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All content following this page was uploaded by Eli Vagner Francisco Rodrigues on 17 June 2017.
Introdução
1
A tradução do termo Holzwege já foi tema de inúmeras discussões e, não resta dúvida, impõe
dificuldades tanto aos tradutores de língua portuguesa como aos tradutores de outras línguas. Em
português já se optou por “Caminhos de Bosque”, “Caminhos de Floresta”, em Francês “Chemins que ne
mènent nulle part” (caminhos que não levam à nenhuma parte), em inglês, Forest Paths (Caminhos
Florestais). O termo pretende indicar os caminhos que são possíveis traçar em uma floresta ou em um
bosque a partir de uma linha de visada qualquer. A imagem que se pretende criar é a de várias
possibilidades do caminhar por entre as árvores formando uma trilha, não estabelecida com
anterioridade, e sim na medida em que se prossegue no caminhar. Essa interpretação vai ao encontro
tanto de uma alusão à local de produção dos textos (floresta negra) quanto à perspectiva de Heidegger
ao caracterizar sua obra como “Wege nicht Werke” (caminhos, não obras), como bem destacou Alexandre
Franco Sá na tradução portuguesa da editora da Fundação Calouste Gulbenkian.
possuem em comum o aspecto de impenetrabilidade do real pela consciência,
um dos temas centrais da Crítica de Kant.
A metafísica da subjetividade
Quando hoje usamos a palavra ciência, ela quer dizer algo que se
diferencia essencialmente da doutrina e da scientia da Idade
Média, mas também da episteme grega. A ciência grega nunca foi
exata, e isso porque, segundo a sua essência, não podia ser exata
e não precisava de ser exata. Daí que não tenha qualquer sentido
opinar que a ciência moderna é mais exata que a da antiguidade.
Assim, também não se pode dizer que a doutrina de Galileu da
queda livre dos corpos é verdadeira, e que a de Aristóteles, que
ensina que os corpos leves tendem para cima, é falsa; pois a
concepção grega da essência do corpo, do sítio e da relação de
ambos assenta numa outra interpretação do ente e condiciona,
por isso, um modo correlativamente diferente de ver e de
questionar os processos naturais. Ninguém afirmaria que a poesia
de Shakespeare é mais evoluída que a de Ésquilo. (Heidegger,
2002, P. 99).
A metafísica da representação, ou “metafísica da subjetividade” traz em si o
pensamento dualista. O dualismo se estabelece como uma dicotomia entre o ser
e o ente. Assim como o real e o aparente contrastam na filosofia platônica
constituindo um a verdade do ser o outro a ilusão do devir, e sujeito e objeto
perfazem as relações de conhecimento no pensamento moderno. O homem
passa a ser o sujeito de conhecimento, par excellence, e o mundo objeto de
conhecimento, submetido ao poder humano, racional, da classificação e
manipulação da natureza. Essa concepção, enquanto modelo epistemológico
aplicado ao mundo das ciências naturais, por exemplo, funciona como
fundamento do surgimento da técnica moderna, esta sim motivo de
preocupações mais profundas por parte de Heidegger enquanto “crítico da
cultura” e da civilização ocidental. A apropriação técnica do mundo se torna
possível somente através dessa concepção de poder em relação ao ente
efetivada pela metafísica da subjetividade, que impõe à natureza seu regulador
e legitimador de conhecimento, a saber, o próprio homem. Em outras palavras,
Heidegger está apontando, com esta análise, para a dominação do mundo
efetivada por uma modalidade de pensamento técnico-científico que tem suas
raízes numa metafísica da representação. Segundo Heidegger, esta concepção
está aliada ao próprio Humanismo e este será um dos pressupostos de sua
polêmica crítica à visão de mundo humanista (welltanschaung). Isto é, a
valorização da “prerrogativa humana” em relação a outras formas de conceber o
ente carrega em si a forma como o humanismo domina a própria natureza e se
impõe ao próprio ente como praticamente única forma de conceber as coisas do
mundo. O modo privilegiado de ver o mundo, proporcionado pela ciência
moderna é, também um modo de dominação do ente pelo homem e a técnica
tem papel central na efetivação desta apropriação. Note-se que passamos de
uma representação para uma apropriação, de um movimento de conceber para
um ato de se apoderar instrumentalizado. A “virtude” matemática da ciência
moderna permite a exatidão da apropriação. Certeza e precisão infinitesimais
perfazem a operação cirúrgica da ciência sobre a forma natural do ente. Neste
sentido a matemática passa a ser um elemento do pensamento cotidiano sobre
o mundo natural, esse pode ser apenas um exemplo do modo como a metafísica
da ciência se apropriou de nossas consciências. Assim, Heidegger associa a
matemática à concepção científica moderna.
