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Você sabe o que é o purgatório e o que a Igreja diz sobre ele?

É frequente rezar, especialmente neste mês de novembro, pelas “almas do purgatório”. Mas o
que é o purgatório? Nós lemos, no Evangelho de Mateus, que um fariseu fez a seguinte pergunta
a Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”. Jesus respondeu: “Amarás ao Senhor teu
Deus, com todo o teu coração, com toda  a tua alma e toda a tua mente. Este é o maior e o
primeiro mandamento. E segundo é-lhe semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”
(Mateus 22,35-39).
Vamos refletir sobre essa resposta e nos perguntar com sinceridade: quem de nós ama a Deus
com todo o coração, alma e mente?  Quem de nós ama o próximo como  a si mesmo? No
primeiro domingo de novembro, a Igreja, no Brasil, celebra a festa de todos os santos e,
continuamente, apresenta-nos uns “modelos” daqueles que, de verdade, amaram a Deus e ao
próximo “com toda a sua vida”.
Nós, humildemente, olhamos para esses modelos e precisamos confessar: eu não amo a Deus
como um São Francisco, uma Santa Clara, um Santo Afonso, um S. João XXIII, uma Madre
Paulina, um Padre Vítor Coelho de Almeida; ou como muitos outros cristãos pouco conhecidos,
mas que deram um extraordinário exemplo de fé e amor. Nosso amor a Deus e ao próximo,
frequentemente, fica misturado com egoísmo, com vaidade, presunção, negligência, falta de
delicadeza, instabilidade e “pouca fé”.
O purgatório segundo o Catecismo da Igreja Católica
O Catecismo da Igreja Católica nos ensina a distinguir entre pecado mortal e pecado venial (N.
1855-1856). Na primeira situação, o ser humano teve um comportamento tão grave, que rompeu
sua ligação mais profunda, tanto com Deus quanto com o próximo. No segundo caso, essa
ligação permanece, mas não é perfeita.
O que acontece quando o homem chega ao fim da sua vida e deve entrar em contato com o Deus
totalmente santo? Com Deus ninguém convive se não for totalmente d’Ele. Diz o livro do
Apocalipse (21,27) que, no céu, na “cidade santa”, na “nova Jerusalém (…) não entrará nada de
impuro”.
É aqui que reside o lugar teológico do purgatório. O purgatório significa, pois, a graciosa
possibilidade que Deus concede ao homem de poder e dever, na morte, amadurecer
radicalmente. O purgatório é esse processo doloroso, como todos os processos de ascensão e
educação, no qual o homem, na morte, atualiza todas as suas possibilidades, purifica-se (daí o
termo “purgatório”) de todos os limites, fruto da própria história de pecado, de maus hábitos
adquiridos ao longo da vida.
São Pedro, na sua primeira carta (1,14-16) escreve: “Como filhos obedientes, não vos conformeis
com os desejos que tínheis no tempo da vossa ignorância; mas, assim como aquele que vos
chamou é santo, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito ‘Sereis
santos porque eu sou santo’ (Levítico 11,44)”.
Como não lembrar de outra palavra que lemos em Mateus 5,48: “Sede perfeitos, como é perfeito
vosso Pai celeste?”.
Deus nos pede a perfeição, Ele nos quer perfeitos e, por meio da Sua graça, que sempre nos
acompanha nesta e na outra vida, ele nos transforma de imperfeitos em perfeitos. Essa graça, na
vida presente, é oferecida à nossa “liberdade”. O homem pode dizer a Deus um ‘não’ definitivo ou
‘sim’, mas não de uma maneira perfeita. Então, a sua graça nos acompanha até o momento em
que esse ‘sim’ se tornará perfeito: e se isso não acontece antes da nossa morte, acontecerá
depois dela, para aqueles que escolheram amar a Deus e ao próximo, mas não chegaram a fazê-
lo “com todo o coração”. Eis o “lugar”, ou melhor, o “estado”, a “situação” do Purgatório.
Por que purgatório?
A essa altura, pode-se perguntar quando, na história e na doutrina da Igreja, fala-se do
purgatório.
