Artaud passou por sucessivos
internamentos entre 1916 e 1920, quando chegou a Paris.
Na capital francesa, Artaud iniciou sua carreira como ator de
teatro e cinema, tornando-se o teatro o centro de seu interesse. Seus
escritos são sua principal produção. São manifestos, conferências,
poesias, cartas, projetos de encenação, críticas, reflexões, cadernos,
relatos etc. Com relação ao teatro, nunca chegou a realizar totalmente
aquilo que propunha, fator que contribui para a formação de um
mito artaudiano, uma vez que instiga e atrai, suscitando muitas
questões de debates.
Os textos de Artaud não foram planejados por ele como
um todo linear, de forma a apresentar ordenadamente suas ideias e
conceitos. Segundo o pesquisador mexicano Felipe Reyes Palacios
(1991), em seu livro Artaud y Grotowski: ¿el teatro dionisiaco de
nuestro tiempo, “Artaud não é um teórico sistemático, e por isso
maneja livremente toda sorte de influências.” (p. 56-57). Seus escritos
são a produção de uma vida, e, embora Artaud tivesse interesse na
publicação em jornais, revistas e mesmo livros, em poucas ocasiões
pôde organizá-los como uma unidade para esse fim – exceção, por
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O herói mitificado, o santo martirizado
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A alma arraigada no universo simbólico
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presente nos sonhos, mas desprezadas até então. Com isso pretendiam
a “ampliação de seus horizontes para além do campo das associações
lógicas, incluindo as zonas limites do inconsciente (e seus correlatos, da
magia à loucura, passando pela atividade onírica).” (Garcia, 1997, p. 63).
Martin Esslin (1978) destaca a influência dos estudos
freudianos sobre Artaud, no que concerne ao mal-estar da civilização
ocidental devido à repressão da vida instintiva, impulsiva e
subconsciente. “Em boa parte, a ideologia surrealista baseava-se nos
conceitos freudianos, e Artaud sofreu nítida influência de Freud,
especialmente de sua obra A interpretação dos sonhos. Tinha sido
Freud a mostrar como a linguagem no sonho é transposta para
imagens que podem, então, ser lidas como a grafia pictórica, os
hieróglifos.” (p. 101). Vera Lúcia Felício (1996) atesta a compreensão
do sonho, proposta por Freud e adotada inicialmente por Artaud,
de que “no sonho a linguagem é cifrada e que, portanto, o que está
sendo manifesto esconde o que efetivamente está sendo expresso; é o
lado secreto e mágico do sonho; é o falso necessário para o verdadeiro;
é o duplo exigido pelo sonho e pelo teatro.” (p. 101, grifos da autora).
No Manifesto por um Teatro Abortado, publicado em 1927,
podemos perceber a importância do sonho para as propostas cênicas
de Artaud:
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tortura sobre as almas fiéis a deus, afim de separá-las de deus.” (p. 96).
Diante de tais visões, que alternativas Artaud encontra? “Pularei no
Mal e contra ele, porque o Bem não conseguiu me aliviar.” (Artaud
apud Teixeira Coelho, 1982, p. 41).
Eliade (2001) afirma que, na experiência religiosa, o homem
experimenta um “afastamento do divino” (p. 106), que faz com
que o homem se interesse cada vez mais por descobrir o sagrado em
experiências mais “concretas”, mais carnais, até mesmo orgiásticas.
O ser, afastando-se do Deus celeste, parte para uma experiência
religiosa mais intimamente misturada com a Vida. Parece ser isso que
Artaud persegue nesse momento, surgindo então um paradoxo: se
“viver é perder o corpo” (Artaud, 1986, p. 91) e a experiência divina
se vive na matéria, então, a experiência divina para ele não apresenta
perspectivas positivas.
Se, de fato, o que Teixeira Coelho (1982) escreve é
verdadeiro, de que a “religião, para Artaud, é essa operação mais
básica e vital: o ato de tentar religar as coisas entre si e a ele, à própria
pessoa; o procedimento de religar a pessoa à pessoa que ela perdeu,
a ela mesma, àquela que a sociedade tirou dela através disso que
se chama de alienação, no sentido político, quer dizer, no sentido
existencial” (p. 63), poderíamos dizer que, também nesse aspecto,
Artaud se embrenhou numa busca alucinada e inatingida. Seus
textos profanadores não simbolizam apenas uma oposição aos
valores da sociedade na qual estava inserido, mas uma dimensão
de atribuição de sentido existencial que não se articulou com
eficácia. Na medida em que nega e blasfema, ele também está
reconhecendo a existência e a presença, mantendo vivo algo que
não consegue resolver.
