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NÚMEROS

CAPÍTULOS 1-2

O Livro de Levítico contém a revelação de Deus ocupando o trono,


onde Se coloca para que o povo se aproxime d’Ele; contém a
revelação do sacerdócio, admitido ao pé do trono, na medida em
que os homens podiam ter acesso ali, e enfim a promulgação das
ordenanças relativas a esses dois grandes feitos, no que concernia
à generosidade do povo.

Neste Livro encontramos o serviço e a marcha do povo, que são,


em figura, o serviço e a marcha dos santos através deste mundo, e,
por consequência, o que se refere aos Levitas e à travessia do
deserto. Ora, como o Livro de Levítico termina por regulamentos e
advertências relativas à posse da terra de Canaã, e isto em relação
com os direitos de Deus, e consequentemente, com os do Seu
povo, o Livro de Números fala-nos naturalmente da entrada do povo
na Terra Prometida, ao fim da travessia do deserto, e da graça, cujo
resultado era justificar o povo, apesar das suas infidelidades.

A primeira coisa que nos é apresentada é que Deus faz o


recenseamento exato do Seu povo, e tendo-o assim reconhecido,
coloca-o em ordem em volta do Seu Tabernáculo. Que doce
pensamento, serem assim reconhecidos e colocados em volta do
próprio Deus!

Três tribos, formadas nos quatro lados do átrio, guardavam o


Tabernáculo do Eterno Deus.

Só Levi era excetuado, por ser consagrado ao serviço de Deus, mas


também acampava, segundo as suas famílias, imediatamente em
volta do átrio. Em frente da entrada por onde as pessoas se
aproximavam de Deus, estavam colocados Moisés, Arão e os
sacerdotes. Os mais pequenos pormenores da Palavra mereciam
sempre grande atenção. O começo do Salmo 80
explica perfeitamente a posição das tribos. O espírito do Salmista
pede, nos últimos dias da desolação de Israel, que Deus os conduza
e que manifeste o Seu poder como o manifestou na travessia do
deserto; suplica o poder da Sua presença sobre a Arca do
Testemunho, como a fazia resplandecer quando dizia, no momento
em que Israel se punha em marcha: “Levanta-te, Senhor, e que os
teus inimigos sejam dispersos”. Efraim, Benjamim e Manassés eram
as três tribos do acampamento de Israel que ficavam mais próximo
da Arca (capítulo 10:21-24). É por isso que nos é dito, no segundo
verso do Salmo 80: “Perante Efraim, Benjamim e Manassés”.

Na marcha, a ordem dada era que o Tabernáculo, rodeado pelos


Levitas, fosse no meio das tribos, tal como quando o acampamento
estava em descanso (capítulo 2:17). Mas no capítulo 10 vemos que
uma outra disposição tinha lugar de fato. Falaremos dela mais à
frente.
CAPÍTULO 3
Neste capítulo vemos os Levitas postos à parte, segundo os
pensamentos de Deus, para o Serviço. É uma figura da Igreja, ou
antes, dos membros da Igreja no seu serviço, assim como os

sacerdotes são a figura dos Cristãos aproximando-se do trono de


Deus, embora estas duas coisas sejam apenas uma sombra, não
uma imagem perfeita.

Os Levitas eram as primícias, oferecidas a Deus, porque estavam


no lugar dos primogênitos, dos quais Deus tinha tomado Israel para
Si, quando feriu os primogênitos dos Egípcios. É assim que a Igreja
(1) é, como primícias das criaturas de Deus, santa ao Senhor.

Sendo o número dos primogênitos maior que os dos Levitas, o


excedente foi remido como sinal de que eles pertenciam a Deus, e
os Levitas tornavam-se a possessão de Deus para o Seu serviço
(versos 12-13). Dá-se o mesmo com a Igreja; ela pertence
inteiramente a Deus, para O

servir neste mundo.

Mas, por outro lado, os Levitas eram inteiramente dados a Arão, o


sumo sacerdote, porque o serviço da Igreja ou dos seus membros
depende inteiramente de Cristo na presença de Deus, e não tem por
objeto senão o que Lhe diz respeito e o que se refere ao serviço que
Ele mesmo presta a Deus no verdadeiro Tabernáculo. O serviço dos
santos não tem nenhum valor (pelo contrário, é um pecado) se não
for unido ao sacerdócio. Também o nosso serviço não vale
absolutamente nada, se não se ligar, nos seus pormenores, à nossa
comunhão com o Senhor e com o Sacerdócio (isto é, a Cristo, nos
lugares celestiais, na presença de Deus por nós, que somos
associados com Ele nessa proximidade — sacerdotes por graça).
Assim, tudo se cumpre em relação direta com Ele, nesse caráter
celestial. Cristo é “Filho na casa”. “Há diversidade de serviços, mas
o Senhor é o mesmo”. O Santo Espírito dá a capacidade e o dom
para o serviço, mas, no exercício dessa capacidade e desse dom,
nós somos servos de Cristo.

Assim, pelo que concerne ao nosso serviço, temos estes três


princípios: 1º - Somos remidos, libertados dos julgamentos sob cuja
ação estão os inimigos de Deus, sendo tomados do meio desses
inimigos;

2º - Em consequência deste primeiro fato, pertencemos


absolutamente a Deus. Comprados por bom preço, já não
pertencemos a nós mesmos, mas a Deus, para O glorificarmos nos
nossos corpos, que Lhe pertencem;

3º - Nós somos inteiramente dados a Cristo, Chefe da casa de


Deus, Sacerdote para o serviço do Seu Tabernáculo.

Bendita servidão, feliz abnegação de nós mesmos, verdadeira


libertação de um mundo de pecado! O serviço tem lugar sob a
dependência de Cristo e na comunhão do Senhor. Está ligado ao
sacerdócio.

O serviço aparece aqui como limitado ao Tabernáculo, isto é,


exerce-se no meio do povo de Deus e em relação com ele, quando
se aproxima de Deus. A pregação do Evangelho aos de fora não
fazia parte do sistema judaico, que era a sombra, mas não a perfeita
imagem da ordem de coisas em que nos encontramos. O Evangelho
é a expressão da graça visitando os pecadores. A instituição dos
Levitas é-nos aqui apresentada em princípio. Encontramos mais
tarde a sua purificação e a sua consagração a Deus.

Poderemos notar já que, em relação ao que há de mais elevado na


vocação da Igreja, todos os seus membros são um. Os sacerdotes,
exceto o sumo sacerdote, cumpriam todos igualmente, ou em
conjunto, o serviço das ofertas a Deus. Dá-se o mesmo com a
Igreja: Todos os seus membros se aproximam igualmente de Deus,
e estão com Ele na mesma relação. (Um sacerdote, atuando por um
outro Israelita, que fazia uma oferta ou tinha pecado, representava
antes o próprio Cristo).
Por outros lado, a ordem de serviço dos Levitas estava
regulamentada pela soberania de Deus, que punha cada qual no
seu lugar. No serviço da Igreja encontram-se as maiores diferenças,
e cada qual tem o seu lugar assinalado. É o que — penso eu —
igualmente terá lugar na glória (comparar Efésios 4 e 1 Coríntios
12). Todos seremos feitos conformes à

imagem do Filho de Deus, mas, assim como cada qual será cheio
do Espírito Santo para o serviço, também, segundo os desígnios de
Deus, aqueles a quem isso for concedido pelo Pai, assentar-se-ão
um à direita e o outro à esquerda; estabelecidos sobre dez cidades
ou sobre cinco, mas todos entram igualmente no gozo do seu
Senhor. Nós somos todos irmãos, não havendo senão um Mestre.
Mas o Mestre reparte as Suas graças a cada um como Lhe apraz,
segundo os desígnios de Deus o Pai. Aquele que nega a unidade
fraternal, nega a autoridade única do Mestre. Aquele que nega a
diversidade dos serviços, nega de igual modo a autoridade do
Mestre, que dispõe dos Seus servos como entende, e escolhe-os
segundo a Sua sabedoria e os Seus direitos divinos.

(1) Falo sempre aqui da Igreja, vista individualmente nos seus


membros.
CAPÍTULO 4
Temos em seguida as disposições prescritas para o transporte dos
objetos que o Tabernáculo continha, assim como para a cobertura,
quando o acampamento estava em marcha no deserto. Indicarei o
que parece ser o significado típico dessas prescrições. Este assunto
é pleno de interesse e de importância prática.

Após as instruções destinadas a fazerem-nos saber como nos é


dado aproximarmo-nos de Deus, as relações entre as
manifestações de Deus em Cristo, e a nossa marcha neste mundo
são, para nós, o que há de mais essencial. Ora, é este último tema
que é tratado em tipo nas disposições ordenadas para o transporte
dos principais objetos destinados ao serviço de Deus.

Quando esses objetos estavam no seu lugar, enquanto o


acampamento estava em descanso, estavam descobertos. Os que
estavam fechados no Tabernáculo reportavam-se ao Céu; o altar e a
cuba estavam fora, antes de ali se entrar.

No deserto, esses objetos revestiam certos caracteres, sobretudo


um, mas outros também, em certos casos. Eu considero-os, pois,
como a manifestação de certas relações que existem entre a
marcha do Cristão e diversas manifestações de Deus em Cristo (2).

A Arca da Aliança representava o trono de Deus no Céu, a


santidade e a Justiça que se manifestam lá em Deus. Ela era, em
primeiro lugar, coberta do véu da humanidade de Cristo, tal como
Ele era neste mundo na Sua Pessoa. Isto quer dizer que a
santidade e a Justiça divina se revestiram da humanidade. Por cima,
estavam as peles dos texugos.

Vimos nessas peles essa santidade prática e vigilante neste mundo,


que se guarda do mal que se pode contrair ao atravessarmos o
deserto. Todavia, quando existem relações imediatas com o que
Deus é no próprio Céu (e foi assim que Ele mesmo Se manifestou
em Cristo), o caráter inteiramente celeste que daí resulta manifesta-
se exteriormente. É por isso que o pano azul que cobria as peles de
texugos é o que se via no deserto — e é o que tinha lugar para
Cristo. A Arca, em caminho, no deserto, não tem para antítipo
perfeito senão Ele, considerado na Sua marcha pessoal neste
mundo. Todavia, a marcha do Cristão, quanto ao atingir essa altura,
tem também a sua expressão nesse tipo.

Após a Arca vem a mesa dos pães da proposição. Era uma figura
de Cristo na perfeição divina de Justiça de Santidade, segundo o
poder do Espírito Eterno, em relação com a perfeição da
administração humana, que se revela no número doze e nos pães
de que as doze tribos e os doze apóstolos eram a expressão. Aqui,
o pano azul, a cobertura celeste, era

colocado sobre a mesa de ouro; a parte propriamente divina revestia


o caráter celeste. Sobre esta cobertura estavam os utensílios e os
pães, que recobriam uma segunda cobertura de escarlate, quer
dizer, segundo me parece, a glória e o esplendor humanos (3). Esta
glória e este esplendor eram de Deus, mas eram humanos. Por
cima estavam as peles de texugos, para que o conjunto fosse
protegido, contra o mal. Esta proteção exterior é sempre necessária
para qualquer outro que não seja a Pessoa de Cristo. Cristo estava
seguramente ao abrigo do mal, mas era de uma maneira interior e
mais profunda. O que era celestial aparecia n’Ele à primeira vista,
para quem tinha olhos para ver: “O segundo Homem é vindo do
Céu”.

Pelo que nos diz respeito, temos dentro de nós o que é celestial,
mas é preciso que o guardemos cuidadosamente com uma
vigilância bem decidida, proporcional ao mal que atravessamos e de
que importa proteger-nos. Também Cristo, em relação com o
governo do mundo em Israel, no século futuro, revestirá, em
princípio, o que é representado aqui pelas peles dos texugos, que,
no caso da Arca, estavam no interior. Haverá n’Ele o caráter divino,
depois o celeste, depois a perfeição do governo humano, recoberto
do brilho da glória.
Quando passava através do deserto, tudo isso estava guardado por
um poder que, na sabedoria de Deus, excluía todo o mal. Quando o
Reino for manifestado, o mal será excluído pelo exercício judiciário
do poder. Mas aqui falamos da marcha através do deserto. O
princípio, num e noutro caso, é o mesmo: a exclusão do mal, de
todo o dano feito ao que é Santo e que Deus confia para ser
guardado. Somente, no primeiro caso, trata-se de poder moral e
espiritual; no segundo caso, trata-se de poder judiciário (ver Salmo
101)(4).

Após a mesa de proposição vinha o candelabro, coberto de um


pano azul e de peles de texugos. Era a perfeição espiritual da luz do
Espírito. O que o envolvia era simplesmente celeste com a
cobertura de peles de texugos, que preservavam dos danos a que a
graça, de que era portador, estava exposta no deserto. Todos os
utensílios do candelabro revestiam o mesmo caráter.

O altar dos perfumes, ou do incenso, (a intercessão espiritual) era


coberto da mesma maneira. Deixo, pois, às reflexões espirituais do
leitor a compreensão das coisas que têm sido explicadas
precedentemente nos seus princípios. Dava-se o mesmo com todos
os objetos que estavam no lugar santo, porque o santuário
representava os lugares celestes.