Na antiga Igreja, a ideia do purgatório se desenvolveu em relação à prática penitencial. De fato,
se por um lado Jesus concedeu aos apóstolos o poder de perdoar os pecados (cf. João, 20,22-
23), por outro, a Igreja organizou sua “prática penitencial” de maneira diferente, em épocas
diferentes. Hoje, temos a modalidade do sacramento da “confissão”, mas, desde o início até o
século VI, houve a modalidade da penitência pública, concedida uma vez na vida e reservada
para os pecados mais graves e públicos, caracterizada por um longo (de anos) e difícil caminho
de expiação, que se concluía com uma reconciliação eclesial, por meio do bispo.
Reinava, então, a insegurança quanto ao batizado que houvesse cometido um pecado mortal e
em consequência se achasse excluído da vida comunitária da Igreja, se estava suficientemente
purificado e havia feito suficiente penitência para poder ser admitido novamente na Celebração
Eucarística. E, em suas dúvidas, as autoridades eclesiásticas se decidiam a conceder a
reconciliação, que, às vezes, parecia demasiado prematura, movidas pelo pensamento de que,
além da morte, existe uma possibilidade de purificação ou reconciliação. Quem mais difundiu a
doutrina do purgatório foi o Papa Gregório Magno  (papa desde o ano de 590 até 604).
A convicção eclesiástica criou diversas formas de expressão na liturgia. Já no século II, atesta-se
uma oração pelos falecidos. Desde o século III, existe o costume de orar por eles durante a
Celebração da Eucaristia.
A Igreja Católica ensinou explicitamente a existência do purgatório no Segundo Concílio de Lião
(1274), no Concílio de Florença (1439) e no Concílio de Trento (1545-1563).
O que fazer para não passar pelo purgatório?
Diante desse ensinamento da Igreja, vamos agora nos perguntar: “O que vamos fazer para
“evitar” o purgatório ou para chegarmos no fim da vida mais “purificados” do que estamos agora?
“Viver é aprender”, diz o provérbio. Temos a vida toda para aprender a “amar a Deus de todo o
coração e  amar o próximo como a nós mesmos”. Nessa caminhada, fazemos também a
experiência do pecado, mais ou menos grave. Não podemos, então, esquecer o significado da
palavra Evangelho. Essa importante palavra vem do grego e se traduz como “boa nova”, “bela
notícia”. Qual é a “bela notícia”? Ei-la: Deus é misericórdia, Deus é graça, Deus perdoa, Deus é
como o Pai do Filho Pródigo. Manifestou esse amor dando-nos seu Filho, Jesus, nosso Salvador,
que deu a vida por nós, que nos salvou através da sua morte – ressurreição e do dom do Espírito
Santo. Naturalmente, o homem tem que fazer a sua parte, acreditando neste amor e convertendo-
se.
Falamos que a Igreja é santa e pecadora ao mesmo tempo. Trata-se, para todos nós, de uma luta
contínua entre o pecado e a graça. Vamos, aos poucos, aprender a “viver como Jesus viveu”. É
um processo educacional: os que mais aprendem, às vezes, depois de uma experiência de
pecado, chegam no fim da vida “purificados”, “prontos” para “ver a Deus face a face”. Os que
escolheram a Deus de verdade, mas que ainda não se aperfeiçoaram de maneira completa,  na
morte irão completar este “processo de conversão”: eis o “purgatório”.
Quanto vai durar? Depois da morte vamos ficar sem relógio. No fundo, é ridículo falar de 100
anos ou de mil anos de purgatório. Entramos no mistério da vida após a morte. Só Deus sabe.
Em suma, somos chamados, desde já, a percorrer o caminho da santidade. Não vamos esquecer
que, no Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja falou da “Vocação universal à santidade” (cf.
Documento sobre a Igreja, Lumen Gentium, n. 39-42). Todos os cristãos são chamados a ser
santos, naturalmente dentro da específica vocação de cada um.
Por fim, lembramos que, no Dia de Finados, reza-se especialmente pelos mortos, visitam-se os
cemitérios. A que se devem essas práticas? São válidas?
A oração pelos mortos
A oração pelos mortos têm raízes já na crença dos próprios judeus, quando ocorreu o episódio de
Judas Macabeus (II século antes de  Cristo). Narra-se aí que alguns soldados judeus foram
encontrados mortos num campo de batalha, tendo debaixo de suas roupas alguns objetos
consagrados aos ídolos, o que era proibido pela Lei de Moisés. Então, Judas Macabeus mandou
fazer uma coleta para que fosse oferecido em Jerusalém um sacrifício pelos pecados desses
soldados. O autor sagrado louva a ação de Judas nestes termos:   “Se ele não esperasse que os
mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. E acreditava que uma bela
recompensa aguarda os que morrem piedosamente. Era este um pensamento santo e piedoso.
