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Crédito e conservação ambiental no extrativismo da carnaúba (Copernicia prunifera

(Mill.) H. E. Moore) no nordeste brasileiro no período de 2007 a 2012


Credit and environmental conservation in extractive of carnauba (Copernicia prunifera
(Mill.) H. E. Moore) in the northeast Brazil in the period from 2007 to 2012
Crédit et conservation environnemental dans les extractives de la carnauba
(Copernicia prunifera (Mill.) H. E. Moore) dans le Nord-est du Brésil dans les années
2007 à 2012
Crédito y conservación ambiental en la carnauba extractivas (Copernicia prunifera (Mill.) H.
E. Moore) en Noreste Brasil en el periodo de 2007 a 2012

Vera Lúcia dos Santos Costa*


(eco.vera09@gmail.com)
Jaíra Maria Alcobaça Gomes*
(jaira@ufpi.edu.br)

Recebido em 16/07/2015, revisado e aprovado em 23/09/2015; aceito em 20/11/2015


DOI: http://dx.doi.org/10.20435/1518-70122016101

Resumo: A carnaúba (Copernicia prunifera (Mill.) H. E. Moore) tem prestado importante contribuição à
economia nordestina, além de desempenhar funções ambientais para o equilíbrio ecológico. Este trabalho
faz um panorama do crédito ofertado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e pelo Banco do Brasil (BB)
para o setor da carnaúba no Nordeste, analisando o montante de recursos e de contratações no período de
2007 a 2012 e a aplicação deles em cumprimento às determinações da Lei n. 7827 de 27 de setembro de 1989
e do Protocolo Verde.
Palavras-chave: Financiamento. Crédito responsável. Extrativismo.
Abstract: Carnaúba (Copernicia prunifera (Mill.) H. E. Moore) has provided important contributions to the
northeastern economy, in addition to playing environmental functions to the ecological balance. This work
makes a panorama of credit offered by the Bank of the Northeast Brazil (BNB) and the Bank of Brazil (BB) for
the sector of carnaúba in the Northeast, analyzing the value of resources and number of hirings in the period
from 2007 to 2012 and their implementation according to the requirements of Law no. 7827, to September
27, 1989, and Green Protocol.
Key words: Financing. Responsible Credit. Extractivism.
Résumé: La carnaúba (Corpenicia prunifera (Mill.) H. E. Moore) se prêtà une importante contribution à la
économie du Nord-est, enplus, remplie dês fonctions environnementales pour l’équilibre écologique. Ce
travaille fait un panorama sur Le crédit offri par le Banco do Nordeste do Brasil (BNB) et Banco do Brasil au
secteur de la carnaúba dans Le Nord-est, en analyser la grande quantité de ressources et le numero d’emplois
de 2007 à 2012 et leur mise en oeuvre est conforme aux exigences de la loi n. 7827, à 27 Septembre 1989, et
le Protocole vert.
Mots-clés: Financement. Crédit responsable. Extrativisme.
Resumen: La carnauba (Copernicia prunifera (Mill.) H. E. Moore) ha supuesto una importante contribución a
la economía del noreste, además de realizar las funciones ambientales para el equilibrio ecológico. Esta obra
es una visión general del crédito ofrecido por el Banco del Nordeste de Brasil (BNB) y el Banco de Brasil
(BB) para el sector noreste de carnauba, analizando gran cantidad de recursos y número de empleados en
el período 2007-2012 y su aplicación cumple con los requisitos de la Ley núm. 7827, al 27 de septiembre de
1989, y el Protocolo Verde.
Palabras clave: Finanzas. Préstamo responsable. Extracción.

1 INTRODUÇÃO das folhas no artesanato; no social, destaca-se


pela geração de ocupação no meio rural e no
A espécie C. prunifera (Mill.) H. E. ambiental, além de colaborar com equilíbrio
­ oore, popularmente conhecida como
M dos ecossistemas nos quais se insere.
carnaúba ou carnaubeira, tem importância Essa espécie pertence à família ­Arecaceae
econômica, social e ambiental. No âmbito eco- e ao gênero Copernicia Mart. ex Endl. No
nômico, possui múltiplos usos, destacando-se Brasil, está distribuída nos Estados do Norte
a extração do pó cerífero e aproveitamento (Tocantins), Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará,

* Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, Piauí, Brasil.

INTERAÇÕES, Campo Grande, MS, v. 17, n. 1, p. 4-14, jan./mar. 2016.


