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BRASÍLIA
Cleber Cardoso Xavier1 – SEDF / UNB
RESUMO
Este artigo aborda a história e identidade da Escola Parque 313/314 Sul de Brasília, levando-se em consideração o
contexto de criação do conceito Escola Parque ao longo das décadas de 1930, 1950 e 1960. Nessa escola, percebe-se a
construção do conhecimento a partir dos referenciais pessoais dos alunos, resgatando seu arcabouço imaginário e
suas referências familiares, matéria-prima para visualidades e movimentos, como também construção de sua
identidade.
Palavras-chave: educação, arte/educação, ensino de arte, Anísio Teixeira, cultura.
Este artigo refere-se à identidade e a história da Escola Parque 313/314 Sul de Brasília/DF, sendo
um pequeno recorte da pesquisa que esta sendo desenvolvida durante o curso de doutorado em Arte
da Universidade de Brasília, sendo um desdobramento da pesquisa iniciada no curso de mestrado na
mesma instituição.
No intuito de contextualizar o leitor acerca do que são as Escolas Parque (EP) e seu histórico,
informo que o conceito de EP foi forjado por Anísio Teixeira após sua vivência e curso de mestrado
nos Estados Unidos da América, na década de 1920, onde teve contato direto com John Dewey e
seus conceitos filosóficos, o modelo educacional estadunidense e a necessidade de melhorias no
cenário educacional da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal brasileira e pertencente ao
estado da Guanabara ou Distrito Federal, como podemos perceber pelo amplo estudo de Luciano
Mendes Filho e Diana Vidal (FILHO & VIDAL, 2000) sobre os espaços escolares da escola
primária no Brasil, é possível perceber que na década de 1930, tanto na cidade do Rio de Janeiro
quanto em São Paulo.
Durante sua gestão, foram construídos e reformados 25 prédios escolares, já que o número de
escolas existentes não atendia nem a metade da população em idade escolar (TEIXEIRA, 1932) e o
ensino ocorria num ambiente onde as escolas eram denominadas como “escolas-pardieiros”
(TEIXEIRA, 1935). Neste montante foi edificada uma escola, situada na Praça Cardeal Arco Verde,
em Copacabana, denominada Escola Playground, com projeto arquitetônico e finalidade
educacional diferenciada, e com previsão de construção também nos bairros Tijuca, Vila Isabel,
Centro e São Cristóvão (BARRADAS-FERNANDES, 2006). Ainda não se sabe ao certo se havia
uma relação direta de seu atendimento e funcionamento com as Escolas Nucleares, sendo uma
possível analogia com a relação estabelecida entre a EP e as Escolas Classe nas cidades de
Salvador/BA e Brasília/DF. Que na visão de Noemia Lucia Barradas-Fernandes ao definir Escola
Playground como
escolas-parque ou parque escolas, que funcionariam como pólo atendendo a vários
bairros, apresentavam programa arquitetônico mais complexo: direção geral, serviço
médico e fichamento para controle de educação física, auditório e palco, ginásio,
banheiros e vestiários, refeitórios e anexos (copa, cozinha, serviços), sala de música,
jardim de infância, biblioteca, salas para clubes escolares, sala de projeção, terraço-
jardim, estádio para concentração e pista de corrida, campos para voleibol, equipamento
completo para ginástica, playground (BARRADAS-FERNANDES, 2006),
dialoga diretamente com a informação de Anísio Teixeira que compreende os Centros Educacionais
como núcleos de articulação dos bairros, localizados na periferia da cidade, “onde as funções
tradicionais da escola seriam preenchidas em determinados prédios e as de educação física, social, artística e
industrial, em outros. O conjunto compreenderia, assim, escolas-classe e escola-parque” (TEIXEIRA, 1959).
O conceito de EP foi atualizado, se considerarmos a Escola Palyground como sendo um exemplar
de EP (BARRADAS-FERNANDES, 2006) e implementado parcialmente2 na cidade de Salvador
no final da década de 1940, sendo inaugurado em 21 de outubro de 1950 o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro (CECR), também conhecido como Escola Parque de Salvador, no bairro da
Liberdade, vulgo Caixa D’água, sendo composto por uma Escola Parque e quatro Escolas Classe.