Com o altar de bronze, era algo diferente. A sua cobertura era um


pano de púrpura, a cor real. “Se sofrermos, regeneramo-nos”. A
Cruz e a Coroa são correlativas sobre a Terra e no Céu. Assim foi
com Cristo, o Rei dos Judeus, como dizia a legenda sobre a Cruz. E
o próprio trono de Deus era a resposta aos Seus sofrimentos,
enquanto que Ele era o holocausto, oferecido segundo o poder do
Espírito Eterno, atuando no Homem, de harmonia com a exigência
da majestade divina. Mas o que era assim coroado, era a própria
perfeição, e o que se cumpria no Homem, segundo a energia do
Espírito Eterno, era também divino; de sorte que o Senhor pôde
dizer: “Por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida, para
tornar a tomá-la” (João 10:17).
Todavia, o que era divino no ato, era divino no sentido do Espírito
Eterno, atuando no Homem, enquanto que a própria Divindade era a
fonte, e, a esse título, Aquele que cumpria podia reclamar a glória
divina. As circunstâncias da morte de Jesus diziam respeito à Sua
humanidade — verdade infinitamente preciosa para nós. Ele foi
crucificado em fraqueza; foi entregue às mãos dos Gentios; a Sua
boca estava ressequida, enquanto esperava pelo Seu Deus!

Foi perfeito em todas as coisas, manifestadas ao exterior, à vista


dos homens — Ele era o Homem! Todo aquele que podia olhar para
dentro, via Aquele que, pelo Espírito Eterno, Se ofereceu sem
mácula de Deus.

Assim, tudo o que dizia respeito ao serviço era colocado sobre o


pano de púrpura; o altar estava sob essa cobertura. As peles de
texugos eram, como sempre, estendidas por cima (5).

(2) Eu digo a marcha do Cristão aplicando-se às nossas


consciências, mas a expressão é imperfeita, porque o assunto me
parece abraçar a vida do próprio Cristo sobre a Terra, e mesmo, a
alguns respeitos, a Sua vida no porvir, mas sempre sobre a Terra.
Estes tipos mostram a relação entre a manifestação da vida neste
mundo (as formas e os caracteres que ela reveste) e as fontes da
vida na manifestação de Deus em Cristo, assunto este do mais alto
interesse. As peles de texugos, e as circunstâncias de que este
Livro se ocupa, supõem sempre a marcha no deserto. Não é senão
quando se faz a abstração dessas circunstâncias que se vê a
manifestação das coisas futuras. Assim, a fé, a do malfeitor sobre a
Cruz, por exemplo, via em Cristo sofredor, o Rei, embora toda a
glória real estivesse oculta. Não temo, pois, fazer-lhe alusão. Não
faço senão apresentar a ideia contida no tipo, sem dela expor todas
as consequências.

(3) Esta ideia foi-me sugerida pelo exame de todas as passagens da


Palavra de Deus em que o escarlate é mencionado. Saul enfeitava
os filhos de Israel de escarlate e de outras magnificências. Babilônia
é revestida de escarlate. A Besta é de cor de escarlate. O escarlate
era deitado no fogo aquando da purificação do leproso e daquele
que era maculado por um morto. O escarlate é uma cor brilhante.

(4) As aspirações de Davi quanto a sua vida pública e particular iam


muito além de seus próprios esforços. Contudo, os objetivos que
estipulou para sua casa e seu reino serão plenamente alcançados
pelo Senhor Jesus quando retomar para assumir o trono de Davi.
Esse salmo trata de um manifesto de Davi ao assumir seu reinado e
apresenta seus ideais e ambições.

(5) A cuba não se encontra entre os objetos aos quais essas


ordenanças se referem. A razão desta omissão é evidente, segundo
a explicação que acabamos de dar dessas figuras, e confirma esta
explicação. A cuba não representava uma manifestação de Deus,
cuja eficácia se reproduz na vida Cristã ou na glória de Cristo, mas
sim um meio para a purificação do homem. Estas direções,
examinadas apenas sumariamente aqui, parecem-me plenas do
maior interesse e de um alcance muito profundo.
CAPÍTULO 5
Prossigamos o estudo do Livro. O capítulo 5 apresenta-nos três
coisas em relação com a pureza do acampamento, considerado
como a morada de Deus, e em relação com a nossa peregrinação,
através do deserto — principal tema do Livro de Números. Durante
esta peregrinação, onde tudo é posto à prova, presença, no meio de
nós, de um Deus não contristado é a nossa única segurança, a
nossa força e a nossa direção. Toda a impureza devia ser retirada.
Deus tomava conhecimento dos erros que, durante a viagem,
alguém cometia contra o seu irmão. Se isto é sempre verdade, é-o
mais ainda quando se trata de ofensa feita Àquele que não teve
vergonha de nos chamar Seus irmãos. A restituição, quando não
podia ser feita à pessoa que tinha sofrido o dano, ou ao seu parente
mais próximo, devia ser feita ao eterno Deus na pessoa do
sacerdote, além da oferenda pelo pecado. No acampamento de
Deus não se podia cometer danos sem os reparar.

Depois vem a questão do ciúme. Se a fidelidade de Israel, da Igreja,


ou de um indivíduo qualquer, a Deus ou a Cristo, é posta em dúvida,
é preciso que a prova seja feita. O pó sobre o solo do Tabernáculo
(verso 17) era, ao que me parece, o poder da morte na presença de
Deus, fatal ao homem natural, mas precioso, como a morte do
pecado, para aquele que tem a vida. A água representa o poder do
Espírito Santo atuando pela palavra de Deus sobre a consciência.

O poder do Espírito Santo julgando assim (segundo a sentença de


morte contra a carne) o estado de infidelidade que se julgava oculto
aos olhos do verdadeiro marido, do povo, manifesta o pecado e faz
com que o castigo e a maldição se abatam sobre o infiel — e isto,
evidentemente, pelo justo julgamento de Deus. Beber a morte
segundo o poder do Espírito é a vida para a alma. “Por estas coisas
se vive — diz Ezequias — e em todas estas coisas está a vida do
meu espírito”, mesmo quando elas são o efeito de um castigo, o que
nem sempre é, necessariamente, o caso. Mas se há algo de
interdito oculto, se há infidelidade para com Jesus, desapercebida
talvez do homem, mas que Deus a põe à prova; se nos deixamos
enlaçar por aquele que tem o império da morte, e o santo poder de
Deus se ocupa da morte e vem pôr-se em relação com esse poder
do inimigo, o mal oculto é descoberto, a carne é atingida, a sua
corrupção e a sua impotência são manifestadas, por muito belas
que sejam, de resto, as suas aparências. Mas se está isenta de
infidelidade, a prova apresenta um resultado negativo: Mostra que o
Espírito de santidade não encontra nada a julgar, quando aplica a
morte, segundo a santidade de Deus.

Na oferta sem azeite nem incenso, a mulher é colocada perante


Deus segundo o julgamento que Deus trouxe sobre o pecado, na
Sua santidade e na Sua majestade, quando Cristo foi feito pecado
por nós. O pecado confessado não tem nunca esse efeito, porque a
consciência é purificada por Cristo. A infidelidade de que se trata
aqui é a do coração de Israel, ou a da Igreja a Cristo. Todas estas
coisas se aplicam, não à aceitação do crente ou da Igreja, do ponto
de vista da justificação (é questão disso quando se trata de nos
aproximarmos de Deus), mas assim ao julgamento do nosso
comportamento durante a travessia do deserto, estando Deus no
meio de nós.

A Igreja faria bem apreciar até que ponto ela se entregou a um


outro. Certamente haverá entre os seus membros quem o não tenha
feito em seu coração, mas a Igreja em si faria bem se fizesse o seu
exame de consciência... Se Cristo não descobrisse a iniquidade,
com a obrigação de a julgar, identificar-se-ia, por assim dizer, com a
iniquidade da Sua esposa e seria maculado por ela, se tal fosse
possível (verso 31). É por isso que Ele há de atuar, certamente,
dessa maneira. O que se diz da Igreja pode ser dito, de igual modo,
de cada um dos seus membros, mas nós repetimos que se trata
aqui do comportamento neste mundo, e não da salvação, sendo a
marcha no deserto o assunto de todo este Livro.

Notemos também que a alma individual ou a Igreja podem, a outros


respeitos, mostrar um zelo, uma dedicação extraordinários, de modo
nenhum falhos de sinceridade, enquanto vão caindo num erro que
se oculta, até um certo ponto, a elas mesmas; mas nada é capaz de
compensar a infidelidade ao seu Marido.
CAPÍTULO 6
O Nazireado apresenta-nos um outro caráter que se liga à marcha
pelo Espírito neste mundo — a dedicação especial a Deus. Os
Nazireus separavam-se especialmente para serem

do Eterno Deus. Cristo é disso um exemplo perfeito. A Igreja deveria


andar sobre esses traços.

Os casos de uma chamada especial a dedicar-se ao Senhor entram


nesta categoria.

Três coisas caracterizam esta separação para Deus. O Nazireu não


devia beber vinho; devia deixar crescer o cabelo; não devia macular-
se em contato com os mortos. O vinho designava a alegria de mãos
dadas com os prazeres da sociedade, alegrando o coração que a
ele se entregasse: “O vinho que alegra Deus e os homens”. Desde o
momento em que Cristo entrou no Seu ministério público, foi
separado de tudo aquilo em que a Natureza tinha a sua justa parte.
Convidado com os Seus discípulos para as bodas de Caná, diz a
Sua mãe: “Mulher, que há entre mim e ti?” Mas, de fato, mesmo os
Seus discípulos só O conheciam “segundo a carne”. As suas
relações com eles, quando se tratava da sua capacidade para terem
comunhão com Ele, tinham por base a apresentação atual do Reino,
vindo em carne.

Ainda assim, mesmo quanto a essas relações segundo a carne, Ele


teve de tomar o Seu caráter de separação e de Nazireado; e por
muito verdadeira que fosse a Sua afeição pelos Seus discípulos,
mesmo nesta esfera humana, também teve de ser separado dessa
alegria, Ele que, vendo a realidade através da fraqueza deles, tinha
todas as Suas delícias nos “excelentes da Terra”, nesses
pequeninos do rebanho, que esperavam n’Ele. Esta separação
exprimia-se assim: “Não beberei deste fruto da videira, até àquele
dia em que o hei de beber, novo, convosco, no reino de meu Pai”
(Mateus 26:29). Com efeito, separava-Se desses diálogos que, por
muito simples que fossem, no Seu amor tinha desejado manter com
eles. Ele tinha dito:

“Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa”


(Lucas 22:15). Estas afeições naturais estavam já renegadas,
porque a consagração de Deus estava sobre a Sua cabeça. “Que há
entre mim e ti?”, tinha Ele dito a Sua mãe. Não era que Ele não
tivesse por ela a mais terna afeição; mas agora Ele estava separado
de tudo o mais, para ser apenas para Deus (6).

Em segundo lugar, o Nazireu deixava crescer o cabelo. Era


negligenciar-se, abandonar-se à vontade de Deus fazer abnegação
da sua dignidade e dos seus direitos como homem; porque a
cabeleireira longa marcava, por um lado, num homem, a negligência
da sua própria pessoa, e, por outro, a sujeição, o poder sobre a
cabeça (ver 1 Coríntios 11:10). Era a consagração a Deus pelo
abandono da alegria, da dignidade e dos direitos naturais do homem
(sendo o homem considerado como centro das afeições que lhe são
próprias), para ser inteiramente de Deus.

O homem tem uma posição como o representante e a glória de


Deus, e, nesta posição, está rodeado de uma multidão de afeições,
de alegria e de direitos que têm nele o seu centro. Ele pode
abandonar esta posição pelo serviço especial de Deus, visto que o
pecado entrou em todas essas coisas, que, longe de serem más em
si mesmas, são, pelo contrário, boas no seu lugar. Foi o que Cristo
fez. Feito Nazireu, não tomou a sua posição como homem, os Seus
direitos como Filho do homem, mas, para a glória de Deus,
humilhou-Se completamente, submeteu-Se a tudo o que reclamava
a Sua glória. Identificou-Se com o Remanescente piedoso do povo
pecador que Ele tinha amado, e tornou-Se estranho para os Seus
familiares segundo a carne. Não fazia nada que não Lhe fosse
prescrito. Vivia de cada palavra que saía da boca de Deus.
Separava-Se de todos os laços da vida humana para de Dedicar à
glória, ao serviço de Deus e à obediência ao Pai. Se, no amor dos
Seus, encontrou alguma consolação, que seria, certamente, muito
pequena e muito pobre, teve de renunciar a ela também, e a este
respeito, como a qualquer outro, tornou-Se, na Sua morte, O
Nazireu por excelência, inteiramente só na Sua separação para
Deus. A Igreja devia tê-Lo seguido, mas, ai! Ela tem bebido bebidas
fortes, tem comido e bebido com os ébrios, tem espancado os
domésticos da casa!...

O verdadeiro crente pode ser chamado a negar-se a si mesmo,


renunciando, para o precioso serviço do seu Salvador, a coisas que
não são más em si mesmas. Mas este ato cumpre-se

interiormente: “Os Seus Nazireus eram mais puros que a neve”, diz
Jeremias. A dedicação é interior. Consideremos aqui ao que nos
expomos quando faltamos a essa separação.

Se nos tivermos dedicado ao Senhor de uma maneira que Lhe seja


agradável, o gozo acompanha essa dedicação na medida do
testemunho que Lhe é prestado. Deus está com o Seu servo,
segundo a Sua chamada, mas isso é um segredo entre o Seu servo
e Ele, embora outros possam ver os efeitos exteriores. Se
porventura tivermos faltado a esta separação, há que recomeçar de
novo. A influência divina e o poder na obra estão perdidos.
Poderemos não ter perdido nada a outros respeitos; levantar-nos-
emos como Sansão para sacudir as algemas; mas temos perdido a
força, talvez sem o sabermos. Deus já não está conosco. O caso de
Sansão é um caso extremo, mas solene, porque pode suceder que
a nossa força nos tenha colocado em presença do mal, e então, se
Deus está conosco, a Sua magnífica glória manifesta-se; mas se
não está, o inimigo tem uma boa ocasião de se glorificar acerca
daquele que foi, durante muito tempo, conhecido como um campeão
de Deus, e, aparentemente, acerca do próprio Deus. Nesta segunda
alternativa, o segredo interior, a verdadeira força da separação para
Deus, estão perdidos.