Mircea Eliade (2001) afirma que o sagrado revela o verdadeiro
real, e é essa realidade que faz com que o homem se instale no mundo
com um sentido: “o sagrado é o real por excelência, ao mesmo tempo
poder, eficiência, fonte de vida e fecundidade.” (p. 21, grifo do autor).
O mundo, então, não é mudo, opaco ou inerte, nem sem objetivo ou
significado. Ele é dotado de forças que antecedem a existência, pois em
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dor fendilhada que todas as noites me perseguia.” (p. 38). O que ele
almejava para si aparece de maneira muito clara: “eu vivia os três dias
mais felizes de minha vida. Não mais me sentia aborrecido na busca de
uma razão para minha existência, e o corpo já não me pesava. Percebia
que inventava a vida, que esta era a minha função e minha raison d’être
[razão de ser], que ficava entediado quando já não tinha imaginação e
que o peiote me dava imaginação.” (Artaud8 apud Esslin, 1978, p. 44).
Não nos cabe tentar definir com exatidão os movimentos
do que de fato se passou nas relações de Artaud com o divino. O
que é pertinente destacar, aqui, é que ele intuía, dentro de seu
universo vivencial, uma espiritualidade mais significativa do que as
que encontrou, ao menos para uma vivência continuada, à qual ele
pudesse se mesclar e se sentir parte.
Assim, mergulha e transita por todos os meios no universo
simbólico, buscando-o de maneiras voluntárias e involuntárias: arte,
sonhos, delírios e religião. Em todos os escritos de Artaud podemos
identificar a presença e evocação constante dessas diferentes aparições
do símbolo. Poderíamos afirmar, então, que esse universo é por
excelência o universo de Artaud? É sobre suas experiências pessoais que
ele constrói suas propostas de teatro, expressas em seu livro O teatro e
seu duplo, todos os seus escritos, e mais, toda sua vida.
Ao considerarmos que o domínio conceitual sobre o simbólico
ainda estava se estabelecendo, com as teorias da psicanálise freudiana
sendo divulgadas, com a exploração artística das dimensões oníricas,
com a mobilização de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento
humanístico dentro do Círculo de Eranos, entre outros, poderíamos
supor que Artaud estava interagindo com o espírito de sua época,
atribuindo significativa importância, à sua maneira, a novas percepções
que ainda estavam sendo escrutinadas em conceitos e se chocavam
com muitos valores vigentes. Um conhecimento mais aprofundado dos
conceitos relativos ao sagrado e ao simbólico pode ajudar, nos dias
de hoje, a compreender melhoras propostas de Artaud.
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Imagens indestrutíveis que falem
diretamente ao espírito
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Um teatro político
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Mito no teatro de Artaud
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diz que o mito não é traduzível pela lógica, pois isso implicaria em um
empobrecimento, uma passagem do semântico ao semiológico, que
reduziria o conteúdo apreendido pela vivência. É a compreensão segura
de algo que não se entende.
Em seu teatro idealizado, Artaud (1993) pretendia trabalhar
com temas “cósmicos, universais, interpretados segundo os textos
mais antigos, tirados das velhas cosmogonias mexicana, hindu,
judaica, iraniana etc” (p. 121), bem como com temas conhecidos,
populares ou sagrados. Ele oferece algumas indicações de programa,
citando autores e peças dramatúrgicas que forneceriam o eixo
narrativo do espetáculo que, por sua vez, seria inventado diretamente
no palco: “Woyzeck, de Büchner e várias outras obras, tiradas
de dramaturgos elisabetanos: A tragédia do Vingador, de Cyril
Tourneur; A duquesa de Amalfi e O Demônio branco, de Webster;
algumas obras de Ford etc.” (Artaud, 1995, p. 80). Também explicita
um programa no Primeiro Manifesto da Crueldade: adaptação de
Shakespeare, mesmo sendo um apócrifo, peça de Leon-Paul Fargue,
algo de Zohar (A história de Rabi-Simeão), Barba Azul, Tomada de
Jerusalém, segundo a Bíblia e a História, um conto do Marquês de
Sade, melodramas românticos, Woyzeck de Büchner, obras do teatro
elisabetano.
