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A partir do questionamento que parte da doutrina tem feito, nos dias atuais, sobre a

utilidade prática da observância das condições da ação, explique, em sua opinião, qual a
importância da análise das condições da ação em uma demanda?

Primeiramente cumpre lembrar que o direito de ação, ou seja, o direito de acesso a uma tutela
jurisdicional efetiva, célere e justa é uma garantia constitucional, prevista no inciso XXXV,
artigo 5º, da nossa Carta Magna, o qual diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”.
O atual Código de Processo Civil adotou a concepção eclética do processualista italiano
Enrico Tullio Liebman sobre o direito de ação, porquanto, embora o direito de ação seja
abstrato e autônomo, no exercício deste direito, faz-se necessário o preenchimento de
determinadas condições que se relacionam com a pretensão a ser julgada.
A legislação processual civil não cuidou de conceituar a carência de ação, limitando-se apenas
a estabelecer as circunstâncias em que se deve reconhecer que a ação tem condições de ser
acolhida pelo Poder Judiciário.
A falta das condições da ação não impede que o autor ingresse com petição inicial em juízo
por acreditar que tem razão, no entanto, tal pleito restará extinto sem apreciação de mérito
uma vez que é carecedor do pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo.
Condições da ação conforme preceitua José Frederico Marques1 são “os elementos e
requisitos necessários para que o juiz decida o mérito da pretensão, aplicando o direito
objetivo a uma situação contenciosa”.
Nas palavras de Liebman2 “as condições da ação são requisitos de existência da ação,
devendo por isso ser objeto de investigação no processo preliminarmente ao exame do mérito
(ainda que implicitamente)”.
Somente após a verificação das condições da ação é que se pode considerar existente a
“ação”, surgindo para o juiz o obrigatoriedade de julgar o mérito da demanda, e isto caso não
ocorra situação superveniente que acarrete a extinção do processo sem apreciação de mérito.
Para teoria adotada pelo código de processo civil pátrio (teoria eclética) a ação está sujeita há
certas condições, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido, interesse processual e
legitimidade “ad causam”, sem as quais há a extinção do processo sem julgamento do mérito
consoante previsto no artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil. .

1
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civi,. Campinas: Millenium, 2001, p. 353.
2
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco, Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p.
Nas palavras de Alfredo Buzaid3 a legitimidade das partes pode ser definida como a
“pertinência subjetiva da ação, isto é, a identidade entre quem a propôs e aquele que,
relativamente à lesão de um direito próprio (que afirma existente), poderá pretender para si o
provimento da tutela jurisdicional pedido com referência àquele que foi chamado em juízo”,
diz respeito à titularidade a ser observada nos pólos ativo e passivo da demanda. Em regra,
somente está autorizado a demandar o titular do interesse deduzido em juízo (legitimação
normal ou ordinária), hipótese em que as partes do processo coincidem com as partes da
relação substancial. A legislação pátria permite, excepcionalmente, que alguém atue em nome
próprio para preservar direito alheio, é a chamada legitimidade anômala ou extraordinária.
São os casos em que ocorre a substituição processual, a qual é definida por Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria de Andrade Nery4, de “fenômeno pelo qual alguém, autorizado por lei, atua em
juízo como parte, em nome próprio e no seu interesse, na defesa de pretensão alheia”.
O interesse de agir, por seu turno, é condição da ação expressa nos artigos 3º, 267, VI, e 295,
III do Código de Processo Civil, sendo o termo interesse empregado em dois sentidos,
sinônimo de pretensão (interesse substancial ou primário) e para definir a relação de
necessidade entre a dedução de uma pretensão em juízo e a atuação do poder judiciário,
qualificando-se nessa hipótese como interesse processual, consiste na utilidade do provimento
jurisdicional pretendido, a qual depende de dois elementos: necessidade de tutela jurisdicional
e adequação do provimento solicitado.
O interesse de agir, ou processual, portanto, segundo Moacir Amaral5 seria um “interesse
secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou
necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na
pretensão”.
O interesse processual deve ser analisado pela conjugação do binômio necessidade x
utilidade, ou seja, pela necessidade na provocação da jurisdição para obtenção do bem da vida
pretendido, a qual se inviabilizou pelas demais vias, e utilidade do provimento judicial
postulado para satisfação do interesse levado a juízo.
Já a possibilidade jurídica do pedido consoante leciona Moacir Amaral Santos, “é condição
que diz respeito à pretensão. Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão, em
abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo”6.
3
BUZAID, Alfredo. Do despacho saneador: estudos de direito, São Paulo: Saraiva, 1972, p.
4
NERY JR, Nelson, e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 142.
5
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 1, 23 ed. ver. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2004.
6
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 20ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.
Nesta ótica é a não vedação do exame da matéria pelo poder judiciário, assim, há
possibilidade jurídica do pedido quando o ordenamento jurídico admite, em tese, a pretensão
deduzida pelo autor da demanda, devendo-se ser compreendida pela análise conjunta da causa
de pedir e do pedido.
Alguns Doutrinadores criticam a expressão “condição da ação”, por entenderem que não há
evento futuro e incerto a que se subordine a eficácia do ato jurídico, sendo, portanto, mais
indicado o termo “requisitos” para a prolação de uma sentença de mérito.
Questão polemica também ocorre sobre o momento da análise das condições da ação, visto
que o §3º do art. 267 do Código de Processo Civil traz expresso que a verificação pode ser
feita a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de oficio pelo Juiz, surgindo assim a
indagação de qual maneira deverá ser realizada tal verificação se: com base nas alegações
ventiladas pelo autor em sua inicial ou através de provas produzidas pelas partes.
Numa analise literal do disposto no artigo 267, § 3º, do CPC, a aferição das condições da ação
pelo juiz pode-se dar a qualquer momento, de ofício ou por iniciativa das partes, sem
embargo, inclusive, de que a carência de ação seja superveniente ao ajuizamento da ação,
porquanto “não só para propor ou contestar ação, mas também para ter direito a obter
sentença de mérito, (favorável ou desfavorável) é necessária a presença das condições da
ação” consoante dizeres de Nelson Nery7.
Segundo Fredie Didier Júnior8 “as dificuldades que normalmente se apresentam na separação
das condições da ação do mérito da causa, aliada ao fato de que a extinção do processo, sem
exame de mérito, por carência de ação, após longos anos de embate processual, é
consequência indesejável - fizeram com que surgisse uma concepção doutrinária que busca
mitigar os efeitos danosos que a aplicação irrestrita do que o CPC determina poderia causar”.
É a chamada teoria da asserção ou da prospettazion, segundo a qual a análise das condições
da ação fica restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial do
procedimento, feita à luz das afirmações do demandante contidas na inicial “o que importa é a
afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria
problema de mérito” segundo expõe Marinoni9.
Nas lições de Alexandre Freitas Câmara10:

