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Venus 0 tocador de alaiide. (Quadro de Ticiano,) ESTETICA Objeto da Estética: o Belo e a Arte. — Eti- mologicamente, estética significa teoria da sen- sibilidade. No entanto, desde 0 século XVII, a palavra passou a aplicarse especialmente & sensibilidade relativa ao Belo. Classificada du- rante muito tempo entre as ciéncias denomi- nadas normativas, juntamente com a légica ea moral, a estética tinha como objeto deter- minar as regras gerais do Belo. Como definir o Belo? Todas as definicdes tentadas: a ordem na grandeza (Arist6teles), a unidade na variedade, o esplendor do verda- deiro, ete., — ou so meramente formais, e as vezes sem sentido, ou por demais estreitas, Kant, na sua Critica do Jufeo (1790), aproxi- ma-se de um ponto de vista mals positive, ana- Iisando as caracteristicas do julzo estético, que reduz a quatro: 1°, 0 Belo é 0 objeto de uma satisfapto desinteressada; 2°, 0 Belo agrada universalmente sem conceitos; 3, a Beleza & a forma da finalidade de wm objeto percebido sem representagio de fim; 4°, o juizo estético 6 universal e, por isso, necessério, se bem que de uma necessidade meramente subjetiva. Realmente, nao existe nem uma esséncia ab- soluta do Belo, nem, como queria Kant, uma forma a priori do Belo. O Belo nao se encontra na natureza; somos nés que o projetamos ne- Ja, a admiracdo das belezas naturals implican- do uma fase psicolégica e social muito avanca- da. Mas tampouco é 0 Belo mero produto do juizo humano. # 0 resultado de uma ac&o do homem sobre a natureza, mas sobre determi nada natureza, com a ajuda de determinados rocessos técnicos, Esta aco denomina-se Ar- te, A Wstética é uma teoria da Arte, da Arte conereta e viva, ndo uma metafisica do Belo. Os diferentes fatores da atividade estética. — O ser humano participa integralmente da atividade estética, FatOres psicofisioldgicos. — A atividade es- tética mergulha suas raizes até em nosso ser fisico. A necessidade de exercicio dos sentidos e a necessidade de movimento j4 podem ser consideradas formas rudimentares da neces: sidade estética: as céres vivas, os sons ruido- sos, dao prazer 4 crianca, ao primitivo, Além disso, certas impresses elementares de sime- tria ou de harmonia, ligadas as condicdes de exercicio de nossos sentidos, iio componentes do prazer estético. Pesquisas experimentais, realizadas especialmente por Fechner, compro- varam que existe, por exemplo, determinada proporeéo (a “divisdo durea”) entre os* lados de um ret&ngulo, que o torna agradavel a vis- ta. Quanto A necessidade de movimento, ve- mos, no capitulo consagrado A PstcoLocra, camo pode originar a “atividade do jogo". Ora, como stistentava Schiller, a arte 6 um j6go, e a dan- ga, a mais antiga de todas as artes, faz a transico entre nossas tendéncias organicas mais simples ¢ a arte propriamente dita. Fatdres sociais. — Nao se deve, todavia, exa- gerar 0 papel désses fatores organicos. A pré- tica da arte, escreve C. Lalo, mostra que as sensagses estéticas s6 se tornam tais quando “se ineorporam numa técnica socialmente or- ganizada e consentida”, Assim, os gregos re jeitavam a escala maior, que 6 hoje “a inter- pretacio musical mais nitida e importante”. Quanto ao jégo, certamente a arte é uma de suas formas, pelo menos porque nao tem ob- jetivo diretamente utilitario; mas tratase de um jogo de natureza especial, de um jogo dis- ciplinado e organizado, submetido as mais va- riadas regras, obrigagdes e “cAnones", uma “socializacéo do jégo” (Lalo). Nas sociedades primitivas, por exemplo, a danga, longe de ser simples exteriorizacéo de movimentos, simples gesticulagio sem freio nem regra, 6, 20 con- trério, um conjunto minuclosamente ordenado e regulamentado de movimentos complicados, geralmente relacionados com as cerimonias e 0s ritos religiosos. O mesmo ocorre, parece, com a origem das artes plasticas: as pinturas rupestres das cavernas préhistéricas teriam realmente desempenhado um papel nas préti cas mégicas de nossos Ionginguos antepassa- dos. Por isso, a escola sociolégica de Dur- Kheim péde sustentar que a arte nasceu da religiio. Se essa conclusdo parece exagerada, “The Metrepollan Mestim of Art METAFISICA — 1983, devese reconhecer, pelo menos, a influéncia das formas sociais sdbre as transformacées do sentimento estético. Geralmente & a clas- se dominante que dé o tom ao gOsto de uma época: “Foi um piblico burgués de comercl- antes e de proprietarios de terras que pediu aos pintores holandeses do século XVII seus retratos de familia ou de corporagées, suas cenas de género popular, suas marinhas ou suas paisagens sobrias... Na literatura, esta influéncia das condigdes econémicas gerais é ainda mals nitida, Quando a agricultura esta na ordem do dia e passa por uma espécie de renascimento, pelo menos nas altas classes, 0 género pastoral multiplica-se imediatamente. Ao desenvolvimento do coméreio externo cor- respondem a literatura de viagens e 0 exotis- mo. O desenvolvimento da indistria moderna, enfim, com as novas cenas que o progresso do maquinismo oferece, suscita as teses sdbre a luta de classes” (Lalo). Fatéres