O que Artaud identifica em textos e relatos antigos que o faz
crer em seus teores míticos? Poderíamos empreender um estudo dos
textos referidos por Artaud tomando-os como mitos, para realizar um
estudo conforme as propostas da mitocrítica e mitoanálise de Gilbert
Durand (1993), observando o desenvolvimento diacrônico dos
relatos, e também as redundâncias dos mitemas (unidades mínimas de
sentido em que se pode decompor um mito), numa análise sincrônica,
estabelecendo-se uma correlação entre uma narrativa e outra para
identificar as convergências simbólicas e perceber as repetições e as
constelações estruturais entre um mito e outro. Uma análise de tal
natureza poderia revelar arquétipos e símbolos julgados, por Artaud,
necessários a serem trabalhados em seu Teatro da Crueldade. Mas
também poderíamos questionar a validade de tal estudo, uma vez
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Caos
Artaud recorre com certa frequência aos termos caos e cosmos. Ele
compreende estes termos num sentido genérico, como ordem e
desordem. Mas em meio a suas concepções podemos ir além, num
estudo que aborde caos e cosmos de forma mais profunda.
Mircea Eliade, importante cientista das religiões, em seu
livro O Sagrado e o Profano (2001), destacou estas duas formas,
sagrado e profano, como distintas formas de experiência, como duas
situações existenciais que expressam diferentes maneiras de ser no
Mundo. Essas duas formas existenciais nos permitem compreender as
distinções entre Caos e Cosmos, e a negação ou afirmação de Artaud
sobre essas situações. Na experiência profana, afirma Eliade, espaço
e tempo são homogêneos e neutros, não havendo neles nenhuma
rotura que indique diferenças de qualidade entre as partes. No tempo
e no espaço profano não existe referência ou orientação, inexistindo
estruturas ou consistência, sendo ambos, portanto, amorfos.
Por outro lado, Eliade afirma que, na dimensão sagrada, o
espaço e o tempo são heterogêneos: eles apresentam roturas, quebras,
existindo porções qualitativamente diferentes umas das outras.
Há, portanto, um espaço e um tempo “fortes”, significativos, que
estabelecem, pela experiência vivida, o único mundo que realmente
existe. Essa diferença de “força” se define a partir da manifestação do
sagrado, a epifania. Conforme Eliade, é a manifestação do sagrado que
funda ontologicamente o mundo, atribuindo-lhe forma e sentido.
É na quebra do espaço e do tempo profanos que se torna
possível a constituição do Mundo/Cosmos, pois é a manifestação do
sagrado que santifica e recorta uma determinada zona desse espaço e
tempo profanos.
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Rito e teatro
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Para que seu estilo fosse apropriado a suas metas, Artaud teria que
considerar as pautas de conduta estabelecidas dos espectadores, já
que só assim poderia predizer acertadamente as respostas e selecionar
sequências de imagens para obter reações precisas.” (Innes, 1992, p. 110).
Essa questão, no entanto, não foi desenvolvida significativamente nos
escritos de Artaud.
Outro aspecto relacionado ao público é abordado por Jorge
Dubatti, quando ele lembra que, na proposta de Artaud, o público
“perde a distância de observador do acontecimento teatral e se fusiona
de tal maneira que deixa de ser espectador para se transformar em
participante-oficiante” (Dubatti, 2002, p. 35) da cerimônia mágica.
Dessa maneira, não existiria mais uma simples recepção estética de
um objeto artístico por parte do espectador. Artaud, contudo, não
define o que seria essa participação que parece implicar ação. Para
Bernard Dort, este seria o grande defeito do O teatro e seu duplo:
“sonhar com um teatro sem pensar num público; preconizar um
grande teatro de participação sem se interrogar sobre a natureza e o
papel dessa participação.” (Dort11 apud Virmaux, 2000, p. 200). Vale
lembrar, no entanto, que nos ritos xamânicos nem todos os que o
assistem necessariamente fazem parte da ação – alguém faz por eles
e eles compactuam com o que está sendo feito. Participam porque
atestam e partilham, aprovam e fazem parte:
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Espaço sagrado
O tempo em que o homem era uma árvore sem órgãos nem função
mas de vontade
e árvore de vontade que anda,
voltará.
Existiu, e voltará.
Porque a grande mentira foi fazer do homem organismo,
ingestão, assimilação,
incubação, excreção,
o que existia criou toda uma ordem de funções latentes
e que escapam ao domínio da vontade
decisora,
a vontade que em cada instante decide de si; porque assim era a árvore humana
que anda, uma vontade que decide a cada instante de si, sem funções ocultas,
subjacentes, que o inconsciente rege.