Prestemos atenção, mesmo nas coisas mais simples, ao primeiro


passo que nos separaria da santidade interior. Se a graça nos
chamou a uma separação para um serviço extraordinário qualquer,
preservemo-nos de toda a falta de obediência à palavra da Cruz,
pela qual estamos crucificados para o mundo, para o pecado e para
a lei (7).

Ordinariamente, o Nazireu infiel volta, pelo sacrifício de Cristo, à sua


separação, e é de novo consagrado a Deus. Mas tudo o que nos
põe em contato com o pecado produz o seu efeito sobre o nosso
Nazireado. Perdemos o poder inerente à comunhão com Deus e à
presença especial do Espírito Santo conosco, seja qual for a medida
em que este poder nos tenha sido concedido. Infelizmente, o tempo
que precedeu esse ato está perdido; temos de recomeçar. É ainda
uma grande graça não nos ser tirado todo o privilégio de servir a
Deus; mas, infelizmente, algumas vezes os efeitos da nossa
infidelidade subsistem, quando o poder nos é devolvido. Um Sansão
cego teve de se matar, embora matando muitos dos seus inimigos.

Pertence-nos, em todo o caso, reconhecer imediatamente a nossa


falta, ir a Cristo, e não pretender ser Nazireus exteriormente, quando
o não formos aos olhos de Deus. Nada mais perigoso do que o
serviço de Deus, quando a consciência não está pura. Todavia,
lembremo-nos sempre de que estamos sob a graça.

Esta separação e esta renúncia não são para sempre. O próprio


Cristo não será sempre um Nazireu. Ele gozará um dia de uma
plena alegria com Deus e os Seus remidos. Nesse dia Ele dirá:
“Comei, amigos; bebei abundantemente, bem-amados!” É somente
pelo poder do Santo Espírito que nós somos separados do que é
mau, e muitas vezes mesmo do que é natural, para sermos vasos
de serviço e de gozo, para sermos um testemunho a Deus no meio
do mal.

Tempo virá em que, sendo tirado o mal, poderemos abandonar-nos


à nossa natureza; será o tempo em que o poder do Espírito Santo,
manifestando-se, só produzirá alegria, e em que tudo aquilo de que
estivermos rodeados estará em comunhão conosco. Então Cristo
tomará um lugar que Lhe era impossível tomar outrora, embora Ele
fosse o Homem perfeitamente social, perfeitamente acessível aos
pecadores, porque estava perfeitamente separado deles,
perfeitamente posto à parte, interiormente, para Deus, porque tinha
renunciado a Si mesmo (8) para não viver senão das palavras de
Deus.

Tal é a vida de Deus neste mundo. O que Ele criou não poderia ser
mau. Que Ele nos defenda de o pensarmos! Uma tal asserção é,
infalivelmente, um sinal dos últimos tempos.

Cristo podia pensar à Sua maneira com ternura, quando a obra da


Sua alma sobre a Cruz estivesse concluída. Mas o Santo Espírito
intervém como um poder estranho a esta vida, e

toma o homem para o obrigar a atravessá-la segundo esse poder,


de sorte que quanto mais o homem ali for estranho a si mesmo,
mais está apto a mostrar — e mostra, com efeito —

simpatia por aqueles que a atravessam de harmonia com a vontade


de Deus. Qualquer outra coisa não é senão um princípio monacal.
Se formos verdadeiramente livres por dentro, podemos simpatizar
com o que está de fora; mas se não formos livres, far-nos-emos
monges, na vã esperança de obtermos essa liberdade.

Enfim, quando o voto do Nazireado estava cumprido, todos os


sacrifícios estavam oferecidos, e o cabelo da cabeça do Nazireu era
queimado no fogo que consumia o sacrifício de prosperidades, tipo
da plena comunhão, resultado do sacrifício de Cristo. Quando, no
tempo fixado por Deus, o sacrifício de Cristo tiver obtido, nos seus
efeitos, a sua plena e inteira eficácia, o poder que produz a energia
da separação se observará na comunhão, que será a feliz
consequência desse sacrifício. Sentimo-nos felizes por sabermos
que o poder do Santo Espírito, empregado atualmente em grande
parte a pôr um freio às cobiças da carne, será então inteiramente
um poder de alegria em Deus, e de comunhão com tudo aquilo de
que estivermos rodeados.

Falemos agora dos caminhos de Deus, quando o Nazireado tiver


terminado. Será então produzido todo o resultado da obra de Cristo;
toda a variada eficácia do Seu sacrifício será reconhecida; o Seu
povo entrará na comunhão da Sua alegria; o vinho será bebido com
alegria.

O próprio Senhor Jesus espera esse momento. Eu creio que isto se


aplica mais particularmente ao Seu povo neste mundo, ao
Remanescente Judeu, nos últimos dias. A sua participação do Santo
Espírito será um manancial de alegria e de delícias. Algo de
semelhante nos espera, mas de uma maneira ainda bem melhor.
Somente nós antecipamos até um certo ponto essa alegria, porque
o Espírito Santo produz estas duas coisas: a alegria da comunhão e
a separação solitária para o serviço de Deus. É um pouco o que o
apóstolo quer dizer nestas palavras aos Coríntios:

“A morte atua em nós, e a vida em vós”. No entanto, podemos


sempre dizer de todos os Cristãos: “Prouvera a Deus que
reinásseis, para que também nós viéssemos a reinar convosco!”.

Tendo colocado o povo em volta d’Ele, tendo-o contado nome por


nome, tendo ordenado o serviço, purificado o acampamento (coisa
distinta da purificação dos indivíduos maculados, assunto que
pertence ao Livro de Levítico), tendo, enfim, mostrado a verdadeira
posição do servo dedicado (posição que Israel teria podido tomar, e
que tomou Cristo, verdadeiro Servo, separado para Deus), Deus
põe, ao terminar, a Sua bênção e o Seu Nome sobre o povo. A
bênção coloca-o sob a proteção, sob a graça e na paz do Eterno
Deus. Com efeito, o Senhor os abençoava, ao princípio, de uma
maneira geral; depois, fazendo resplandecer ao Seu rosto sobre
eles, fazia-os gozar da Sua graça. Enfim, erguendo a Sua face
sobre eles, assegurava-lhes a paz.

(6) A diferença entre estas duas fases do caráter de Nazireu,


manifestado por Cristo na Sua vida e na Sua morte, não é tão
grande como poderia parecer. Ele foi sempre separado tanto das
alegrias humanas como de todo o mal: Homem de dores e sabendo
o que é a fraqueza, atravessando, cheio de um santo amor, um
mundo de pecadores; amor recalcado dentro de Seu peito, apertado
em Seu coração — a expiação abriu-lhe as comportas! Ele está
agora, de fato, exteriormente, separado dos pecadores. A recusa
que Ele faz, desde o capítulo 2 do Evangelho segundo João, de
reconhecer os direitos de Sua mãe, encontra o seu lugar natural
neste Evangelho, porque João no-Lo apresenta, desde o início,
como separado na Sua própria Pessoa, e os Judeus como um povo
rejeitado.

(7) São as três coisas às quais a Cruz é aplicada na Epístola aos


Gálatas.

(8) Não, escusado será dizer, que não ouve nenhuma má natureza
n’Ele a renegar, como é o nosso caso; mas Ele renegava-Se a Si
mesmo na Sua vontade e na Sua natureza, nas quais não havia
nenhum mal, como, por exemplo, quando diz: “Mulher, que tenho eu
contigo?”. Sobre a Cruz, quando tudo estava acabado, Ele
reconheceu muito particularmente a Sua mãe. O mel, assim como o
fermento, não podiam entrar no sacrifício.

CAPÍTULOS 7-8

Termina aqui esta parte do Livro. O acampamento, disposto em


ordem segundo Deus, é colocado sob a Sua bênção. No capítulo 7
vemos os príncipes do povo oferecendo uma dádiva de livre vontade
ao Eterno Deus pela dedicação do altar, segundo o número de
tribos. Depois é-nos indicada a forma das comunicações do Eterno
Deus com Moisés, para o instruir no caminho. Vemos que o fato tem
lugar no Tabernáculo, de entre os querubins.

O capítulo 8 fala do candelabro (9). As lâmpadas deviam iluminar e


fazer ver a sua beleza, ao mesmo tempo que derramar a sua luz em
volta e diante dele. É o que tem lugar quando o vaso do Santo
Espírito brilha da luz de Deus. Seja Israel ou a Igreja, projeta a luz
na sua frente.

“Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que
vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos
céus” (Mateus 5:16). É porque a profissão de fé do Cristão era clara
e sem equívoco que os homens, vendo as suas boas obras, sabiam
a quem as atribuir.
Temos em seguida a purificação dos Levitas e a sua consagração
ao serviço do Eterno Deus. Essa consagração prefigura a
consagração da Igreja a Deus, para O servir. Os Levitas eram
lavados e depois rapados com navalha de barba, como os leprosos.
Depois, todo o povo impunha as mãos sobre eles, e eles impunham-
nas sobre os sacrifícios. Nas ofertas que acompanhavam a sua
consagração, não havia sacrifício de prosperidade, porque se
tratava de serviço, e não de comunhão; havia, sim, sacrifícios que
representavam a eficácia da expiação e a dedicação até à morte do
Senhor Jesus.

Os filhos de Levi pertenciam ao Eterno Deus como Seus remidos,


tendo sido salvos quando Ele julgava o pecado, e oferecidos eles
mesmos em oferenda ao Senhor. A imposição das mãos identificava
aquele que as impunha com a vítima: Se era uma oferenda pelo
pecado, a oferenda era identificada com o pecador no seu pecado;
se era um holocausto, aquele que o oferecia era identificado com a
consagração da vítima a Deus. A Epístola aos Romanos 15:16

faz alusão a essa consagração dos Levitas, e considera a Igreja


como oferecida assim a Deus —

oferta de entre os Gentios. Tendo os Israelitas também imposto as


mãos sobre os Levitas, todo o povo se identificava, por assim dizer,
com eles nessa consagração, de modo que os Levitas o
representavam perante o Eterno Deus.

Reencontramos aqui o que já vimos no capítulo 3, que os Levitas


eram dados a Arão e a seus filhos, como a Igreja é dada a Cristo,
verdadeiro Sacerdote e Filho sobre a Casa de Deus, para ser
empregada ao serviço da Casa.

(9) A introdução deste tipo neste lugar faz ver quanto a ordem dos
tipos e a sua introdução em tal ou tal lugar se referem às coisas
tipificadas e à sua ordem moral.

CAPÍTULOS 9-10
A Páscoa, memorial da redenção, e, em consequência, símbolo da
unidade (10) do povo de Deus, como Assembleia resgatada por Ele,
e obrigatório durante a marcha no deserto (11).

Somente, Deus provia em graça e em proteção à necessidade


daqueles que não estavam em estado de a celebrar de harmonia
com a Sua vontade, que lhes tinha sido notificada. Mas esses
meios, fornecidos pelo auxílio e pela graça de Deus, tornavam
constantemente presente a ideia de um povo resgatado e colocado
diretamente sob o governo paternal de Deus. Por outro lado, temos
a preciosa declaração de que o próprio Deus conduzia o Seu povo,
estando presente no seu meio. À Sua ordem, acampava: à Sua
ordem punha-se em marcha. Guardava o que o Eterno Deus lhe
dava para guardar, segundo o mandamento do Senhor. Que O
Senhor nos conceda, a nós, que temos o Seu Espírito, sermos
assim conduzidos em tudo, permanecermos ou irmos, em todos os
atos da nossa vida, sob a Sua direção imediata! Se estivermos perto
d’Ele, na Sua comunhão, seremos conduzidos por Ele mesmo; se
não, sê-lo-emos pela Sua providência exterior, como o cavalo e a
mula, com o freio e a rédea, a fim de nos impedir de tropeçarmos.

No capítulo 10 encontramos as trombetas de prata, que serviam


para convocar o povo para a marcha, assim como para a partida do
acampamento, mas que tinham também outros usos.

Eram o testemunho de Deus, tornado público, com dois fins


principais: Convocar o povo e fazê-lo partir. É assim na prática: O
testemunho de Deus congrega o Seu povo em volta d’Ele, e faze-o
marchar em frente. O testemunho de Deus era o sinal da Sua
intervenção, ao mesmo tempo que tinha como resultado produzi-la.
Os sacerdotes que deviam, em comunhão com o seu chefe, estar
na intimidade dos pensamentos de Deus, tocavam trombetas,
quando o caso se apresentava. Tudo se fazia assim, de harmonia
com a comunhão com Deus, no Seu santuário.

Após a introdução do povo na Terra Prometida, se a guerra


sobreviesse, os sacerdotes tocariam com estrépito, proclamando o
testemunho de Deus, sem se assustarem, e então o Senhor
lembrar-se-ia do Seu povo, para intervir. Dá-se o mesmo conosco!
Nós não temos jamais que temer os ataques do Inimigo. Em vez de
nos assustarmos, prestemos um testemunho fiel, em resposta ao
qual Deus prometeu intervir em poder. Não temamos, pois.

Serviam-se também das trombetas nas festas solenes, porque o


testemunho e o memorial de Deus constituem a alegria do Seu povo
congregado.