Por isso, pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas”. (2 Mac
12,44-46)
Nesse caso, vemos pessoas que morreram na amizade de Deus, mas com uma incoerência que
não foi a negação da fé, já que estavam combatendo no exército do povo de Deus contra os
inimigos da fé.
No Credo, nós cristão professamos a fé na “comunhão dos santos“. O que significa isso?
Procuramos a resposta no Catecismo da Igreja Católica, que assim se expressa: “A expressão
comunhão dos santos designa, em primeiro lugar, as coisas santas e, antes de mais, a Eucaristia,
pela qual ‘é representada e se realiza a unidade dos fiéis que constituem um só Corpo em
Cristo’. Esse termo também designa a comunhão das pessoas santas em Cristo, que ‘morreu por
todos’, de modo que o que cada um faz ou sofre por Cristo e em Cristo reverte em proveito de
todos. Nós cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo: dos que peregrinam na terra, dos
defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu: formam
todos uma só Igreja; e cremos que, nesta comunhão, o amor misericordioso de Deus e dos seus
santos está sempre atento às nossas orações.” (N. 960-962).
Então, visitando os cemitérios e rezando pelos falecidos, manifestamos a fé na “comunhão dos
santos”; e, acima de tudo, manifestamos a fé na ressurreição dos mortos. A esse respeito,
gostaria de concluir com as belíssimas palavras do Apóstolo Paulo, que encontramos na Primeira
Carta aos Tessalonicenses (4, 13-18).
“Não queremos, irmãos, que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos
entristecerdes como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e
ressuscitou, assim também devemos crer que Deus levará por Jesus e com Jesus os que morrem
nele. Seremos arrebatados juntamente com eles (quer dizer, com os que já morreram) sobre as
nuvens; iremos ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor.
Consolai-vos portanto com estas palavras”.
Vamos, então, visitar os cemitérios e rezar pelos falecidos; essas práticas são validas, pois
nascem da nossa fé e a alimentam.

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Purgatório
Para a pergunta “Para onde vamos após a morte”, a Igreja Católica dá uma resposta dupla: o
corpo jaz na sepultura, mas a alma se apresenta a Deus. Ou a pessoa decidiu pelo amor até
então – e irá para o céu. Ou ela recusou completamente o amor – e irá para o inferno. Ou ela
levou uma vida morna, não tão boa para o céu e nem muito ruim para o inferno. Então, essa
pessoa irá para o purgatório: “o Senhor olha-nos cheio de amor e nós sentimos uma ardente
vergonha e um doloroso arrependimento pelo nosso comportamento mau ou ‘simplesmente’
insensível. Só após esta dor purificadora seremos capazes de nos encontrar com o Seu olhar
amoroso numa pura alegria celestial”. (YOUCAT 159)
O que a Bíblia diz?
A Bíblia fala muito pouco sobre um fogo purificador. Há uma passagem no Antigo Testamento
falando que “uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente” (2Mc 12, 45). Em 1
Coríntios diz-se sobre os “operários com Deus”, que “a obra de cada um aparecerá. O dia (do
julgamento) demonstrá-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de
cada um” (1Cor 3, 13). A primeira epístola de Pedro fala sobre a firmeza na fé “para que a prova a
que é submetida a vossa fé (mais preciosa que o ouro perecível, o qual, entretanto, não deixamos
de provar ao fogo) redunde para vosso louvor, para vossa honra e para vossa glória, quando
Jesus Cristo se manifestar” (1Pd 1, 7). A verdade que algo como um fogo purificador entre o céu
e o inferno realmente existe foi estabelecida na Igreja como uma certeza de fé somente no século
VI.
Uma pequena catequese do YOUCAT:
Sob o Fogo
Quando somos pequenos, fazemos todos os tipos de travessuras; brigamos, provocamos uns aos
outros; quando envelhecemos ficamos ofendidos com certas coisas, e intimidamos apontando o
dedo para a pessoa. Quando eu era pequeno, as pessoas costumavam dizer aqui na Alemanha:
“por causa disso você vai queimar”. Por “queimar” queriam dizer que você iria ao purgatório, algo
que eu não compreendia na época. Pintores medievais amavam representar almas no purgatório.