Do que somos e queremos na verdade pouco resta
[...]
Esse texto foi escrito em 23 de abril de 1947, para ser lido por Artaud
no ato inaugural da exposição de seus retratos e desenhos na Galeria
Pierre, em 19 de julho de 1947. Pierre Loeb era o proprietário da
galeria e, também, um dos nove membros do Comitê dos Amigos
de Antonin Artaud, que reuniu os recursos necessários para garantir
o pagamento da casa de saúde de Irvy, onde Artaud esteve internado
depois de sair de Rodez.
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aniquila e anula a decisão ativa, ser “uma vontade que decide a cada
instante de si”. Ser humano para ele não está sobre a funcionalidade
que empreende a manutenção dos sistemas/organismos, sejam
corporais ou sociais, na sobrevivência, mas está sobre o arbítrio. Os
animais defecam, comem e dormem como o humano, mas somente
o humano possui uma dimensão mágica, a capacidade de poetizar e
significar a vida.
O que Artaud parece ter ambicionado a vida toda, é essa
volta a um estado primeiro puro de humanidade e à qual, neste texto,
ele profetiza um regresso. Talvez também seja a isto que as propostas
artaudianas para o teatro estariam inclinadas, quando ele escreve no
prefácio de O teatro e seu duplo: “é preciso acreditar num sentido de
vida renovado pelo teatro, onde o homem impavidamente torna-se o
senhor daquilo que ainda não é, e o faz nascer [...] Do mesmo modo,
quando pronunciamos a palavra vida, deve-se entender que não se trata
da vida reconhecida pelo exterior dos fatos, mas dessa espécie de centro
frágil e turbulento que as formas não alcançam.” (Artaud, 1993, p. 7).
Quando olhamos para a definição de sagrado e profano
desenvolvida por Mircea Eliade, podemos identificar uma correlação
conceitual com as concepções de homem-árvore e de homem-organismo.
O sagrado e o profano são duas situações existenciais que expressam
duas formas distintas de experiência e maneiras de ser no Mundo,
conforme define Eliade.
Ao tratarmos sobre o espaço sagrado, pode-se melhor
compreendê-lo se o estudarmos em comparação ao espaço profano.
“Para a experiência profana”, afirma Eliade (2001), “o espaço é
homogêneo e neutro: nenhuma rotura diferencia qualitativamente
as diversas partes de sua massa.” (p. 26). Ele é, portanto, homogêneo,
não apresenta nenhuma diferenciação qualitativa, nenhuma
referência ou orientação. Nesse tipo de espaço inexistem estruturas e
consistência; ele é amorfo, igual por inteiro.
Por outro lado, “para o homem religioso, o espaço não
é homogêneo: o espaço apresenta rotura, quebras; há porções de
espaço qualitativamente diferentes das outras. [...] Há, portanto,
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dissertações, teses e outros textos brasileiros
sobre Antonin Artaud
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Notas
1
Artaud, Oeuvres Complètes, v. VIII. Paris: Gallimard, 1976, p. 159
2
Artaud. Oeuvres Complètes. v. 1. Paris: Gallimard, 1970, p. 30.
3
Artaud citado por Teixeira Coelho, sem referências.
4
Artaud. Van Gogh: o suicidado pela sociedade (trechos)
5
Artaud. Van Gogh: o suicidado pela sociedade (trechos).
6
Artaud. Oeuvres Complètes. v. 4. Paris: Gallimard, 1964. p. 96.
7
Artaud. Surrealismo e revolução: palestra pronunciada no México –1936.
8
Artaud. Oeuvres Complètes. v. 9. Paris: Gallimard, 1.ed.
9
Artaud. Surrealismo e revolução.
10
Artaud. Oeuvres Complètes. v. 1. Paris: Gallimard, 1976, p. 60.
11
“B. Dort. A vanguarda em suspenso. Théâtre populaire. n. 18,
1.5.1956; texto reproduzido (e ligeiramente modificado) em Théâtre
public, Seuil, 1967, p. 245.” (Virmaux, 2000, p. 200)
12
Artaud. Oeuvres Complètes, v. 3. 16 de outubro de 1934, p. 308.
13
Artaud. O teatro e os deuses. In: Artaud. Os Tarahumaras.
ed. L’Arbalète, Marc Barbezat, 1963. p. 196-208. (Conferência
pronunciada em 1936 na Universidade do México)
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Sobre o autor
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