Enfim, o povo é chamado a fazer a sua primeira jornada. A ordem


seguida na marcha difere daquela que tinha sido prescrita; difere
nisto: O Tabernáculo, com as suas cortinas, ia após as três
primeiras tribos, a fim de que pudesse ser erguido para receber a
Arca; esta seguia a segunda divisão. Mas, além disso, Deus mostra-
Se de uma maneira notável em graça, fora de toda a ordem que Ele
tinha prescrito (capítulo 2:17), porque, de fato, é a própria Arca que
precede o acampamento (verso 33). Moisés tinha pedido a um filho
do deserto que “servisse de olhos” ao povo; mas quando o homem
não o quer fazer, o próprio Deus Se encarrega disso (capítulo 10:30-
31): Sai do lugar que tinha tomado no meio das tribos para que elas
se ocupassem d’Ele e velassem pela Sua honra, se ousamos
exprimir-nos assim, e faze-Se, de algum modo, servo deles,
procurando um lugar onde eles pudessem descansar naquele
caminho, que lhes era desconhecido. Não era, de modo nenhum, o
descanso de Canaã, mas sim de um lugar do deserto onde o Eterno
Deus fazia um caminho de três dias para procurar um lugar de
descanso para o Seu povo Israel. Belo quadro da terna e preciosa
graça do Senhor, que nunca falta! Se nos faz atravessar o deserto,
para nosso bem, ali Se encontra conosco, e tem o cuidado, ao levar
as Suas ovelhas para o exterior, de ir à frente delas e de as
confortar

com o Seu amor. Poderoso condutor dos Seus durante a viagem,


Ele é a sua alegria e a sua glória, quando vem repousar no meio
deles!

(10) Em Israel, esta unidade era simplesmente a de um povo


resgatado, como tal, para o gozo de uma parte comum; não formava
um corpo, como a Igreja.

(11) No entanto, aqueles que tinham somente o caráter do deserto


não estavam na condição requerida para ali tomarem parte.
Nenhuns daqueles que tinham nascido no deserto foram
circuncidados antes de chegarem a Gilgal, através do Jordão.

CAPÍTULOS 11-12

Somos agora chamados a lançar os nossos olhares numa outra


direção, para considerarmos o comportamento do povo no deserto.
E que vemos nós, infelizmente, senão uma história de infidelidade e
de rebelião? Mas acrescentaremos que é também a história do
auxílio e da graça de Deus. É um quadro infinitamente humilhante e
instrutivo. Reexaminaremos de forma breve os diferentes aspectos
de incredulidade que nos são apresentados aqui.

A primeira coisa que reencontramos após a terna manifestação do


amor de Deus são os murmúrios dos filhos de Israel. Queixam-se da
fadiga, quando Deus lhes procura um lugar de descanso. Deus
castiga-os. Humilhados, clamam a Moisés, e, pela sua intercessão,
o castigo é-lhes levantado, mas os seus corações continuam
afastados do Senhor. Seduzidos pela grande multidão que
constituem, e porque Canaã não era o país da promessa,
desgostaram-se do Maná. Também entre nós, quantas vezes Cristo,
o verdadeiro Pão de vida, não satisfaz às almas, afastadas da
comunhão com Deus! O coração procura noutra parte o seu
alimento; tem necessidade de outra coisa; lembra-se daquilo de que
a carne tinha por hábito gozar no mundo, esquecendo ao mesmo
tempo a escravatura em que estava retido. Já não conhece o poder
desta palavra: “O que vem a mim nunca mais terá fome”. Deus
concede-lhes o objeto dos seus desejos, mas, em vez de se
sentirem envergonhados, ao verificarem que Deus é igualmente
capaz de satisfazer as suas cobiças no deserto, amontoam
precipitadamente as codornizes — e a ira do Eterno Deus
incendeia-se contra aquele malvado povo.
Moisés, farto deles como de um fardo demasiado pesado, lamenta-
se, por sua vez, de sua posição gloriosa. Deus alivia o peso da sua
carga, mas não sem o repreender, e dá-lhe setenta pessoas para o
ajudarem a levá-la. O Espírito de Deus atua em dois de entre eles e
repousa sobre eles, muito embora não tenham saído em direção à
tenda onde está Moisés, para O

receberem. Profetizam no acampamento. Josué, ciumento da glória


do seu mestre, pede-lhe que lhe proíba. Mas se Moisés, incapaz
(12) de suportar o peso da sua glória, teve de a partilhar com outros,
e, até um certo ponto, perder uma boa parte dela, deixa ver, pelo
menos nesta circunstância, a profundidade da graça contida no seu
coração. Não tem inveja daqueles que profetizam no acampamento.
“Ah! — diz ele — quem dera que todo o povo do Senhor fosse
profeta!”

É algo de muito belo o espírito de que está animado este servo de


Deus. Finalmente, sejam quais forem os Seus arranjos, Deus é
soberano nas dispensações do Seu Espírito.

Depois de tudo o que se passou, qual seria o pretexto que impediria


a rebelião? Miriã e Arão falam contra Moisés (Capítulo 12). A
profetisa e o sacerdote (que possuem a Palavra de Deus e

o acesso ao pé d’Ele, duplo caráter do povo de Deus) levantam-se


contra aquele que é rei em Jesurum e com o qual Deus fala como
com um amigo íntimo. Nisto, Moisés é, a todos os respeitos, um tipo
de Cristo, que está pessoalmente fora dos direitos que a graça
conferiu ao povo. Fiel em toda a Casa de Deus, goza de relações
íntimas com Ele. Miriã e Arão deviam temer. A desculpa que os dois
rebeldes apresentaram para o seu ato foi que Moisés tinha tomado
uma mulher etíope, sinal precioso, para nós, da soberania da graça,
que introduziu na bênção de Cristo aqueles que a ela não tinham
nenhum direito. O povo de Deus, fossem quais fossem os seus
privilégios, deveria ter reconhecido essa soberania. Israel não quis
reconhecê-la, e foi ferido de lepra. Todavia, é no seu caráter de
testemunha ou de profeta que o povo sofre esse castigo.
Arão retoma o seu lugar de intercessor e fala humildemente a
Moisés — figura, penso eu, da humilhação de Israel, fundada sobre
o valor da intercessão de Cristo, identificando-Se com a posição do
povo. Deus responde que Miriã deve ser humilhada e castigada,
privada por algum tempo de correspondência com Ele, após o que
reentrará no Seu favor. O povo espera a sua reintegração.
Lembremo-nos que o Senhor recorda aqui o fato de que a posição
mais gloriosa para Moisés pertencia ao tempo em que ele estava
separado do povo, isto é, quando ele armava a tenda fora do
acampamento e lhe chamava “a tenda da congregação”. O povo
tinha-o esquecido demasiadamente. A Igreja, por seu lado, quando
se aproveita, na ideia de se tornar espiritual, da glória e da posição
daqueles que a compõem, como profetas e sacerdotes (caracteres
que lhe pertencem efetivamente), para desconhecer os direitos de
Cristo, Rei em Jesurum, tendo autoridade sobre a Casa de Deus,
tem ocasião de considerar se não se tornará culpada da rebelião de
que falamos aqui. Pela minha parte, creio bem que sim.

(12) Note-se aqui a diferença da fé do bem-aventurado apóstolo,


comparando este capítulo 11:12 com Gálatas 4:19 e 2 Coríntios
11:28. É possível que esta falta de Moisés, lamentando-se de
sucumbir sob o peso do povo e dando ocasião a que profetizassem
no acampamento, tenha também ocasionado a rebelião de Miriã e
de Arão contra ele. Seja como for, Deus mantém a autoridade do
Seu servo, que, por ele mesmo, guarda o seu caráter de doçura
invariável, deixando a Deus o cuidado de tudo o que pessoalmente
lhe dizia respeito.

CAPÍTULOS 13-14

Vem em seguida o desprezo pelo país desejável. Chamarei aqui a


atenção do leitor para alguns pontos mencionados a este respeito
noutros lugares das Sagradas Escrituras (ver Deuteronômio 1:20-
23).

O SENHOR conduziu o povo até à fronteira de Canaã. Moisés


manda-o subir. O povo propõe enviar espiões. Moisés dá o seu
consentimento, e parece que Deus o sancionou. Foram lá, segundo
a palavra do SENHOR. Mas é por fraqueza e falta de fé que o povo
faz um tal pedido. Há muitas coisas que Deus manda e que nós
temos o dever de fazer, desde o momento em que elas sejam o
objeto de um mandamento da Sua parte, porque os Seus caminhos
se manifestam nos seus resultados, mas é a nossa falta de fé que
dá lugar a muitas hesitações. Como consequência, verificamos que
o resultado confirma abundantemente a fé dos fiéis, do
Remanescente; mas a infidelidade ceifa o que semeou. E foi o que
sucedeu aqui.

Primeiramente, o relato que os espiões fizeram a Moisés está num


bom espírito; mas as dificuldades apresentaram-se imediatamente e
a incredulidade avaliou-as segundo o homem, e

não segundo Deus. Em seguida as testemunhas baseiam as suas


palavras nos sentimentos do povo e exprimem um juízo fundado
sobre a sua incredulidade.

Tendo-se assim desviado completamente do Senhor, e tendo caído,


pela sua própria incredulidade, na corrente da incredulidade do
povo, renegam as convicções que tinham adquirido, quando a
bondade do Eterno Deus se tinha manifestado aos seus olhos;
chegam a declarar que o próprio país é mau, e acabem por tentar
justificar-se queixando-se de Deus.

Porque agora já não foi Moisés que os conduziu aqui, mas sim o
próprio Deus — e eles acusam-No disso! Não satisfeitos ainda,
encarniçam-se contra aqueles cujo fiel testemunho condena a sua
incredulidade.

É quão frequentemente sucede o mesmo ainda hoje! As


dificuldades, que trazem à luz a incredulidade do coração,
conduzem a denegrir a posição a que Deus nos chamou e de que
outrora tínhamos saboreado a bênção! O esquecimento do que
Deus é, eis a causa de tudo isso. Era Ele, realmente, semelhante a
um gafanhoto, em comparação com os filhos de Anaque? De que
serviria a altura dos muros, se eles tombavam ao som de uma
simples trombeta! Ali, o próprio Deus intervém! E eles vão, enfim,
ser tratados segundo a sua fé: Perecerão no deserto, segundo o seu
desejo. As testemunhas fiéis e os filhos serão os únicos que hão de
ser introduzidos no país, na Terra Prometida, mas isso não terá
lugar sem sofrerem primeiro, nas suas marchas, as consequências
da infidelidade da massa do povo. Terão, no entanto, em partilha, as
outras esperanças e outras consolações.

A intercessão de Moisés tem por efeito obter o perdão de Deus e


que Ele poupe o povo, mas eis aqui a Sua declaração: Ele será
glorificado em Juízo sobre o povo rebelde, que despreza as
promessas, e a Terra será assim cheia da Sua glória (verso 21).
Moisés apela aqui à revelação do Nome do Eterno Deus, segundo o
qual ele governa o povo, e não às promessas feitas aos pais, e a
resposta que lhe é dada está em relação com esse Nome. Calebe
prefigura o Remanescente fiel. Josué não é nomeado (verso 24),
porque representa Cristo introduzindo o povo na Terra Prometida.

Após quarenta anos passados no deserto, Calebe teve de vencer


sucessivamente as mesmas pessoas que tinham lançado o terror na
alma dos espiões. Quando, em oposição à incredulidade dos outros,
nós somos chamados a gozar dos efeitos da promessa, isso não
nos faz escapar às dificuldades, quando elas aparecem. E quando,
finalmente, se tem, como Israel, julgado a loucura da incredulidade e
visto as consequências, não serve de nada empreender o que quer
que seja para procurar evitá-las. Deus não estará conosco, e, se
persistirmos em subir, encontraremos o Inimigo, tal como a nossa
incredulidade no-lo pintou.
CAPÍTULO 15
É maravilhoso de ver, neste capítulo, que depois de toda essa
incredulidade do povo, quando Deus tinha declarado que a Terra
seria cheia da Sua glória pela supressão da congregação rebelde, e
se teria podido supor que o país estaria perdido para sempre para
aquele povo, o SENHOR entra na perfeita calma dos Seus
desígnios predeterminados e do Seu Ser imutável, e dá instruções
para o tempo em que o povo entrará no país que Ele lhe deu.

Fala dos sacrifícios de Justiça que Israel é convidado a oferecer-Lhe


de livre vontade, e do vinho de alegria de que essas ofertas serão
acompanhadas — e como se trata de graça, o amor de Deus
derrama-se para além de Israel, aproximando o estrangeiro do Seu
povo. Dá a um e a outro uma mesma Lei e uma mesma ordem. As
primícias pertencem-Lhe. Os pecados de

ignorância são perdoados, mediante o sacrifício exigido pela


perfeição dos caminhos de Deus.

O pecado cometido por orgulho só traz destruição. Deus ordena que


os vestidos sejam bordados de uma franja com um cordão azul, a
fim de que nos lembremos dos Seus mandamentos e sejamos
guardados daquilo que os profanaria. O princípio celestial deve
penetrar nos mais pequenos pormenores da nossa vida, naqueles
que são mesmo os que estão mais perto da Terra, se quisermos
evitar males mais sérios, que atraem o Juízo de Deus.

A introdução do estrangeiro neste capítulo é do mais alto interesse,


como testemunho da graça. Mas, até ao presente, não vimos ainda
a apostasia final que traz o Julgamento do Céu no próprio momento
em que ela é cumprida.