propriamente psicologicos. — Final- mente, cabe examinar os elementos conscien- tes e voluntérios da criacdo estética, Esta com- porta sempre uma espécie de ilusio desejada, uma das caracteristicas do jégo, e, simultdnea- mente, um érabalho, uma vontade de agir s6- bre a matéria — seja esta 0 marmore, a cor, ou a matéria preciosa das palavras, a “santa Yinguagem” a que se referia Paul Valéry — para submetéla a determinada forma huma- na. ‘Assim, “a pretensa personalidade, que tan- tas vézes se considerou como a esséncia da arte, nfo passa de maneira superior de com- preender a técnica, de encarnala em si, de identificar com ela sua propria atividade e seu pensamento” (Lalo). © sentimento do Belo ¢ os valores estéticos. — 0 romantismo filoséfico apresentou 0 sen- timento estético como um estado sobretudo passivo: Schopenhauer via na arte um meio de aniquilamento da vontade através de uma contemplacao desinteressada; H. Bergson com- para o sentimento estético A hipnose e afirma que 0 objeto da arte 6 “adormecer as foreas ativas, ou melhor, resistentes, de nossa perso- nalidade”, Mas, segundo dissemos aclina, nio se pode isolar 0 Belo da atividade estética. O sentimento do Belo ndo é pura contemplacio; € ago, cooperaco real ou imaginarla com 0 artista. Tratase de obra humana? O especta- dor ou o amador deve refazer, de certo modo, © esfOrgo de criagdo do proprio artista, Tra. tase de algo belo da natureza? O observador reconhecera a beleza sdmente se a’ considerar obra de um artista consciente, Isso explica a atitude da crianca que acha bonita uma pedra estranhamente talhada, a ponto de parecer trabalhada; ou essas expres 80es ingénuas de admiracdo (‘‘um pescoco de alasbastro", ou, falando de uma flor, “pare- ce veludo”), nas quais as coisas belas da na- 1984 — © PENSAMENTO HUMANO tureza sio assimiladas aos produtos da técni- ca humana. Assim, todos os elementos que distingulmos na criagéo estética entram ino sentimento do Belo: “Os caracteres diversos, mas soliddrios, que atribuimos ao pensamento téenico, consti- tuem o principio miltiplo da psicologia do Belo: uma atividade de sugestio ¢ 1 de ilusio, de luxo, de disciplina; o respeito a uma supe rioridade; a percepeo de uma harmonia ao mesmo tempo numérica e fisica, fisiolégica e psicolégica; enfim, ‘o sentido de um consenti- mento coletivo, dotado de sangdes e de uma evolucdo histérica” (Lalo). ‘Todavia, ha muitas gradages e muitos va- lores na _admiracao estética. O belo propria- mente dito implica a realizacto perfeita da obra, 0 equilfbrio de tédas as nossas faculda- des e a simplicidade dos meios utilizados. O sublime exige esfrco para nos elevarmos a um nivel que no atingimos comumente, no qual Ribot distingue: 1° sentimento de an gustia, de aniquilamento, que nos impulsiona para baixo, que nos deprime; 2° a conseiéncia de um impeto, de uma energia desprendida, de um arrebatamento interior que nos impul- siona para cima, de um aumento de vida que nos exalta; 8” 0 sentimento consciente ou in- consciente de nossa seguranca diante de uma forca poderosa, O bonito, ao contrério, apli- case especialmente As pequenas coisas. O gra- cioso engloba o sentimento de certa leveza, de um gesto que se realiza sem esférco, sem choque com os gestos que o precedem, del xando ao mestno tempo livres os que se se guiréo, tais os movimentos daquela ballarina, “excelente na iminéneia”, que nos descreve Paul Valéry: “Algo deve romperse... E, no Mas of Art je Weir entanto, fica-se com a impressio de algo sol dado...” (A Alma ¢ a Dana). Na poética prevalece a mesma facilidade, mas com certo frescor de sensibilidade ou certa riqueza de imaginagio (sensibilidade aos ritmos, A mist ca do verso num Verlaine, aos perfumes num Baudelaire; temperamento de “vidente" de um Rimbaud) que debxam todavia as imagens na zona do impreciso e do esbatido (poesia va- porosa de Lamartine, poesia dos longes, do pasado; do que comeca e do que acaba). No pélo oposto cabe colocar os valéres ne- gativos: 0 feio, 0 grotesco, 0 ridioulo, ete. A impressio de fealdade parece resultar, geral- mente, de uma falha técnica. O felo pode, po- rém, ter valor estético, quando buseado ou quando dé essa impressao, precisamente por- que se trata entéo de técnica bem sucedida. © grotesco (no sentido corrente da palavra, seno no sentido especial da Histéria da Arte) resulta de uma desproporcdo entré o objetivo visado e 0 resultado obtido. Quanto“ao ridi- culo, apresenta-se principalmente como sancéo social que reprime os desvios em relagio a0 gosto reinante. A nosso ver, 0 riso é antes a puniedo por uma falta de conformismo, do que a puni¢ao por uma falta de flexibilidade, como julgava Bergson. A moda de uma’ época tornase facilmente ridicula nas épocas se- guintes; mas todas as inovagSes, no terreno da moda, da arte, ou em qualquer outro, foram de infeio ridicularizadas. Conviria ainda distin guir, como 0 mostrou D. Victoroff, 0 riso es- pontaneo do riso estereotipado: ha o so que "desarma” ao lado do ridiculo que “mata”. Armand Ci OVILLABR. Traducéo de Alberto Castrsr,

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