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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO/DEPARTAMENTO DE LETRAS


Literatura Portuguesa I
Nome: Danielle Feliciano de Lima e Silva

Análise da cantiga de Rodrigo Anes de Vasconcelos

A análise a seguir corresponde à cantiga de Rodrigo Anes de


Vasconcelos, trovador medieval de nacionalidade portuguesa. Sendo assim, de
início, cabe discorrer sobre os pontos gerais do Trovadorismo. Esse movimento
literário surgiu, então, na Europa durante o período da Idade Média, o que
reflete muito da sociedade da época nas manifestações escritas dos
Trovadores. A sociedade medieval era marcada pela grande influência da
Igreja Católica, que detinha grande poder naquela época e demonstrava uma
forte repressão à profanidade – característica essa que muitos Trovadores
subverteram nas cantigas do gênero satírico, por exemplo, ou nas cantigas do
gênero lírico de forma mais implícita.
A poesia trovadoresca possui os gêneros lírico (correspondente às
cantigas de amor e de amigo) e satírico (correspondente às cantigas de
escárnio e de maldizer). Quanto ao Gênero Lírico, predominam os temas do
sofrimento e idealização amorosa. Nas cantigas de amor o eu lírico se revela
masculino e se coloca em posição inferior à sua amada, a quem ele chama de
“senhora”. Já nas cantigas de amigo, há uma maior rigidez formal e geralmente
a voz do eu-lírico é feminina. Os trovadores, assim, representam o universo
feminino em suas temáticas.
Tendo em conta a geografia política peninsular da época, que se
caracterizava pela existência de entidades políticas diversas, muitas vezes com
fronteiras voláteis e frequentemente em luta entre si, a área geográfica e
cultural onde se desenvolve a arte trovadoresca galego-portuguesa (ou seja,
em língua galego-portuguesa)
Com isso, é importante ressaltar que o Trovadorismo, nascido no
medievo, - ainda que detenha de aspectos coordenados pela Arte de Trovar -
as cantigas pertencentes a esse movimento literário possuem uma série de
divergências e mesclas entre gêneros, o que caracteriza a criatividade dos
Trovadores naquela época.
Partindo para a análise da cantiga galego-portuguesa de Rodrigo Anes
de Vasconcelos, nota-se que há presença de rima na cantiga toda, e os dois
últimos versos são iguais em cada estrofe:
“d'eu por vassalo e vós por senhor,
de nós qual sofre mais coita d'amor!”
o que configura, então, o refrão. Trata-se também do gênero lírico, por serem
abordados temas de amargura e sofrimento. Percebe-se que o eu-lírico fala
sobre a “coita” logo no primeiro verso, por isso, a cantiga tende a se
caracterizar como uma cantiga de amor. Além disso, o refrão demonstra que o
eu-lírico se refere a outra pessoa como “senhor”. No entanto, o eu-lírico não se
refere a essa outra pessoa como algo inalcançável, ou aponta a ela um
endeusamento, o que se pode observar, na verdade, é que ambos sofrem essa
“coita” por alguém de igual modo. Sendo assim, não fica claro se a voz desse
eu-lírico é masculina ou feminina, pois não se sabe ao certo que tipo de relação
o eu-lírico estabelece com a pessoa a quem se refere.
Na segunda estrofe, quando diz nos dois primeiros versos:
“Coitas sofremos, e assi nos avém:
eu por vós, amig[o], e vós por mi!”

observa-se que o eu-lírico e essa outra pessoa possuem o mesmo sentimento


de “coita” um pelo outro. Portanto, pode-se dizer que a cantiga se configura
como uma cantiga de amigo nos moldes de uma cantiga de amor, uma vez que
possui traços que demarcam uma cantiga de amor mediante à forma, com o
vocativo “senhor” e o sentimento exacerbado de coita, o que caracterizaria uma
voz masculina. Porém, há um caráter confidente desse eu-lírico com a outra
pessoa, o que também se pode inferir que se trata de uma voz feminina. Nesse
caso, como não fica bem explícito qual o tipo da cantiga, trata-se, então, de um
aspecto de hibridismo, uma mistura, o que caracteriza a simbiose dessa
cantiga, tendo características tanto de uma cantiga de amor quanto de amigo.
Outro ponto que se pode pensar é a possibilidade de ser uma cantiga de
amigo que possui um caráter homossexual, se tratando de uma relação entre
duas mulheres. Pois, quando o eu-lírico traz no terceiro e quarto versos ainda
na segunda estrofe:
“E sabe Deus de nós que est assi;
e destas coitas nom sei eu muit'en,”

talvez possa estar querendo passar a ideia de que Deus sabe o que ele sente,
o que não quer dizer que Deus aprova, mas ele sabe do sentimento do eu-lírico
para a pessoa a quem se refere e vice-versa. Isso pode trazer uma mensagem
subliminar de que talvez se trate de uma relação homossexual entre essas
duas figuras, já que não era algo visto com bons olhos na época.
O que se conclui, portanto, é que a cantiga não deixa claro qual a voz
desse eu-lírico, bem como não se pode ter certeza de qual cantiga do gênero
lírico se trata. Porém, os aspectos indicam se tratar de um fenômeno de
simbiose por possuir aspectos tanto da cantiga de amor como da cantiga de
amigo. Sendo assim, fica claro a maleabilidade de Rodrigo Anes de
Vasconcelos em produzir essa cantiga.

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