Foram planejados nove centros educacionais no estado da Bahia, entretanto somente um foi
construído e implementado. É possível perceber a descontinuidade desta proposta de política
educacional.
O CECR foi a primeira experiência brasileira de educação pública gratuita em tempo integral,
voltada à comunidade carente ou de periferia, sendo o seu intuito a transformação da realidade
socioeconômica desta comunidade. Lima (1978) nos conta sobre a estruturação clara na relação
entre EC e EP, onde
na EC predominará o sentido preparatório para posteriores encaminhamentos e na EP,
conjunto de edifícios reservados a atividades práticas e sociais, educação física e de arte,
predominarão as fases em que o aluno, pelo senso de responsabilidade e trabalho
material, executará coisas de valor utilitário, usufruindo ao mesmo tempo, de lazer, jogos,
teatro, música, dança, leitura (Idem, p.187).
Durante o governo de Juscelino Kubitschek, 1956 a 1961, com a transferência da capital federal
para o interior do país, verificamos a integração de pensadores com um objetivo comum – a
construção de Brasília, no intuito de elaborar e executar um plano diretor, um exemplo a ser
demonstrado ao restante do país e se possível, replicado em diferentes situações brasileiras. É neste
contexto que ao planejar o espaço urbano brasiliense, Lúcio Costa e sua equipe dialogaram e
receberam as sugestões do Plano Educacional de Brasília, elaborado por uma equipe que tinha
como gestor Anísio Teixeira, então à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do
Ministério da Educação (INEP).
O Plano Educacional de Brasília contemplava em sua versão original, a construção de 28 EPs no
Plano Piloto brasiliense, sendo 14 em cada asa3 (CAMPOS, 1990). Uma segunda versão do
conceito de Centro Educacional, atualizada e adaptada ao cenário brasiliense, é proposta e
implementada na nova capital federal, integrada a estrutura urbanística de Unidade de Vizinhança
(UV) (COSTA, 1984), utilizada por Lúcio Costa na organização do espaço urbano. Uma UV seria
composta, dentre outros itens, do conjunto de quatro Super Quadras (SQ) que teriam cada uma em
sua estrutura a construção de uma EC e um Jardim de Infância. A cada UV, teríamos a construção
de uma EP que atenderia as quatro ECs da UV (KUBITSCHEK, 2000), totalizando em cada EP o
atendimento de aproximadamente 2.000 alunos (PEREIRA & ROCHA, 2006).
Das 28 EPs planejadas, somente cinco foram construídas ao longo dos anos. Sendo: EP 307/308
Sul, EP 313/314 Sul, EP 303/304 Norte, EP 210/211 Norte, EP 210/211 Sul. São citadas as Escolas
Parque no plano de Construções Escolares de Brasília, elaborado por Anísio Teixeira, com
destinação a complementar as atividades desempenhadas pelas Escolas Classe, possibilitando a
criança o seu desenvolvimento artístico, físico e recreativo, bem como sua iniciação quanto a
capacitação para o trabalho, dentro de uma rede de instituições interligadas, disponibilizadas na
mesma área, sendo: biblioteca infantil e museu (DISTRITO FEDERAL, 2001)
Desde sua inauguração em 20 de abril de 1977, a Escola Parque 313/314 Sul, localizada na Área
Especial existente entre as quadras residenciais SQS 313 e SQS 314, já se destacava no cenário
educacional local com um projeto arquitetônico arrojado para a década de 1970 [Figura1], que
usava ostensivamente concreto, vidro e metal. Praticamente todas as salas de aula e demais
dependências constantes no prédio, possuem acesso direto a área verde, permitindo a entrada e uso
da luz solar.
Figura 2 – Uso das paredes da escola como espaço expositivo em dois momentos – 1977 e 2014.
Fonte: montagem fotografica com acervo da escola e acervo pessoal, 2014.