“Aos fenômenos essenciais da modernidade pertence a sua
ciência. Um fenômeno de um nível igualmente importante é a
técnica de máquinas. No entanto, não se pode confundi-la com a
simples aplicação prática da moderna ciência natural matemática
A técnica de máquinas é ela mesma uma transformação
autônoma da prática, de tal modo que é esta que exige o emprego
da ciência natural matemática. A técnica de máquinas permanece
o rebento até agora mais visível da essência da técnica moderna,
a qual é idêntica à essência da metafísica moderna.” (Heidegger,
2002, p. 97).
Heidegger aponta para a perda de uma relação autêntica com o ser provocada
pelos rumos que tomaram a própria filosofia, o caminho epistemológico, a ciência
em sua guinada tecnicista e finalmente a cultura em sua vertente humanista. A
acusação de Heidegger é contra as bases mesmas do que denominamos
civilização ocidental e não apenas ao que aparece como fenômeno desta cultura
e visão de mundo, mas, especificamente, ao que a sustenta enquanto fundo
metafísico. Assim como Husserl separou o mundo da vida do mundo da ciência
propondo novas possibilidades de interpretação do real, Heidegger aponta para
a via única (cientificista, técnica) que tomou a cultura do ocidente como uma via
de riscos ao próprio homem.
Toda esta crítica pode ser acusada de constituir uma tecnofobia. De fato, certas
correntes refratárias ao desenvolvimento tecnológico se inspiram, em certa
medida, em concepções negativistas com relação ao desenvolvimento da
técnica e dos rumos éticos da manipulação da natureza. No entanto, no que diz
respeito à cultura como produção de significados para o mundo o problema se
revela de maior complexidade e de uma aparente irresolução, sobretudo a partir
do momento em que se tornou popular certa visão pós-moderna da cultura e de
seu cultivo. São desta época, por exemplo o uso de termos como cult, kitsch,
pop, hiper. O cultivo da cultura que era concebida como uma atividade individual,
dispendiosa de tempo e de riqueza passa a ser uma automatização do consumo
de imagens em substituição das letras. Pode-se caracterizar, por exemplo, a
cultura característica dos séculos XVIII e XIX como culturas das letras, da
palavra, porém, quando se atinge o século XX esta definição exige uma
adaptação para algo próximo de uma cultura das letras e das imagens. Esta
mudança, obviamente, tem como fator principal o desenvolvimento da tecnologia
no âmbito da produção cultural. Neste sentido que a obra de Walter Benjamin “A
obra de Arte na época de sua reprodutibilidade técnica” não somente aponta
para os dilemas estéticos da segunda metade do século XX, e
consequentemente dos séculos vindouros, como é bastante feliz na síntese de
seu título aliando os dois problemas centrais da cultura atual “Técnica” e “Arte”.
A arte no nosso século é, antes de tudo, imagem. Em outras palavras, ocorre
com a cultura atual um fenômeno de reconhecimento de referências imagéticas
que tomam o lugar do reconhecimento conceitual, ou discursivo, característico
da cultura dos séculos anteriores. A cultura pop é o exemplo máximo dessa nova
modalidade de “saber”. Boa parte do que se considera a fruição estética na
cultura contemporânea está baseada no reconhecimento de imagens da própria
cultura pop. Assim a cultura contemporânea cria um círculo de reconhecimento
e satisfação que provoca reconhecimento, desta vez intelectual e social e,
consequentemente, um prazer “estético”. Acrescente-se neste movimento de
consumo um volume excessivo (massivo) de produções e uma nova valorização
(revalorização) do tempo para o consumo da arte.