CAPÍTULOS 16-17

O capítulo 16 contém a rebelião aberta de Datã e de Abirão, e


especialmente a pretensão do ministério em Israel de se arrogar a si
mesmo o sacerdócio. Alguns dos chefes do povo (e mesmo, por um
momento, todo o povo) têm, na verdade, tomado parte nessa
rebelião, mas eram arrastados pela ambição de um homem que
desempenhava as funções do ministério. O

Novo Testamento chama isso “a contradição de Coré”, e é a ele que


Moisés se dirige em primeiro lugar. O ponto principal do pecado,
sobre o qual Moisés insiste, era que os filhos de Levi tinham tomado
um lugar que não lhes pertencia. Coré arrastou os outros, pela
lisonja, a associarem-se com ele, com o fim de se arrogar o
sacerdócio oficial. O caso de Datã e de Abirão é algo de acessório
relativo à autoridade de Moisés, ao fato da Palavra de Deu vir por
meio dele, e o julgamento era uma coisa à parte. Mas esta
pretensão do ministério em se arrogar o sacerdócio é tratada como
uma rebelião aberta contra Deus e contra a autoridade da Sua
Palavra, trazida por Moisés. Não é, contudo, a corrupção do
ministério no ensinamento do próprio erro, como veremos pela
distinção que Judas faz disso. Mostra-nos a maldade natural em
Caim; a corrupção religiosa no ensino, em Balaão, que pregava o
erro por uma recompensa, e, em Coré, a contradição que tem, como
consequência, e destruição. Lembremo-nos de que Judas trata dos
resultados e do fim reservados à corrupção e aos corruptores do
Cristianismo. A “Contradição de Coré” é uma revolta contra a
autoridade de Cristo e contra o caráter distintivo (13) do Seu
sacerdócio; uma revolta excitada por um homem que, ocupando a
posição de servo, pretende ser sacerdote, e, fazendo assim, destrói
o único, o verdadeiro, o celeste sacerdócio de Cristo.

Ruben era o filho primogênito de Israel, e Coré era da família mais


favorecida entre os Levitas. A tribo de Ruben e a família de Coré
eram vizinhas no acampamento, mais nada disso aparece nos
motivos que os fazem agir. Era, numa palavra, a rebelião aberta e a
audácia apresentando-se perante o próprio Deus. Mas Deus em
breve acabou com as suas pretensões, porque “Quem se endureceu
contra ele, e teve paz?” (Jó. 9:4). Moisés apela ao Eterno Deus.
Datã e Abirão aproveitam-se do resultado da incredulidade da
Assembleia que teria podido estar já em Canaã, para deitar as
culpas sobre Moisés. Quanto a Coré, Moisés anuncia que Deus fará
conhecer qual é aquele que é santo e qual é aquele que Ele
escolheu. Coré e os duzentos e cinquenta principais da Assembleia
são consumidos; Datã, Abirão e os seus são engolidos pela terra.
Mas o espírito de rebelião tinha-se apoderado de toda a
Assembleia, e é agora que o sacerdócio e a intercessão de Arão
são postos em evidência. Arão coloca-se com um incensário entre
os mortos e os vivos, e a praga detém-se.

Veremos a importância desta última observação no que vai seguir-


se, e qual é o único princípio sobre o qual, dada a existência dos
pecados e da carne, Deus pode obrigar o Seu povo a atravessar o
deserto. Ali, esse sacerdócio, que Coré tinha desprezado, é
necessário; e é só pelo sacerdócio que o homem pode chegar ao
fim da travessia do deserto com Deus (14).

Moisés, respondendo a Coré, declara que Deus revelará quem é


que Ele tinha escolhido com esse fim — e é o que Ele faz. Irritado
por causa do desprezo e da injustiça de Datã e de Abirão, Moisés
apela à Justiça e ao Juízo de Deus — e Deus intervém por meio de
um Julgamento de completa destruição. Mas tratava-se da glória e
da Casa de Deus, e de se saber quem pode e deve aproximar-se
d’Ele. Ora, a autoridade é impotente para conduzir pessoas, tais
como nós, através do deserto. A carne é rebelde, e o último recurso
da autoridade é a destruição, mas isso não conduz um povo a um
bom fim para a glória de Deus, embora Ele seja glorificado em
Justiça por esse ato. Moisés, no caráter de autoridade que fere em
justiça, é impotente para introduzir o povo em Canaã. Deus dá então
a autoridade sobre o Seu povo rebelde ao sacerdócio, que a sua
rebelião tanto tinha desprezado. É Cristo, Sacerdote, na Sua graça
e na Sua bondade, que nos conduz através do deserto. É esta a
conclusão a que chegamos no fim da narrativa que nos é feita da
marcha do povo de Deus.
Do capítulo 17 ao capítulo 20, este assunto é exposto com as
circunstâncias que a ele se referem. Primeiramente, a autoridade de
Arão é estabelecida por sinais, produzidos, pelo poder de Deus, na
sua vara, colocada junto das outras, perto de Deus, que é a fonte de
toda a autoridade. O poder de vida e de bênção mostra-se com uma
rapidez que bem manifesta a presença de Deus. Os botões, as
flores e os frutos crescem sobre um lenho seco: O sacerdócio vivo e
vitorioso da morte pela eficácia divina (15) deve conduzir o povo. A
autoridade de Deus é colocada entre as suas mãos.

O povo carnal, que sempre se extravia, ainda há pouco insolente na


presença da majestade de Deus, assusta-se agora da Sua
presença, agora, que a Sua graça se manifesta, e diz que não pode
aproximar-se d’Ele. Isto dá ocasião as vistas ainda mais
aprofundadas sobre a posição do sacerdócio em geral.

(13) É o mal eclesiástico; mas, pelo que respeita à rebelião, o mal ia


mais longe. Era a pretensão do ministério a ser o sacerdócio. É o
mal assinalado por Moisés, embora Coré tenha feito aproximar
outros além dele (versos 8-10).

(14) Não se trata aqui nem de união com Cristo (ela era ainda um
mistério), nem mesmo de filhos. Trata-se de peregrinos
atravessando o deserto. Neste caráter de Peregrinos, nós somos
considerados como estando à parte e distintos de Cristo (tal é o
caráter da Epístola aos Hebreus). Acrescento aqui que há uma certa
diferença entre o sacerdócio e a intercessão do Advogado (Hebreus
e 1 João). Na Epístola aos Hebreus, temos o sacerdócio a fim de
recebermos misericórdia e encontrarmos graça para termos socorro
no momento oportuno; enquanto que a intercessão do Advogado é
destinada a restabelecer a comunhão, quando tivermos pecado.

(15) É a graça. O Justo Juízo podia destruir, mas não conduzir


através do deserto. Só a graça podia fazê-lo.
CAPÍTULO 18
A posição do sacerdócio é claramente definida neste capítulo, assim
como a dos Levitas. Só os sacerdotes se aproximam do santuário;
só eles são aptos para essa intimidade com Deus.

Mas, em consequência da sua posição, há, como efeito dessa


proximidade, pecados, iniquidades que eles são chamados a levar,
e que não seriam notados nos de fora. O que não convém à
presença e ao santuário de Deus, também não convém aos Seus
sacerdotes. São eles que levam a iniquidade do santuário. Se o
povo desobedecia à Lei, era punido; mas o que maculava o
santuário caía sobre Arão e sobre os seus filhos. Qual é, pois, a
medida de santidade dada aos filhos de Deus, que são os únicos e
verdadeiros sacerdotes? O serviço dos Levitas e os próprios Levitas
eram dados em puro dom aos sacerdotes. O sacerdócio também
era um puro dom feito a Arão e aos seus filhos. Por causa da unção,
as coisas santas eram-lhes dadas para comerem, o que constituía
um privilégio especial dos sacerdotes. E dá-se a mesma coisa
conosco.

O que há de mais precioso sob todos os aspectos na oferenda de


Cristo, na Sua vida e na Sua morte, nesse Pão descido do Céu,
contemplado na Sua vida de dedicação e de graça neste mundo, e
na Sua morte por nós — tudo isso é o alimento das nossas almas,
nesta comunhão com Deus, na qual nós mesmos somos guardados
no nosso sacerdócio. Só os sacerdotes comiam as coisas santas, e
comiam-nas num lugar santo. Não é senão no sentimento da
presença de Deus e sob a eficácia de um óleo que não é nunca
colocado sobre a carne, que nós podemos verdadeiramente realizar
o que é precioso na obra de Cristo.

O verso 10 deste capítulo apresenta algo de muito notável, porque o


que nos é dito é que eles deviam comê-las no lugar santíssimo. É
verdade que se pode traduzir: “Como coisas muito santas”, mas se
o sentido da expressão é bem: “No lugar santíssimo”, só pode
referir-se ao antítipo, a saber, que está no pensamento e perante o
trono do próprio Deus Soberano, que nós podemos realmente
saborear este precioso alimento. Historicamente, os sacerdotes não
estavam ali; podemos, no entanto, considerá-los como estando ali,
estando no santuário de Deus.

Havia coisas que pertenciam à família sacerdotal, mas que não


eram comidas, como as do verso 10, no caráter sacerdotal, tais
como ofertas alçadas, ofertas movidas. As filhas comiam delas,
assim como os filhos. Todos os que estavam limpos na casa
sacerdotal podiam ali participar. De igual modo, nas alegrias dos
filhos de Deus, há quem lhes pertença como formado uma família.
Nós gozamos das bênçãos que nos são concedidas, e de tudo o
que é oferecido pelo homem a Deus. É uma alegria para a alma.
Tudo o que o Espírito de Cristo opera para a glória de Deus, mesmo
nos Seus membros, e ainda mais o que Ele faz no próprio Cristo, é
o alimento da alma das pessoas da Casa de Deus e que as fortifica.
Não gozam as nossas almas dessas primícias, o melhor do mosto e
do trigo, os primeiros frutos desta bela recolha de Deus, o produto
da Sua semente sobre o terreno da Sua eleição? Sim, nós gozamos
delas, quando nelas pensamos. Mas os sacrifícios pelo pecado, pelo
delito, os bolos, tudo aquilo em que tomamos parte, em espírito, na
obra profunda de Cristo, não se come senão no caráter e no espírito
de sacerdote. Precisamos de entrar, segundo a eficácia dessa obra
de Cristo, no espírito em que Ele mesmo Se apresenta após o Seu
sacrifício, movidos pelo Seu perfeito amor, na presença do
Altíssimo; precisamos de participar nos sentimentos de amor, de
dedicação, na consciência da santidade de Deus; numa palavra,
precisamos de entrar nos sentimentos com os quais Cristo Se
apresenta como Sacerdote perante Deus, a fim de ligar, pelo amor e
pela eficácia da Sua oferenda, a santidade de Deus à bênção
daquele que pecou, a fim de realizarmos o que é precioso em Cristo
nesta obra e a fim de ali tomarmos parte (porque é mesmo assim)
em graça. Com efeito, isto não tem lugar senão no lugar santíssimo,
na presença de Deus, onde Cristo comparece por nós.
Enfim, quer as alegrias familiares da Casa de Deus, quer esta santa
participação em espírito na obra de Cristo, tudo isto de que
acabemos de falar pertence ao sacerdócio. Mesmo os Levitas
deviam reconhecer, em tudo o que Deus lhes dava como
estrangeiros na Terra Prometida, os direitos e a autoridade dos
sacerdotes.

Ora, se quisermos distinguir, todos os Cristãos são sacerdotes: Os


ministros, enquanto ministros, são Levitas. O Seu serviço consiste
em dar alegria ao sacerdócio e em ocupar-se do serviço dos santos
perante Deus, (Não se trata aqui de serviço face ao mundo, porque
a dispensação judaica não o comportava). O nosso serviço receberá
a sua recompensa no Céu; o nosso lugar, como sacerdotes, será a
proximidade de Deus e a alegria n’Ele.

É evidente que participar em espírito (porque não podemos ali


participar realmente) no sacrifício de Cristo pelo pecado, comendo
como sacerdotes, é uma coisa muito santa, um privilégio de que
gozamos num lugar santíssimo. Tudo é especialmente santificado
aqui.

Mas se, por um lado, o sacerdócio deve conduzir o povo através do


deserto, e se a vara da autoridade de Moisés não o pode, porque
não pode ferir, e se, por outro, é preciso, em relação com o
sacerdócio, um meio de tirar as impurezas que terão lugar durante a
travessia do deserto, a fim de que a comunhão do povo com Deus
não seja interrompida - é por isso que o sacrifício da novilha ruiva é
colocado aqui, separado de todos os outros, porque era ordenado
tendo em vista as imundícies do deserto. Mas se, considerar Cristo
(mesmo que seja Cristo oferecido pelo pecado, e a participação na
Sua obra sacerdotal, em relação com esse sacrifício) era uma
coisas muito santa, realizada na comunhão do lugar santíssimo,
ocupar-se do pecado, mesmo no seu irmão, embora fosse em vista
de o purificar, maculava mesmo aqueles que não eram culpados.

Tais são os temas do capítulo 19. O que se segue é a ordem dada


naquela ocasião: Mexer num corpo morto era, com efeito, ficar
maculado pelo pecado, porque o pecado é considerado aqui sob o
ponto de vista da imundície que impedia a entrada no átrio do
Tabernáculo.
CAPÍTULO 19
Cristo é apresentado na novilha ruiva, como não estando maculado
do pecado e também não tendo jamais levado o jugo; mas é
conduzido fora do acampamento, como sendo, todo Ele, um
sacrifício pelo pecado. O sacerdote que conduzia a novilha não a
matava, mas ela era degolada na sua presença. Ele estava lá para
tomar conhecimento do ato.

A morte de Cristo não é nunca o ato do sacerdócio. A novilha era


inteiramente queimada fora do acampamento, até mesmo o seu
sangue, exceto aquele que era utilizado na aspersão sobre e diante
do Tabernáculo da congregação, isto é, lá onde o povo devia
encontrar-se com Deus. Era ali que se fazia a aspersão do sangue
por sete vezes (porque era ali que Deus Se encontrava com o Seu
povo), testemunho perfeito, aos olhos de Deus, da expiação feita
pelo pecado. Chegando, pois, à porta do Tabernáculo, encontrava-
se sempre a virtude desse sangue, cuja aspersão tinha sido feita.

