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Educação Ambiental: Como surgiu e a que se destina

Maria de Fátima de Souza

A humanidade tem experimentado nos últimos dois séculos um grande


crescimento científico e tecnológico. Todavia, o processo de produção industrial
contribuiu para mudanças nos valores, no modo de vida da sociedade e na percepção
das pessoas a respeito do meio ambiente, o qual tem sido tratado como fonte de
recursos, cuja utilização em muitos casos, tem sido praticada sem se estabelecer limites
e critérios adequados. Em conseqüência desse conjunto de fatores, surgiram problemas
ambientais de dimensões variáveis ao redor do planeta Terra.
Como contraponto à crise socioambiental, diversos setores da sociedade tem se
mobilizado para buscar soluções e mudanças. E é nessa perspectiva que, na década de
1960, se configurou nos Estados Unidos o movimento ambientalista, o qual gestou o
contexto para o lançamento do livro, Primavera Silenciosa (Silent Spring), de autoria de
Rachel Carson, em 1962.
Nesse livro, a autora denunciava, de forma enfática e bem fundamentada, como
os inseticidas utilizados na agricultura (especialmente o DDT) afetavam os organismos
vivos nos diversos elos da cadeia alimentar; como se acumulavam nos tecidos
gordurosos dos animais, e, por fim, como atingiam os seres humanos (CARSON, 1969).
Este fato é considerado, portanto, o propulsor do despertar da consciência ecológica
global e como marco inicial do que hoje se conhece como educação ambiental (EA).
Mesmo que a expressão educação ambiental só tenha sido proclamada pela primeira vez
em 1965, em Keele, na Grã-Bretanha, por ocasião da Conferência em Educação, onde
se concluiu que a educação ambiental deveria se tornar parte essencial da educação de
todos os cidadãos (DIAS, 1992).
Em 1968, um grupo constituído basicamente por empresários preocupados com
a crise ecológica forma o Clube de Roma. Em 1972, esse grupo apresentou o relatório
“Os limites do Crescimento Econômico”, o qual versa sobre as ações para se obter no
mundo um equilíbrio global, ponderando-se a redução do consumo e determinadas
prioridades sociais. Foi também em 1972, na Conferência da ONU, realizada de 5 a 16
de junho, em Estocolmo, na Suécia, que surgiu em âmbito mundial a preocupação com
os problemas ambientais, reconhecendo-se a necessidade do desenvolvimento e
recomendando-se o estabelecimento de programas de EA.
A sedimentação dessa área do conhecimento se reconhece, no entanto, a partir
da Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada pela
UNESCO, em Tbilisi, Georgia, Russia, de 14 a 26 de outubro de 1977. Dessa reunião
emergiu a idéia de que a EA deve ter enfoque multidisciplinar e integracionista.
No início da década de 1980, por decisão da Assembléia Geral da ONU foi
criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a qual foi
presidida pela norueguesa Gro Harlem Brundtland. Essa comissão encerrou seus
trabalhos em 1987 e apresentou o seu relatório denominado Nosso Futuro Comum (Our
Common Future), cujo cerne é a proposição de medidas a serem tomadas pelos países
para se promover o desenvolvimento sustentável (BARBIERI, 2001). Nesse documento,
o chamado desenvolvimento sustentável é concebido como o desenvolvimento que
satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de suprir suas próprias necessidades.
Na Conferência sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada no Rio de
Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992 (Rio-92), a EA foi incorporada definitivamente
como processo indispensável ao desenvolvimento sustentável, através da agenda de
diretrizes para o século 21. Outro documento contendo uma série de princípios sobre
EA (O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global) foi gerado a partir de amplo processo de consulta, na Jornada
Internacional de Educação Ambiental, Fórum Global paralelo à Rio-92.
Após a Conferência de 1992 alguns fatos merecem destaque no Brasil, como
sejam: A aprovação das diretrizes para implantação do Programa Nacional de Educação
Ambiental – PRONEA (D.O.U. 22/12/94). A inclusão da dimensão ambiental, de modo
transversal em todo o ensino básico, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1996. E
a publicação da Lei nº 9.795, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental.
Conforme está estabelecido nesse dispositivo legal, no seu artigo 1°:

“Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo
e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.

Essa lei também define a educação ambiental, no artigo 2º:

“A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação


nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

Na Conferência Internacional Ambiente e Sociedade: Educação e Sensibilização


do Público para a Sustentabilidade, realizada em Tessalônica, na Grécia, de 8 a 12 de
dezembro de 1997, foi proposta uma reorientação para a educação de uma forma geral.
A qual foi colocada sob uma ótica transdisciplinar para atender a sustentabilidade
futura, incluindo no seu bojo não apenas o meio ambiente, mas também outros aspectos
como a pobreza, a saúde, a democracia, os direitos humanos e a paz. Nesse contexto,
uma premissa básica da EA é a necessidade de se perceber que há uma totalidade e de
que há uma dependência entre todas as formas de vida (UNESCO, 1997).
A EA, pois, surgiu e vem se estruturando com o objetivo de formar sujeitos
capazes de se perceber como parte do meio ambiente, como co-participante das
interações entre todos os componentes bióticos e abióticos existentes no universo. E
também que compreendam a importância das relações interespecíficas (Homo sapiens x
H. sapiens), possibilitando a esse SER um agir no mundo, de forma consciente e
responsável.
A consciência ecológica se constitui um passo importante a ser dado, embora por
si só não assegure a ação transformadora necessária à construção de uma sociedade
socialmente justa e ambientalmente adequada. Nesse sentido, para que ações de EA
sejam efetivas se faz necessária a mobilização de saberes das diversas áreas do
conhecimento humano, bem como a incorporação de habilidade e a formação de
atitudes a partir de valores éticos e de justiça social (PELICIONI; PHILIPPI Jr., 2005).
Por fim, vale ressaltar o pensamento de Paulo Freire no sentido de que o
desvelamento da realidade é um passo importante, mas não opera mudança por si só.
Sendo, portanto necessária a luta política para a transformação das ações concretas nas
quais se operam os mecanismos de opressão (FREIRE, 2003).
Referências

BRASIL. Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/3/l9795.htm >. Acesso em: 02 jan. 2011.

BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento Sustentável: As estratégias de mudanças da


Agenda 21. 4a Ed. Petrópolis: Vozes, 2001.159 p.

CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. Traduzido por Raul de Polillo. 2a ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1969. 321 p. Tradução de: Silent Spring.

DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental: Princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 1992. 399
p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 37a Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. 184 p.

PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI Jr., Arlindo. Bases Políticas, conceituais,
filosóficas e ideológicas da Educação Ambiental. In: PHILIPPI Jr., Arlindo; PELICIONI, Maria
Cecília Focesi. Educação Ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2005. p.3-12.
890 p.

UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION


(UNESCO). Educating for a Sustainable Future: A Transdisciplinary Vision for Concerted
Action. EPD-97/CONF.401/CLD.l, 1997. 42 p.

Leituras complementares
- Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.

- PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI Jr., Arlindo. Bases Políticas, conceituais,
filosóficas e ideológicas da Educação Ambiental. In: PHILIPPI Jr., Arlindo;
PELICIONI, Maria Cecília Focesi. Educação Ambiental e sustentabilidade. São
Paulo, Manole, 2005. p.3-12. 890 p.

“Começaremos novamente. Devemos dirigir nosso olhar para a humanidade”.


Albert Schweitzer

(Teólogo, músico, filósofo e médico alemão, ao retomar seus trabalhos após o final da Segunda Guerra
quando ficou em campo de concentração)

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