Para termos uma visão mais acurada desse “estado estético contemporâneo” o
próprio termo pós-moderno não é mais suficiente. Gilles Lipowetsky, na tentativa
de superar a insuficiência deste termo cunhou o termo “Hipermodernidade”. Para
Lipowetsky a expressão pós-moderno é vaga. Há na expressão uma sugestão
que não é efetiva, a saber, que o moderno estaria morto. Não é o que verificamos
na realidade, várias instituições da modernidade são, ainda, pilares de nossa
civilização contemporânea. O que ocorre sim nos dias de hoje seria um
liberalismo globalizado, na mercantilização dos modos de vida e numa
individualização galopante. Lipovetsky sugere o termo hipermoderno.
Conclusões
A título de conclusão poderíamos nos perguntar qual relação que existiria entre
as críticas de Lipovetsky à cultura hipermoderna, as análises de citadas de
Benjamin e de Adorno sobre a cultura contemporânea e a denúncia de
Heidegger sobre a apropriação técnico-científica proporcionada pela visão de
mundo moderna?
Quando olhamos para uma paisagem podemos ver várias coisas: um rio, um
campo, pessoas e o sol, por exemplo. Percebemos, pela sugestão do método
fenomenológico, que cada coisa que foi enunciada já havia sido determinada em
seu significado por uma cadeia de significação culturalmente imposta à minha
subjetividade. Isto é, já havia uma semântica e uma sintaxe que dariam o sentido
do que vejo. Todavia, tudo que vejo pode deixar de ser percebido como os
nomes e palavras com sentido determinado. O que Heidegger aponta é que a
realidade pode aparecer como realmente é e não por força interpretativa de uma
linguagem dada. Haveria nesse ato, uma “experiência originária”. O que esse
ato, essa experiência fenomenológica, pode nos mostrar, em primeiro lugar, é
que o que fala por nós ao descrevermos essa paisagem é a linguagem e não
nossa experiência mesma, pois já estamos condicionados a interpretar as coisas
como nossa linguagem determina. Ora, com a cultura e, sobretudo com a cultura
das imagens, isto é o modo corrente, por não dizer “correto”, de interpretar essas
imagens, ocorre o mesmo modelo condicionante. Uma imagem que é veiculada
com forte sentido interpretativo em redes sociais, na televisão e no cinema, por
exemplo se torna a maneira correta de interpretar tal imagem. Ocorre, assim,
uma descaracterização e anulação da experiência originária da apreciação
dessa imagem. Sob esse monopólio interpretativo (político) se dá a cultura de
nosso tempo. Para concluir voltemos à Heidegger.
Nietzsche nos lembra que há uma tendência muito forte no sentido de que,
fisiologicamente, esse homem seja um decadente. Esse “último homem” é, na
verdade, uma construção de um ser impotente para suportar o sofrimento, pois
sua imagem e ideal foram erigidas sob o signo do prazer e da distração. A
banalidade dos prazeres e o ideal de consenso e conforto constituem seu
supremo ideal de felicidade. Nesse contexto a imagem midiática tem um papel
primordial. É a imagem que impõe e reproduz esse ideal de humanidade, seus
instrumentos são a educação, a publicidade e o consenso democrático mediado
pela opinião pública e as imagens de bem-estar e sucesso característicos dos
produtos culturais. O homem não se torna mais somente igual, mas passa para
o nível do idêntico. Gilles Deleuze em Diferença e Repetição aponta como
problema central do pensamento moderno esse homem de consciência idêntica.
Ele teria nascido da falência da representação, assim como da perda das
identidades e das descobertas de todas as forças que agem sob a representação
do idêntico. O mundo moderno seria o mundo dos simulacros. (DELEUZE, 1988).
Baudrillard também denuncia a simulação característica da imagem como
simulacro.
Referências bibliográficas
_____________, Assim Falou Zaratustra, São Paulo Cia das Letras, 2011.