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Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Para Rabelo e Lima (2009), foi iniciati-
Grande do Norte e Sergipe) e Centro-Oeste va do governo brasileiro fazer com que suas
(Mato Grosso) e, principalmente, nos domí- instituições públicas financeiras – Banco do
nios fitogeográficos da Caatinga e do Cer- Brasil (BB), Banco do Nordeste do Brasil
rado (RIZZINI, 1997; LORENZI et al., 2010; (BNB), Banco da Amazônia (BASA), Banco
­LEITMAN et al., s.d.). Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Vale ressaltar que a produção de pó, por Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal
ocupar grande número de trabalhadores no (CEF) - incorporassem a variável ambiental
campo, conforme Carvalho e Gomes (2009), nas análises de projetos de investimentos
contribui para a redução da pobreza na re- para a concessão de crédito, disso resultando
gião Nordeste. Por outro lado, a atividade é a assinatura, em 1995, da Carta de Princípios
caracterizada pelo baixo padrão tecnológico para o Desenvolvimento Sustentável, mais
e pela desarticulação do setor. conhecida como Protocolo Verde.
Segundo Santos et al. (2006), esse pro- O setor da carnaúba é apoiado pelo cré-
blema leva os produtores à perda de poder na dito formal (ofertado pelos bancos) e informal
negociação dos preços, gera dificuldades de (oferecido pelo atravessador e pelo indus-
aquisição de máquinas e provoca carência de trial). Este estudo trata da contribuição do
orientações para melhorar a produtividade e crédito formal no extrativismo do pó cerífero
a continuidade do negócio. e na produção de cera de carnaúba na região
Analisando o setor extrativo da car- Nordeste para a conservação da espécie.
naúba, no âmbito das relações de produção, O objetivo geral é analisar as operações
tecnologias e mercados do Nordeste, Alves e de crédito contratadas pelo BNB e pelo BB
Coêlho (2008) identificaram a necessidade de para o setor extrativo do pó cerífero e para a
capital para financiar o custeio da atividade, produção de cera de carnaúba no Nordeste,
recorrendo os produtores tanto à instituição no período de 2007 a 2012, verificando a pre-
financeira oficial quanto aos industriais de ocupação quanto à sua manutenção.
cera de carnaúba, donos de armazém de pó Os objetivos específicos consistem em
e agiotas. examinar as operações e os valores contrata-
O pó cerífero é a matéria-prima da
dos pelo BNB e BB nos Estados e municípios
produção de cera de carnaúba, a qual, nas
nos quais há extração de pó e produção de
exportações, tem peso significativo na balança
cera de carnaúba, no período 2007 a 2012, e
comercial do Piauí (um dos três principais
averiguar o cumprimento das determinações
produtos exportados) e do Ceará (um dos dez
da Lei nº 7827, de 27 de setembro de 1989, e
principais), fazendo parte da história econô-
do Protocolo Verde.
mica e social desses Estados. Conforme dados
da Secretaria de Comércio Exterior (2013), em
2012, as exportações de ceras vegetais tiveram 2 CRÉDITO E RESPONSABILIDADE
peso de 20,82% do total exportado pelo Piauí, AMBIENTAL
e de 5,28%, pelo Ceará.
Além dessa importância socioeconô- Embora a Lei nº 6938, de 31 de agosto
mica, a espécie desempenha funções, como de 1981, que estabelece a Política Nacional
a regulação e o suporte dos ciclos ambientais de Meio Ambiente (PNMA), e a Constitui-
da água e dos nutrientes e da oferta produtos ção Federal de 1988 já responsabilizassem as
de provisão, como no caso das folhas que têm instituições financeiras por danos ambientais,
maiores utilidades (GOMES; CERQUEIRA; em decorrência da oferta de crédito, somente
CARVALHO, 2009). na década seguinte se tomaram medidas para
Associada à oferta de crédito, é rele- que se inserisse, em suas análises de concessão
vante, pois, a discussão sobre a conservação de crédito, a variável ambiental.
da espécie, porque as instituições bancárias Conforme Silva (2011), o crédito rural
também são responsabilizadas por impactos causa impacto indireto sobre o meio am-
ao meio ambiente, conforme o artigo 225 da biente. O autor cita, por exemplo, que para a
Constituição Federal, e a Lei de Política Na- expansão do agronegócio, requerem-se mais
cional do Meio Ambiente (PNMA) - Lei nº terras, o que atinge áreas de mata nativa.
6938, de 31 de agosto de 1981. Desse modo, as instituições financeiras, ao

