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6650 — CIENCIAS NATURAIS INTRODUGAO Designavase antigamente por Histéria Na- tural 0 conjunto da Zoologia, da Boténica (ou Fitologia) e da Geologia, Semelhante designa- co € considerada hoje antiquada. Em nossa época ultracientifica, a propria Historia dos homens tornowse ciéncia hist6rica. Pretende- se dar a entender assim que ja nfo se trata apenas de observar e descrever os fatos ou os séres, mas também de explicé-los por uma sé- rie encadeada de causas e efeitos, como sem- pre sucedeu em relagdo as cléncias fisicas quimicas. Limitadas, como 0 sio, aos “‘trés reinos da natureza”, as ciéncias naturais podem dividir- se imediatamente em dois grupos: de um lado, a Zoologia e a BotAnica, que se ocupam com 08 séres vivos; de outro lado, a Geologia, que € 0 conjunto das ciéncias da Terra. Dal decor- re naturalmente que as duas primeiras tém mais afinidade entre si que com a terceira, e devem, conseqiientemente, comportar as mes- mas subdivis6es e quase os mesmos processos de investigacio. A Geologia, pelo contrario, deve ter seus processos préprios. Veremos em breve o que se deve entender por isso. ris dos Jardins. ratemos em primeiro lugar das ciéncias relativas aos séres vivos. Sua denominacao comum, muito geral, é Biologia, se bem que se reserve de preferéncia essa designacao a0 conjunto parcial das ciénclas naturais que trata dos animais e vegetais em estado de vida, endo post mortem, como o fazem os anato- mistas, Temos diante de nds animais e vegetais. Como vamos proceder para estudé-los? Se se trata de séres que vivem, vamos, para come. ar, observalos viver, isto é, comendo, res pirando, reproduzindose, etc. Estudaremos seus costumes (Btologia), mormente quando se trata de animais, e suas relagées com o meio (Ecologia). Essas relacées serviréo para explicarnos a sua distribuicio geografica (Biogeografia). Sempre em estado de vida, os mesmos séres sero submetidos ao estudo ex- perimental de suas funcdes organicas (Fisio- logia). Medir-se-lhes-So a intensidade e 0 quo- clente respiratério, o ritmo cardiaco, 0 movi- mento ascensional da selva, a digestao, absoreéo, a secrecio, a excregio, etc. Mortos, tornarseo objeto de descrigao minuciosa e precisa de sua forma (Morfologia). Mas ha uma morfologia externa e uma morfologia interna ou Anatomia, Esta nos daré a conhe- cer a disposi¢ao dos Grgaos internos ou vis- ceras. Deseja-se penetrar mais a fundo no estudo morfolégico? Praticar-seo cortes ao micré: tomo nos fragmentos de érgdos, préviamente fixados e coloridos por meio de reativos apro: priados, O microsc6pio revelaré nesses cortes a forma e,a disposicdo das células constituti vas, Essa Histologia, ou estudo dos tecidos, sera finalmente completada pela Citologia, ou estudo das células. ‘A medida que progredimos no conhecimento dos séres vivos, vamos percebendo a identi dade profunda dos elementos que os consti tuem. Se ha uma morfologia animal e uma morfologia vegetal, uma histologia animal ¢ uma histologia vegetal, existe apenas uma iniea citologia. Animais e vegetais se asseme- Tham na estrutura celular. Esta confluéncia dos dois reinos se eviden- cia de névo quando abordamos o seu estudo do ponto de vista da classificacéo (Sistemé- tica, Taxonomia). Enquanto um animal supe- rior e um vegetal superior nfo se podem confundir, a diferenca se atenua & medida que se desce na dupla escala dos séres. Em certo momento, néo se sabe mais se determinados séres, unicelulares ou ndo, sdo fitoflagelados, em virtude da clorofila que contém ou zoofla- gelados, por