7
NERY JR, Nelson; Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante,
2006, p. 120.
8
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, Salvador: JusPODIVM, 2007, p.
9
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p.
10
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.
Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As condições da ação são
requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual
seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser
verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do
demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável
adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das "condições da
ação" significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tem do
direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz
credor do réu.
Segundo a teoria da asserção, em se provando, no curso do processo, que o autor não é titular
do direito da ação, tal hipóteses seria de improcedência do pedido. Ao invés de extinguir o
processo sem julgamento, há o julgamento da improcedência do pedido, mas em relação ao
mérito, a sentença não é terminativa, mas definitiva, a qual faz coisa julgada material.
Vários doutrinadores têm aderido a essa teoria, como Luiz Guilherme Marinoni, Leonardo
Greco, Barbosa Moreira, Araken de Assis etc; por outro lado, Cândido Dinamarco, fiel
defensor da concepção tradicional sobre as condições da ação, rebate a teoria.
Para os que divergem de tal posicionamento, tal hipótese acarretaria a extinção do processo
sem apreciação de mérito, porquanto se demonstrou no decorrer da lide que o demandante é
carecedor da ação.
Não obstante a argumentação de que a teoria da asserção diminui os transtornos causados pela
aplicação literal do § 3º do art. 267 do CPC, entendo que o mais viável nestes casos é extinção
do feito sem apreciação de mérito, por se tratarem de questões preliminares, que dizem
respeito ao próprio direito de ação e à existência e regularidade da relação jurídica processual
(pressupostos processuais).
Ademais, com a extinção do processo sem apreciação do mérito haverá maior celeridade uma
vez que não serão analisadas todas as questões ventiladas no processo, já que a ação não
preencheu os pressupostos processuais necessários a sua validade.

Referencia Bibliográfica:

BUZAID, Alfredo. Do despacho saneador: estudos de direito, São Paulo: Saraiva, 1972.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 7ª Ed., Salvador: JusPODIVM, 2007.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1983.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. 1ª. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, vol. I.

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1ª. ed. Campinas: Millenium, 2001.

NERY JR., Nelson e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 9ª edição revista, ampliada e atualizada até 1º.3.2006. , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 1, 23 ed. ver. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2004.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 3ª ed., Rio
de Janeiro: Forense, 1983.

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