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operarem com o crédito rural, tornam-se riais deles derivados nos processos internos;
indiretamente responsáveis pelos danos 4) informar, sensibilizar e engajar continua-
ambientais. mente as partes interessadas nas políticas e
De acordo com Resurreição (2005), a práticas de sustentabilidade da instituição
Constituição Federal de 1988 inovou ao impor e 5) integrar esforços entre as organizações
ao poder público e à coletividade o dever de signatárias (FEBRABAN, 2011).
conservar um meio ambiente ecologicamen- A assinatura do Protocolo Verde foi o
te equilibrado para as gerações presentes e primeiro passo das instituições financeiras no
futuras. Em consonância com a Constituição sentido de cooperar com a sustentabilidade
Federal, a Lei nº 7827, de 27 de setembro de das atividades econômicas, dado que, nos
1989 – que regulamenta os Fundos Consti- anos 1970 e 1980, financiavam-se projetos que
tucionais - determina que, para a aplicação contribuíram significativamente para a de-
de seus recursos, seja observada a diretriz gradação dos ecossistemas rurais e urbanos.
ambiental. Nesse sentido, a Lei nº 10.117, de Conforme a Agenda 21 Nacional, ainda há
12 de janeiro de 2001, que dispõe sobre os muito a fazer no processo de financiamento
encargos financeiros das operações com recur- de negócios sustentáveis e no detalhamento
sos dos fundos, institui que estes possam ser técnico da avaliação dos custos e benefícios
reduzidos nos créditos de financiamentos de ecológicos a serem considerados na rentabili-
projetos para a conservação e preservação do dade social dos projetos (BRASIL, 2004).
meio ambiente, recuperação de áreas degra- Observe-se que a assinatura do Proto-
dadas ou alteradas, ou de vegetação nativa e colo Verde se deu posteriormente à PNMA e
desenvolvimento de atividades sustentáveis à Constituição Federal, o que evidencia que
(BRASIL, 2001). a posição dos bancos foi de se adequar às
Como já dito, apenas na década de exigências legais e evitar a responsabilização
1990 é que se tomaram iniciativas a fim de por dano ambiental. De certa forma, essa
que as instituições financeiras oficiais cum- adaptação torna-se até um diferencial para
prissem diretrizes, estratégias e mecanismos essas instituições, uma vez que atende às
operacionais para a incorporação da variável reivindicações de grupos sociais.
ambiental no processo e na gestão de crédito Schlischka et al. (2009) ressaltaram a
e incentivos fiscais (TOSINI; VENTURA; pouca utilização, pelos bancos, de indicadores
CUOCO, 2008). O próprio governo federal o de desempenho ambiental e a ausência de
fez, com a criação de um grupo de trabalho uma auditoria ambiental. Somam-se a isso
no Ministério do Meio Ambiente e nas insti- fatores que limitam a aplicação do crédito
tuições financeiras, o que resultou na assina- rural, como: 1) a padronização dos projetos
tura, em 1995, do Protocolo Verde pelo BB, técnicos, devido às distinções entre culturas
BNB, BNDES, BASA e CEF, cuja finalidade permanentes e temporárias, consociadas
foi incorporar a dimensão ambiental aos seus ou não com a pecuária; e 2) as opções de
sistemas de análise e avaliação de projetos, e investimentos para atividades julgadas mais
priorizar ações de apoio ao desenvolvimento lucrativas e seguras, e com padrão tecnológico
sustentável. que permita a responsabilização do tomador
Por apresentar um caráter genérico e do empréstimo pela aplicação dos insumos e
apoiar-se em recomendações, o Protocolo foi cumprimento do itinerário técnico (COUTO,
revisado, em 2008, para enquadrar as realida- 2004).
des e desafios socioambientais (SILVA, 2011). Nas duas últimas décadas, tem-se in-
Sua nova versão objetiva: 1) oferecer linhas tensificado a discussão da relação do crédito
de financiamento e programas que fomentem com a responsabilidade ambiental, tanto pelas
a qualidade de vida da população e do uso instituições financeiras quanto pela academia.
sustentável do meio ambiente; 2) considerar É certo, porém, que ainda há muitas dificulda-
os impactos e custos socioambientais na ges- des em inserir a variável ambiental nas aná-
tão de seus ativos e nas análises de risco de lises de projetos e fazer o acompanhamento
projetos, tendo por base as políticas internas de sua efetividade.
de cada instituição; 3) promover o consumo
consciente dos recursos naturais e de mate-

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3 FUNDO CONSTITUCIONAL DE FI- do Crescimento (PAC), ao Programa


NANCIAMENTO DO NORDESTE (FNE): Nacional de Fortalecimento da Agri-
EVOLUÇÃO E PROGRAMAS cultura Familiar (PRONAF), ao Plano
Agrícola e Pecuário do Governo
Federal, ao Programa de Desenvolvi-
O Fundo Constitucional de Financia-
mento de Micro, Pequenas e Médias
mento do Nordeste (FNE), regulamentado Empresas, ao Programa Nacional de
pela Lei nº 7. 827/89, foi criado para atender Produção e Uso de Biodiesel (PNPB)
a um dos objetivos fundamentais da Cons- e ao Programa Territórios da Cidada-
tituição Federal de 1988: contribuir para nia. (BNB, 2011, p. 8).
o desenvolvimento econômico e social do
Observa-se maior preocupação com a
Nordeste por meio de instituição financeira
aplicação dos recursos do FNE no semiárido
federal regional, no caso, o BNB, mediante
nordestino, para onde se destinam cinquenta
a execução de programas de financiamento
por cento dos valores. Trata-se de uma área
aos setores produtivos, em consonância com
com alta variabilidade e vulnerabilidade cli-
o Plano de Desenvolvimento Regional (PDR)
máticas que, associadas aos condicionantes
(BRASIL, 1989). Esse fundo beneficia, igual-
históricos e à escassez de recursos naturais,
mente, conforme a Lei nº 9.808/99, o norte
impedem um desenvolvimento econômi-
do Espírito Santo e Minas Gerais, incluindo
co e social satisfatório (BNB, 2011). O uso
o Vale do Jequitinhonha e do Mucuri.
de metade dos valores desse fundo visa a
Ele é um instrumento de política pú-
apoiar atividades produtivas vocacionais
blica federal que utiliza recursos da União
e contribuir para a melhoria das condições
para atender aos produtores, às empresas e
econômicas, sociais e ambientais da área e
às cooperativas com atividades nos setores
são destinados à aplicação em programas
agropecuário, mineral, industrial, agroin-
setoriais e multissetoriais, tendo, cada um,
dustrial e de empreendimentos comerciais e
objetivos, público-alvo, atividades, itens fi-
de serviços, segundo as prioridades do PDR nanciáveis, limites de financiamento e prazos
(BRASIL, 1989). diferenciados.
Em 2007, foi instituída, pelo Decreto nº Dentre esses programas, cabe ressaltar
6.047, de 22 de fevereiro, a Política Nacional o FNE Rural, cuja linha de crédito busca
de Desenvolvimento Regional (PNDR), para financiar itens necessários à viabilização
combater não apenas as desigualdades ma- econômica dos empreendimentos, compreen-
crorregionais, mas também as sub-regionais. dendo investimentos fixos e semifixos, custeio
Assim, mapeou-se o território brasileiro em agrícola e pecuário, e comercialização, sendo
Microrregiões (MRGs) de alta renda, MRGs o público-alvo produtores rurais – pessoas
dinâmicas, MRGs estagnadas e MRGs de físicas e jurídicas, empresários registrados em
baixa renda (MIN, 2009), sendo a PNDR uma Junta Comercial, cooperativas e associações
das norteadoras dos Fundos Constitucionais de produtores rurais.
que atuam em harmonia com essa tipologia, A aplicação dos recursos do FNE deve
com prioridade às MRGs de baixa renda e as estar em conformidade com a PNDR, a qual
estagnadas. tem como um de seus objetivos a garantia
A operacionalização do FNE respeita, da sustentabilidade ambiental, e determina,
dentre outras, as seguintes diretrizes: destina- também, as diretrizes de sua programação
ção de pelo menos metade dos recursos para anual, que recomenda conter os pilares do
as atividades econômicas do semiárido; ação desenvolvimento sustentável - o econômico,
integrada com as instituições federais sediadas o social e o ambiental (BRASIL, 2007).
na região; tratamento preferencial aos peque- De acordo com Barbosa (2005), o finan-
nos e miniprodutores rurais e microempresas; ciamento rural não atinge equitativamente
e preservação do meio ambiente (BRASIL, os diferentes tipos de agricultores, quando
1989). Os recursos são aplicados em conjunto deveriam se destinar às regiões menos de-
com as políticas e programas dos governos senvolvidas e a um público-alvo constituído
federal, estadual e municipal, com destaque à de mini e de microprodutores. Outrossim,
[...] política industrial do Governo há o agravante de ter sofrido uma drástica
Federal, ao Programa de Aceleração redução na liberação dos recursos e, em con-

