Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Javé foi, certamente, o «deus nacional» quer de Israel (Reino do Norte) quer de Judá
(Reino do Sul). Curiosamente, porém, na Bíblia Hebraica – escrita no Sul (ou seja, em
Yehud/Judá) – ocorre algo curiosíssimo: Javé-Deus é dito, frequentemente, «Deus de Israel» e
nunca «Deus de Judá»! Como entender este fenómeno? E porque é que a exegese tradicional
o ignorou?
Começando pela segunda pergunta, isso deve-se seguramente ao facto de que, até aos anos
1990, ninguém contestar a existência histórica do Reino Unido de Israel e Judá, sob David e
Salomão, e que tinha precisamente o nome «Israel». Sendo assim, evidentemente, Javé
sempre foi o «Deus de Israel». Contudo, hoje, esse cenário deixou de ser evidente 1. Os
testemunhos extrabíblicos ignoram a existência de um grande império davídico-salomónico,
embora conheçam, perfeitamente, uma «casa de Omri» (= Israel, Reino do Norte) e uma
«casa de David» (= Judá, Reino do Sul). A «casa de Omri» era um Estado poderoso no
Levante, protagonista de um sistema de alianças com os povos vizinhos (sobretudo os
Fenícios e os Arameus), uma colaboração que lhes permitiu, no séc. IX, resistir ao avanço da
Assíria (a grande «Coligação de Damasco») e, no séc. VIII, criar uma rede comercial
importante (o comércio com a Arábia). A «casa de David», ao invés, era um pequeno reino,
pouco influente e, provavelmente, vassalo de Israel (no séc. IX) ou, pelo menos, dependente
dele economicamente (no séc. VIII).
Isso explica, talvez, porque, com o desaparecimento do Reino do Norte em 722/720, Judá
não menospreze ser «Israel», e o herdeiro também das suas tradições.
Em suma, a Bíblica Hebraica não usa o título «Deus de Judá» porque ela é já expressão de
uma entidade étnico-religiosa chamada «Israel» – não o Israel unido de David e Salomão que,
provavelmente, nunca existiu (e é uma construção literária), mas o «Israel» teológico do
período do Segundo Templo (o «verdadeiro Israel»). E este Israel, como vimos, tem origem
no final do séc. VII a.C., pela mão dos escribas de Josias (N. Na’aman), ou início do séc. VI,
na elaboração historiográfica dos literati de Mizpah (P. Davies).
1
Vejam-se os resultados da arqueologia em I. FINKELSTEIN-N. A. SILBERMAN, The Bible Unearthed: Archaeology’s New
Vision of Ancient Israel and the Origin of Sacred Texts, Nova Iorque-Londres-Totonto-Sidney-Singapura, 2001 ; ID., David
and Solomon: In Search of the Bible’s Sacred Kings and the Roots of the Western Tradition, Nova Iorque-Londres-Totonto-
Sidney-Singapura, 2006 ; I. FINKELSTEIN-A. MAZAR, The Quest for the Historical Israel, ed. por B. B. Schmidt, Atlanta, 2007.
2
S. MCKENZIE, «Jacob in the Prophets», in J.-D. MACCHI-TH. RÖMER (ed.), Jacob. Commentaire à plusiers voix de Gn 25-36.
Mélanges oferts à Albert de Pury, Genebra, 2001, pp. 339-357.
3
Cf. P. R. DAVIES, In Search of “Ancient Israel”, Londres-Nova Iorque, 1992 ; ID., The Origens of the Biblical Israel,
Londres-Nova Iorque, 2009; ID. [2005], «The Origen of Biblical Israel», in
http://www.arts.ualberta.ca/JHS/Articles/article_47.pdf.
4
Cf. N. NA’AMAN, «Saul, Benjamin and the Emergence of “Biblical Israel”», in ZAW, 121 (2009), pp. 211-224 (parte 1) e
pp. 345-349 (parte 2) ; ID., «The Israelite-Judahite Struggle for the Patrimony of Ancient Israel», in Biblica, 91 (2010), pp.
1-23 [cf. http://www.bsw.org/Biblica/Vol-91-2010/].