O sacerdote deitava no fogo cedro, hissopo e escarlata, isto é, tudo


o que era do homem, assim como a sua glória humana do mundo.
“Do cedro ao hissopo” é a expressão da natureza desde a sua mais
alta elevação até à sua humilhação mais profunda. O escarlate é a
glória exterior (o mundo, se assim o quisermos). Tudo isso era
queimado no fogo que consumia Cristo — sacrifício pelo pecado.

Depois, se alguém se maculava, por negligência, Deus tinha em


conta a impureza, fosse qual fosse a causa. Para purificar aquele
que se tinha maculado, tomava-se água viva, punham nela as
cinzas da novilha, e o homem impuro era aspergido no terceiro e no
sétimo dias; depois ficava limpo. Isto significa que o Espírito de
Deus, sem aplicar de novo o sangue à alma, toma os sofrimentos de
Cristo (prova de que o pecado e tudo o que é do homem natural e
do mundo foram consumidos na Sua morte expiatória) e aplica-lhes,
em vez do sangue.
É a prova, a convicção íntima de que nada é nem pode ser
imputado. Sob este aspecto, o pecado era completamente tirado
pelo sacrifício, cujas cinzas (testemunho de que o sacrifício tinha
sido consumado) são aplicadas agora. Mas isto dá ao coração a
convicção, profundamente dolorosa, de ser maculado, apesar da
redenção, pelos pecados por que Cristo sofreu ao cumprir a
salvação do pecador. A nossa vontade tem encontrado o seu prazer,
ainda que por um momento apenas, no que foi a causa das Suas
dores, mas, ai! no esquecimento dos Seus sofrimentos, mesmo por
causa desse pecado a cujos movimentos nós nos temos deixado ir
agora tão levianamente. Este sentimento é moralmente muito mais
profundo que o da imputação dos nossos pecados; porque é, na
realidade, o novo homem, com os seus melhores sentimentos, que
julga pelo Santo Espírito e segundo Deus, e que toma conhecimento
dos sofrimentos de Cristo, e do pecado, como é visto n’Ele sobre a
Cruz.

O primeiro sentimento é de amargura, embora sem o pensamento


de imputação; de amargura, precisamente porque não há
imputação, de termos pecado contra o amor, assim como contra a
santidade — e é preciso submetermo-nos a esta convicção. Mas, no
fim, (e é, segundo me parece, a razão porque havia uma segunda
aspersão) é a consciência desse amor e da profunda graça de
Jesus, e a alegria de estarmos perfeitamente limpos, pela obra
desse amor.

A primeira parte da purificação era o sentimento de horror de termos


pecado contra a graça; a segunda era o espírito inteiramente livre
do pecado pela graça, superabundando lá onde o pecado
abundava.

Podemos notar que, como não se trata senão da purificação


necessária para a marcha, nada mais é acrescentado. Nada de
sacrifícios, como no caso do leproso. Este último caso mostrava-nos
o homem aproximando-se de Deus, segundo o valor da obra de
Cristo, após ter sido purificado do pecado. Temos aqui a reabilitação
prática e interior da alma. Não há aspersão de sangue. A purificação
é feita pela água, sendo a morte de Cristo plenamente introduzida
no Seu poder pelo Santo Espírito. Os pormenores mostram a
severidade de Deus quando a essas máculas, embora nos purifique
delas. Mostram também que todos aqueles que se ocupam do
pecado de outrem, mesmo por dever, para o purificar, ficam
impuros. Não como o culpado, é verdade; mas não se pode ter algo
a ver com o pecado sem nos macularmos. É como entrar numa
carvoaria de fato branco; sai-se enfarruscado, mesmo sem
querermos! O valor da graça e do sacerdócio é também posto aqui
em evidência.

CAPÍTULOS 20-21

Miriã, a profetisa, morre. Israel envelhece, por assim dizer, no


deserto. A voz que cantava cânticos de triunfo, quando o povo subia
do seio do Mar Vermelho, está muda no túmulo.

Por outro lado faltava a água. O trajeto prolongava-se, os recursos


estavam longe de aumentar.

Pelo contrário, o que tinha havido de alegria e de testemunho estava


quase a desaparecer. O

povo amotina-se contra Moisés e contra Arão. Deus dirige-o ao


recurso que tinha estabelecido

para impedir os murmúrios. Se tivéssemos assistido


precedentemente ao espetáculo da Sua santidade, víamos agora os
Seus recursos e a Sua bênção.

“Toma a vara” disse Deus, “falai à rocha... e ela dará a sua água”.
Não há nada mais a fazer senão mostrar o sinal da graça (do
sacerdócio intervindo da parte de Deus, segundo a graça de que
tinha revestido a Sua autoridade) e dizer a palavra, e tudo aquilo de
que o povo tem necessidade será obtido imediatamente. Não era
precisamente a graça que tinha acompanhado o povo desde o Mar
Vermelho até ao Sinai; também não era a autoridade que punia o
pecado; mas era a graça sacerdotal tomando conhecimento do
pecado e das necessidades para restaurar o povo das impurezas e
obter tudo o que era necessário.

Mas Moisés, tomando, segundo a ordem de Deus, a vara que tinha


florido, e exasperado por causa da rebelião do povo, pensa na sua
autoridade e na revolta deles; não tem a compreensão dos
desígnios da graça e fala imprudentemente: “Porventura faremos
sair água desta rocha para vós outros?” Já anteriormente ele tinha
dito: “Que somos nós, para que murmureis contra nós?” (Êxodo
16:7). A revolta do povo e o desprezo da sua própria autoridade
tiveram mais poder sobre o espírito de Moisés do que o
conhecimento da graça de Deus: “fere a rocha com a sua vara”. Era
o que ele devia ter feito imediatamente. Cristo, na Rocha, teve de
ser ferido para que a água saísse d’Ele em favor do Seu povo, mas
não pode haver repetição desse ato. Agora, sob o sacerdócio, não
temos de falar senão segundo o poder vivificante desse Sacerdócio
que Deus estabeleceu, e há resposta em graça a todas as nossas
necessidades. Nós estragaríamos, por assim dizer, as flores e os
frutos dessa vara de Arão, batendo com ela — e tal não é o
pensamento ali expresso.

Moisés não santificou o Nome de Deus; não ligou ao caráter que


Deus tinha tomado a importância que lhe era devida; não respeitou
Deus na posição que Ele Se dignou tomar —

mas Deus santifica-Se mais ainda atuando aqui em graça e


dessedentando o povo, apesar de tudo. Moisés glorificou-se a si
mesmo — e foi humilhado perante Deus. Não soube abandonar a
posição onde tinha sido colocado, para ter comunhão com os
pensamentos da graça superabundante, soberana e boa de seu
Deus, ultrapassando em compaixão a Justiça e a autoridade sob as
quais Ele tinha colocado o Seu povo. Todavia, Deus não abandona
o Seu pobre servo. Como somos insignificantes em comparação
com a Sua graça! Só a graça do sacerdócio pode conduzir ao fim da
travessia do deserto um povo tal como nós somos!

Mas a travessia do deserto chega ao fim. Trata-se agora dos


inimigos que se opõem a que ela termine e que o povo entre no país
desejado, na Terra Prometida, para a qual se tem dirigido há tão
longo tempo. Edom, cheio de inveja, não quer deixar encurtar o
caminho. Israel afasta-se dele. Há pessoas que se nos opõem, das
quais convém desviarmo-nos. É possível que haja alguma relação
exterior entre elas e nós, e estejam animadas de um ódio
implacável; convém saber como discerni-las. Deus as julgará,
quando a sua hora chegar. A nossa mão não deve estar contra elas.
Quanto aos inimigos de Deus, eles são nossos inimigos também.
Onde o poder do Inimigo é evidente, nós somos chamados a
combater os combates de Deus. Mas encontramos no caminho
aqueles que têm por origem as fontes da promessa, embora sejam
segundo a carne e caracterizados pela carne. Deixemo-los a Deus.
Não é a nós, mas sim a Ele, que compete julgá-los. A ocasião para
entrar em luta não é aparente; não seria legítima para o povo.

Agora Arão parte também. O serviço reveste, por fim, um outro


caráter: Não se trata precisamente de conduzir o povo com
paciência através do deserto, onde a carne se manifesta; ele vai
encontrar inimigos e dificuldades, porque há, para nós, dificuldades
distintas da conduta e da paciência da vida. Os Israelitas entram em
contenda com os Cananeus no Sul, embora não tenham ainda
entrado no país. Mas o rei dos Cananeus foi advertido da chegada
deles pela presença dos espiões. Era ainda um dos frutos da falta
da energia da fé que os tinha levado a

enviá-los. Quão pouco nós ganhamos pela prudência da


incredulidade! Dá oportunidade ao poder e aos ataques do inimigo.
Todavia, embora esses inimigos tenham tido algumas vantagens no
início, quando Israel se deixa atacar, quando o povo está pronto a
destruí-los à moda do interdito, Deus entrega-os nas suas mãos.
Tomemos boa nota disto...

Mas o povo, atormentado pela fadiga, murmura ainda, porque, com


efeito, o caminho era longo. Batiam-se contra os Cananeus, sem
possuírem ainda o país, porque não se tratava de destruir o poderio
deles sem contudo possuírem nada. Esse combate não tinha lugar
senão pelo amor de Deus e para Sua glória. O povo fala contra o
SENHOR; então Deus intervém e faz-lhe sentir todo o poder do
Inimigo, da antiga serpente. Cristo, feito pecado por nós, é o único
remédio perfeitamente eficaz. A simples vista dessa maravilha é
suficiente para curar, porque a eficácia está na própria coisa perante
Deus.

Aqui não se trata de conduzir o povo, mas sim de responder ao


Juízo de Deus, quer afinal, quer como castigo, e ao poder do
Inimigo contra nós em presença desse Julgamento, e mesmo como
efeito dele. Neste caso, a questão está entre as nossas almas e
Deus: Trata-se da morte, ou então, muito simplesmente, da morte
de Jesus. É indispensável que nos submetamos à morte, como
encontrando-nos numa posição irremediável, e, submetendo-nos à
Justiça de Deus, olhar ao meio que Ele ordenou, isto é, a Cristo
elevado por nós.

Depois Israel avança, mas não está ainda na Terra Prometida. Deus
cuida dele e conforta-o com a Sua livre graça, sem que ele
murmure. Congrega o povo. Israel celebra de novo, muito perto da
Terra Prometida, os poços que se encontram no deserto. Eles
próprios podem dizer agora: “Sobe, poço!”. Não mais rocha a ferir,
não mais murmúrios, quando se está perto do país! A pergunta que
se põe agora já não é se viverão ao fim da sua viagem, porque se
tratava de serem salvos das mordeduras mortais das serpentes.
Estão curados, andam, bebem com alegria e cânticos de louvores.
Cavam — porque a sua atividade se manifesta quando se
encontram em presença da graça de Deus — e a água sobe no
deserto.

Encontramos (verso 21) pessoas com as quais não desejamos ter


conflitos, mas elas não querem deixar-nos em paz. A nossa guerra é
com aqueles que possuem a nossa herança além do Jordão. Se
formos atacados, teremos de nos defender, mas não somos os
agressores. Israel deseja passar em paz através do país dos
Amorreus, mas estes não querem conceder-lhe autorização, e
sofrem as consequências da guerra que quiseram ter com o povo de
Deus. Israel toma as suas cidades, e começa já deste lado do
Jordão a realizar, como por antecipação, a posse da Terra
Prometida.

CAPÍTULOS 22-23

Moabe também se opõe, mas em vão. Israel acampa agora nas


planícies de Moabe, tendo apenas o Jordão entre ele e a Terra
Prometida. Mas onde está o seu direito de ali entrar? Se o inimigo
não pode opor-se-lhe pela força, tentará fazê-lo por outro meio,
colocando sob a maldição o povo que a tinha, com efeito, bem
merecido.

Balaque envia mensageiros a Balaão. A grande questão, nesta cena


tão impressionante, é esta: Poderá Satanás vencer, nos seus
desejos, amaldiçoando o povo de Deus, de maneira a impedi-lo de
entrar no país da promessa? (16). Não se trata simplesmente da
redenção no início da viagem de Israel, e da alegria que daí
resultou, mas sim no fim da viagem, quando

toda a infidelidade do povo tem sido manifestada, a sua infidelidade,


mesmo depois de o Senhor o ter trazido a Si, poderá Satanás
conseguir os seus intentos? Não!

Quando Moisés, nessas mesmas planícies de Moabe, teve razão


para dizer, mencionando o comportamento deles para com Deus:
“Vós tendes sido um povo perverso e rebelde desde o dia em que
vos conheci” (e, com efeito, eles tinham sido excessivamente
rabugentos, um povo de dura cerviz — não o sabemos nós?), Deus
diz, pela boca de Balaão, testemunha involuntária da verdade: “Não
viu iniquidade em Jacó, nem contemplou maldade em Israel”

(capítulo 23:21). Que testemunho! Que graça maravilhosa! Que


perfeição nos caminhos de Deus! Deus vê claramente; nunca Se
engana; diz sempre a verdade, segundo a perfeição do Seu
conhecimento infinito. E é por ser infinito que Ele não pode ver
iniquidade no povo resgatado. E como poderia vê-la naqueles que
são lavados no sangue do Cordeiro? Deus não o quer.
Nos Seus caminhos para com o Seu povo, Ele verá tudo, tomará
conhecimento de tudo; mas quando se trata do Acusador, é uma
questão de Justiça. Deus não vê senão isto: Segundo os desígnios
da Sua graça, Ele deu um resgate: Os pecados do Seu povo foram
expiados. Em Justiça, Ele não podia ver esses pecados. A boca do
Acusador é, pois, obrigada a confessar que não os há, e que não há
poder do Inimigo contra Jacó.