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traste, com os demais Fundos, um crescente municípios nos quais ocorrem as atividades
grau de retenção. de exploração econômica da carnaúba, a
Oliveira (2005) deduz que os recursos extração do pó e a produção de cera de car-
se direcionam pelo lado da demanda, se- naúba, e as que financiaram a atividade no
gundo a solicitação dos agentes econômicos período de 2007 a 2012.
privados locais que atendam aos requisitos Os dados secundários, relativos ao
estabelecidos. Também chegaram à mesma período mencionado, foram o número de
conclusão Almeida, Silva e Resende (2006), operações e o valor nominal do crédito ofer-
ao estudarem a distribuição dos recursos do tado, fornecidos pelo BNB e BB. O contato
FNE, Fundo Constitucional de Financiamento com a primeira instituição deu-se com a sua
do Centro-Oeste (FCO) e Fundo Constitucio- Gerência Executiva da Superintendência,
nal de Financiamento do Norte (FNO) pelos que fica localizada em Fortaleza, CE, por e-
municípios beneficiários, argumentando que, -mail e telefone, a qual forneceu o número de
historicamente, os empréstimos não têm sido operações e os valores nominais contratados
alocados naqueles de menor Índice de De- para os Estados e municípios da região Nor-
senvolvimento Humano Municipal (IDH-M), deste, no setor da carnaúba, identificando as
pois as liberações respondem à demanda por fontes de recursos, também por e-mail, com
financiamento onde existe algum dinamismo anexo em planilha do Excel. Com a segunda
econômico, o que não atende ao principal ob- organização, o contato ocorreu por meio de
jetivo, qual seja o de reduzir as desigualdades ofício à sua Superintendência, situada em
regionais. Teresina/PI, que foi respondido da mesma
No entanto a aplicação dos recursos do forma, informando o número de operações e
FNE segue as determinações da Constituição valores nominais contratados por agências na
Federal e da PNDR, sendo destinados aos região Nordeste, com identificação do tipo de
setores da economia por intermédio da pro- empreendimento. Além desses, foram levan-
gramação de financiamentos. A concentração tados, do Anuário Estatístico do Banco Cen-
em determinados Estados, municípios e em al- tral do Brasil, os valores totais referentes aos
guns segmentos da economia deve-se à dina- financiamentos do FNE na região Nordeste.
micidade de cada um e, segundo Jayme Júnior Os dados primários foram adquiridos
e Crocco (2005), tanto os tomadores quanto por meio de visitas técnicas às agências do
os ofertantes de crédito têm preferência pela BNB, no Piauí, nos municípios de Campo
liquidez e por menor incerteza, até porque a Maior, Esperantina, Piripiri, Picos e Floria-
inadimplência desestimula o setor bancário. no. A finalidade era identificar os credores,
delinear os procedimentos adotados para a
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS concessão do crédito e verificar a ocorrência
de inadimplência. Teve-se contato, nesses
Para este estudo, foram adotados os municípios, ao todo, com seis arrendatários,
procedimentos quantitativo, em que se fez três donos de armazém de pó e um indus-
uma análise do número de operações e de trial, a fim de captar-lhes informações sobre
seus valores, no período de 2007 a 2012, e qua- a importância do crédito e das práticas de
litativo, realizando visitas técnicas às agências conservação da espécie. As respostas foram
do BNB em municípios do Piauí, bem como registradas, sistematicamente, em um cader-
a arrendatários, donos de armazém de pó e no de anotações.
industrial. A análise é de caráter descritivo, A escolha do Estado do Piauí deu-se
que, segundo Gil (1990), tem por objetivo pela proximidade geográfica do pesquisador
primordial o detalhamento das características com as fontes de informações. Já a seleção dos
de um grupo ou o estabelecimento de relações municípios ocorreu em função da quantidade
entre variáveis. Destarte a presente pesquisa de operações realizadas no período de 2007
contou com levantamento de dados secun- a 2012.
dários, primários e documental, em especial, Conforme Gil (1990), essa amostragem
as leis que tratam do crédito rural e do FNE. é não probabilística dos tipos acessibilidade
A área de estudo abrange a região Nor- e tipicidade. O primeiro tipo é o menos rigo-
deste do Brasil, especificamente os Estados e roso, e o segundo consiste em selecionar um

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H. E. Moore) no nordeste brasileiro no período de 2007 a 2012

subgrupo que, com base nas informações tucionais, bem como das diretrizes inerentes
disponíveis, possa ser considerado repre- às cláusulas do Protocolo Verde e do contrato
sentativo. de custeio do BNB, buscando reconhecer os
aspectos ambientais exigidos na concessão
4.1 Tratamento dos dados e análise de crédito.