causa dos flagelos que Ihes per- mitem mover-se. & possivel que semelhantes animais-vegetais tenham constituido a origem ida no globo, Muitos animais mais adian: tados em organizacdo, tais como as esponjas, as hidras, as actinias, as madréporas, tém ainda numerosos caracteres (simetria radiada, faculdades de multiplicagio direta) que os aproximam dos vegetais e que levaram os antigos naturalistas a designé-los pelos nomes de zo6fitos ou antozoarios Afirmamos acima que a Geologia era, & primeira vista, uma ciéncia bem distinta da Zoologia e da Botanica. Sera isso verdadeira. mente exato? Pensamos logo na Paleontolo- gia, que é 0 traco de unido fundamental entre zodlogos, botanicos e gedlogos. Consagrada a0 estudo dos fosseis, isto ¢ dos restos, conser: vados nas camadas do solo, de animais e ve- getais que viveram outrora na superficie da Terra, a Paleontologia é uma ciéncla evidente- mente mais biolégica que geolégica. Todavia, os fésseis valem nao s6 como testemunhos da evolugéo da vida na Terra, como também servem para a determinagio dos terrenos em que sdo encontrados. Como as medalhas ¢ moedas descobertas pelo arquelogo nos mo: numentos antigos, os fésseis permitem datar as camadas ou estratos da crosta terrestre, fornecendo assim os fundamentos da Estrati- grafia. Além disso, 0 geélogo estuda também as rochas sedimentares que constituem as ca- madas, as rochas metamérficas em que se transformaram, no decorrer dos tempos, as rochas eruptivas que as atravessam. Assim elabora uma nova ‘ciéncia, a Petrografia, que 4 a homéloga da histologia dos séres vivos. Ora, da mesma forma que os tecidos sio compostos de células, as rochas so constitus das de minerals. A Citologia corresponde, pois, a Mineralogia, A historia antiga da Terra néo pode ser bem compreendida sendo em funcdo de sua vida presente. Portanto, importa ao ge6logo conhecer, profundamente, os “6rgéos e fun- cGes terrestres”, que sdo a atmosfera, as aguas correntes e subterraneas, as montanhas, as geleiras, os mares, os vuledes, os terremotos, etc:; disso resulta um grande niimero de ciéneias particulares, que se denominam Me- teorologia, Hspeleologia, Orologia, Glaciologia, Oceanografia, Vulcanologia, Sismologia. Gracas a tédas estas ciéncias, 0 geblogo pode explicar a evolucdo terrestre desde os dois bilhdes de anos que nos separam da soli dificacdo primitiva da crosta, Faz surgir-nos, diante dos olhos, por uma evocacéo magica, as cadeias de montanhas.que se sucederam na seqiiéneia do tempo. O estudo da estrutura e da génese dessas montanhas constitul uma das mais complexas.ciéncias, a TectOnica, que ainda repousa sobre grandiosas hipéteses. Evo. cando 0 deslocamento dos mares, 0 gedlogo retraca as vicissitudes geogréficas do globo em uma nova ciéncia, a que se dé o nome de Paleogeografia, ciéneia vivificada, por sua vez, INTRODUGKO — 6659 ‘Scala pretio’a, concha com 5 centimetros de altura, pela reconstituicdo das faunas e floras desa- parecidas (Paleobiologia) ‘Apos se Tegresso ,4 iologia, —podemos ainda escapar do globo terrestre e, pela As- tronomia, confrontar os nossos conhecimentos sdbre a Terra com aquéles que podemos adqui- rir sdbre os demais planétas. O estudo dos meteoritos, ésses ‘‘mensageiros celestes”, como foram cognominados, constitul o liame direto entre a Geologia e a Astronomia. Sera que as ciéncias naturais formam atual- mente um todo homogéneo e independente das demais ciéncias? Evidentemente nao. A todo instante demos a entender a existéncia de uma ligacéo A Fisica, & Quimica e até as Matematicas. A Fisiologia € téda ela