O que é particularmente feliz e consolador no tema que nos é


apresentado aqui é ver que Deus atua e julga segundo os Seus
próprios pensamentos. Do princípio ao fim, Ele tem tido
pensamentos a nosso respeito. Fez o que era necessário para
conciliar todos os Seus caminhos, no seu cumprimento, com as
exigências da Justiça eterna, mas tem esses pensamentos a nosso
respeito e atua para conosco em consequência. A fé apreende
esses pensamentos de Deus, aceita-os, funda-se neles. Dali provêm
a alegria e a paz; enquanto que a presença de Deus (no meio de um
povo que Ele recebe e ao qual tem dado uma nova natureza)
assegura, de uma maneira prática, a santidade de que Ele não pode
dispensar-Se, ou então julga, para glória do Seu Nome, tudo o que
d’Ele se desvia. Mas aqui é Deus atuando, julgando, a despeito de
tudo, segundo os Seus próprios pensamentos.

Balaão era um triste personagem. É forçado a ver de longe a


bênção de Deus sobre o Seu povo, mas, quando está perto e
dirigido apenas pelo seu coração natural e pela sua própria vontade,
só vê o caminho do erro, para o qual quer arrastar esse povo, para
lhe fazer perder aquela bênção, se isso fosse possível — e apoia-se
neste raciocínio: O Deus Justo não pode abençoar um povo
pecador! Não é possível imaginar-se maior iniquidade!

Diremos algumas palavras mais acerca do seu caráter típico. Mas


prossigamos a história.

Balaque manda chamar Balaão. Este deseja interrogar o Eterno


Deus, quer por temor instintivo, quer para ligar, aos olhos dos
outros, a importância do Nome do Eterno Deus ao que ele faz.
Efetivamente, Deus intervém e avisa-o mesmo! É Deus que vem a
Balaão, que toma o caso em mãos, e tem ascendente sobre o
iníquo espírito de Balaão, bem contra a vontade deste, porque
Balaão não tem nenhum conhecimento do pensamento de Deus.
Deus tinha-lhe dito:

“Não irás com eles, nem amaldiçoarás a este povo, porquanto


bendito é”. E qual é a sua resposta? “O Senhor recusa deixar-me ir
convosco”. Bem ele teria querido ir; o seu coração estava voltado
para a recompensa de Balaque, mas temia perante Deus. A bênção
do povo não entrava no seu pensamento; é completamente
estranho à generosidade da graça, indiferente ao pensamento que
Deus tenha abençoado o Seu povo e à alegria de ver o povo
abençoado.

Assim, quando a tentação é renovada, ele diz que não pode


transgredir o mandamento do Eterno, seu Deus. Representa o papel
de religioso, e, na realidade, não era inteiramente desprovido de
sinceridade, porque Deus o considerava de perto, permitindo essas
coisas. Mas, ao mesmo tempo, Balaão pede aos enviados de
Balaque que fiquem com ele aquela noite, para

verem o que o Senhor terá mais para lhe dizer. Mas, que
necessidade teria ele de saber mais acerca do convite para
amaldiçoar um povo que Deus lhe tinha dito ser um povo
abençoado?

Não entra, de modo nenhum, nos pensamentos do coração de


Deus; não tem nenhuma simpatia por Ele; é governado apenas pelo
temor das consequências. De outro modo sentir-se-ia tão feliz com a
bênção do povo, que teria sentido horror de amaldiçoar o que Deus
tinha abençoado. Portanto, o SENHOR quer servir-Se dele para um
brilhante testemunho em favor do Seu povo, condenando os
perversos caminhos do profeta, porque eram, de fato, perversos.

Faz-lhe ver a sua perversidade e a sua loucura, que o tornam mais


estúpido do que a jumenta que montava, mas, ao mesmo tempo, faz
com que ele continue o seu caminho.
Este encontro do anjo no caminho serve para o forçar, pelo temor, a
proferir fielmente o que Deus puser na sua boca.

Balaão vai ao encontro, mas não diz de quem!... (Capítulo 23:15).

(16) É do mais alto interesse ver o caráter especial desta profecia. É


Deus que, de Sua própria vontade, intervém contra o inimigo, para
tomar o partido do Seu povo, e isto mesmo sem ele saber, ou sem
que Lhe peça.

Esta profecia não é, como são quase todas, um apelo à consciência


do povo, acompanhado de promessas calculadas para manter a fé
do Remanescente, no meio das contradições. O povo não sabe
nada; talvez murmure ainda nas suas tendas (tão belas aos olhos
do profeta, que vê a visão do Todo-Poderoso) acerca dos caminhos
de Deus a seu respeito. É Deus declarando os Seus próprios
pensamentos e confundindo a malícia de Satanás, o Inimigo com o
qual tem de tratar. É por isso que esta profecia é tão completa:
Apresenta-nos, em espírito, toda a nossa parte (literalmente, a parte
de Israel, como é evidente na quarta profecia): A separação, a
justificação, a beleza aos olhos de Deus (tudo o que responde à
presença do Espírito de Deus), e a coroa de glória pela vinda da
Estrela de Jacó, do próprio Cristo na Sua glória.

CAPÍTULOS 24-26

É evidente que ele tinha misturado encantamentos com a profissão


do Nome do Eterno Deus, e que tinha sido, desse modo, um
instrumento na mão do Inimigo, sob o manto do Nome do Eterno
Deus, caso profundamente solene! Ele ia assim encontrar o poder
misterioso que vinha lá, mas Deus vai ao seu encontro, para reter e
impedir, em favor do Seu povo, todo o poder do Inimigo, e obrigar
Balaão a dizer só o que Ele quer que seja dito naquele momento.

Balaão contempla Israel de um alto e pronuncia a sua profecia —


profecia que se divide em quatro partes. Israel é o seu objeto, mas,
em princípio, ela aplica-se também à Igreja.
A primeira profecia anuncia a separação do povo do mundo: “É um
povo que habitará só”; será separado para Deus e não será contado
entre as nações.

A segunda profecia declara que Deus não Se arrepende. Deus


abençoou Israel; não retificará Ele o que disse? O povo está
justificado e sem pecado aos olhos de Deus. Foi Deus quem os fez
sair do Egito. Aquele povo tinha “a força dos búfalos”, e o poder do
Inimigo, que Balaão tinha procurado nos seus encantamentos, era
nulo contra ele.

Balaão, vendo enfim que Deus queria abençoar, deixa-se ir ao poder


de Deus. Já não vai ao encontro dos encantamentos, e o Espírito de
Deus vem sobre ele. Sendo agora declarada a justificação do povo,
o Espírito de Deus pode dar-lhe testemunho, em vez de restringir o
Seu testemunho aos pensamentos e às intenções de Deus. Balaão
vê Israel do alto. Tendo a visão do Todo-Poderoso, vê o povo do
alto, segundo os pensamentos do Espírito de Deus, e como

ele existe nos pensamentos do próprio Deus. Os olhos do profeta


estão abertos. Note-se aqui que não é a antecipação de Canaã nem
Israel nas suas habitações permanentes: Balaão volta a sua face
para o deserto e vê Israel morando nas suas tendas. Ali, o Espírito
os vê e declara a beleza e a ordem do povo aos olhos de Deus. A
água do refrigério de Deus ali estava também com ele. Israel era
como jardins junto de um rio. O Eterno Deus o tinha plantado como
árvores de aloés, por isso será grande entre as nações, será uma
fonte de poder e de alegria.

Bebe nas fontes de Deus e derrama as suas águas


abundantemente em volta dele para também dessedentar outros.
Deus o tinha feito sair do Egito; ele era a obra de Deus, e o poder de
Deus iria com ele contra os seus inimigos.

Encontramos, pois, aqui, em terceiro lugar, a beleza, uma frescura


cujas fontes não secam, e o poder (o que o Espírito Santo também
faz pela Igreja).
Em quarto lugar, o Santo Espírito apresenta-nos a vinda de Cristo, a
Estrela de Jacó, que coroa a glória do povo. Somente, como ela
vem ao meio de Israel, é um Julgamento. Quanto a nós, isso será
para nos arrebatar deste mundo, a fim de nos fazer participar da
alegria da Sua presença, nas bodas do Cordeiro.

Em resumo: Vemos o povo separado do mundo, a sua justificação, a


sua ordem, a sua beleza, vemo-lo como que plantado por Deus,
junto das fontes eternas do rio de Deus. Depois vemos o advento de
Cristo. A profecia é da maior beleza. Note-se também que estas
profecias, respondendo a cada nova tentativa de amaldiçoar, não
são de repetições. Cada um desses esforços para amaldiçoar
manifesta algo que Deus tinha no Seu coração em vista de
abençoar o Seu povo. É digno de particular interesse ver como
Balaque usa de todos os recursos ao alcance do homem, e também
da superstição, para lançar a maldição sobre Israel. Ele não tinha
nenhuma ideia de Deus, mas era com Deus que ele tinha de se
haver!

É muito importante para nós ver, por vezes, a Igreja, mas vê-la de
cima, no deserto, na beleza dos pensamentos de Deus — uma
pérola de grande preço. Em baixo, no meio do acampamento, no
deserto, que de murmurações, de lamentos, de indiferenças, de
motivos carnais teríamos visto e ouvido? De cima, para aquele que
tem a visão de Deus, que tem os olhos abertos, tudo é belo. “Estou
perplexo a vosso respeito”, diz o apóstolo, e, logo a seguir:

“Tendo confiança em vós no Senhor”. Precisamos de subir até Ele


para termos os Seus pensamentos de graça, até Ele, que vê a
beleza do Seu povo, da Sua Assembleia, através de todo o resto,
porque ela é bela. Sem isso, ou estaríamos inteiramente
desencorajados, ou nos contentaríamos com o mal. Esta visão de
Deus tira-nos ao mesmo tempo esses dois pensamentos.

Vemos o julgamento final dos navios de Quitim (isto é, do ocidente,


ao norte do Mediterrâneo), e o do seu chefe, quando tiver também
afligido Assur e Heber. Será o terrível Juízo de Deus, no fim do
século.
Ainda uma palavra acerca da posição de Balaão: No fim de uma
dispensação baseada num conhecimento qualquer de Deus, quando
se perde a fé, embora retendo a profissão, esta tem uma reputação
de que os homens se prevalecem, como o fazem agora do nome do
Cristianismo. Satanás serve-se disso; procuram o poder junto dele;
vão ao encontro dos encantamentos, porque, prevalecendo-se do
Nome de Deus revelado, procuram satisfazer as suas próprias
cobiças, e a importância do Nome de Deus é ligada à obra do
Diabo. No entanto Deus é reconhecido, pelo menos até um certo
ponto. Temem-No, e Ele pode intervir; mas o sistema é diabólico,
embora sob o Nome do Senhor, com um temer parcial do Senhor, e
um pavor que O reconhece como um objeto de temor. O povo de
Deus é preservado no meio desse mal; mas é um pensamento bem
solene e é, na realidade, a história do sistema Cristão.

Enfim, o infeliz Balaão, cujo coração estava em laços de iniquidade,


vendo que não podia amaldiçoar pelo poder de Satanás, procura
tornar a bênção de Deus impossível, arrastando o

povo para o pecado e para a idolatria. A respeito do povo, ele o


conseguiu demasiado bem, mas Deus envia um castigo, e,
enquanto o povo se humilha, a enormidade do mal excita a
indignação de Finéias, o qual, atuando com a energia que convinha
às circunstâncias, detém a praga e adquire um sacerdócio
permanente na sua família.

Estando agora terminada a travessia do deserto, Deus recenseia de


novo o Seu povo e conta-o, nome por nome, como Seus herdeiros,
prontos a entrarem na Sua herança. Ele os guardou através de tudo
até ao limite de Canaã, e as suas vestes não se romperam! Ordena
os pormenores da herança e estabelece um chefe, em lugar de
Moisés, para introduzi-los na Terra Prometida. O capítulo 26
apresenta-nos esse recenseamento.

CAPÍTULOS 27-29

No início do capítulo 27 encontramos os pormenores e a ordem


acerca das heranças. É
concedido a Moisés o privilégio de ver de longe o país da promessa,
e o povo é colocado sob a condução de Josué, para ali entrar.
Moisés e Arão tinham-no conduzido através do deserto; mas aqui
entramos numa nova cena, e Josué (para a Igreja: Cristo no poder
do Seu Espírito) é designado para a conquista do país. Mas ele
depende do sacerdócio para ali progredir, como, de fato, a presença
e as operações do Santo Espírito dependem da presença de Cristo
no lugar santo.

Os capítulos 28 e 29 apresentam-nos o culto do povo, as oblações


que são a carne de Deus.

Detenhamo-nos um momento sobre estes dois capítulos. Não são


os caminhos de Deus e a congregação do povo em volta d’Ele,
como no capítulo 33 de Levítico; trata-se aqui das próprias ofertas
(e, em particular, dos sacrifícios pelo fogo, de agradável odor), salvo
o que é puramente acessório (17).

Primeiramente, há cordeiros para o serviço diário, de manhã e de


tarde; e para o de sábado, a oferta de dois cordeiros. Depois há
também bezerros e carneiros para as festas extraordinárias. O
cordeiro tem o significado mais simples: É a apresentação constante
do valor de Cristo e dos fiéis n’Ele, o verdadeiro Cordeiro de Deus, o
bom odor do Seu sacrifício, subindo continuamente, dia e noite.
Aquando do verdadeiro Sábado, a sua eficácia subirá mais
abundantemente pelo que respeita ao conhecimento e à aplicação.
Podemos dizer também mais abundantemente para o próprio Deus,
quanto à completa manifestação do fruto do trabalho da alma do
Salvador.