O tratamento dos dados secundários 5 OFERTA DE CRÉDITO PELO BANCO


consistiu na deflação do valor das operações DO NORDESTE DO BRASIL AO SETOR
pelo Índice Geral de Preços Disponibilidade DA CARNAÚBA
Interna (IGP-DI), obtido no IPEADATA,
tendo como ano-base 2007, e o cálculo da O setor rural é o mais beneficiado com
taxa de crescimento do valor financiado por recursos do FNE, seguido pelo industrial, pela
municípios, com o propósito de identificar agroindústria, pelo turismo, pelo comércio e
onde a oferta de crédito se expandiu. Após serviços e pelo ramo de infraestrutura.
esse tratamento, os dados foram tabelados Os Estados que recebem maior volume
para verificar como se deu a evolução do de benefícios são a Bahia, o Ceará e Pernam-
número de operações e valores financiados, buco. Do total destes, aplicados no Nordeste,
e identificar os municípios que receberam no período de 2007 a 2012 somente 0,27% se
maior volume de recursos. destinaram ao setor da carnaúba, represen-
Ademais, fez-se uma leitura acurada da tando um valor ínfimo, conforme se pode
Lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, que contemplar pela distribuição por Estados, na
trata da regulamentação dos Fundos Consti- Tabela 1.

Nesse período, o BNB ofertou R$ 27,86 restringiram-se ao Piauí no período de 2007 a


milhões para o setor da carnaúba. Desse valor, 2010, assim como os Recursos Internos, a uma
59,95% foram para o Ceará, 33,96% para o única operação, em 2007. Já os da STN foram
Piauí, 4,24% para o Maranhão e 1,85% para o aplicados, em 2007, no Piauí, correspondendo
Rio Grande do Norte. Quanto às fontes desse a uma operação de 4,55% do total, e no Ma-
crédito, 97,78% vieram do FNE, 1,62% da Pou- ranhão, a vinte e uma operações, com 95,45%
pança Rural, 0,48% Recursos Internos e 0,12% do total.
da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Entretanto, comparado ao período de
Os recursos do FNE foram distribu- nove anos, analisado por Alves e Coêlho
ídos nos quatro Estados e, do total, aplica- (2008), o montante mais que triplicou em seis
ram-se 61,29% no Ceará, 32,57% no Piauí, anos, sendo distribuído em 33 municípios
4,22% no Maranhão e 1,89% no Rio Grande piauienses, 28 cearenses, 19 maranhenses e
do Norte. Os recursos da Poupança Rural seis potiguares.

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Os recursos aplicados no Ceará concen- não seja nesses municípios que se concentra a
traram-se em Granja, Uruoca, Martinópole, produção de pó cerífero, sendo representativa
Sobral e Santana do Acaraú, que somaram a de cera bruta.
um volume de 80,50% do total do Estado no O volume de crédito concentrado em
período, e o número de operações contratadas um município não significa, pois, que ele
representou 75,08% do total. Esses municípios tenha maior número de beneficiários, dado
estão entre os principais produtores de pó que um arrendatário pode pegar emprestado
cerífero e localizam-se na mesorregião No- de R$ 1.500,00 a R$ 50.000,00 mil reais, e isso
roeste cearense. depende do tamanho da área de carnaubal
No Piauí, eles concentram-se em Es- a ser explorada e da quantidade de pó a ser
perantina, Floriano, Luzilândia, Capitão de extraído.
Campos e Oeiras (52,49% do total do Estado Observou-se maior quantidade de
no período), sendo que nenhum está entre beneficiários do crédito no Ceará, nos mu-
os que têm maior produção de pó cerífero, nicípios de Granja, Uruoca e Martinópole,
como acontece no Ceará. Os municípios que e no Piauí, em Esperantina e Luzilândia. Os
se destacaram na produção de pó cerífero municípios de Sobral, no Ceará, e Picos, no
no período foram Campo Maior, Piripiri, Piauí, tiveram grande volume de recursos,
Piracuruca, Picos e Castelo do Piauí. Em ter- mas número menor de operações.
mos do número de operações contratadas, Comparando o período de 1998 a 2006,
sobressaíram-se Esperantina, Luzilândia, analisado por Alves e Coêlho (2008), com o
Floriano, Sussuapara e Oeiras, respectiva- de 2007 a 2012, nota-se que neste o número de
mente, com 42,64% do total das operações. O operações no Ceará quadruplicou, enquanto
município de Capitão de Campos é atípico, que, no Piauí, continuou quase estável, e no
porque teve um montante significativo de Rio Grande do Norte, aumentou considera-
recursos empregados, mas concentrados em velmente o número de operações em relação
uma única operação. ao período anterior.
Observou-se que, em Campo Maior, A taxa de crescimento dos valores de
não houve registro de contratação para o pe- crédito cresceu 33,86% no Maranhão, 29,59%
ríodo. Conforme visita técnica a dois donos no Ceará, 13,82% no Piauí, e 12,51% no Rio
de armazém de pó, constatou-se uma articu- Grande do Norte, sendo o percentual de
lação por parte de um deles. Além disso, a operações positiva no Rio Grande do Norte
agência BNB teve uma experiência negativa (24,86%), Ceará (18,93%) e Piauí (8,73%), e
de inadimplência em anos anteriores, e não negativo no Maranhão (-26,03%).
conta com suporte técnico para orientar os O município de Viçosa, no Ceará, foi o
tomadores de crédito, o que gera desinteresse que teve maior taxa de crescimento de valo-
de emprestar para o setor. A prática de donos res financiados (108,83%), porque, em 2012,
de armazém de pó e industriais custearem a realizaram 14 operações de crédito quando,
extração do pó cerífero é comum no Piauí, em anos anteriores, era feita apenas uma, o
conforme se verificou em Esperantina, Piri- que revela um aumento de 97,11% de opera-
piri, Picos e Floriano, mesmo com a atuação ções. Outros municípios cearenses com taxas
do banco. de crescimento dos valores de crédito acima
No Maranhão, os municípios de Araio- de 50% foram Sobral (93,99%), Barroquinha
ses e Magalhães Almeida somaram 88,64% (77,88%), Jaguaruana (70,61%) e Caucaia
dos valores do crédito aplicados no Estado, (61,75%), enquanto as negativas ocorreram
sendo os que tiveram maior produção de pó em Massapê, Bela Cruz, Itaiçaba e em outros.
cerífero no período. Contudo ocorreram mais Destaque-se que aqueles com maiores
operações em Buriti Bravo, Aldeias Altas, taxas de crescimento do número de opera-
Lago dos Rodrigues e Bernardo do Mearim ções, além de Viçosa, no Ceará, foram Sobral
(51,85% do total). (59,71%) e Barroquinha (54,99%), e apresenta-
No Rio Grande do Norte, os valores ram taxas negativas Itaiçaba e Palhano.
do crédito e o número de operações ficaram Observaram-se, no Piauí, taxas de cres-
concentrados em Apodi e Assu, totalizando cimento negativas de valores e número de
74,78% e 78,79%, respectivamente, embora operações de crédito em Floriano, onde está

