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Autor: Jefferson Silva de Almeida

A partir do Texto de Pierre Clastres, fica claro um aspecto de dominação


política a partis não de uma forma ou regime econômico, mas pela maneira como o
poder é incorporado a determinada sociedade. Para tal tarefa ele nos apresenta
algumas relações políticas em torno de algumas sociedades tribais das Américas do
Sul e Norte.

Inicialmente ele tenta desbancar um leque de ideias etnocentristas em torno


da realidade econômica e tecnológica dos povos ditos “selvagens”. Ele nos diz que
não é sensato equipar tecnologias sem levarmos em consideração a eficácia e
usualidade de qualquer ferramenta, dentro de um contexto sócio espacial ao qual a
mesma foi submetida. Logo se determinada ferramenta é útil dentro do que se
pretende fazer com ela, então a mesma não pode ser considerada ultrapassada.

Clastres também afasta a tão comum ideia de que todas as sociedades


selvagens vivem a base de uma economia de subsistência. Segundo ele, também
não é possível fazer essa afirmativa sem debruçarmo-nos em um contexto onde o
que está em jogo não é a subsistência, mas o volume de trabalho necessário para
uma existência harmônica com o próprio corpo e o domínio da natureza. Não existia
entre os índios, fetiche algum sobre acumulo de qualquer bem, seja ele de natureza
fútil ou mercadológica, não existia acúmulo fora daquilo considerado útil a vida e ao
bem estar individual. A visão do autor é de que talvez as ciências, de uma maneira
inconsciente, estejam fazendo as perguntas erradas.

Mas sem dúvida alguma o ponto central do texto está calcado nas relações de
poder. Clastres vê a ausência de um líder poder político com legitimidade para usar
a força em função de leis, principal motivo para não acreditarmos num processo de
evolução social, onde o trajeto se iniciaria numa vida “sem crença, sem rei e sem lei”
e caminharia para uma sociedade como a nossa, com um Estado coordenando a
dicotomia entre dominador e dominado. Para explicar essa ausência de um líder
fazendo o papel de um déspota ou do Estado é preciso entender esta dicotomia, até
pode haver uma divisão do trabalho, mas não há divisão classes sociais entre os
povos indígenas. Então se não há classes, também não pode haver algo ou alguém
com a função de remediar os conflitos de diferença econômica. Isto não significa
dizer que não há conflitos em sociedades indígenas ou que não há alguém que
exerça essa função de mediação. Esse poder é delegado a figura do Chefe da tribo.
Apesar de possuir tal denominação o “chefe” não representa uma figura de poder ou
liderança incondicional, como dito a cima sua função é mediar conflitos, não
podendo usar a forma com legitimidade, até mesmo porque a única legitimidade lhe
permitida em tal tarefa é a retórica.

O único uso de força permitido a um chefe se dá apenas em situações de


guerra, onde o mesmo tem o dever de liderar seu povo no campo de batalha, e
ainda assim não há guerra que se sustente sem a concessão de todos os outros
membros da tribo. O chefe é uma figura que deve servir aos desejos de sua tribo e
não o contrário, aquele que por alguma razão começar a se desviar daquilo que sua
tribo deseja está fadado a perder respeito e credibilidade por parte dos outros
integrantes. Sua influencia e respeito é exclusivamente alimentada por questões e
ordem técnica, seja por sua facilidade na resolução de conflitos internos, seja
através de suas habilidades para conduzir seu povo em épocas de guerra.

Já no final de seu texto, Clastres especula de que talvez a história pudesse


ser diferente no que tange a instauração de um Estado indígena. Como
normalmente as tribos eram todas muito pequenas demograficamente, nunca houve
a necessidade de um líder político a frente das questões de ordem social, havia no
máximo alguns acordos entre chefes vizinhos, quanto a questões de guerra ou
invasão. Porém havia já nos séculos XV e XVI alguns aldeamentos Guaranis com
cerca 3 ou 4 mil índios e nesses aldeamentos sim existiam lideres que de certa
forma tratavam de uma organização social.

Havia também a figura do “Karai”, uma espécie de profeta e esses já


relatavam os perigos da existência daquilo que o autor chamou de “Um”, uma
espécie de líder que atua a partir do poder e coerção, contra a liberdade. O tal
profeta teria a missão de alertar e guiar o povo para a terra onde não existe o mal,
onde não existe o Um. E foram os Karai que quase formaram uma espécie de
estado, pela primeira vez se formavam aldeamentos de índios vindos de tribos
diversas em busca dessa tal terra onde o mal não existe. Como conclusão, acho
muito oportuno usar o que Clastres nos diz no ultimo parágrafo de seu texto:
“Palavra profética, poder dessa palavra: teríamos nela o lugar originário do
poder, o começo do Estado no Verbo? Profetas conquistadores das almas
antes de serem senhores dos homens? Talvez. Mas, mesmo na experiência
extrema do profetismo (porque sem dúvida a sociedade tupi-guarani tinha
atingido, por razões demográficas ou outras, os limites extremos que
determinam uma sociedade como sociedade primitiva), o que os selvagens
nos mostram é o esforço permanente para impedir os chefes de serem chefes
e a recusa da unificação; é o trabalho de conjuração do Um, do Estado. A
história dos povos que têm um história é, diz-se, a história da luta de classes.
A história dos povos sem história é, dir-se-á como ao menos tanta verdade, a
história da sua luta contra o Estado.”

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