Os bezerros parece-me que representam antes a energia da


dedicação das pessoas, na sua apreciação desse sacrifício. Era o
maior objeto que se poderia apresentar. Também aqui isto se refere
ao sacrifício de Cristo, e ao valor que nós lhe damos. O carneiro era
sempre uma vítima de consagração ou de reparação, quando se
tinham violado os direitos de consagração.
Quanto ao número das vítimas destas duas espécies, havia, em
geral, dois bezerros, um carneiro, e sete cordeiros; havia depois
uma bezerra e um cordeiro adicionais no primeiro dia do sétimo mês
(capítulo 19:2); um bezerro, um carneiro, sete cordeiros, no décimo
dia desse mês, e um número decrescente de bezerros nos dias das
festas dos Tabernáculos. Parece-me que tudo isto nos dá o
testemunho do culto oferecido a Deus sobre a Terra.

Assim, quando este testemunho é renovado, quando Deus renova a


luz que o produz, aquando da primeira festa assinalada aqui, a
resposta da parte do homem é simples e perfeita.

Os dois bezerros (como havia dois cordeiros no dia de sábado) são


o pleno e completo

testemunho da dedicação do homem, porque duas testemunhas ou


seja duas pessoas prestam um testemunho válido. O carneiro de
consagração é a avaliação do sacrifício de Cristo, plenamente
desenvolvida. Estando o homem neste mundo, e estando o pecado
sempre em questão, o bode era acrescentado em oferta pelo
pecado. Se o culto do povo se ligava à ressurreição de Cristo
(capítulo 28:17, 22), dava-se o mesmo, e também à ocasião da obra
do Santo Espírito para a congregação (versos 26, 30). Era o
exercício do poder da parte de Deus que dava ocasião ao culto. A
resposta da parte do povo era a mesma.

O primeiro dia do sétimo mês (capítulo 29) referia-se ao


renovamento de Israel, que era uma especialidade, e não o
testemunho geral e completo: Era a renovação, segundo o valor da
obra de Cristo, das relações de Deus com a Terra, especialmente
com Israel. Eis porque, além do regular reconhecimento da graça no
primeiro dia do mês, se oferecia também um bezerro, um carneiro e
sete cordeiros. O testemunho geral, ou a resposta à obra de Cristo,
era oferecido, mas, além disso, era também oferecido um
testemunho especial ou parcial, pela restauração terrestre de Israel.
Será assim no dia das propiciações, quando Israel, vendo o Senhor,
for plenamente restabelecido em graça. Será então um testemunho
geral e completo, quando a ressurreição de Cristo e o poder do
Espírito Santo (que introduzirão também os Gentios e se
manifestarão assim no perfeito testemunho das relações entre Deus
e o homem) produzirem uma resposta de baixo, reconhecendo em
pleno o bem que Deus tem feito e as relações estabelecidas sobre a
Sua obra. Então os Seus serão d’Ele, segundo o agradável odor de
Cristo, quer em consagração, quer na avaliação inteligente da Sua
oferenda. A unção do Espírito e a alegria acompanharão essa
oferenda, que tinha lugar todos os sete dias da festa, em
testemunho da sua perfeição.

Portanto, no primeiro caso, a saber, aquando da festa do primeiro


dia do sétimo mês, havia apenas um bezerro (capítulo 29:1-6) em
lugar dos dois que eram oferecidos no dia dos primeiros frutos
(capítulos 28:26-27). Este bezerro era oferecido como testemunho
de uma obra especial e particular (mas, ao mesmo tempo, parcial);
era, porém, mantido o testemunho geral ao valor do sacrifício de
Cristo, de que ele dependia.

É evidente que o mesmo princípio se aplica ao décimo dia do sétimo


mês. É a aplicação da obra expiatória de Cristo a Israel sobre a
Terra. Havia apenas um novilho. O princípio de consagração e o
valor intrínseco do sacrifício permaneciam os mesmos.

A festa dos Tabernáculos introduzia uma outra ordem de ideias, ou,


pelo menos, um novo desenvolvimento dessas ideias: é a
dispensação do porvir. Não se encontra a perfeição no que é
oferecido com alegria e voluntariamente a Deus, mas essa perfeição
é pouco mais ou menos realizada: São oferecidos treze novilhos. O
milênio trará sobre a Terra uma alegria no culto e nas ações de
graça que serão, pelo menos exteriormente, quase perfeitas,
estando Satanás amarrado, e a bênção do reino de Cristo
derramada abundantemente por toda a parte. Os dois carneiros
representam o testemunho de uma consagração abundante, e
talvez exteriormente a introdução dos Judeus e dos Gentios; não a
sua consagração num só corpo, mas o testemunho que eles
prestarão sobre a Terra, de uma maneira distinta, dessa
consagração a Deus.
Em seguida, estando completo sobre a Terra o testemunho à
perfeição da obra de Cristo, quer por Israel, quer pela bênção dos
Gentios, toda a sua eficácia é manifestada sobre a Terra, porque é
sempre dessa manifestação sobre a Terra (mas cumprida pela fé)
que se trata aqui.

Havia quatorze cordeiros.

Há, no entanto, declínio nessa dedicação de alegria e de


testemunho para com Deus; é verdade que não deixa de ser
completo, mas a sua abundância cessa gradualmente de se
manifestar, como sucedeu no princípio. A coisa, como estabelecida
por Deus, resta na sua perfeição. É o que se encontra no sétimo dia,
que completa a parte puramente terrestre.

No oitavo dia já não temos senão um bezerro, um carneiro e sete


cordeiros. É a reprodução do que caracteriza o dia das propiciações
e o primeiro dia do sétimo mês, porque, se este último designava
apenas Israel reconduzido a Deus, o oitavo dia designa, por seu
lado, o que está fora da perfeição terrestre, um povo celestial, posto
à parte. Tal é, segundo me parece, a ideia geral do que nos dá o
Espírito de Deus nesta passagem.

(17) Para este gênero de sacrifício, ver os Tipos de Levítico.

CAPITULOS 30-33

O capítulo 30 fala-nos do voto das mulheres, e refere-se também à


sorte de Israel, responsável pelos votos que tenha feito, ouvindo-os
Deus, e não os tendo quebrado no Seu governo neste mundo. Com
efeito, Israel ficou responsável pelo voto por que se tenha obrigado,
e do qual o nosso precioso Salvador teve de tomar o fardo sobre Si.

No capítulo 31 encontra-se a guerra no deserto (embora o não


caracterize), todas as vezes que caímos nos laços que o Inimigo ali
nos arma. Há sempre combates nos lugares celestiais, em vista de
se gozar das coisas que ali são prometidas; mas, no deserto, é a
paciência que está em exercício. Mas, se houver queda, se cairmos
na idolatria, se cometermos adultério com o mundo, acreditando ou
fazendo acreditar nas suas armadilhas, se, de algum modo, nos
unirmos amigavelmente com ele no deserto, fomentamos guerras,
sem mesmo ganharmos, dessa maneira, o que quer que seja no
domínio espiritual. Deus vê-Se obrigado a aplicar um castigo
completo às nossas relações com as pessoas do mundo. Se não
nos tivéssemos ligado a elas, não teríamos tido essas dificuldades,
mas, uma vez que, sendo nossos amigos, eles nos enganam,
forçoso é que nos tornemos inimigos. A nossa posição normal e
pacífica está em não termos nenhuma relação com eles. Quantas
vezes temos de agir como inimigos com as pessoas do mundo,
porque quisemos tratar com elas como amigos, e elas foram como
laços para as nossas almas! Todavia, Deus dá-nos uma vitória
completa logo que as tratemos como inimigas.

No entanto é indispensável uma destruição total e completa de tudo


o que nos seduziu, senão voltaremos a cair no erro. Portanto, nada
de concessões, nada dever ser poupado.

O Eterno Deus também dá ordens quanto aos resultados felizes das


guerras do Seu povo com os seus inimigos. Escolhe aqueles que
Ele quer para fazerem a guerra, e honra-os; mas quer também
honrar, por sua vez, aqueles que deixou para trás, segundo a Sua
suprema vontade, que foram fiéis à empresa, menos penosa talvez,
que Ele lhes confiou, e têm cumprido segundo a Sua vontade. O
próprio Deus tem de ser também reconhecido pelos Levitas e pelos
sacerdotes.

Uma outra coisa se liga aqui (capítulo 32): Se há, por culpa nossa,
guerras fora de Canaã, foi também por meio de guerras, aliás
indispensáveis, feitas àqueles que se opunham à sua marcha
através do deserto, que o povo de Deus adquiriu para si um bom
país, e, até um certo ponto, descanso, aquém do Jordão, rio da
morte que serve de fronteira ao verdadeiro território da Promessa.
Tendo possessões neste mundo às quais o coração se prende, esse
coração prende-se também às bênçãos que estão aquém do
Jordão, a um certo descanso que o povo de Deus adquiriu para si
mesmo, fora de Canaã. “Não nos faças passar o Jordão”, dizem
eles a Moisés.

Moisés sentia o alcance desse desejo. Se, segundo o governo de


Deus, ele não podia entrar, o seu coração ali estava no entanto.
Recorda-lhes o desprezo do país desejável aquando do envio

de Cades-Barnea os pais deles a verem aquela terra, e censura


asperamente Ruben e Gade.

Todavia, aquelas tribos comprometem-se a marchar à frente dos


filhos de Israel até à conquista do país. Moisés acede então ao
pedido deles e estabelece-os em Gileade com a meia tribo de
Manassés. No entanto a história do Santo Livro revela-nos que
essas tribos foram as primeiras a sofrer e a cair nas mãos dos
Gentios. “Não sabeis — diz Acabe — que Remote de Gileade nos
pertence e que os Sírios a possuem?”. Felizes aqueles que esperam
com paciência as bênçãos de Deus, até que tenham passado o
Jordão, e que, esperando, preferem contentar-se com a sua parte,
em vez de preferirem as bênçãos que estão aquém do País da
Promessa.

Embora seja a Providência de Deus quem as dá, elas são menos


seguras. Mesmo as bênçãos espirituais, embora muito reais,
enganam as esperanças dos santos, se a Assembleia considera o
mundo como sendo a sua sede. Não há fronteiras semelhantes ao
Jordão, e que o Senhor, nos Seus desígnios de graça, estabeleceu
como tais.

Deus conta agora o Seu povo, nome por nome, mostrando ao


mesmo tempo o Seu governo e a Sua fidelidade porque, embora
guardando-os, não restavam do primeiro censo senão Calebe e
Josué. Lembra-Se também (capítulo 33) de toda a sua longa viagem
no deserto.

Cada traço está diante dos Seus olhos e na Sua memória; e agora
põe, em princípio, a posse do país pelo povo, e a destruição total
dos habitantes, que deviam ser inteiramente expulsos e não
permanecerem no meio de Israel. Caso contrário, aqueles de entre
eles que restassem, seriam um tormento para o povo — e Deus
castigaria também Israel como tinha castigado essas nações. É uma
perigosa caridade aquela que poupa os inimigos de Deus, ou antes,
que se poupa, por incredulidade, nos seus combates com eles; em
breve se é arrastado a formar com eles alianças que atraem sobre
nós o Julgamento que esses inimigos têm merecido — e que nós,
em tal caso, merecemos também.

CAPÍTULOS 34-36

Enfim, Deus cuida do Seu povo a todos os respeitos. Estabelece os


limites do país de que deviam gozar; estabelece a tomada de posse
e a parte dos Seus servos, os Levitas, que não deviam ter herança
na terra.

Seis das suas cidades deviam constituir asilos para os homicidas


involuntários, tipo precioso dos caminhos de Deus com Israel que,
na sua ignorância, matou Jesus Cristo. Neste sentido, Deus
considera-o inocente. Eles são culpados do sangue, e não podiam
levar esse fardo, mas são culpados por ignorância, como o próprio
Paulo, nascido antes do tempo (1 Coríntios 15:8), é uma figura
impressionante desta mesma posição. No entanto, um tal homicida
ficava fora da sua possessão, enquanto vivesse o sumo sacerdote
desses dias. É o que sucederá a Israel.

Enquanto Cristo conservar o Seu Sacerdócio atual no Alto, Israel


fica fora da sua possessão, mas sob a salvaguarda de Deus. Os
servos de Deus não têm nenhuma herança neste mundo, mas
servem-lhe, pelo menos, de refúgio; compreendem a sua posição e
reconhecem-no como estando sob a guarda de Deus. Quando o
Sacerdócio celestial de Cristo, tal como é agora, tiver terminado,
Israel entrará na sua possessão. Se o fizesse antes, seria tratar o
sangue de Cristo como se pouco importasse que Ele o tivesse
derramado, e o país estaria maculado dele. Ora a posição atual de
Cristo é sempre um testemunho do fato que Ele foi rejeitado, e da
Sua morte no meio do povo. Todavia, Deus guarda a herança tal
como Ele a ordenou.
A última parte deste Livro apresenta, pois, não o próprio trajeto do
deserto, mas sim as relações entre esta posição e a possessão das
promessas, e do descanso que vem em seguida.

Foi nas planícies de Moabe que Moisés prestou testemunho, e um


testemunho verdadeiro à perversidade da nação; mas foi também ali
que Deus justificou o Seu povo, mostrando os Seus desígnios de
graça, tomando o partido dele contra o inimigo, mesmo sem ele o
saber, e prosseguiu todos os desígnios da Sua graça e do Seu
propósito determinado, para o completo estabelecimento de Israel
no país que lhe tinha prometido. Bendito seja o Seu Nome! Felizes
somos nós por nos ser permitido estudar os Seus caminhos!

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