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Crédito e conservação ambiental no extrativismo da carnaúba (Copernicia prunifera (Mill.) 11
H. E. Moore) no nordeste brasileiro no período de 2007 a 2012

havendo uma redução delas. Conforme en- negativos em Russas (-16,09%) e no Delta do
trevista com três arrendatários de carnaubal, Parnaíba (-6,33%), tendo crescimento positivo
constatou-se que essa tendência é decorrente os valores financiados pelas agências de Aca-
das dificuldades de regularização do trabalho raú (22,99%) e Floriano (16,18%).
estabelecida na Convenção Coletiva de Tra- No Ceará, destacam-se as agências de
balho1, o que lhes provoca desinteresse em Acaraú e Beberibe, como crédito destinado
investir na atividade. ao agronegócio familiar. Embora os recursos
No Maranhão, os municípios de Araio- se concentrem nessas duas agências, há um
ses e Magalhães Almeida tiveram, no período, número razoável de beneficiários, e o valor
taxa de valores de crédito positiva, e as do ofertado não é concentrado, como em Russas.
número de operações foram nulas. No Rio De maneira geral, os financiamentos do
Grande do Norte, destaca-se Assu, com taxa BB para o extrativismo do pó e da produção
de crescimento dos valores e de operações de de cera de carnaúba, no Ceará, reduziram-
crédito positivas (29,26% e 25,60%, respecti- -se em 8,79%. Apenas em Acaraú houve
vamente). um crescimento positivo de 21,6%. A taxa
de crescimento da quantidade de operações
6 OFERTA DE CRÉDITO PELO BANCO nesse município teve taxa positiva 4,31%, com
DE BRASIL AO SETOR DA CARNAÚBA redução nas demais agências, à exceção de
Floriano, que conta com taxa de crescimento
A Superintendência do BB no Piauí nula, pois o número de operações permane-
disponibilizou os dados do crédito ofertado ceu constante.
para o setor da carnaúba por agências apli-
cadoras nas safras de 2008/09 a 2011/2012. 7 PRÁTICAS DE CONCESSÃO DE CRÉ-
Nesse período, a atuação do banco ocorreu DITO PELO BANCO DO NORDESTE DO
no Piauí, Ceará e Maranhão, sendo o crédito BRASIL EM MUNICÍPIOS DO PIAUÍ
da modalidade custeio distribuído para em-
preendimentos denominados de agronegócio Nas visitas e entrevistas, verificaram-
familiar2 e agronegócio empresarial. -se algumas semelhanças e peculiaridades
Durante as safras, o BB ofertou R$ 4,22 de concepção e organização da atividade
milhões por meio de sete agências no Ceará no Estado. Dentre as similaridades, cita-se
(56,53%), sendo destinado tanto ao agronegó-
a atuação conjunta do BNB e dos donos de
cio familiar quanto ao empresarial; quatro no
armazém de pó na oferta de crédito para o
Piauí (43,34%), para o empresarial; e uma no
setor, e como particularidades, a atuação de
Maranhão (0,13%), para o familiar.
industriais como arrendatários que recorrem
O atendimento pelas agências não
ao crédito fornecido pelo banco.
se restringe ao município onde se situam,
Em Campo Maior, foram entrevistados
mas abrangem os circunvizinhos, como, por
dois donos de armazém de pó, um que oferta
exemplo, a de Floriano, que atende também
crédito para o custeio da extração, utilizando
a Bertolínia, Canavieira, Jerumenha, Landri
recursos próprios, e outro que não faz o mes-
Sales, Marcos Parente, Nazaré do Piauí, Porto
mo procedimento. A relação entre dono de
Alegre do Piauí, São Francisco do Piauí e São
José do Peixe. armazém de pó e arrendatários é estabelecida
Quanto à taxa de crescimento do valor na confiança, sem um contrato formal. O que
do crédito nas safras, observaram-se valores não disponibiliza crédito para o setor não o
faz por não conseguir estabelecer esse tipo de
relação com o cliente, pois já teve prejuízos
1
A Convenção Coletiva de Trabalho (2013/2014) do com essa prática.
Piauí estabeleceu as condições de trabalho para todos os
trabalhadores rurais que exerçam atividades produtivas
Na verdade, o dono de armazém de pó
e econômicas no setor da palha de carnaúba. capitalizado comanda, praticamente sozinho,
2
O agronegócio familiar é constituído por pequenas e a organização do setor extrativo e, além de
médias propriedades tocadas pela família que se dedica ofertar crédito, possui as máquinas de bater
à produção diversificada de produtos diferenciados, palhas, o que deixa os rendeiros à mercê
de alto valor agregado e em geral atrelada às etapas de
dele. Por outro lado, conforme a gerência do
pré-processamento e processamento desenvolvidas ou
não na própria propriedade (FREITAS, 2008). BNB, a experiência negativa com o setor, em