Hoje, entendo que os adultos estavam tentando dizer que eu teria de expiar minhas ações pela
eternidade – e isso realmente não seria divertido.
Esquecer do Purgatório?
Depois, quando comecei a estudar, eu escutei todos os tipos de piadas sobre o purgatório.
Ninguém o levava a sério, por haver poucas referências a ele na Bíblia. “Poderíamos aprender
com os protestantes, que não acreditam no purgatório”, me disseram. Mas ironicamente me
ocorreu que o purgatório realmente existe quando conversava com um teólogo protestante. Eles
costumavam perguntar aos crentes católicos: “Você tem certeza da sua salvação?”. Quando eu
não respondia imediatamente, perguntavam de forma ainda mais incisiva: “Você tem absoluta
certeza da sua salvação?”. Não me recordo do que respondi literalmente, mas foi algo assim:
“Tenho absoluta certeza de que Cristo morreu por mim e que Ele me salvou. Mas se você me
perguntar se vou para o inferno, só posso dizer que agora eu não sei. Pode acontecer que eu
cometa algumas ações diabólicas na minha vida, que definitivamente não irão me permitir chegar
ao céu”.
Por que deve haver mais do que somente o Céu e o Inferno?
Na noite seguinte eu entendi por que o purgatório realmente existia. E por que poderia ser sorte
minha parar lá depois da morte. Se só preto e branco, céu e inferno, salvação e condenação
existissem – viveríamos num universo muito cruel. O Islamismo conhece somente esses
extremos. Uma vez viajei de Cairo para o Mar Vermelho. Eu nunca tinha visto um mundo tão
sombrio. Quilômetros e quilômetros percorremos um mundo cinza, incendiado e saqueado, no
qual as pessoas vestidas de cinza viviam muito pobremente. “Por que tudo é tão triste aqui?”,
perguntei a um cristão copta que me acompanhava. Ele me disse que, já que não têm uma boa
vida, eles acreditam que isso é um sinal de que estão condenados pela eternidade! Eles não
creem que faria sentido tentar melhorar suas vidas.
Na mesma noite em que meu amigo protestante me perguntou se eu estava certo de minha
salvação, pensei no fato de que eu tinha esperança de entrar na vida eterna. Refleti sobre minha
morte e imaginei como seria ver Deus diretamente, olho a olho. É claro, eu esperava que o Deus
misericordioso também me dissesse essa frase: “Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no
pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor” (Mt 25, 23). Mas de repente
percebi o fato de que, quando toda minha vida estiver sob uma luz deslumbrante diante de Deus,
eu seria tomado por outro sentimento – uma profunda, profunda vergonha. Chegar à plena luz de
Deus não significa ser engolido, para que não existamos mais, mas subitamente entender
completamente a Deus e a mim mesmo com total clareza.
A Vergonha pela Alegria
Ficarei profundamente envergonhado de todos os momentos em que descuidadamente me
afastei do amor, e também dos momentos de crueldade e traição. YOUCAT 159 nos recorda de
tal momento: “Quando São Pedro traiu Jesus, o Senhor voltou-Se e olhou para ele e, saindo
Pedro para fora, chorou amargamente. Trata-se aqui de um sentimento ‘como no purgatório’”.
Naquela noite me ocorreu que o purgatório existe e que esse fato é parte da minha esperança em
Deus e na vida eterna. Posso dizer sim ao que está escrito no YOUCAT 159: “Quem morre na
graça de Deus (isto é, na paz com Deus e com os outros), mas ainda necessita de purificação
para poder estar face a face diante de Deus, passa por um purgatório”. Estou ansioso para o
momento em que serei visto e completamente exposto. “O seu olhar,” diz Papa Bento XVI, “o
toque do seu coração cura-nos através de uma transformação certamente dolorosa ‘como pelo
fogo’. Contudo, é uma dor feliz, em que o poder santo do seu amor nos penetra como chama,
consentindo-nos no final sermos totalmente nós mesmos e, por isso mesmo totalmente de Deus”.

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