Logo em frente às salas de teatro, temos acesso a área da biblioteca. Atualmente esta região da
escola foi compartimentada e acomoda a biblioteca Monteiro Lobato, o laboratório de informática,
uma sala de aula utilizada para a confecção de materiais diversos e a oficina pedagógica – uma
subseção da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (EAPE) que promove
capacitação de professores quanto à melhor e mais eficiente pratica pedagógica.
Nos primeiros anos de funcionamento da Escola Parque 313/314 Sul ocorriam em suas
dependências ao longo do período letivo, treinamentos de docentes, visando sua qualificação quanto
a pratica docente bem como troca de experiências de casos de sucesso. No acervo iconográfico da
escola podemos encontrar imagens relativas a estes eventos, conforme exemplificamos por meio da
[Figura 3] logo abaixo. Esta ação esta diretamente alinhada ao pensamento de Anísio Teixeira
quanto às funções das Escolas Parque de serem um marco referencial para o restante de escolas das
cidades como para o Estado como um todo. Até mesmo este desvio de função de parte da estrutura
educacional, voltada para a Formação de Professores e o não atendimento direto ao corpo discente
matriculado na escola, dialoga fortemente com a identidade original do conceito e da história desta
escola ao demonstramos um dos seminários ocorridos neste período nesta escola, na região que
provavelmente era destinada a biblioteca4.
REFERÊNCIAS
BARRADAS-FERNANDES, Noemia Lucia Barradas. Arquitetura escolar carioca: edificações construídas
entre 1930 e 1960. 2006. 142 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Arquitetura) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pósgraduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
CAMPOS, Paulo de A. Temas e teimas em educação. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro,
1990.
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Mai/Jun/Jul/Ago, p.19-34, 2000.
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1
É doutorando em Arte pela Universidade de Brasília, onde desenvolve pesquisa sobre as Escolas Parque brasileiras,
sob orientação da Dra. Thérèse Hofmann. Docente da rede pública de ensino do Distrito Federal desde 2009. Co-autor
do livro Brasíliax5: 50 anos de artes visuais em Brasília que resgata a memória dos espaços de artes visuais nos
primeiros 50 anos da capital brasileira. Como fotógrafo já expôs em diversas cidades brasileiras. ccxavier@hotmail.com
2
Utilizo este termo, pois no primeiro momento de funcionamento deste Centro Educacional, tanto a Escola Parque
quanto uma das Escolas Classe não estavam completamente construídas e em funcionamento.
3
O plano urbanístico de Brasília remete a um avião ou uma cruz, onde um dos eixos compõe a parte governamental ou
política e o outro eixo a parte residencial da cidade, sendo divido em duas asas, asa norte e asa sul.
4
Esta dedução também possível devido a estrutura das paredes, portas e o teto, presentes na foto e contrastadas com a
arquitetura atual da escola.
5
As visualidades são compreendidas “como imagens, obras expostas em museus e galerias, reconhecidas como “obras
de arte” e legitimadas pela crítica e pelos expectadores. Como também a fotografia, o desenho, a gravura, a ilustração,
as propagandas, o design. Compreendendo também os acontecimentos diversos quanto uma paisagem, uma palestra em
sala de aula, os rituais como festas de 15 anos, casamentos, formaturas, danças indígenas, manifestações populares,
sonoridades, vídeos, filmes, videoclipe. Além do som enquanto imagem, à medida que cria uma visualidade do texto e
modifica o cotidiano das pessoas e as visualidades produzidas pelos educandos, não só no ambiente escolar como fora
dele.” (OLIVEIRA, 2014, p.12).
6
O termo “cotidiano”, no texto, será utilizado no sentido dado por Dias (2012) e denominado pelo autor como
“cotidiano espetacular”, que é compreendido como um campo ampliado do termo genérico “cotidiano” que aponta o
tempo/espaço ampliado no qual se dá toda a vivência de um ser humano e a relação espaço-temporal na qual ocorre essa
vivência, ele tem como ponto central o imaginário visual e aimagética do cotidiano dos indivíduos. “O cotidiano é em si
um espaço/tempo que informa o espetáculo de categorias sociais identitárias da nossa cultura. E a juventude faz uso da
bricolagem, no cotidiano, como uma tentativa autônoma de construir e reapresentar sua percepção destas performances
culturais” (Idem, p.68).