INTERAÇÕES, Campo Grande, MS, v. 17, n. 1, p. 4-14, jan./mar. 2016.


12  Vera Lúcia dos Santos Costa; Jaíra Maria Alcobaça Gomes

anos anteriores, provocou desinteresse na dade e que se preocupam com a preservação


oferta de crédito para a atividade, o que de da espécie. Citaram, ainda, que, além deles,
fato aconteceu no período de 2007 a 2012. As outros têm cuidados com a planta, não cor-
informações do gerente da agência do BNB tando, por exemplo, as folhas mais novas das
de Campo Maior são pertinentes com o cita- carnaúbas, o que lhes retarda o crescimento de
do por Almeida, Silva e Resende (2006), que novas folhas, quando não lhes causa a morte.
dizem que a inadimplência dos tomadores Eles ressaltam que a atividade extrativa não
de crédito gera desinteresse, por parte dos causa grandes danos à espécie, até porque já
bancos, em emprestar para o segmento. sabem como preservá-la, e os próprios donos
Em oposição, a agência do BNB em de carnaubais não gostam que se prejudique
Esperantina, Picos e Floriano não apresentou a planta.
inadimplência relevante para o setor e, por Um dos arrendatários, em Esperantina,
isso, tem interesse em que os arrendatários informou que o governo deveria fornecer al-
solicitem o custeio. Em Piripiri, a agência gum apoio para a conservação da carnaúba
já teve problemas até o ano de 2009 e, para pelo combate a uma espécie vegetal conheci-
solucioná-los, decidiu segmentar a demanda, da como copa-de-são-josé ou mato-de-leite,
sendo aprovado o crédito para os arrendatá- que laça a palmeira e, quando chega à copa,
rios que se encaixem no perfil exigido. Isso mata-a.
só foi possível com a elaboração de um mini- Arrendatários, donos de armazém de
projeto técnico pelo qual se excluíram alguns pó e o banco reconhecem que o extrativismo,
rendeiros do próprio município que, para embora ainda não seja uma atividade regula-
atenderem às suas necessidades, recorrem rizada, efetivamente, é uma importante fonte
aos donos de armazém de pó3. de renda na entressafra agrícola, gerando
Em Piripiri, o relato é que, por não pos- empregos no campo. No que diz respeito à
suírem capital próprio suficiente, os donos de questão trabalhista, há dificuldades de regu-
armazém de pó ficam, algumas vezes, depen- larização devido às próprias características
dentes do industrial, uma relação que ocorre da atividade.
quando fazem a venda antecipada de certa O tema da legalização trabalhista no
quantidade de pó cerífero a um preço fixo. setor extrativo da carnaúba tem gerado con-
Constatou-se que o banco concede o trovérsias entre o Ministério do Trabalho,
crédito mediante a análise de um miniprojeto gerência de bancos, arrendatários e donos
técnico, o qual é elaborado por um técnico do de armazém de pó. De modo geral, esses três
banco ou um profissional liberal, junto com o últimos agentes argumentam a inviabilidade
arrendatário, que deve identificar o tamanho da regulamentação devido à atividade ser
do carnaubal a ser arrendado e seu rendimen- temporária. Além disso, há trabalhadores que
to em pó cerífero, após o que se determina o não querem assinar a carteira, na perspectiva
valor a ser emprestado. de encontrar outro emprego.
Para que tenha acesso ao crédito, o ar- Observou-se que, na prática, as agências
rendatário deve enquadrar-se nos seguintes estão mais preocupadas com a adimplência
requisitos: não estar inadimplente, aplicar o e com a regularização trabalhista, salvo a de
crédito de acordo com a finalidade produtiva, Piripiri, que tem se voltado, também, para a
não infringir a legislação que trata do trabalho questão da sustentabilidade da atividade pro-
infantil, do adolescente e na condição análoga dutiva. Esta reconhece que a rotatividade dos
à de escravo, bem como no que se refere à dis- carnaubais é uma forma de conservação, além
criminação racial e de gênero, assédio moral de aumentar-lhes a produtividade, sendo esta
ou sexual, crime contra o meio ambiente e da- a principal motivação dessa prática.
nos contra a segurança e medicina do trabalho. Porém o papel de conservar os carnau-
Os arrendatários informaram que o bais é desempenhado pelos extrativistas que
crédito é importante para a execução da ativi- fazem o manejo condizente para a existência
dos indivíduos, pois conhecem a importância
da espécie para a manutenção de sua renda.
3
Mesmo na relação rendeiro-dono de armazém de pó
o problema da inadimplência existe, o que é até pior,
Ademais, o corte das folhas não causa grandes
porque o contrato é estabelecido na confiança. impactos sobre a planta e o meio ambiente,