fisico- -quimica, A Histologia ea ditologia nao pro- gridem sem a ajuda de instrumentos de éptica Postos a disposicio dos pesquisadores. A Mi- neralogia e a Cristalografia so verdadeiros ra- mos da Fisica e da Quimica. Na verdade, todas as ciéncias da Terra se acham impreg. nadas de cléncias... ;que nao sio naturals, Algumas obras de Zoologia e Botanica apre- sentam-se agora sobrecarregadas de f6rmulas matematicas, principalmente quando se trata do estudo estatistico dos séres vivos (Biome. tria). Nao se pode atualmente ser naturalista sem possuir uma visio ampla da malor parte das outras ciéncias. 6660 — CIENCIAS NATURALS “A pesquisa — afirmei eu no posfacio de minha obra sdbre as enguias — exige conhe- cimentos profundos e variados: conhecimentos matematicos necessarlos & biometria, e, por conseguinte, & sistematica; conhecimentos ana- tomicos; conhecimentos fisicos e quimicos in- dispensdveis & fisiologia; conhecimentos histo: Iégicos e até citolégicos, quando se trata de interpretar a estrutura das glandulas sexuais; conhecimentos biogeogréficos, ete. Nunca se & culto demais para empreender qualquer género de trabalhos zoolégicos. Disso depende o su- cesso, Ora, o que é verdadeiro para a Zoologia, também o 6 para as demais cléncias. Quanto mais complexas elas forem, mais armado se deve estar para obter bom éxito” Mizados do que hoje, devido a menor comple- xidade das diversas ciéncias que ainda se encontravam em seu estado embrionario. No séeulo XV, Leonardo da Vinci podia ser ao mesmo tempo matematico, fisico, engenheiro, arquiteto, anatomista e até mesmo paleonté: logo (*) sendo ainda por cima pintor, escultor, Inusicista e poeta, No século XVIIL, Réaumur § era suficientemente fisico para idealizar o ter- mometro que traz o seu nome, e biologista para se interessar pela regeneragéo dos mem- bros dos crustdceos, pela forca elétrica do & peixe torpedo, pela incubacao nas aves domés ticas, e para reunir material necessario a suas admiraveis “Memérias para servir a histéria () Deve-se a Leonardo da Vinel, bem como a Bernard Pallssy, a primeira concepeio da verda- delra natureza dos féssels. ‘Xenophora solaris, gasterépode das ithas Andamé. Calorie polido, com porgées de polipeiros. dos insetos” (1734-1742). Era também gedme- tra e metalurgista, como o seu contemporaneo Buffon, o qual unia a seus dons de observa- dor e descritor do reino animal conhecimentos de assuntos florestais e qualidades mestras de industrial. Nao mais existem hoje semelhantes espiritos polivalentes, O desenvolvimento de cada uma das ciéncias exige uma especializacac cada vez mais precoce e cada vez mais estrita. E o reverso da medalha. Talvez se haja exa- gerado o mal, especializando cedo demais o ensino de grau médio. Na previsio d2 uma especializacdo ainda mais acentuada dos estu- dantes das faculdades de ciénclas e de letras da Franca; acreditouse encontrar o remédio na instituigao de um ano preparatoriv, desti- nado a F.QB, (Fisica-Quimica-Biologia), a M. F.Q. (Matematicas-Fisica Quimica) e a CF.Q. N. (Ciéncias Fisicas, Quimicas e Naturals). Po: de-se perguntar se semelhante remédio é sufi cliente para uma época em que o pesquisador deveria ter uma cultura de base tio extensa quanto possivel para nao se ver enclausurado numa tnica ciéncia e para poder operar, ao invés disso, nos limites da ciéncia que cultiva e das ciéncias vizinhas. Em geral, é nesses dominios fronteiricos que se fazem as mais sensacionais descobertas. Léon Berri. ‘Tradugio de Edgard Stssexrsp pp MENDONCA.

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