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Crédito e conservação ambiental no extrativismo da carnaúba (Copernicia prunifera (Mill.) 13
H. E. Moore) no nordeste brasileiro no período de 2007 a 2012

sendo a extração do pó cerífero uma atividade Nas demais, não se pôde constatar o
sustentável. Portanto o crédito, sendo um in- mesmo cenário, embora os arrendatários e
centivo à atividade, contribui, indiretamente, donos de carnaubais afirmem que, por sa-
para a conservação dos carnaubais. berem da importância da espécie, tratam de
conservá-la. Ressalta-se que o corte das folhas
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS de carnaúba não causa grande impacto sobre
a planta e o meio ambiental.
O crédito ofertado para o segmento da A aplicação dos recursos segue as di-
carnaúba pelo Banco do Nordeste do Brasil retrizes dos programas de financiamento,
e pelo Banco do Brasil, no período de 2007 os quais recomendam que sejam observadas
a 2012, foi registrado em quatro Estados do as questões ambientais. O compromisso dos
Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Gran- bancos com a responsabilidade ambiental
de do Norte. As fontes dos recursos foram o intensificou-se após a adesão ao Protocolo
FNE, contratados nos quatro Estados, a Pou- Verde, sendo que os contratos já incluem
pança Rural e Recursos Internos, no Piauí, e cláusulas para que a atividade seja exercida
da Secretaria do Tesouro Nacional, no Piauí de forma ecologicamente sustentável.
e Maranhão. Pesquisas já evidenciaram que o extrati-
O maior número de contratações ocor- vismo do pó cerífero gera um grande número
reu no Ceará, seguido pelo Piauí, Maranhão de empregos no campo, o que é reconhecido
e Rio Grande do Norte. Ao longo do período, pelo BNB, arrendatários e proprietários de
houve aumento do valor e do número de carnaubal. Contudo a questão da regulariza-
operações nos dois primeiros Estados, e dimi- ção trabalhista é um tema controverso entre
nuição nos contratos e aumento nos valores o Ministério do Trabalho e os demais agentes
do Maranhão e do Rio Grande do Norte. do setor e, por isso, merece um estudo mais
As operações destinaram-se a trinta aprofundado.
municípios cearenses, trinta e três piauienses,
dezenove maranhenses e seis potiguares. REFERÊNCIAS
Verificou-se que 75,8% do valor financiado no ALMEIDA, M. F.; SILVA, A. M. A. da; RESENDE, G. M.
Ceará ocorreram nos municípios com maior Uma análise dos Fundos Constitucionais de Financiamento
produção de pó cerífero, em contraste com o do Nordeste (FNE), Norte (FNO) e Centro-Oeste (FCO).
Brasília: IPEA, ago. 2006. (Texto para discussão nº 1206).
Piauí, cujo município com maior produção
não teve financiamento. No Rio Grande do ALVES, M. O.; COÊLHO, J. D. Extrativismo da car-
naúba: relações de produção, tecnologias e merca-
Norte, as contratações concentraram-se nos dos. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008.
municípios com maior produção de pó ce- 214 p. (Série Documentos do ETENE, 20).
rífero. BANCO DO BRASIL (BB). Crédito rural - safras
Na questão da conservação da carnaúba 2008/09-2011/12. Ofício SUPER-PI/DS - 145/2013. Banco
no Piauí pelos agentes produtores e finan- do Brasil, 2013.
ceiros, revelou-se que os primeiros sabem BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Anuário
da importância da espécie e se preocupam estatístico. Disponível em: <www.bcb.gov.br>.
em conservá-la. No que se refere à atuação Acesso em: 11 mar. 2013.
das agências do BNB, indentificou-se que, BANCO DO NORDESTE DO BRASIL (BNB). FNE
2011: Fundo Constitucional de Financiamento
para terem acesso ao crédito, os extrativistas
do Nordeste - Programação Regional. Fortaleza:
devem preencher alguns requisitos exigidos BNB, 2011.
pelo banco, dentre os quais, a elaboração de
______. Número de contratações e valor do financiamen-
um miniprojeto técnico para a determinação to da cadeia produtiva da cera de carnaúba. [mensagem
do valor a ser concedido. pessoal]. Mensagem recebida por <eco.vera09@
Registra-se como um avanço na sus- gmail.com> em 15 abr. 2013.
tentabilidade da extração do pó de carnaúba BARBOSA, H. F. Análise do direcionamento dos
a exigência da agência do banco em Piripiri, recursos dos fundos constitucionais – um estudo do
FCO, FNO e FNE. set. 2005. Dissertação (Mestrado
que, além de disponibilizar um técnico para
em Desenvolvimento Econômico) - Universidade
fazer o acompanhamento da execução da Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.
atividade, conta com a rotatividade periódica
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INTERAÇÕES, Campo Grande, MS, v. 17, n. 1, p. 4-14, jan./mar. 2016.


14  Vera Lúcia dos Santos Costa; Jaíra Maria Alcobaça Gomes

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